terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

PASCENDI DOMINICI GREGIS








AS DOUTRINAS MODERNISTAS

Papa Pio X


INRODUÇÃO

A missão, que nos foi individualmente confiada, de apenas, de apascentar o rebanho do Senhor, entre os principais deveres impostos por Cristo conta o de guardar com todo o desvelo o depósito da fé transmitida aos santos, repudiando as profanas novidades de palavras e as oposições de ciência de falso nome. Na verdade, esta providência do supremo pastor foi em todo tempo necessária à Igreja Católica; por quanto, devido ao inimigo do gênero humano nunca faltaram “homens falando coisas pervertidas” (At 20,30), “palavrosos e enganadores” (Tt 1,10), “que progredirão no mal, enganando e sendo enganados” (2 Tm 3,13). Contudo, é preciso confessar que, nestes últimos tempos, cresceu sobremaneira o número dos inimigos da cruz de Cristo; os quais, com artifícios de todo ardilosos, se esforçam por tornar vã a virtude vivificante da Igreja e solapar pelos alicerces, se dado lhes fosse, o próprio Reino de Jesus Cristo. Por isso já não nos é lícito calar para não parecer faltarmos ao nosso santíssimo dever, e para que se nos não assaque a descuido de nossa obrigação a benignidade de que, na esperança de melhores disposições, até agora usamos.



E o que exige que sem demora falemos, é, antes de tudo, que os fautores do erro já não devem ser procurados entre inimigos declarados; mas, o que é muito para sentir e recear, se ocultam no próprio seio da Igreja, tornando-se destarte tanto mais nocivos quanto menos percebidos.

Aludimos, veneráveis irmãos, a muitos membros do laicato católico e também, a coisa ainda mais para lastimar, a não poucos do clero que, fingindo amor à Igreja e sem nenhum sólido conhecimento de filosofia ou teologia, mas, embebidos antes das teorias envenenadas dos inimigos da Igreja, blasonam, postergando todo o comedimento, de reformadores da mesma Igreja; e cerrando ousadamente fileiras se atiram sobre tudo o que há de mais santo na obra de Cristo, sem pouparem sequer a pessoa do divino redentor que, com audácia sacrílega, rebaixam à condição de puro e simples homem.

Esses se maravilham, porque nós os pomos entre os inimigos da Igreja; não poderá, porém, admirar-se com razão quem quer que, postas de lado as intenções de que só Deus é juiz, se aplique a examinar suas doutrinas e o seu modo de falar e de agir. Não se afastará, portanto, da verdade quem os tiver como os mais perigosos inimigos da Igreja. – Esses, em verdade, como dissemos, já não fora, mas dentro da Igreja, tramam seus perniciosos conselhos; e, por isso, é por assim dizer nas suas próprias veias e entranhas que se acha o perigo, tanto mais ruinosos quanto mais intimamente eles a conhecem. Além disso, já não meneiam o machado sobre as ramagens e os brotos, mas sobre as raízes mesmas, isto é, a fé e suas fibras mais vitais.

Cortada pois essa raiz da imortalidade, continuam a derramar o veneno por toda árvore, de modo a não poupar coisa alguma da verdade católica, nenhuma verdade há que não procuram contaminar. E ainda vão mais longe, empregando um sem número de artimanhas, não havendo quem os vença em manhas e astúcias: porquanto. Fazem promiscuamente o papel hora de racionalistas, ora de católicos; e isto com tal dissimulação que arrastam sem dificuldade ao erro qualquer incauto; sendo ousados como os que mais o são, não há consequências de que se amedrontem e que não aceitem com obstinação e sem escrúpulos. Acrescente-se-lhes ainda, coisa aptíssima para enganar o ânimo alheio, uma operosidade incansável, uma assídua e vigorosa aplicação a todo ramo de estudos e, o mais das vezes, a fama de vida austera. Finalmente, e é isto o que faz desvanecer toda esperança de cura, pelas suas mesmas doutrinas são formados numa escola de desprezo a toda autoridade e a todo freio; e, confinados em uma consciência falsa, persuadem-se de que é amor de verdade o que não passa de soberba e obstinação. Na verdade por algum tempo esperamos reconduzi-los a melhores sentimentos; e para este fim a princípio os tratamos com brandura, em seguida com severidade, e finalmente, bem a contragosto, servimo-nos de penas públicas.

Mas vós bem sabeis, veneráveis irmãos, como tudo foi em vão; pareceram por momento curvar a fronte, para depois reerguê-la com maior altivez. Poderíamos, talvez, ainda deixar isto despercebido se se tratasse, porém, das garantias do nome católico.

É, pois, mister romper o silêncio, que ora seria culpável, para tornar bem conhecidos à Igreja esses homens tão mal disfarçados.

E visto que os modernistas (tal é o nome com que vulgarmente, e com razão, são chamados) com astuciosíssimo engano costumam apresentar suas doutrinas não coordenadas e juntas em um todo, mas dispersas e como que separadas umas das outras, a fim de serem tidos por duvidosos e incertos, ao passo que de fato estão firmes e constantes, convém, veneráveis irmãos, primeiro exibirmos aqui as mesmas doutrinas em um só quadro, e mostrar-lhes o nexo com que formam entre si um só corpo, para depois indagarmos as causas dos erros e prescrevermos os remédios para debelar-lhes os efeitos perniciosos.


                                                            I PARTE

                              EXPOSIÇÃO DO SISTEMA E SUA DIVISÃO


E para procedermos com ordem em tão abstrata matéria, convém notar que cada modernista representa e quase compendia em si muitas personagens, isto é, a de filósofo, a de crente, a de teólogo, a de historiador, a de crítico, a de apologista, a de reformador; visto que essas personagens todas, uma por uma, cumpre bem os distinga todo aquele que quiser devidamente conhecer o seu sistema e penetrar nos princípios e nas consequências das suas doutrinas.

O modernista filósofo. Começando pelo filósofo, cumpre saber que todo o fundamento da filosofia religiosa dos modernistas assenta sobre essa doutrina, que chamamos agnosticismo. Por força desta doutrina, a razão humana fica inteiramente reduzida à consideração dos fenômenos, isto é, só das coisas perceptíveis e pelo modo como são perceptíveis: nem tem ela direito nem aptidão para transpor estes limites. E daí segue que não lhe é dado à razão elevar-se a Deus, nem reconhecer-lhe a existência, sequer por intermédio dos seres visíveis. Segue, portanto, que em Deus não pode ser maneira alguma objeto direto da ciência; e também com relação à história, não pode servir de assunto histórico.

­Postas essas premissas, todos percebem com clareza quão não deve ser a sorte da teologia natural, dos motivos de credibilidade, da revelação externa. Tudo isso os modernistas rejeitam e atiram para o intelectualismo, que chamam sistema ridículo, morto já há muito tempo, Nem os abala de ponto ter a Igreja condenado formalmente erros tão monstruosos. Pois que, de fato, o Concílio Vaticano I assim definiu:

Se alguém disser que o Deus, único e verdadeiro, criador e Senhor nosso, por meio das coisas criadas não pode ser conhecido com certeza pela luz natural da razão humana, seja anátema; e também:

Se alguém disser que não é possível ou não convém que, por divina revelação, seja o homem instruído acerca de Deus e do culto que lhe é devido, seja anátema; e finalmente:

Se alguém disser que a divina revelação não pode tornar-se crível por manifestações externas, e que por isto os homens não devem ser motivados à fé senão exclusivamente pela experiência interna ou a inspiração privada, seja anátema.

De que modo, porém, os modernistas passam do agnosticismo, que é puro estado de ignorância, para o ateísmo, científico e histórico, que, ao contrário, é estado de negação positiva, e por isso, com que lógica, do não saber se Deus interveio ou não na história do gênero humano, passam a tudo explicar na mesma história, pondo Deus inteiramente de lado, como se na realidade não interviesse, quem o souber que o explique.

Há, entretanto, para eles uma coisa fixa e determinada, que é o dever ser ateia a ciência a par da história, em cujo âmbito não haja lugar senão para os fenômenos, repelido de uma só vez, Deus e tudo o que é divino. E dessa absurdíssima doutrina ver-se-á, dentro em pouco, que coisas seremos obrigado a deduzir a respeito da augusta pessoa de Cristo, dos mistérios e da sua vida e morte, da sua ressurreição e ascensão ao céu.

Esse agnosticismo, porém, na doutrina dos modernistas não constitui senão a parte negativa; a positiva acha-se toda na imanência vital.

Eis aí o modo como eles passam de uma parte à outra. A religião, quer natural, quer sobrenatural, é mister explicada como qualquer outro fato. Ora, destruída a teologia natural, interceptada a entrada na revelação com a rejeição os motivos de credibilidade, é claro que não se pode procurar fora do homem essa explicação. Deve-se, pois, procurar no próprio homem; e visto que a religião não é de fato senão uma forma da vida, a sua explicação se deve achar justamente na vida do homem. Daqui procede o princípio da imanência religiosa. Além disso, a primeira moção, por assim dizer, de todo fenômeno vital, deve sempre ser atribuída a uma necessidade; os primórdios, porém, falando mais especialmente da vida, devem ser atribuídos a um movimento do coração, que se chama sentimento. Por conseguinte, como o objeto da religião é Deus, devemos concluir que a fé, princípio e base de toda religião, se deve fundar em um sentimento, nascido da necessidade da divindade.

Essa necessidade das causas divinas não fazendo sentir no homem senão em certas e especiais circunstâncias, não pode de per si pertencer ao âmbito da consciência; oculta-se (porém), primeiro abaixo da consciência, ou, como dizem com vocábulo tirado da filosofia moderna, na subconsciência, onde a sua raiz fica também oculta e incompreensível. Se alguém, contudo, lhes perguntar de que modo essa necessidade da divindade, que o homem sente em si mesmo, rebenta em religião, será esta a resposta dos modernistas: A ciência e a história acham-se fechadas entre dois termos: um externo, que é o mundo visível; outro interno, que é a consciência. Chegados a um ou outro desses dois termos, não pode mais adiante; além desses limites acha-se o incognoscível. Diante desse incognoscível , seja que se ache fora do homem e fora de todas as coisas visíveis, seja que ele se ache oculto na subconsciência do homem, a necessidade de um quê divino, sem nenhum ato prévio da inteligência, como o quer o fideísmo, gera no ânimo já inclinado certo sentimento particular, e este, seja como objeto, seja como causa interna, tem envolvida em si a mesma realidade divina, e assim de certa maneira une o homem com Deus. É precisamente a este sentimento que os modernistas dão o nome de fé e tem-no como princípio da religião.

Nem acaba aí o filosofar, ou melhor, o desatinar desses homens. Pois, nesse mesmo sentimento eles não encontram unicamente a fé; mas, com a fé e na mesma fé, de modo como a entendem, sustentam que também se acha a revelação.. E o que mais se pode exigir para a revelação? Já não será talvez revelação, ou pelo menos princípio de revelação, aquele sentimento religioso,  que se manifesta na consciência? Não é a revelação o manifestar-se, embora um tanto confusamente, que Deus faz aos ânimos naquele mesmo sentimento religioso? Eles ainda acrescentam mais, dizendo que, sendo Deus ao mesmo tempo objeto e causa da fé, essa revelação é de Deus como objeto e também provém de Deus como causa; isto é, tem a Deus ao mesmo tempo como revelante e revelado. Segue aqui, veneráveis irmãos, a absurda afirmação dos modernistas, segundo a qual toda religião, sob diverso aspecto, é igualmente natural e sobrenatural. Segue daqui a promíscua significação que dão aos termos consciência e revelação. Daqui a lei que dá a consciência religiosa, a par com a revelação, como regra universal, à qual todos se devem sujeitar, inclusive a mesma suprema autoridade da Igreja, seja quando ensina, seja quando legisla em matéria de culto ou de disciplina.

Entretanto, em todo esse processo, donde, segundo os modernistas, resultam a fé e a revelação, deve atender-se principalmente a uma coisa de não pequena importância, pelas consequências histórico-críticas, que daí fazem derivar. Aquele incognoscível, de que falam, não se apresenta à fé como que nu e isolado, mas, ao contrário, intimamente unido a algum fenômeno que, embora pertença ao campo da ciência ou da história, assim mesmo, de certo modo, transpõe os seus limites. Esse fenômeno poderá ser um fato qualquer da natureza, contendo em si algum quê de misterioso, ou poderá também ser um homem, cujo talento, cujos atos, cujas palavras parecem nada ter de comum com as leis ordinárias da história. A fé, atraída pelo incognoscível unido ao fenômeno, apodera-se de todo o mesmo fenômeno e, de certo modo, o penetra da sua vida. Donde seguem duas coisas.

