segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

A Reforma Protestante, filha da Renascença




A Idade Média não era tão diferente dos tempos modernos, como credes; as leis eram diferentes, assim como os usos e os costumes, mas as paixões humanas eram as mesmas. Se um de nós foss transportado para a Idade Média veria ao seu redor trabalhadores, soldados, padres, economistas, desigualdades sociais, ambições, traições. “O QUE MUDOU FOI O OBJETIVO DA ATIVIDADE HUMANA”. Não se poderia dizer de melhor maneira. Os homens da Idade Média eram da mesma natureza que a nossa, natureza inferior à dos anjos e, ademais, decaída. Eles tinham nossas paixões, deixavam-se, como nós, arrastar por elas, frequentemente a excessos mais violentos. Mas o objetivo era a vida eterna: os usos, as leis e os costumes inspiravam-se nela; as instituições religiosas e civis dirigiam os homens para seu fim último, e a atividade humana se dirigia, em primeiro lugar, à melhoria do homem interior. O que conta como “progresso” não é o que contribui para uma maior perfeição moral do homem, mas o que aumenta seu domínio sobre a matéria e a natureza, a fim de colocá-las mais completa e docilmente a serviço do bem-estar temporal.


Para alcançar esse bem-estar foram sucessivamente proclamadas a independência da razão relativamente à Revelação, a independência da sociedade civil relativamente à Igreja, a independência da moral relativamente à lei de Deus: três etapas na via do PROGRESSO perseguido pela Renascença, pela Reforma e pela Revolução.

Não se deve crer que os humanistas, literatos e artistas, cujas aberrações vimos do tríplice ponto de vista intelectual, moral e religioso, não formassem senão pequenos cenáculos fechados, sem eco, sem ação no exterior. Ademais, era na corte dos príncipes que os humanistas tinham suas academias; era ali que compunham seus livros; era ali que espalhavam suas ideias, que estabeleciam seus costumes; e é
sempre do alto que desce todo mal e todo bem, toda perversão assim como toda edificação.

Não há, pois, motivo para espanto se a Reforma, que foi uma primeira tentativa de aplicação prática das novas ideias formuladas pelos humanistas, foi recebida e propagada com tanto ardor pelos príncipes na Alemanha e em outras partes e se ela encontrou no povo acolhimento tão fácil.

A resistência foi muito fraca na Alemanha; foi mais vigorosa na França. O cristianismo tinha penetrado mais profundamente nas almas de nossos pais do que em qualquer outro lugar; combatido na sua teoria pelos humanistas, ele sobreviveu mais tempo na maneira de viver, de pensar e de sentir. Daí, entre nós, uma luta mais encarniçada e mais prolongada. Ela começou pelas guerras de religião, continuou na Revolução, ela dura sempre, como muito bem assinalou Waldeck-Rousseau.

As diversas peripécias desse longo drama mantêm em expectativa o céu, a terra e o inferno; porque se a França decidir-se por rejeitar o veneno revolucionário, ela restaurará no mundo inteiro a civilização que ela foi a primeira a compreender, a adotar e a propagar. Se ela sucumbir, o mundo terá tudo temer.

O protestantismo veio-nos da Alemanha, e, sobretudo de Genebra. Ele foi bem denominado. Era impossível qualificar a Reforma de Lutero com uma palavra diferente de protesto, porque ela é protesto contra a civilização cristã, protesto contra a Igreja que fundara essa civilização, protesto contra Deus, do qual essa civilização emanava. O protestantismo de Lutero é o eco sobre a terra do Non serviam de Lúcifer. Ele proclama a liberdade, a dos rebeldes, a de Satã: o liberalismo. Ele diz
aos reis e aos príncipes: “Empregai vosso poder para sustentar e para fazer triunfar minha revolta contra a Igreja e eu vos entrego toda a autoridade religiosa”.

Tudo o que a Reforma tinha recebido da Renascença e que ela devia transmitir à Revolução está contido nesta palavra: Protestantismo. Comunicado de indivíduo a indivíduo, o protestantismo logo ganhou província após província. O historiador alemão e protestante Ranke, diz qual foi seu grande meio de sedução: o desregramento moral, que a Renascença havia colocado em lugar de honra. Muitas pessoas abraçaram a Reforma, diz ele, com a esperança de que ela lhes asseguraria uma maior liberdade na conduta privada. Com efeito, existe entre o catolicismo e o protestantismo, tal como pregou Lutero, uma diferença radical sob esse aspecto. O catolicismo promete recompensas futuras para a virtude e ameaça o vício com castigos eternos; por aí, ele põe o mais poderoso freio às paixões humanas. A Reforma vinha prometer o paraíso a todo o homem, mesmo ao mais criminoso, com a única ressalva de um ato de fé interior para a justificação pessoal, por imputação dos méritos de Cristo. Se, pelo só efeito dessa persuasão, que é fácil de conceder, os homens recebem a garantia de ir ao paraíso, mesmo continuando a se entregarem ao pecado, e mesmo ao crime, muito tolo seria aquele que renunciasse a obter aqui em baixo tudo o que encontra à sua disposição.