A primeira é certa transfiguração do fenômeno, por uma espécie de elevação de suas próprias condições, que o torna mais apto, qual matéria, para receber o ser divino.

A segunda é certa desfiguração, resultante de que, tendo a fé subtraído fenômeno os seus adjuntos de tempo e lugar, facilmente lhe atribui aquilo que em realidade não tem; o que particularmente se dá em se tratando de fenômenos de antigas datas, e isto tanto mais quanto mais remotas são elas.

 Desses dois pressupostos, os modernistas deduzem outros tantos cânones que, unidos a terceiro, já deduzido do agnosticismo, constituem a base crítica histórica. Esclarecemos o fato com um exemplo tirado da pessoa de Jesus Cristo. Na pessoa de Cristo, dizem, a ciência e a história não acham mais do que um homem. Portanto, em virtude do primeiro cânon deduzido do agnosticismo,  da história dessa pessoa se deve riscar tudo o que lembre o divino. Ainda mais, por força do segundo cânon, a pessoa histórica de Jesus Cristo foi transfigurada pela fé; logo, convém despojá-la de tudo o que eleva acima das condições históricas.

Finalmente, a mesma foi desfigurada pela e em virtude do terceiro cânon: logo, se devem remover dela os discursos, as ações, tudo enfim que não corresponde ao seu caráter, condição e educação, lugar e tempo em que viveu. É, em verdade, estranho tal modo de raciocinar, contudo é esta a crítica dos modernistas.

Portanto, o sentimento religioso, que por imanência vital, surge dos esconderijos da subconsciência, é, pois, o gérmen de toda religião e a razão de tudo o que tem havido e haverá ainda em qualquer religião.

Esse mesmo sentimento rudimentar e quase informe a princípio, pouco a pouco, sob o influxo do misterioso princípio que lhe deu origem, foi-se aperfeiçoando, a par com os progressos da vida humana, da qual, como já ficou dito, é uma forma.

Temos, pois, assim, a origem de toda religião, até mesmo sobrenatural; e essas não passam de meras explicações do sentimento religioso. Nem se pense que a católica é excetuada; está no mesmo nível das outras, pois não nasceu senão pelo processo de imanência vital na consciência de Cristo, homem de natureza extremamente privilegiada, como outro não houve nem haverá. Ficamos pasmos ao ouvir afirmações tão audaciosas e sacrílegas! Entretanto, veneráveis irmãos, não é esta linguagem usada temerariamente só pelos incrédulos. Homens católicos, até muitos sacerdotes, afirmam essas coisas publicamente, e com delírios tais se vangloriam de reformar a Igreja.

Não se trata aqui do velho erro, que a natureza humana atribua um quase direito à ordem sobrenatural.

Vai-se muito mais longe. Chega-se até afirmar que a nossa santíssima religião, no homem Cristo assim como em nós, é fruto inteiramente espontâneo da natureza. Nada pode vir mais a propósito para suprimir toda a ordem sobrenatural. Por isso, com suma razão, o Concílio Vaticano I definiu: Se alguém disser que o homem não pode ser por Deus elevado a conhecimento e perfeição, que supere as forças da natureza, mas por si mesmo pode e deve, com incessante progresso chegar finalmente a possuir toda a verdade e todo o bem, seja anátema.

Até agora, porém, veneráveis irmãos, não lhes vimos dar nenhum lugar à ação da inteligência. Contudo, segundo as doutrinas dos modernistas, tem ela também a sua parte no ato de fé. Vejamos como. Naquele sentimento, dizem, de que tantas vezes já se falou, precisamente porque é sentimento e não é conhecimento, Deus de fato se apresenta ao homem, mas de modo tão confuso que em nada ou mal distingue desse mesmo crente.

Faz-se, pois, mister lançar algum raio de luz sobre aquele sentimento, de maneira que Deus se apresente fora e distinto do crente. Ora, isto é obra da inteligência, à qual somente cabe o pensar e o analisar, e por meio da qual o homem a princípio traduz em representações mentais os fenômenos da vida, que nele aparecem, e depois os manifesta com expressões verbais.

Segue daí esta vulgar expressão dos modernistas: o homem religioso deve pensar a sua fé. Sobrevindo, pois, a inteligência ao sentimento, inclina-se sobre este, elabora-o todo, a modo de um pintor que ilumina e reanima os traços de um quadro estragado pelo tempo. O paralelo é um traço dos mestres do modernismo. Neste trabalho a inteligência procede de dois modos: primeiro, por um ato natural e espontâneo, exprimindo a sua noção por uma proposição simples e vulgar; depois, com reflexão e penetração mais íntima, ou, como dizem, elaborando o seu pensamento, exprime o que pensou em proposições secundárias, derivadas certamente da primeira, porém, mais polidas e distintas, Essas proposições secundárias, se forem finalmente sancionadas pelo supremo magistério da Igreja, constituirão dogma.

Assim, pois, na doutrina dos modernistas, chegamos a um dos pontos mais importantes, que é a origem e a natureza do dogma. A origem do dogma põem-na eles, pois, naquelas primitivas fórmulas simples que, debaixo de certo aspecto, devem considerar-se como essenciais à fé, pois que a revelação, para ser verdadeiramente tal, requer clara aparição de Deus na consciência. O próprio dogma, porém, ao que parece, é propriamente constituído pelas fórmulas secundárias. Mas, para bem conhecer a natureza  do dogma, é preciso primeiro indagar que relação há entre fórmulas religiosas e o sentimento religioso.

Não haverá dificuldade em compreender  para quem já tiver como certo que essas fórmulas não têm outro fim, senão o de facilitarem ao crente um modo de dar razão da própria fé. De sorte que essas fórmulas são como que umas intermediárias entre o crente e a sua fé; com relação à fé, são expressões inadequadas do seu objeto e pelos modernistas se denominam símbolos, com relação ao crente, reduzem-se a meros instrumentos.

Não é, portanto, de nenhum modo lícito afirmar que elas exprimem uma verdade absoluta; porquanto, como símbolos, são meras imagens de verdade, e, portanto, devem adaptar-se ao sentimento religioso, enquanto este se refere ao homem; como instrumentos, são veículos de verdade, e assim, por sua vez, devem adaptar-se ao homem, enquanto se refere ao sentimento religioso. E, visto que este sentimento religioso tem por objeto o absoluto, apresenta infinitos aspectos, dos quais pode aparecer hoje um, amanhã outro, do mesmo modo aquele que crê pode passar por essas e aquelas condições, segue-se que também as fórmulas, que chamamos dogmas, devem estar sujeitos a iguais vicissitudes, e por isso também a variarem.

Assim, pois, temos o caminho aberto à evolução íntima dos dogmas. Eis aí um acervo de sofismas, que subvertem e destroem toda religião!

Ousadamente afirmam os modernistas, e isto mesmo se conclui das suas doutrinas, que os dogmas não somente podem, mas positivamente devem evoluir e mudar. De fato, entre os pontos principais da sua doutrina, contam também este, que deduzem da imanência vital: as fórmulas religiosas, para que realmente sejam tais e não só meras especulações da inteligência, precisam ser vitais e viver da mesma vida do sentimento religioso. Daí, porém, não se deve concluir que essas fórmulas, particularmente se só imaginárias, tenham sido construídas a bem desse mesmo sentimento religioso; porquanto nada importa a sua origem, nem o seu número, nem a sua qualidade; segue, porém, que o sentimento religioso, embora modificando-as, se houver mister, as torna vitais e as faz viver de sua própria vida. Em outros termos, é preciso que a fórmula primitiva seja aceita e confirmada pelo coração, e que a subsequente elaboração das fórmulas secundárias seja feita sob direção do coração. Procede daí que tais fórmulas, para serem vitais, hão de ser e ficar adaptadas tanto à fé quanto ao crente. Pelo que, se por qualquer motivo cessar essa adaptação, perdem sua primitiva significação e devem ser mudadas. Ora, sendo assim mutável o valor e a sorte das fórmulas dogmáticas, não é de admirar que os modernistas tanto as escarneçam e desprezem, e que  por conseguinte só reconheçam e exaltem o sentimento e a vida religiosa. Por isso, com o maior atrevimento criticam a Igreja acusando-a de caminhar fora da estrada, e de não saber distinguir entre o sentido material das fórmulas e a sua significação religiosa e moral, e ainda mais, agarrando-se obstinadamente, mas em vão, a fórmulas falhas de sentido, de deixar a própria religião se precipitar no abismo. “ Cegos, na verdade, a conduzirem outros cegos”, são esses homens que, balofos na bazófia da “ciência”, deliram a ponto de perverter o conceito de verdade e o genuíno conceito religioso, divulgando um novo sistema, “ com o qual, arrastados por desenfreada mania de novidades não procuram a verdade onde certamente se acha; e, desprezando as santas e apostólicas tradições, apegam-se à doutrinas ocas, fúteis, incertas, reprovadas pela Igreja, com as quais homens estultíssimos julgam fortalecer e sustentar a verdade”. Assim, veneráveis irmãos pensam os modernistas como filósofos.

O modernista crente

Agora, passando a considerá-lo como crente, se quisermos conhecer de que modo, no modernismo, o crente difere do filósofo, convém observar que, embora o filósofo, reconheça por objeto da fé a realidade divina, contudo esta realidade  não se acha noutra parte senão na alma do crente, como objeto de sentimento e afirmação; porém, se ela em si mesma existe ou não fora daquele sentimento e daquela afirmação, isso não importa ao filósofo. Se, porém, procurarmos saber que fundamento tem esta asserção do crente, respondem os modernistas: é a experiência individual. Com essa afirmação, enquanto na verdade discordam dos racionalistas, caem na opinião dos protestantes e dos pseudomísticos.

Afinal, eles dizem assim: no sentimento religioso deve-se reconhecer uma espécie de intuição do coração, que pôs o homem em contato imediato com a própria realidade de Deus e lhe infunde tal persuasão da existência dele e da sua ação, tanto dentro como fora do homem, que excede a força de qualquer persuasão, que a ciência possa adquirir. Afirmam, portanto, verdadeira experiência, capaz de vencer qualquer experiência racional; e se esta for negada por alguém, como pelos racionalistas, dizem que isto sucede porque estes não querem pôr-se nas condições morais, que são necessárias para consegui-la. Ora, tal experiência é que faz própria e verdadeiramente crente a todo aquele que a conseguir. Quanto estamos longe dos ensinamentos católicos! Já vimos essas ideias condenadas pelo Concílio Vaticano I. Veremos ainda como, com semelhantes teorias, unidas a outros erros já mencionados, se abre caminho para o ateísmo. Cumpre, entretanto, desde já, notar que, posta esta doutrina da experiência unida a outra do simbolismo, toda religião, não excetuada sequer a dos idólatras, deve ser tida por verdadeira. E na verdade, porque não seria possível achar tais experiências em qualquer religião? Não poucos presumem que de fato já tenham sido encontradas. Com que direito, pois, os modernistas negarão a verdade de uma experiência afirmada por um ismaelita? Com que direito reivindicarão experiências verdadeiras só para os católicos? E os modernistas de fato não negam, ao contrário, concedem, uns confusa e outros manifestamente, que eles não poderiam pensar de outro modo.

Em verdade, postos os seus princípios, em que se poderiam porventura fundar para atribuir falsidade a uma religião qualquer? Sem dúvida seria por um destes dois princípios: ou por falsidade do “sentimento religioso”, ou por falsidade da fórmula preferida pala inteligência. Ora, o “sentimento religioso”, ainda que às vezes menos perfeito, é sempre o mesmo: a fórmula intelectual, para ser verdadeira basta que corresponda ao “sentimento religioso” e ao crente, seja qual for a força do engenho deste. Quando muito no conflito entre as diversas religiões, os modernistas poderão sustentar que a católica tem mais verdade, porque é mais viva, e merece mais título de cristã, porque mais completamente corresponde às origens do cristianismo. A ninguém pode parecer absurdo que essas consequências todas dimanem daquelas premissas. Absurdíssimo é, porém, que católicos e sacerdotes, ao quais, como preferimos crer, têm horror a tão monstruosas afirmações, se ponham quase em condição de admiti-las. Pois, tais são os louvores que tributam aos mestres desses erros, tais as homenagens que publicamente lhes prestam, que facilmente dão a entender que as suas honras não atingem às pessoas, que talvez de todo não desmereçam, antes, porém, aos erros, que elas professam às claras, e entre o povo procuram com todos os esforços propagar.

Há ainda outra face, além da que já vimos, nesta doutrina da “experiência”, de todo contrária à verdade católica. Pois, ela se estende e se aplica à tradição, que a Igreja sustentou até hoje, e a destrói. E com efeito, os modernistas concebem a tradição como uma comunicação da experiência original, feita a outrem pela pregação, mediante a fórmula intelectual.

Por isso a essa fórmula, além do valor representativo, atribuem cera eficácia de sugestão, tanto naquele que crê, para despertar o sentimento religioso quiçá entorpecido, e restaurar a “experiência” de há tempo adquirida, como naqueles que ainda não creem, para despertar neles pela primeira vez o “sentimento religioso” e produzir a “experiência”. Dessa maneira a experiência religiosa abundantemente se propaga entre os povos; não só entre os existentes, pela pregação, mas também entre os vindouros, quer pelo livro, quer pela transmissão oral de uns a outros. Essa comunicação da experiência às vezes lança raízes e vinga; outras vezes se esteriliza logo e morre. O viver para os modernistas é prova de verdade; e a razão disso é que verdade e vida para eles são uma e a mesma coisa. E daqui mais uma vez se infere que todas as religiões existentes são verdadeiras, do contrário já não existiriam.

Levadas as coisas até este ponto, veneráveis irmãos, já temos muito para bem conhecermos a ordem que os modernistas estabelecem entre a fé e a ciência; notando-se que neste nome de ciência incluem também a história. Antes de tudo se deve ter por certo que o objeto de uma é de todo estranho e separado do objeto de outra. Porquanto, a fé unicamente se ocupa de uma coisa, que a ciência declara ser para si incognoscível. Segue-se, pois, que é diversa a tarefa de cada uma; a ciência acha-se toda na realidade dos fenômenos, em que a fé não entra de modo algum. A fé pelo contrário, ocupa-se da realidade divina, que de todo é desconhecida à ciência. Conclui-se, portanto, que nunca poderá haver conflito entre a fé e a ciência; porque, se cada uma se restringir a seu campo, nunca poderão encontrar-se, nem portanto contradizer-se. Se, entretanto, alguém objetar que no mundo visível há coisas que também pertencem à fé, como a vida humana de Cristo, responderão os modernistas negando.

E a razão é que, conquanto tais coisas estejam no número dos fenômenos, todavia, enquanto viveram pela fé e, no modo já indicado, foram por ela transfiguradas e desfiguradas, foram subtraídas ao mundo sensível e passaram a ser matéria do divino. Por esse motivo, se ainda se quisesse saber se Cristo fez verdadeiros milagres e profecias, se verdadeiramente ressuscitou e subiu aos céu, a ciência agnóstica o negará e a fé o afirmará; e nem assim haverá luta entre as duas. Nega-o o filósofo como filósofo, falando a filósofos e considerando Cristo na sua “realidade histórica”; afirma-o o crente, como crente, falando a crentes e considerando a vida de Cristo a reviver pela fé na fé.

De muito se enganaria quem, postas essas teorias, se julgasse autorizado a crer que a ciência e a fé são independentes uma da outra. Por parte da ciência , essa independência está fora de dúvida: mas, já não é assim por parte da fé, que não por um só, mas por três motivos, se deve submeter à ciência. Efetivamente, cumpre notar em primeiro lugar que em todo o fato religioso, tirada da “realidade divina” e a “experiência” que o crente tem dela, tudo o mais, e principalmente as fórmulas religiosas, não sai do campo dos fenômenos; cai, portanto, sob o domínio da ciência. Quem crê, afaste-se do mundo, sendo-lhe possível; mas, enquanto se achar no mundo, nunca poderá furtar-se, queira-o ou não, às leis, às vistas, ao juízo da ciência e da história. Ainda mais, embora tenha dito que Deus só é objeto da fé, isto entretanto não se deve entender senão da realidade divina e não da ideia de Deus. Esta é dependente da ciência; a qual, enquanto se deleita na ordem lógica, também se eleva até o absoluto e o ideal. É, pois, direito da filosofia ou da ciência indagar da ideia de Deus, dirigi-la na sua evolução, corrigi-la quando se lhe misturar qualquer elemento estranho. Fundados nisso é que os modernistas sustentam que a evolução religiosa deve ser coordenada com a evolução moral e intelectual; isto é, como o ensina um de seus mestres, deve ser-lhes subordinada. Deve-se, enfim, observar que o homem em si não suporta dualismo, por conseguinte, o crente experimenta em si mesmo íntima necessidade de harmonizar de tal sorte a fé com a ciência, que aquela não se oponha à ideia geral que a ciência forma do universo. Conclui-se, pois, que a ciência é de todo independente da fé; esta, ao contrário, embora se declame que é estranha à ciência, deve-lhe submissão. Todas essas coisas, veneráveis irmãos, são diametralmente contrárias ao que o nosso antecessor Pio IX já ensinava, dizendo: Em matéria de religião, é dever da filosofia não dominar, mas servir, não prescrever o que se deve crer, mas aceitá-lo com razoável respeito, não perscrutar os profundos mistérios de Deus, mas piedosa e humildemente venerá-los. Os modernistas entendem isso às avessas. Há, pois, sobeja razão de aplicar-se-lhes o que outro nosso predecessor, Gregório IX, escrevia de alguns teólogos de seu tempo: Alguns dentre vós, excessivamente cheios de espírito de vaidade, com profanas novidades se esforçam por transpor os limites traçados pelos Padres, curvando à doutrina filosófica dos racionalistas a interpretação das páginas celestes, não para proveito dos ouvintes, mas para dar mostras de saber... E estes arrastados por doutrinas diversas, transformam em cauda a cabeça e obrigam a rainha a servir à escrava.

Essas coisas tornar-se-ão ainda mais claras, tendo-se em vista o procedimento dos modernistas, inteiramente conforme ao que ensinam. Nos seus escritos e discursos parecem não raro sustentar ora uma ora outra doutrina, de modo facilmente parecerem vagos e incertos. Fazem-no, porém, de caso pensado; isto é, baseados na opinião que sustentam, da mútua separação entre fé e ciência. É por isso que nos seus livros muitas coisas se encontram das aceitas pelos católicos; mas, ao virar a página, outras se veem que pareceriam ditadas por um racionalista. Escrevendo, pois, história, nenhuma menção fazem da divindade de Cristo; ao passo que, pregando nas igrejas, com firmeza a professam. Da mesma sorte, na história não fazem o menor caso dos Padres nem dos concílios; nas instruções catequéticas, porém, ao povo, citam-nos com respeito. Distinguem, portanto, outrossim a exegese teológica e pastoral da exegese científica e histórica. Mais ainda: fundados no princípio que a ciência em nada depende da fé, quando tratam de filosofia, de história, de crítica, não tendo horror de pisar nas pegadas de Lutero, ostentam certo desprezo das doutrinas católicas, dos santos Padres, dos concílios ecumênicos, do magistério eclesiástico; e se forem por isso repreendidos, queixam-se de que se lhes tolhe a liberdade. Finalmente, professando que a fé há de sujeitar-se à ciência, continuamente e às claras criticam a Igreja, porque irredutivelmente se recusa a acomodar os seus dogmas às opiniões da filosofia, e eles, por sua vez, prescindindo da velha teologia, empenham-se por divulgar uma nova, toda amoldada aos desvarios dos filósofos.

O modernista teólogo

Já é tempo, veneráveis irmãos, de passarmos a considerar os modernistas no campo teológico. Empenho árduo este, mas em poucas palavras diremos tudo. O fim a alcançar é a conciliação da fé com a ciência, ficando porém sempre incólume a primazia da ciência sobre a fé. Neste assunto o teólogo modernista se utiliza dos mesmos princípios da imanência  e do simbolismo.Eis com que rapidez ele executa a sua tarefa: Diz o filósofo que o princípio da fé é imanente; acrescenta o crente que esse princípio é Deus; exclui, pois o teólogo: logo Deus é imanente no homem. Disso se conclui a imanência teológica.Outra adaptação: o filósofo tem por certo de que as representações da fé são puramente simbólicas; o crente afirma que o objeto da fé é Deus em si mesmo; conclui pois o teólogo: logo as representações da realidade divina são simbólicas. Segue daqui o simbolismo teológico. São erros enormes deveras; e quanto sejam perniciosos veremos de modo luminoso, observando-lhes as consequências. E de fato, para falar desde já do simbolismo, como os símbolos são tais com relação ao objeto, e não passam de instrumentos com relação ao crente, dizem os modernistas que o crente, antes de tudo, não deve apegar-se demais à fórmula, que deve servir-lhe só no intuito de unir-se com verdade absoluta, que a fórmula, ao mesmo tempo revela e esconde; isto é, esforça-se por exprimi-la, sem jamais o conseguir. Querem, em segundo lugar, que o crente use de tais fórmulas tanto quanto lhe forem úteis, porquanto elas são dadas para auxílio e não para embaraço; salvo porém o respeito que, por motivos sociais, se deve às fórmulas pelo magistério público julgadas aptas para exprimir a consciência comum, e enquanto o mesmo magistério não julgar de outro modo. Quanto à imanência, é na verdade difícil indicar o que pensam os modernistas; pois, há  entre eles diversas opiniões. Uns fazem-na consistir em que Deus, operando no homem, está mais intimamente no homem do que o próprio homem em si mesmo; e essa afirmação sendo bem entendida, não merece censura. Outros pretendem que a ação divina seja uma e a mesma com a ação da natureza, com a ação da casa primeira com a da causa segunda; isso destruiria a ordem sobrenatural. Outros explicam-na, enfim, em sentido que tem ressaibos de panteísmo; e esses, para dizer a verdade, são mais coerentes com o restante das suas doutrinas.

A esse postulado da imanência ainda outro se acrescenta, que pode ser chamado para permanência divina; estas entre si diferem do mesmo modo como a experiência privada difere da experiência transmitida por tradição. Esclarecemos isso com um exemplo: e seja ele tirado da Igreja e dos sacramentos. Não se pode crer, dizem, que a Igreja e os sacramentos foram instituídos pelo próprio Cristo. Isso não é permitido pelo agnosticismo, que em Cristo não vê mais do que um homem, cuja consciência religiosa, como a de qualquer outro homem, pouco a pouco se formou; não o permite a lei da imanência, que não admite, como eles se exprimem, aplicações externas; proíbe-o também a lei da evolução, que para o desenvolvimento dos germens requer tempo e certa série de circunstâncias; proíbe-o enfim a história, a qual mostra que tal foi realmente o curso dos acontecimentos. Todavia devemos admitir que a Igreja e os sacramentos foram mediatamente instituídos por Cristo. Mas de que modo? Todas as consciências cristãs, é assim que eles o explicam, estavam virtualmente incluídas na consciência de Cristo, como a planta na semente. Ora, como os rebentos vivem a vida da semente, assim também deve-se afirmar que todos os cristãos vivem a vida de Cristo. Mas a vida de Cristo segundo a fé divina; logo também a vida dos cristãos. Se pois esta vida, no correr dos séculos, deu origem à Igreja e aos sacramentos, com toda razão se poderá dizer que tal origem procede de Cristo e é divina. Pelo mesmo processo provam que as Escrituras e os dogmas são divinos. E com isso se conclui toda a teologia dos modernistas. É bem pouco, em verdade; porém, mais que abundante para quem professa que sempre e em tudo se devem respeitar as conclusões da ciência. Cada um, entretanto, poderá ir por si mesmo fazendo a aplicação dessas teorias aos outros pontos, que vamos expor.

Falamos até agora da origem e natureza da fé. Mas, como são muitos os germens dela, sendo os principais a Igreja, o dogma, o culto, os livros sagrados, também a respeito destes devemos saber o que dizem os modernistas. Começando pelo dogma, já sabemos, pelo que ficou dito, qual seja a sua origem e natureza.

O dogma nasce da necessidade que o crente experimenta de elaborar o seu pensamento religioso, a fim de tornar sempre mais clara a sua consciência e a de outrem. Consiste todo esse trabalho em esquadrinhar e polir a fórmula, primitiva, não por certo em si mesma e racionalmente, mas segundo as circunstâncias ou, como de modo pouco inteligível dizem, vitalmente. O resultado disso é que, como já dissemos, ao redor dela se vão formando fórmulas secundárias, que mais tarde sintetizadas e reunidas em um único todo doutrinal, quando forem ratificadas pelo magistério público como correspondentes a consciência comum, chamar-se-ão dogmas. Dessas se devem cuidadosamente distinguir as pesquisas teológicas; as quais, porém, posto que não vivam da vida do dogma, contudo não são inúteis, seja para harmonizar a religião com a ciência e dissipar qualquer contrastes entre elas, seja para eliminar exteriormente a religião e defendê-la e talvez ainda tenham a utilidade de preparar um futuro dogma.