Deus, no entanto, não deixou Sua Igreja sem socorro nesta, como em nenhuma outra provação. Santos, entre outros São Bernardino de Siena, não cessaram de advertir e de mostrar o perigo. Eles não foram ouvidos. E foi por isso que a Renascença engendrou a Reforma e a Reforma a Revolução, cujo objetivo é aniquilar a civilização cristã para substituí-la em todo o universo pela civilização dita moderna.

A partir de Clóvis, o catolicismo não tinha deixado um só dia de ser a religião do Estado. Das tradições carolíngias e merovíngias foi a única conservada completamente intacta até a Revolução. Durante meio século os protestantes tentaram separar de sua Mãe a filha primogênita da Igreja; usaram alternadamente a astúcia e a força para se apoderarem do governo, para colocar o povo francês tão católico sob o jugo dos reformadores, como acabavam de fazer na Alemanha, na Inglaterra, na Escandinávia. Estiveram prestes a conseguir.

Os huguenotes tinham a intenção de substituir a monarquia cristã por um governo e um gênero de vida “modelados segundo os de Genebra”, quer dizer, a república. “Os huguenotes, diz Tavannes, estão a caminho de fundar uma democracia”. O jurista protestante François Hatman exerceu sobre os espíritos, no sentido democrático, uma grande influência com seu livro Franco-Gallia, 1573. Ele coloca a serviço das teorias republicanas uma história à sua maneira, para conduzir, com grande reforço de textos e de afirmações, os franceses à “sua constituição primitiva”. “A soberana e principal administração do reino, dizia ele, pertence à geral e solene assembleia dos três Estados”. O rei reina, mas não governa. O Estado, a República é tudo, o rei quase nada. Ele joga seus leitores na plena soberania do povo.

O Franco-Gallia teve uma repercussão enorme. O sistema exposto nesse livro é a democracia tal como compreendida hoje em dia. Essa forma de governo, dando aos agitadores fácil acesso aos primeiros cargos do Estado, propicia-lhes o poder para propagarem suas doutrinas; ao mesmo tempo, ela dá melhor resposta às ideias de independência que estavam no fundo da Reforma, ao direito que a Renascença queria conferir ao homem para que se dirigisse por ele mesmo em direção ao ideal de felicidade que ela lhe apresentava. A França, por causa dos huguenotes, estava à beira do abismo.

A situação não era menos crítica para a Igreja Católica. Ela acabava de perder a Alemanha, Escandinávia, a Inglaterra e a Suíça; os Países Baixos se insurgiam contra Ela. O objetivo mais constante de todo o partido protestante, para o qual Coligny não cansou de trabalhar, era arrastar a França para uma liga geral com todos os Estados protestantes, para esmagar a Espanha, única grande nação católica que permaneceu poderosa. Isto teria sido a ruína completa da civilização cristã.

Deus não o permitiu e a França também não. Os Valois fraquejavam, hesitavam, adotavam variações na sua política. A Liga nasceu para tomar em suas mãos a defesa da fé, para mantê-la na nação e no governo do país. Os católicos, que, formavam agora a quase totalidade dos franceses, quiseram ter chefes absolutamente inquebrantáveis em sua fé. Escolheram a Casa de Guise. “Em qualquer apreciação que se faça sobre as guerras de religião, diz Boselli, é impossível desconhecer que a Casa de Guise foi, durante todo esse período, a própria encarnação da religião do Estado, do culto nacional e tradicional ao qual tantos franceses permaneciam unidos. Ela personificou a ideia da fidelidade católica. Os Guise provavelmente ter-se-iam tornado reis de França se Henrique III se tivesse feito protestante, ou se Henrique IV não se tivesse feito católico”.

Deus quis conservar à França sua estirpe real, como Ele havia feito uma primeira vez pela missão dada a Joana d'Arc. O herdeiro do trono, segundo a lei sálica, era Henrique de Navarra, aluno de Coligny, protestante e chefe dos protestantes. Deus mudou seu coração. A França recobrou a paz, e Luís XIII e Luís XIV recolocaram nosso país no caminho da civilização católica. Digamos, entretanto, que esse último cometeu essa falta, que por si devia ter graves consequências, de desejar a declaração de 1682. Ela trazia nos seus flancos a constituição civil do clero, ela começava a obra, nefasta entre todas, da secularização que prossegue hoje até às suas últimas consequências.

Luís XV, que se abandonou aos usos da Renascença, viu a obra de descristianização iniciada pela Reforma ser retomada por Voltaire e pelos enciclopedistas precursores de Robespierre, ancestrais daqueles que nos governam atualmente. Taine disse com muita propriedade: “A Reforma não é senão um movimento particular dentro de uma revolução que começou antes dela”. O século XIV abre o caminho; e depois, cada século se ocupa apenas a preparar, na ordem das ideais, novas concepções, e, na ordem prática, novas instituições. Desde aquele tempo, a sociedade não mais reencontrou seu guia na Igreja, nem a Igreja Sua imagem na sociedade”.


A Conjuração Anticristã, O Templo Maçônico que quer se erguer sobre as ruínas da Igreja Católica (tomo I) – Monsenhor Henri Delassus

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