 Do culto não haveria muito que dizer, se debaixo deste nome não se achassem também os sacramentos, a respeito dos quais muito erram os modernistas. Pretendem que o culto resulte do duplo impulso; pois que, como vimos, pelo seu sistema tudo deve atribuir a impulsos íntimos. O primeiro é dar à religião alguma coisa de sensível; o segundo é a necessidade de propagá-la, coisa essa que se não poderia realizar sem certa sensível e sem atos santificantes, que se chamam sacramentos. Os modernistas, porém, consideram os sacramentos como meros símbolos ou sinais, bem que não destituídos de eficácia. E para indicar essa eficácia, servem-lhes de exemplo certas palavras, que facilmente vingam, por terem conseguido a força de divulgar certas ideias de grande eficácia, que muito impressionam os ânimos. E assim como aquelas palavras são destinadas a despertar as referidas ideias, assim também o são os sacramentos com relação ao sentimento religioso; nada mais do que isso. Falariam mais claro afirmando logo que os sacramentos foram só instituídos para nutrirem a fé. Mas esta proposição é condenada pelo Concílio de Trento: Se alguém disser que estes sacramentos foram só instituídos para nutrirem a fé, seja anátema.

Já se disse alguma coisa sobre a natureza e origem dos livros sagrados. Segundo a mente dos modernistas, bem se pode defini-los uma coleção de “experiências”, não por certo das que de ordinário qualquer pessoa adquire, mas das extraordinárias e das mais elevadas que se têm dado em qualquer religião. É precisamente isso que os modernistas ensinam dos nossos livros do Antigo e do Novo Testamento.

Todavia, a essas suas opiniões, com astúcia acrescentam que, embora a experiência deva ser do tempo presente, pode assim mesmo receber matéria do passado e do futuro, enquanto o crente pela lembrança revive o passado como se fora presente, ou já vive do futuro por antecipação. Desse modo se explica porque os livros históricos e apocalípticos são computados entre os livros sagrados. Assim, pois, nesses livros, Deus fala por meio do crente; mas, como diz a teologia modernista, só por imanência e permanência vital. Perguntar-lhes-emos, pois, que é feito da inspiração?

Respondem-nos que ela,a não ser talvez por certa veemência, não se distingue da necessidade que o crente experimenta de manifestar vocalmente ou por escrito a própria fé. Nota-se aqui certa semelhança com a inspiração poética; e , nesse sentido, um deles dizia: Deus está dentro de nós, e agitados por ele nós nos inflamos. Desse modo é que se deve explicar a origem da inspiração dos livros sagrados. Sustentam ainda os modernistas, que a nenhuma passagem desses livros falta essa inspiração.

Neste ponto alguém poderia julgá-los mais ortodoxos do que certos exegetas recentes, que em parte restringem a inspiração, como, por exemplo, nas tais citações tácitas. Mas isso não passa de aparências e palavras.

De fato, se, segundo as leis do agnosticismo, consideramos a Bíblia um trabalho humano, feito por homens para utilidade de outros homens, embora seja lícito ao teólogo chamá-la divina por imanência, de que modo poderia restringir-se nela a inspiração? Tal inspiração de fato admitem-na os  modernistas: não, porém, no sentido católico.

Maior extensão da matéria nos oferece o que os modernistas afirmam da Igreja. Pressupõe que ela é fruto da dupla necessidade, uma do crente, principalmente naquele que, tendo tido alguma experiência original e singular, precisa comunicar a outrem a própria fé; outra na coletividade, depois que a fé se tronou comum a muitos, para se reunir em sociedade, e conservar, dilatar e propagar o bem comum. Que é, pois, a Igreja? É um parto da consciência coletiva, isto é, da coletividade das consciências individuais, que, por virtude da permanência vital, estão todas pendentes do primeiro crente, que para os católicos foi Cristo. Ora, toda sociedade precisa de uma autoridade que a reja, cuja tarefa seja dirigir os membros para o fim comum e conservar com prudência os elementos de coesão, que em uma sociedade religiosa são a doutrina e culto. Há, por isso, na Igreja Católica uma tríplice autoridade: disciplinar, dogmática e cultual. A natureza dessas autoridades deve ser deduzida da sua origem; e da natureza, por sua vez, devem coligir-se os direitos e os deveres. Foi erro das eras passadas pensar que a autoridade da Igreja emanou de um princípio estranho, isto é, imediatamente de Deus; e por isso, com razão era ela considerada autocrática. Essas teorias, porém, já não são para os tempos atuais.

Assim como a Igreja emanou da coletividade das consciências, a autoridade emana virtualmente da mesma Igreja. A autoridade, portanto, da mesma sorte que a Igreja, nasce da consciência religiosa, e por esta razão fica dependente dela; e se faltar a essa dependência, torna-se tirânica. Nos tempos atuais o sentimento de liberdade atingiu seu pleno desenvolvimento. No estado civil a consciência pública quis um regime popular. Mas a consciência do homem, assim como a vida, é uma só. Se, pois, a autoridade da Igreja não quer suscitar e manter uma guerra intestina nas consciências humanas, é necessário que se curve a formas democráticas; tanto mais que, se o não quiser, a hecatombe será iminente. Loucura seria crer que o vivo sentimento de liberdade, ora dominante, retroceda. Reprimindo e enclausurando com violência, transbordará mais impetuoso, destruindo conjuntamente a religião e a Igreja. São esses raciocínios dos modernistas, que, por isso, estão todos empenhados em achar o modo de conciliar a autoridade da Igreja com a liberdade dos que creem.

Acresce ainda que não é só dentro do seu recinto, que a Igreja tem com quem entender-se amigavelmente, mas também fora. Não se acha ela só no mundo a ocupá-lo; ocupam-no também outras sociedades, com as quais não pode deixar de tratar e de relacionar-se. Convém, pois, determinar quais sejam os direitos e os deveres da Igreja para coma as sociedades civis; e bem se vê que tal determinação deve ser tirada da natureza da mesma Igreja, tal qual os modernistas no-la descreveram.

As regras que hão de servir pra este fim são as mesmas, que acima serviram para a ciência e a fé. Trata-se então de objetos, aqui de fins. Assim, pois, como por causa do objeto, se disse que a fé são mutuamente estranhas, também o Estado e a Igreja são estranhos um à outra, por causa do fim a que tendem, temporal para o Estado, espiritual para a Igreja. Falava-se outrora do temporal sujeito ao espiritual; de questões mistas, em que a Igreja intervinha qual senhora e rainha, porque então se tinha a Igreja como instituída imediatamente por Deus, enquanto autor da ordem sobrenatural. Mas essas crenças já não são admitidas pela filosofia, nem  pela história. Deve, portanto, a Igreja separar-se do Estado, assim também o católico do cidadão. E é por esse motivo que o católico, não se importando com a autoridade, com os desejos, com os conselhos e com as ordens da Igreja, e até mesmo desprezando as suas repreensões, tem direito e dever de fazer o que julgar mais oportuno ao bem da pátria.

Querer, sob qualquer pretexto, impor ao cidadão uma norma de proceder, é por parte do poder eclesiástico verdadeiro abuso, que se deve repelir com toda energia. Veneráveis irmãos, as teorias de que difamam todos esses erros são as mesmas, que o nosso predecessor Pio VI condenou solenemente na Constituição Apostólica Auctorem fidei.

No entanto à escola dos modernistas não basta que o Estado seja separado da Igreja. Assim como a fé deve subordinar-se à ciência, quanto aos elementos fenomênicos, assim também nas coisas temporais a Igreja tem de sujeitar-se ao Estado. Isso não afirmam talvez muito abertamente; mas por força de raciocínio são obrigados a admiti-lo. Em verdade, admitido que o Estado tenha absoluta soberania em tudo o que é temporal, se suceder que o crente, não satisfeito com a religião do espírito se manifeste em atos exteriores, como, por exemplo, em administrar ou receber os sacramentos, isto já deve necessariamente cair sob o domínio do Estado. Postas as coisas assim, para que servirá a autoridade eclesiástica? Visto que esta não tem razão de ser sem os atos externos, estará em tudo e por tudo sujeita ao poder civil. É esta inelutável consequência que leva muitos dentre os protestantes liberais a desembaraçar-se de todo culto externo e até de toda a sociedade religiosa externa, procurando pôr em voga uma religião que chamam individual. E se os modernistas desde já não se atiram francamente a esses extremos, insistem pelo menos em que a Igreja se deixe espontaneamente conduzir por eles até onde pretendem levá-la e se amoldar às formas civis. Isso quanto a autoridade disciplinar. Mais graves e perniciosas coisas são as suas afirmações relativamente à autoridade doutrinal e dogmática. Assim pensam eles acerca do magistério eclesiástico: A sociedade religiosa não pode ser verdadeiramente uma, sem unidade de consciência nos seus membros e unidade de fórmula.

Mas essa dupla unidade requer, por assim dizer, entendimento comum, a que compete achar e determinar a fórmula que melhor corresponda à consciência comum; e a esse entendimento convém ainda atribuir a autoridade conveniente, para poder  impor  à comunidade a fórmula estabelecida. Nessa união e quase fusão da mente designadora da fórmula e da autoridade que a impõe, acham os modernistas  o conceito do magistério eclesiástico. Visto pois que o magistério, afinal de contas, não é mais do que um produto das consciências lhe é atribuído ofício público, resulta necessariamente que ele depende dessas consciências, e, por conseguinte, deve inclinar-se a formas democráticas. Proibir, portanto, que as consciências dos indivíduos manifestam publicamente as suas necessidades, e impedir à crítica o caminho que leva o dogma a evoluções necessárias, não é fazer uso de poder dado para o bem público, mas abusar dele. Da mesma forma, no próprio uso do poder, deve haver modo e medida. É quase tirania condenar um livro sem que o autor o saiba, e sem admitir a nenhuma explicação nem discussões. Ainda aqui, portanto, deve-se adotar meio termo, que, ao mesmo tempo, salve autoridade e a liberdade. E, nesse ínterim, o católico poderá agir de tal sorte que, protestando o seu profundo respeito a autoridade, continue sempre a trabalhar à sua vontade. Em geral admoestam a Igreja de que, sendo o fim do poder eclesiástico todo espiritual, não lhe assentam bem essas exibições de aparato exterior e de magnificência, como costuma comparecer à vista da multidão. E quando assim o dizem, procuram esquecer que a religião, conquanto essencialmente espiritual, não pode restringir-se exclusivamente às coisas do espírito, e que as honras prestadas à autoridade espiritual se referem à pessoa de Cristo que a instituiu.

Para concluir toda esta matéria da fé e seus diversos germens, resta-nos por fim, veneráveis irmãos, ouvir as teorias dos modernistas acerca do desenvolvimento deles. Têm eles por princípio geral que numa religião viva, tudo deve ser mutável e mudar de fato. Por aqui abrem caminho para uma das suas principais doutrinas, que é a evolução. O dogma, pois, a Igreja, o culto, os livros sagrados e até mesmo a fé, se não forem coisas mortas, devem sujeitar-se às leis da evolução. Quem se lembrar de tudo o que os modernistas ensinam sobre cada um desses assuntos, já  não ouvirá com pasmo afirmação deste princípio. Posta a lei da evolução, os próprios modernistas passam a descrever-nos o modo como ela se efetua. E começam pela. Dizem que a forma primitiva da fé foi rudimentar e indistintamente comum a todos os homens; por que se originava da própria natureza e vida do homem. Progrediu por evolução vital; quer dizer, não pelo acréscimo de novas formas, vindas de fora, mas por crescente penetração do sentimento religioso na consciência. Esse mês mo progresso se realizou de duas maneiras: primeiro negativamente, eliminando todo elemento estranho, como seja o sentimento ou de nacionalidade; em seguida positivamente, com o aperfeiçoamento intelectual e moral do homem, donde resultou maior clareza para a ideia divina e excelência para o “sentimento religioso” . As mesmas causas  que serviram para explicar a origem da fé, explicam também o seu progresso. A essas, porém, devem acrescentar os gênios religiosos, a que chamamos profetas, dos quais o mais eminente foi Cristo; seja porque eles na sua vida ou nas suas palavras tinham algo de misterioso, que a fé atribuía à divindade, seja porque alcançaram novas e desconhecidas “experiências” em plena harmonia com as exigências do seu tempo.

O progresso do dogma nasce principalmente da necessidade de vencer os obstáculos da fé. Derrotar os adversários, repelir as dificuldades. Deve-se ainda acrescentar contínuo esforço, para se penetrar cada vez mais nos arcanos da fé. Deixando de lado outros exemplos, assim sucedeu com Cristo; ao qual, aquele mais ou menos de divino, que a fé a princípio lhe atribuía, foi gradualmente aumentando, até que definitivamente foi tido por Deus. O principal estímulo de evolução para o culto, é a necessidade de se adaptar aos costumes e tradições dos povos; e bem assim de gozar da eficácia de certos atos, já admitidos pelo uso. A Igreja encontra finalmente a razão do seu evoluir na necessidade de se acomodar às condições históricas e às formas de governo publicamente adotadas. Isso dizem os modernistas de cada um daqueles princípios. E aqui, antes de passarmos adiante, queremos insistir em que se atente nessa doutrina das necessidades (dei bisogni, dizem eles vulgarmente); porque ela, além do que já vimos, é como que a base e o fundamento desse famoso método, que chamam histórico.

Detendo-nos ainda na doutrina da evolução, observamos que, embora as necessidades sirvam de estímulo para evolução, se ela não tivesse outros estímulos senão esses, facilmente transporia os limites da tradição, e assim desligada do princípio vital primitivo, já não levaria ao progresso, mas á ruína. Estudando, pois, mais a fundo o pensar dos modernistas, deve-se dizer que a evolução é como o resultado de duas forças que se combatem, sendo uma delas progressiva e a outra conservadora. A força conservadora está na Igreja e é a tradição. O exercício desta é próprio da autoridade religiosa, quer de direito, pois que é da natureza de toda autoridade adstringir-se o mais possível à tradição; quer de fato, pois que, retraída das contingências da vida, pouco ou talvez nada sente de estímulos que impelem ao progresso. Ao contrário, a força que, correspondendo às necessidades, arrasta ao progresso, oculta-se e trabalha nas consciências individuais, principalmente nas que, como eles dizem, se acham mais em contato com a vida. Nesse ponto, veneráveis irmãos, já se percebe o despontar daquela perniciosíssima doutrina, que introduz na Igreja o laicato como fator de progresso.

De uma espécie de convenção entre as forças de conservação e de progresso, isto é, entre a autoridade e as consciências individuais, ou pelo menos algumas delas, fazem pressão sobre a consciência coletiva; e esta por sua vez sobre a autoridade, obrigando-se a capitular e pactuar. Admitindo isso, não é de se admirar ver-se como os modernistas pasmam por serem admoestados ou punidos. O que se lhes imputou como culpa, consideram um dever sagrado. Ninguém melhor do que eles conhece as necessidades das consciências, porque são eles e não a autoridade eclesiástica, os que se acham mais em contato com elas. Julgam quase ter em si encarnadas todas essas necessidades; daí a persuasão que tem de falar e escrever desassombradamente. Não se importam com as censuras da autoridade; porque se sentem fortes com a consciência do dever, e por íntima experiência sabem que merecem aplausos e não censuras. Nem tampouco ignoram que os progressos não se alcançam sem combates, nem há combates sem vítimas, como foram os profetas e Cristo. Ainda que a autoridade os maltrate, não a odeiam; sabem que assim está cumprindo o seu dever. Lamentam apenas que se lhes não prestam ouvidos, porque isso será causa de atraso ao progresso dos espíritos; mas, há de vir a hora de se romperem as barreiras, porque as leis da evolução poderão ser refreadas; quebradas,porém, nunca. Traçado este caminho, eles continuam; continuam, com desprezo das repreensões e condenações, ocultando  audácia inaudita com o véu de aparente humildade. Simulam finalmente curvar a cabeça; mas, no entanto, a mão e o pensamento prosseguem o seu trabalho com ousadia ainda maior. E, assim, avançam com toda a reflexão e prudência, tanto porque estão persuadidos de que a autoridade deve ser estimulada e não destruída, como também porque precisam permanecer no seio da Igreja, para conseguirem pouco a pouco assenhorear-se da consciência coletiva, transformando-a; mal percebem, porém, quando assim se exprimem, que confessam que a consciência coletiva diverge dos seus sentimentos, e que, portanto, não têm direito de declarar-se intérpretes dela.

Nada, portanto, veneráveis irmãos, se pode dizer estável ou imutável na Igreja, segundo o modo de agir e de pensar dos modernistas. Para o que também não lhes faltaram precursores, esses de quem o nosso predecessor  Pio IX escreveu: Estes inimigos da revelação divina, que exaltam com os maiores louvores o progresso humano, desejariam, com temerário e sacrílego atrevimento, introduzi-lo na religião católica, como se ela não fosse obra de Deus, mas obra dos homens. Ou algum sistema filosófico, que se possa aperfeiçoar por meios humanos. Acerca da revelação particularmente, e do dogma, os modernistas nada acharam de novo; pois, a sua mesma doutrina, antes deles, já fora condenada no Sílabo de Pio IX nestes termos: A divina revelação é imperfeita e por isto está sujeita a contínuo e indefinido progresso, correspondente ao da razão humana; e, mais solenemente ainda, a proscreve o Concílio Vaticano I com estas palavras: A doutrina da fé por Deus revelada, não é proposta à inteligência humana para ser aperfeiçoada, como uma doutrina filosófica, mas é depósito confiado à Esposa de Cristo, para ser guardado com fidelidade e declarado com infalibilidade. Segue-se,pois, que também se deve conservar sempre aquele mesmo sentido dos sagrados dogmas, já uma vez declarado pela Santa Mãe Igreja, nem se deve jamais afastar daquele sentido sob pretexto e nome de mais elevada compreensão. De maneira alguma poderá seguir-se daí que fique impedida a explicação dos nossos conhecimentos. Mesmo relativamente à fé; ao contrário, isso a auxilia e promove. Nesse sentido é que o Concílio prossegue dizendo: Cresça, pois, e com ardor progrida a compreensão, a ciência, a sapiência tanto de cada um como de todos, tanto de um só homem como de toda a Igreja com o passar das épocas e dos séculos; mas no seu gênero somente, isto é, no mesmo dogma, no mesmo sentido, no mesmo parecer.


O modernista historiador e crítico

Entre os sequazes do modernismo, já consideramos o filósofo, o crente e o teólogo; resta agora examinarmos também o historiador, o crítico e o apologista.

Há certos modernistas que se atêm a escrever história, que parecem muito preocupados em não passar por filósofos, e chegam até a declarar-se totalmente alheios aos conhecimentos filosóficos. Trata-se de finíssima astúcia; para que ninguém os julgue embebidos de preconceitos filosóficos e assim pareçam, como eles dizem, completamente objetivos. Em verdade, porém, a sua história ou crítica não fala senão com a língua da filosofia; e as suas deduções procedem por bom raciocínio dos seus princípios filosóficos. Isso se faz manifesto a quem refletir com ponderação. Os três primeiros cânones desses tais historiadores ou críticos são aqueles mesmos princípios, que acima deduzimos dos filósofos; isto é, o agnosticismo, o teorema da transfiguração das coisas pela fé, e o outro que nos pareceu poder dominar da desfiguração. Examinemos-lhe já, em separado, as consequências. Segundo o agnosticismo, a história bem como a ciência, só trata de fenômenos. Por conseguinte, tanto Deus quanto qualquer intervenção divinas nas causas humanas deve ser relegado para a fé, como de sua exclusiva competência. Se se tratar, pois, de uma causa que em que intervier duplo elemento, isto é, o divino e o humano, como Cristo, a Igreja, os sacramentos e coisas semelhantes, devem separar-se e discriminar-se tais elementos, de tal modo que o que é humano passe para a história, o que é divino para a fé. É esse o motivo da distinção que costumam fazer os modernistas entre um Cristo da história e um Cristo da fé, e uma Igreja da história e uma Igreja da fé, entre os sacramentos da história e os sacramentos da fé, e assim por diante. Em seguida, a esse mesmo elemento humano, que vemos o historiador tomar para si, tal qual se manifesta nos monumentos, deve ser tido como elevado pela fé, por transfiguração, acima das condições históricas. Convém, portanto, subtrair-lhe de novo os acréscimos feitos pela fé, e restituí-los à mesma fé e à história da fé; assim se deve proceder, tratando-se de Jesus Cristo, em tudo o que excede as condições de homem, seja natural, como a psicologia no-la apresenta, seja conforme as condições do lugar e tempo em que viveu. Além disso, em virtude do terceiro princípio filosófico, também as coisas que não saem dos contornos da história, fazem-nas eles como que passar pela joeira, e eliminam, relegando à fé, tudo o que, a juízo seu não entrar na lógica dos fatos nem for conforme à índole das pessoas. Assim, querem que Cristo não tenha dito aquelas coisas que parecem não estar ao alcance do vulgo.

Por isso eliminam da sua história real e transportam para a fé todas as alegorias que se encontram nos seus discursos. E com que critério, perguntamos, se guiam eles nesta escolha? Pela consideração do caráter do homem, das condições em que se achou na sociedade, da educação, das circunstâncias de cada fato; em uma palavra, por uma norma que, se bem entendermos, afinal se resolve em mero subjetivismo. Isto é, procuram apoderar-se da pessoa de Jesus Cristo, e como que revestir-se dela, e assim lhe atribuem nem mais nem menos tudo o que eles mesmos fariam em circunstâncias idênticas. Assim, pois, para concluirmos, a priori, e partindo de certos princípios que admitem, embora afirmem que os ignoram, na história real afirmam que Cristo nem foi Deus, nem fez alguma coisa de divino; e como homem, que ele faz e disse apenas o que eles, referindo-se ao tempo em que viveu, acham que podia ter feito e dito.

Assim, pois, como a história recebe da filosofia as suas conclusões, assim também a crítica por sua vez as recebe da história. O crítico, seguindo a pista do historiador, divide todos os documentos em duas partes. Depois de fazer o tríplice corte acima referido, passa todo o restante para a história real, e entrega a outra parte à história da fé, ou noutros termos, à história interna. Os modernistas põe grande empenho em distinguir essas duas histórias; e, note-se bem, contrapõem à história da fé a história real, enquanto real. Daí resulta, como já vimos, duplo Cristo; um real, e outro que de fato nunca existiu, mas pertencentes à fé; um viveu em determinado lugar e tempo, outro que se encontra nas piedosas meditações da fé; tal, por exemplo, é o Cristo descrito no Evangelho de São João; esse Evangelho, pretendem-nos os modernistas, do princípio ao fim é mera meditação.

Mas o domínio da filosofia na história ainda vai além. Feita, como dissemos, a divisão dos documentos em duas partes, apresenta-se de novo o filósofo com o seu princípio da “imanência vital”, e prescreve que tudo o que se acha na história da Igreja deve ser aplicado por “emanação vital”. E, uma vez que a causa ou condição de qualquer emanação vital procede de alguma “necessidade”, todo acontecimento deve ser consequência de uma “necessidade”, e deve considerar-se historicamente posterior a ela.

Que faz então o historiador? Entregue de novo ao estudo dos documentos, tanto nos livros sacros quanto nos demais, vai formando um catálogo de cada uma das necessidades que por sua vez se apresentaram à Igreja, quer relativas ao dogma, quer ao culto, quer a outras matérias. Feito esse catálogo, passa-o ao crítico. Este, pois, manuseia os documentos destinados à história da fé e os distribui de tempos em tempos, de maneira que correspondam ao elenco que lhe foi dado; e tudo isso faz tendo sempre em vista o preceito de que o fato é precedido da necessidade, e a narração, do fato.

Bem poderia ser que certas partes da Escritura Sagrada, como as Epístolas, também fossem fato criado pela necessidade. Seja como for, o certo, porém, é que não se pode determinar o tempo de nenhum documento, senão pela época em que cada necessidade se manifestou na Igreja. Convém ainda distinguir entre o começo de um fato e o seu desenrolar; porquanto, o que pode nascer em um dia, não cresce senão com o tempo. Essa é a razão pela qual o crítico ainda deve bipartir os documentos, já dispostos segundo as épocas, segregando os que se referem às origens de um fato dos que pertencem ao seu desenvolvimento, e dispondo de novo estes últimos em ordem cronológica.

Feito isso, reaparece o filósofo e obriga o historiador a conformar os seus estudos com os preceitos e as leis da evolução. E o historiador, conformando-se, torna a esquadrinhar os documentos; a procurar com cuidado as circunstâncias e condições em que se achou a Igreja, no  correr dos tempos, as necessidades internas e externas que a impeliram ao progresso, os obstáculos que se lhe limitaram, numa palavra, tudo o que puder servir para determinar o modo pelo qual se realizaram as leis da evolução. Concluído este trabalho, ele esboça em suas linhas principais a história do desenvolvimento dos fatos. Segue-se-lhe o crítico, que a este esqueleto histórico adapta os demais documentos.

Estende-se então a narração; está completa a história a quem se deve atribuir? Ao historiador ou ao crítico? A nenhum dos dois, por certo; mas ao filósofo. Tudo aí foi exarado por apriorismo e certamente por apriorismo abundante em heresias. São na verdade para lastimar esses homens, dos quais o Apóstolo disse: Desvairaram em seus pensamentos... gabando-se de sábios, estultos é que se tornaram (Rm 1, 21-22); mas ao mesmo tempo provocaram a indignação, quando acusam a Igreja de corromper os documentos para fazê-los servir aos próprios interesses. Isto é, atribuem à Igreja aquilo que a própria consciência manifestamente os acusa.

Dessa desagregação e da disseminação dos documentos pelo decurso do tempo, segue-se naturalmente que os livros sagrados não podem absolutamente ser atribuídos aos autores aos autores de quem trazem o nome. E esta é a razão por que os modernistas não hesitam em afirmar que esses livros, especialmente o Pentateuco e os três primeiros Evangelhos, de uma breve narração primitiva, foram pouco a pouco se avolumando por acréscimos e interpolações, seja a modo de interpretações teológicas ou alegóricas, seja a modo de transições para linguagem entre si as diversas partes.

Noutros termos mais breves e mais claros, querem que deve admitir a evolução vital dos livros sacros, nascida da evolução da fé correspondente a ela. Acrescentam ainda que os sinais da tal evolução aparecem tão manifestos, que se poderia escrever a história deles. E chegam até a escrever essa história, e com tanta persuasão que parecem eles mesmos ter vistos com seus próprios olhos cada um dos escritores, que nos diversos séculos estenderam a mão sobre as Escrituras para ampliá-la. Para confirmá-lo, recorrem à crítica que chamam textual, e se esforçam em persuadir que este ou aquele fato, estes ou aqueles dizeres não se acham no seu lugar, e aduzem ainda outras razões deste mesmo quilate. Dir-se-ia, na verdade, que se preestabeleceram certos tipos de narrações ou alocuções, que servem de critério certíssimo para julgar se uma coisa está em seu lugar ou fora dele. Com semelhante método, julgue quem puder fazê-lo, se eles podem ser capazes de discernir. E, no entanto, quem os ouvir discorrer a respeito dos seus estudos relativos à Escritura, na qual lograram descobrir tantas incongruências, é levado a crer que antes deles ninguém manuseou aqueles livros, e que não houve uma infinita multidão de doutores, em talento, em sabedoria, e na santidade da vida muito superiores  a eles, que os esquadrinharam em todos os sentidos. 

E para esses sapientíssimos doutores tão longe tão longe estavam as Sagradas Escrituras de ter alguma coisa de repreensível, que, ao contrário, quanto mais eles as aprofundavam, tanto mais agradeciam a Deus ter-se dignado de assim falar aos homens.

Mas é que nossos doutores não se entregaram ao estudo das Escrituras com os meios de que se proveram os modernistas! Isto é, não se deixaram amestrar nem guiar por uma filosofia que tem a negação de Deus por ponto de partida, e nem se arvoravam a si mesmos em norma de bem julgar. Parece-nos, pois, já estar bem declarado o método histórico dos modernistas. O filósofo abre o caminho; segue-se o historiador; logo após por seu turno a crítica não é qualquer crítica, mas por direito deve-se chamar-se agnóstica, imanentista, evolucionista; e por isso, quem a professa ou dela se utiliza, professa os erros nela contidos e se põe em oposição com a doutrina católica. Por essa razão é muito de se admirar que tal gênero de crítica possa hoje ter tão grande aceitação entre católicos. Isso ocorre por dois motivos: o primeiro é a aliança íntima que há entre os historiadores e críticos desse gênero, não obstante qualquer diversidade de nacionalidade ou de crenças; o outro é a incrível audácia com que, qualquer estranheza que algum deles diga, é pelos outros sublimada e decantada como progresso da ciência; se alguém o negar leva a pecha de ignorante, se, porém, o aceitar e defender, será coberto de louvores. Disso segue que não poucos ficam enganados; entretanto, se melhor considerassem as coisas, ficariam ao contrário horrorizados. Dessa prepotente imposição dos extraviados, desse incauto assentimento de pusilânimes produz-se certa corrupção de atmosfera, que penetra em toda a parte e difunde o contágio. Mas passemos ao apologista.


O modernista apologista

Entre os modernistas também este depende duplamente do filósofo. Primeiro indiretamente, tomando para matéria a história, escrita, como vimos, sob a direção do filósofo, depois diretamente, aceitando do filósofo  os princípios e os juízos. Vem daqui o preceito comum da escola modernista, que a nova apologética deve dirimir as controvérsias religiosas por meio de indagações históricas e psicológicas. Por isso, esses apologistas começam o seu trabalho advertindo os racionalistas de que não defendem a religião com os livros sacros, nem com as histórias vulgarmente usadas na Igreja e escritos à moda antiga; fazem-no, porém, com a história real, composta segundo os preceitos modernos e com método moderno. Assim o dizem, não como se argumentassem ad hominem, mas porque de fato acreditam que só em história se acha a verdade. Quando escrevem, também não se preocupam em insistir na própria sinceridade; já são bastante conhecidos entre os racionalistas, já foram louvados como combatentes sob um mesmo estandarte, e desses louvores, que um verdadeiro católico deveria rechaçar, eles muito se lisonjeiam e se servem como de escudo contra as censuras da Igreja. Vejamos como qualquer deles faz praticamente semelhante apologética. O fim que se propõe é de conduzir o homem que ainda não crê, e sentir em si aquela ‘experiência’ da religião católica que para os modernistas é a base da fé. Há dois caminhos a seguir: um objetivo e o outro subjetivo. O primeiro parte do agnosticismo, e tende a demonstrar que na religião, especialmente na católica, há tal energia vital, que obriga todo sábio psicólogo e historiador a admitir que na sua história se esconde alguma coisa incógnita. Para esse fim é mister provar que a religião católica, qual existe hoje, é a mesma fundada por Cristo, ou melhor, é o progressivo desenvolvimento do gérmen a que Cristo deu origem. Convém, por conseguinte, antes de tudo determinar qual seja esse gérmen. Pretendem eles fazê-lo pela seguinte fórmula: Cristo anunciou a vinda do reino de Deus, a realizar-se em breve, sendo ele o seu Messias, isto é, o executor e o organizador mandado por Deus. Depois disso convirá demonstrar como esse gérmen, sempre ‘imanente’ e ‘permanente’ na religião católica, devagar e a passo com a história se foi desenvolvendo e adaptando às sucessivas circunstâncias, assimilando ‘vitalmente’ tudo o que nas mesmas lhe apresentavam de útil às formas doutrinais, cultuais, eclesiásticas: superando ao mesmo tempo os obstáculos, desbaratando os inimigos, as perseguições, os combates da Igreja, se tiveram mostrado tais que, conquanto na história dela se vejam observadas as leis da evolução, todavia não são bastantes ainda para explicação cabal, virá pela frente o incógnito, que se apresentará por si mesmo. Assim dizem eles. Contudo, em todo esse raciocinar há uma coisa que não percebem: que aquela determinação do gérmen primitivo é fruto exclusivo do apriorismo do filósofo agnóstico e evolucionista, e que o próprio gérmen é por ele tão gratuitamente definido, que deveras parece convir à sua causa.

Mas esses apologistas, ao passo que com os referidos argumentos procuram asserir e persuadir a religião católica, também por outra parte concedem que ela contém muitas coisas que desagradam. E também, com um prazer mal disfarçado, publicamente propalam que também em matéria dogmática encontram erros e contradições; não obstante acrescentarem que tais erros e contradições só merecem desculpa, mas, é o que mais se admira, devem ser legitimados e justificados. Assim também nas Sagradas Escrituras, afirmam-no, ocorrem muitos erros em matéria científica e histórica. Mas aqueles livros acrescentam, não tratam de ciência ou de história, e sim de religião e de moral. A ciência e a história ali são meros invólucros, que contornam as experiências religiosas e morais, para mais facilmente se divulgarem no povo; e como este povo não poderia entender de outro modo, não lhe seria vantajoso, porém nocivo, estar de posse de uma ciência ou de uma história mais perfeita. De resto, continuam a dizer, os livros sagrados, porque religiosos por natureza, têm necessariamente a sua vida; a vida também por sua vez tem a sua verdade e a sua lógica, certamente diversa da verdade e da lógica racional, e até mesmo de ordem assaz diversa, a saber: é verdade de comparação e proporção, quer com o ambiente em que se vive, quer com um fim para que se vive. Chegam enfim a tal extremo, que se abalançam a afirmar, sem a menor restrição, que tudo o que se explica pela vida é verdadeiro e legítimo. Nós, veneráveis irmãos, para quem a verdade é uma e única, e consideramos os livros sacros como escritos por inspiração do Espírito Santo e tendo Deus por autor, afirmamos que isso equivale a atribuir a Deus a mentira de utilidade ou oficiosa; e com as palavras de Santo Agostinho protestamos que, uma vez admitida em excelsa autoridade qualquer mentira oficiosa, não haverá nem pequena parte daqueles livros, que, parecendo a alguém difícil de praticar ou incrível de crer, com a mesma perniciosíssima regra não seja atribuída a conselho ou utilidade do mendaz autor. E daí resultará o que o santo Doutor acrescenta: Neles, isto é, nos livros sacros, cada um dará crédito ao que quiser, e rejeitará o que não lhe agradar. Mas os modernistas apologistas não se preocupam com isso. Concedem ainda que nos livros sacros, para sustentar uma doutrina qualquer, se acham por vezes razões que não se razões que não se apoiam em nenhum fundamento razoável; a esses gêneros pertencem as que se fundam nas profecias. Contudo eles também as defendem como artifícios de pregação, que são legitimados pela vida. Quem mais? Concedem, pior ainda, sustentam que o próprio Jesus Cristo errou manifestadamente, indicando o tempo da vinda do Reino de Deus; e nem é para admirar, dizem, pois então ele ainda se achava sujeito às leis da vida! Posto isso, que será dos dogmas da Igreja? Também esses estão cheios de evidentes contradições; mas, além de serem aceitos pela lógica da vida, não se acham em oposição com a verdade simbólica; pois, neles se trata do infinito, que tem infinitos aspectos. Enfim, tanto eles aprovam e defendem essas teorias, que não põem  dúvida em declarar que se não pode render ao infinito maior preito de homenagens, do que afirmando acerca dele coisas contraditórias! E admitindo-se a contradição, o que é que não se admitirá?

Além dos argumentos objetivos, o não crente pode também ser disposto à fé pelos subjetivos. Para esse fim os apologistas voltam-se de novo para a doutrina da imanência. Empenham-se em convencer o homem de que nele mesmo e nos íntimos recantos de sua natureza e de sua vida, se oculta o desejo e a necessidade de uma religião, não de uma religião qualquer, mas da católica; porquanto esta, dizem, é vigorosamente requerida pelo perfeito desenvolvimento da vida. E sobre esse ponto nos vemos de novo obrigados a lamentar que não faltam católicos que, conquanto rejeitem a doutrina da ‘imanência’ como doutrina, todavia se utilizam dela na apologética; e fazem-no tão incautamente, que parecem admitir não somente certa capacidade ou conveniência na natureza humana para a ordem sobrenatural – o que os apologistas católicos com as devidas restrições sempre demonstram - , mas também uma estrita e verdadeira exigência. Pra sermos mais exatos, dizemos ainda que essa exigência da religião católica é sustentada pelos modernistas mais moderados. Pois, aqueles que podem ser denominados integralistas, pretendem que se deve mostrar ao homem que ainda crê, como se acha latente dentro dele mesmo o gérmen que esteve na consciência de Cristo, e que Cristo transmitiu aos homens. Eis aqui, veneráveis irmãos, sumariamente descrito o método apologético dos modernistas, em tudo conforme com as suas doutrinas; e tanto o método como as doutrinas estão repletos de erros, capazes só de destruir e não de edificar, não de formar católicos, mas de arrastar os católicos à heresia, mais ainda, à completa destruição de toda a religião.


O modernista reformador

Pouco resta-nos finalmente dizer a respeito das pretensões do modernista como reformador. Já pelo que move esses homens; mania esta que não poupa absolutamente nada ao catolicismo. Querem a inovação da filosofia, particularmente nos seminários; de tal sorte que, desterrada a filosofia escolástica para a história da filosofia, entre os sistemas já obsoletos, seja ensinada aos jovens a moderna filosofia, que é a única verdadeira, correspondente aos nossos tempos. Para a reforma da teologia, querem que aquela teologia que chamamos racional, seja fundamentada na filosofia moderna. Desejam, além disso, que a teologia positiva se baseie na história dos dogmas. Querem também que a história seja escrita e ensinada pelos seus métodos e com preceitos novos. Dizem que os dogmas e a sua evolução devem entrar em acordo com a ciência e a história. Para o catecismo se introduzam só os dogmas que tiverem sido reformados e estiverem ao alcance da inteligência do vulgo. Acerca do culto, clamam que se devem diminuir as devoções externas e proibir que aumentem; embora, a bem da verdade, outros mais favoráveis ao simbolismo se mostrem nisso mais indulgentes. Gritam a altas vozes que o regime eclesiástico deve ser renovado em todos os sentidos, mas especialmente na disciplina e no dogma. Por isso, dizem que por dentro e por fora se deve entrar em acordo com a consciência moderna, que se acha de todo inclinada para a democracia; e assim também dizem que o clero inferior e o laicato devem tomar parte no governo, que deve ser  descentralizado.Também devem ser transformadas as Congregações romanas; e antes de todas as do Santo Ofício e o Índice. Deve mudar-se a atitude da autoridade eclesiástica nas questões políticas e sociais, de tal sorte que não se intrometa nas disposições civis, mas que procure amoldar-se a elas, para penetrá-las do seu espírito. Em matéria de moral estão pelo americanismo, dizendo que as virtudes ativas devem antepor-se às passivas, e que convém promover o exercício daquelas de preferência a estas. Desejam que o clero volte à antiga humildade e pobreza; e querem-no também de acordo no pensamento e na ação com os preceitos do modernismo. Finalmente não falta entre eles quem, obedecendo muito de boa mente aos acenos dos seus mestres protestantes, até deseje ver suprimido do sacerdócio o sacro celibato. Que restará, pois, de intacto na Igreja, que não deva por eles ou segundo os seus princípios ser reformado?


Crítica Geral de todo o sistema

Talvez na presente exposição da doutrina dos modernistas tenhamos parecido a alguém, veneráveis irmãos, demasiadamente prolixos. Isso, porém, foi de todo necessário, tanto para que não continuem a acusar-nos, como costumam, de ignorar as suas teorias, como também, para que se veja que quando se fala de modernismo, não se trata de doutrinas vagas e desconexas, mas de corpo uno e compacto de doutrinas em que, admitida uma, todas as demais também o deverão ser. Por isso, também quisemos servir-nos de forma quase didática, e nem recusamos os vocábulos bárbaros, que os modernistas adotam. Se, pois, de uma só vista de olhos atentarmos para todo o sistema, a ninguém causará pasmo ouvir-nos defini-lo, afirmando ser ele a síntese de todas as heresias. Certo é que se alguém se propusesse juntar, por assim dizer, o destilado de todos os erros, que a respeito da fé foram até hoje levantados, nunca poderia chegar a resultado mais completo do que alcançaram os modernistas. Tão longe se adiantaram eles, como já o notamos, que destruíram não só o catolicismo, mas qualquer outra religião. Com isso se explicam os aplausos dos racionalistas; por isso aqueles dentre os racionalistas que falam mais clara e abertamente, se vangloriam de não ter aliados mais efetivos que os modernistas. E de fato, voltemos um pouco, veneráveis irmãos, à prejudicialíssima doutrina do agnosticismo. Com ela, por parte da inteligência está fechado ao homem todo o caminho para chegar a Deus, ao passo que se torna mais aberto por parte de certo sentimento e da ação. Quem não percebe, porém, que isso se afirma em vão? O sentimento corresponde sempre à ação de um objeto, que é proposto pela inteligência ou pelos sentidos. Exclui a inteligência, e o homem seguirá mais arrebatadamente os sentidos pelos quais é já arrastado. Além de que, quaisquer sejam as fantasias de sentimento religioso, não podem elas vencer o senso comum nos ensina que toda a perturbação ou preocupação do espírito, longe de ajudar, impede a investigação da verdade (queremos dizer a verdade em si mesma); ao passo que aquela outra verdade subjetiva, fruto do sentimento íntimo e da ação, quando muito serviria para jogo de palavras, sem nada aproveitar ao homem, que antes de tudo quer saber se fora de si existe ou não um Deus, em cujas mãos há de cair um dia um dia. Recorrem, outrossim, e com afinco, à ‘experiência’. Mas, que pode ela acrescentar ao sentimento? Nada, por certo; poderá apenas torná-lo mais intenso; e esta intensidade tornará proporcionadamente mais firme a persuasão da verdade do objeto. Essas duas coisas, porém, não farão que o sentimento deixe de ser sentimento nem lhe mudarão a natureza, sempre sujeita ao engano, se não for auxiliada pela inteligência; pelo contrário, confirmarão  e reforçarão o sentimento, pois que este quanto mais intenso for, tanto mais direito terá a ser sentimento. Como, porém, tratamos aqui do sentimento religioso e da experiência, que nele se contém, sabeis por certo, veneráveis irmãos, com quanta prudência. Vós o sabeis pelo contato que tendes com as almas, especialmente aquelas em que domina o sentimento; vós o sabeis pelo estudo dos tratados de ascética, que não obstante serem menosprezados pelos modernistas, contêm doutrina mais sólida e mais fina observação do modo que se vangloriam os modernistas. E a nós, na verdade, parece-nos ser só demente ou pelo menos de rematado imprudente admitir, sem mais exame, por verdadeiras as tais experiências íntimas apregoadas pelos modernistas. Por que será então, dizemo-lo aqui de passagem, que tendo essas experiências tão grande força e certeza, não o possam também ter a experiência de milhares de católicos, quando afirmam que os modernistas vagueiam por um caminho errado? Somente essa experiência seria falsa e falaciosa? A maior parte dos homens sustenta e há sempre de sustentar com firmeza que, só com o sentimento e a experiência, sem a guia e a luz da inteligência, nunca se chegará ao conhecimento de Deus. Resta, portanto, ainda mais uma vez, ou o ateísmo ou a absoluta falta de religião. Não esperam os modernistas melhores resultados da sua doutrina do simbolismo. De fato, se todos os elementos, que criaram intelectuais, não passam de meros símbolos de Deus, por que motivo não será também símbolo o próprio nome de Deus ou da personalidade divina? E sim assim for, bem se poderá duvidar da mesma personalidade divina, e teremos aberto o caminho para o panteísmo. Do mesmo modo, o puro e simples panteísmo leva a outra doutrina da imanência divina. Pois, se perguntarmos: essa ‘imanência’ dos modernistas quer e admite que todo o fenômeno de consciência proceda do homem enquanto homem. Com legítimo raciocínio deduzimos, portanto, que Deus e o homem são uma e a mesma coisa; e daqui o panteísmo.Também a distinção que fazem entre a ciência e a fé, não leva a outro resultado.

Põem o objeto da ciência na realidade do cognoscível, e o da fé na realidade do incognoscível. Ora, o incognoscível é produzido pela completa desproporção, acrescentam, nunca poderá cessar. Logo, o incognoscível ficará sempre incognoscível, tanto para o crente quanto para o filósofo. Se, pois, alguma religião houver, o seu objeto será sempre a realidade do incognoscível: e não sabemos por que motivo essa realidade não poderá será alma universal do mundo, como querem certos racionalistas. Isso já é bastante para bem nos certificarmos de que muitos são os caminhos pelos quais a doutrina modernista vai acabar no ateísmo e na destruição de toda religião. Nesse caminho os protestantes deram o primeiro passo; os modernistas o segundo; pouco falta para o completo ateísmo.


                                                                II PARTE

                                                CAUSAS DO MODERNISMO


Para conhecer mais a fundo o modernismo e para encontrar remédio mais apropriado a tão grande mal, cumpre agora, veneráveis irmãos, procurar algumas causas de onde se originou e porque se desenvolveu. Não há dúvida que a causa próxima e imediata é a aberração do entendimento. Quanto às remotas, reconhecemos duas: a curiosidade e a soberba. A curiosidade, se não sabiamente freada, basta por si só para explicar toda a sorte de erros. Por essa razão o nosso sábio o nosso sábio predecessor Gregório XVI com toda a verdade escreveu: Muito lamentável é ver até onde se atiram os delírios da razão humana, quando o homem corre após das novidades, e, contra as admoestações de São Paulo, se empenha em saber mais do que convém e confiado demasiado em si, pensa que deve procurar a verdade fora da Igreja Católica, a qual se acha sem a menor sombra de erro.

Contudo, a soberba tem muito maior força para arrastar ao erro os entendimentos; e é a soberba que, estando na doutrina modernista como em sua própria casa, aí acha à larga de que se Ca e com que ostentar as suas manifestações. Efetivamente, a soberba os faz confiar tanto em si, que se julgam e dão a si mesmos como regra dos outros. Devido à soberba, loucamente se gloriam de serem os únicos que possuem o saber, e dizem desvanecidos e inchados: “nós não somos como os outros homens”, e, de fato, para não o serem, abraçam e devaneiam toda a sorte de novidades, até das mais absurdas. Devido à soberba repelem toda a sujeição, e afirmam que a autoridade deve aliar-se com a liberdade.

Devido à soberba, esquecidos de si mesmos, pensam unicamente em reformar os outros, sem respeitarem nisso qualquer posição, nem mesmo a suprema autoridade. Para chegar ao modernismo não há, com efeito, caminho mais direto do que a soberba. Se algum leigo ou também algum sacerdote católico esquecer o preceito da vida cristã, que nos manda negarmos a nós mesmo para podermos seguir a Cristo, e se não afastar de seu coração a soberba, ninguém mais do que ele se acha naturalmente disposto a abraçar o modernismo! Seja, portanto, veneráveis irmãos, o vosso primeiro dever resistir a esses homens soberbos, ocupá-los nos misteres mais humildes e obscuros, a fim de serem tanto mais deprimidos quanto mais se enaltecem, e, postos na ínfima plana, tenham menor campo a prejudica. Além disso, por vós mesmos ou pelos reitores dos seminários, procurai com cuidado conhecer os jovens que se apresentam candidatos às fileiras do clero, e se algum deles for de caráter soberbo, repeli-lo resolutamente do sacerdócio. Nesse ponto, quem dera se tivesse sempre agido com a vigilância e fortaleza que era mister!

Passando das causas morais às que se relacionam com a inteligência, surge primeiro a ignorância. Todos os modernistas que pretendem ser ou parecer doutores na Igreja, exaltando em voz clamorosa a moderna filosofia, e desdenhando a escolástica, se abraçaram a primeira, iludidos pelos seus ouropéis, devem-no ao ignorarem completamente a segunda, e ao carecerem por conseguinte dos meios convenientes para reconhecerem a confusão das ideias e refutar os sofismas. É, pois, do esponsalício da falsa filosofia com a fé, que surgiu o seu sistema, repleto de tantos e tamanhos erros.

Quem dera que eles fossem, no entanto, menos zelosos e sagazes na propaganda desses erros! Mas, em vez disso, é a tal a sua esperteza, é tão indefeso o seu trabalho, que deveras causa pesar ver consumirem-se em prejuízo, da Igreja tantas forças, que bem empregadas lhe seriam muito vantajosas. Para conduzirem os espíritos ao erro, usam de dois meios: removem primeiro os obstáculos, e em seguida procuram com máxima cautela os ardis que lhe poderão servir, e põem-nos em prática, incessante e pacientemente.

Dentre os obstáculos, três principalmente se opõem aos seus esforços: o método escolástico de raciocinar, a autoridade dos Padres com a Tradição, o magistério eclesiástico. Tudo isso é para eles objeto de uma luta encarniçada. Por isso, continuamente escarnecem e desprezam  a filosofia e a teologia escolástica. Quer o façam por ignorância, o certo é que a mania da novidade neles se acha aliada com o ódio à escolástica; e não há sinal mais manifesto de que começa alguém a volver-se para o modernismo, do que começar a aborrecer a escolástica. Lembrem-se os modernistas e os seus fautores da condenação que Pio IX infligiu a essa proposição: o método e os princípios com que os antigos doutores escolásticos trataram a teologia, não condizem mais com as necessidades dos nossos tempos e com os progressos da ciência. São também muito astuciosos em desvirtuar a natureza e a eficácia da Tradição, a fim de privá-la de todo o peso e autoridade. Porém, nós, os católicos, teremos sempre do nosso lado a autoridade do segundo Concílio Niceno, que condenou aqueles que ousam..., à maneira de perversos hereges, desprezar as tradições eclesiásticas e imaginar qualquer novidade... Ou pensar maliciosa e astutamente em destruir o que quer que seja das legítimas tradições da Igreja Católica. Teremos sempre a profissão de fé do quarto Concílio Constantinopolitano: Professamos, portanto, conservar e defender as regras que, tanto pelos santos e célebres Apóstolos quanto pelos Concílios universais e locais, ortodoxos, mesmo por qualquer deíloquo Padre e Mestre da Igreja, foram dados à Santa Igreja Católica e Apostólica.

Por essa razão os Pontífices Romanos Pio IV e Pio IX quiseram que se acrescentassem estas palavras à profissão de fé: Creio firmemente e professo as tradições apostólicas e eclesiásticas e todas as demais determinações e constituições da mesma Igreja.

O mesmo juízo, que fazem da Tradição, estendem-no os modernistas também aos santos Padres da Igreja. Com a maior temeridade, embora tendo-os como muito dignos de toda a veneração, fazem-nos passar por muito ignorantes da crítica e da história, desculpáveis apenas pelo tempo em que viveram.

Põem, finalmente, todo o empenho em diminuir e enfraquecer o magistério eclesiástico, ora deturpando-lhe sacrilegamente a origem, a natureza, os direitos, ora repetindo livremente contra ele as calúnias dos inimigos. A grei dos modernistas quadram estas palavras que muito a contragosto escreveu nosso predecessor: Para atirarem sobre a mística Esposa de Jesus Cristo,que é verdadeira luz, o desprezo e o ódio, os filhos das trevas acostumaram-se a deprimi-la em público com uma insensata calúnia, e, trocando a reação das coisas e das palavras, a chamá-la amiga do obscurantismo, sustentáculo da ignorância, inimiga da luz, da ciência e do progresso.

Em vista disso, veneráveis irmãos, não é para admirar que os católicos, denodados defensores da Igreja, sejam alvo do ódio mais desapoderado dos modernistas. Não há injúria que não lhes lancem ao rosto; mas de preferência o chamam ignorantes e obstinados. Se a erudição e eficácia de quem os refuta ao atemoriza, procuram descartá-lo, recorrendo ao silêncio. Esse modo de proceder com os católicos torna-se ainda mais odioso, porque eles ao mesmo tempo exaltam descompassadamente com incessantes louvores os que ficam ao seu lado; acolhem e batem palmas aos seus livros, eriçados de novidades; e quanto mais alguém mostra ousadia em destruir as coisas antigas, em rejeitar as tradições e o magistério eclesiástico, tanto mais encarecem a sua sabedoria; e, por fim, o que a todo espírito reto causa horror, não só elogiam pública e encarecidamente, mas veneram como mártir quem quer que por acaso for condenado pela Igreja. Movidos e abalados por toda essa celeuma de louvores e de impropérios, como o fito, ou de não passarem por ignorantes, ou de serem tidos por sábios, os ânimos juvenis, instigados inferiormente pelo orgulho e pelo amor das novidades dão-se por vencidos e desertam para o modernismo.

Com isso já chegamos aos artifícios com que os modernistas passam as suas mercadorias. Que recursos deixam eles de empregar para angariar sectários? Procuram conseguir cadeiras nos seminários e nas universidades, para tornarem-nas insensivelmente cadeiras de pestilência. Inculcam as suas doutrinas, talvez disfarçadamente, pregando nas igrejas; expõem-nas mais claramente nos congressos; introduzem e exaltam-nas mais claramente nos congressos; introduzem e exaltam-nas nos institutos sociais sob o próprio nome ou sob o de outrem; publicam livros, jornais e periódicos.

Às vezes um mesmo escritor se serve de diversos nomes, para enganar os incautos, simulando grandes números de autores. Numa palavra, pela ação, pela palavra, pela imprensa, tudo experimentam, de modo a parecerem agitados por uma violenta febre. Que resultado terão eles alcançado? Infelizmente lamentamos a perda de grande números de jovens, que davam ótimas esperanças de poderem um dia prestar relevantes serviços à Igreja atualmente fora do bom caminho.

Lamentamos muito que, embora não se tenham adiantado tanto, tendo contudo respirado esse ar infeccionado, já pensam, falam e escrevem com tal liberdade, que não convém a católicos.

Vemo-los entre os leigos; vemo-los entre os sacerdotes; e, quem o diria? Vemo-los até no seio das famílias religiosas. Tratam a Escritura, à maneira dos modernistas. Escrevendo sobre a história tudo o que pode desdourar a Igreja divulgam cuidadosamente e com disfarçado prazer. Guiados por certo apriorismo, procuram o quanto podem desfazer as piedosas tradições populares. Mostram desdenhar as sagradas relíquias, respeitáveis pela sua antiguidade. Enfim, vivem preocupados em fazer o mundo falar de suas pessoas: e sabem que isso não será possível, se disserem as mesmas coisas que sempre se disseram.

Eles creem estar prestando obséquio a Deus e à Igreja; na realidade, porém, ofendem-nos gravemente, se não com suas obras, de certo com espírito que os anima e com o auxílio que prestam ao atrevimento dos modernistas.


                                                            III PARTE

                                                           REMÉDIOS


A essa torrente de gravíssimos erros, que  às claras e às ocultas se vai avolumando, o nosso Predecessor Leão XIII, de feliz memória, procurou energicamente levantar um dique, principalmente no que se refere às Sagradas Escrituras. Já vimos, porém, que os modernistas não se deixam facilmente intimidar, eis porque, aparentando o maior acatamento e a mais apurada humildade, inverteram as palavras do Pontífice do modo que lhes convinha, e propalaram que os atos dele eram dirigidos a outros. Descarte o mal, dia a dia foi tomando maiores proporções.

É por isso, veneráveis irmãos, que decidimos lançar mãos, sem demora, de medidas mais enérgicas. Nós, porém, vos pedimos e suplicamos que em negócio de tal monta nada, de modo algum, se deixe a desejar em vossa vigilância, desvelo e fortaleza. E isso mesmo que vos pedimos e de vós esperamos, pedimo-lo também e esperamos dos demais pastores das almas, dos educadores e mestres do jovem clero, e particularmente dos Superiores gerais das Ordens religiosas.

No que se refere aos estudos, queremos em primeiro lugar e ordenamos decididamente, que a filosofia escolástica seja tomada por base dos estudos sacros. Bem compreende que se os doutores escolásticos trataram certas questões com excessiva argúcia, ou foram omissos noutras; se disseram coisas que mal se acomodam com as doutrinas apuradas nos séculos posteriores, ou mesmo alguma coisa inadmissível, muito longe está de nossa intenção querer que tudo isso deva servir de exemplo a imitar os nossos dias. O que importa saber, antes de tudo, é que a filosofia escolástica, que mandamos adotar, é principalmente a de Santo Tomás de Aquino; a cujo respeito queremos fique em pleno vigor tudo o que foi determinado pelo nosso predecessor, e, se necessário for, renovamos, confirmamos e mandamos severamente sejam por todos observadas aquelas disposições. Se isso tiver sido que para o futuro se observe. Tornamos extensiva a mesma ordem aos Superiores das Ordens religiosas. E todos aqueles que ensinam fiquem cientes de que, afastar-se da santo Tomás, especialmente em matérias metafísicas, não será sem graves prejuízos. Fundamentada assim a filosofia, sobre ela se erga com maior diligência o edifício teológico. Veneráveis irmãos, promovei com toda a solicitude o estudo da teologia, de tal sorte que ao saírem dos seminários os clérigos que lhe tenham alta consideração e profundo amor, e sempre o  conservem carinhosamente. Porquanto é de todos sabido que na quase infinidade de disciplinas, que se apresentam às inteligências ávidas do saber, é tão certo que à teologia cabe primeiro lugar, que os antigos diriam que era dever das outras ciências e artes servirem-na e auxiliarem-na como escravas.

Aproveitamos esta ocasião para dizer que nos parecem dignos de louvor os que, salvando o respeito devido à tradição, aos santos Padres, ao magistério eclesiástico, procuram esclarecer a teologia positiva, com prudente critério e normas católicas (coisa que nem sempre se observa), tirando luzes da verdadeira história. Certo é que na atualidade à teologia positiva se deve dar maior extensão do que outrora; entretanto, isso se deve fazer de tal sorte que não seja de nenhum modo em detrimento do modernismo, os que de tal modo elevam a teologia positiva, que parece quase desprezarem a escolástica.

Quanto às disciplinas profanas, basta lembrar o que sabiamente disse o nosso predecessor: Aplicai-vos diligentemente ao estudo das coisas naturais; pois, assim como em nossos dias as engenhosas descobertas e os úteis empreendimentos com sobeja razão são admirados pelos contemporâneos, da mesma sorte serão alvo de perenes louvores e encarecimentos dos vindouros. Seja isso feito porém sem prejuízo dos estudos sacros; assim também o advertiu o mesmo nosso predecessor, pelas seguintes palavras: A causa de tais erros, se a investigarmos cuidadosamente, provém principalmente de que de hoje quanto maior intensidade se dá aos estudos das ciências naturais, tanto mais se descubram as disciplinas mais severas e mais elevadas; algumas destas são de fato quase atiradas ao esquecimento; outras são tratadas com pouca vontade e de leve, e, coisa indigna, perdido o esplendor de sua primitiva dignidade, são deturpadas por opiniões inverossímeis e por enormes erros. É essa lei à qual ordenamos que se conformem os estudos das ciências naturais nos seminários.

Em vista tanto destas nossas disposições como das do nosso antecessor, convém prestar muita atenção toda a vez que se tratar da escolha dos diretores e professores tanto dos seminários quanto das universidades católicas. Todo aquele que tiver tendências modernistas, seja ele quem for, deve ser afastado quer dos cargos quer do magistério; e se já estiver de posse, cumpre ser removido. Faça-se o mesmo com os que às ocultas ou às claras favorecerem o modernismo, louvando os modernistas, ou atenuando-lhe a culpa, ou criticando a escolástica, os santos Padres, o magistério eclesiástico, ou negando obediência a quem quer que se ache em exercício do poder eclesiástico; assim como com os que se mostrarem amigos de novidades em matéria histórica, arqueológica e bíblica; e, finalmente, com aqueles que se descuidarem dos estudos sacros ou parecerem dar preferência aos profanos. Neste ponto, veneráveis irmãos, e particularmente na escolha dos docentes, nunca será demasiada a vossa solicitude e constância; porquanto, é o mais das vezes ao exemplo dos mestres que se formam os discípulos. Firmados, portanto, no dever da consciência, procedei nesta matéria com prudência, mas também com energia.

Não deve ser menor a vossa vigilância e severidade na escolha dos que devem ser admitidos ao sacerdócio. Longe, muito longe do clero esteja o amor às novidades; Deus não vê com bons olhos os ânimos soberbos e rebeldes! A ninguém doravante se conceda a láurea de teologia ou direito canônico, se primeiro não tiver feito todo o curso de filosofia escolástica. Se não obstante isso ela for concedida, será nula. Tornem-se doravante extensivas a todas as nações as disposições emanadas da Sagrada Congregação dos Bispos e Regulares no ano de 1896, acerca da frequência dos clérigos regulares e seculares da Itália às universidades. Os clérigos e sacerdotes inscritos a um Instituto ou a uma universidade católica, não poderão frequentar nas universidades civis cursos também existentes nos Institutos católicos ou universidades católicas o maior empenho em fazer observar estas nossas determinações.

Compete, outrossim, aos Bispos providenciar para que os livros dos modernistas já publicados não sejam lidos, e novas publicações sejam proibidas. Qualquer livro, jornal ou periódico desse gênero não poderá ser permitido aos alunos dos seminários ou das universidades católicas; pois, daí não lhes proviria menor mal do que o que produzem as más leituras; antes, seria ainda pior, porque ficaria contaminada a mesma raiz da vida cristã. Nem diversamente se há de julgar os escritos de certos católicos, homens aliás de não más intenções, porém deficitários de estudos teológicos e embebidos de filosofia moderna, que procuram conciliar esta última com a fé, e fazê-la sentir, como eles dizem, em proveito da mesma fé. O nome e a boa reputação dos autores faz com que tais livros sejam lidos sem o menor escrúpulos, e, por isso mesmo, se tornam assaz perigosos para pouco a pouco encaminharem ao modernismo.

Querendo, veneráveis irmãos, dar-vos normas gerais em tão grave assunto, se em vossas dioceses circularem livros perniciosos, procurai energicamente proscrevê-los, condenado-os mesmo solenemente, se o julgardes oportuno. Conquanto esta Sede Apostólica procure por todos os meios proscrever tais publicações, tornou-se hoje tão avultado o seu número, que não lhe bastariam forças para condená-las todas. Disso resulta às vezes que o remédio já chega tarde, porque a demora facilitou a infiltração do mal. Queremos, por conseguinte, que os Bispos, deixando de lado todo o receio, repetindo a prudência da carne, desdenhando a grita dos maus, com suavidade perseverante cumpram todos os que lhes cabe, lembrando-se do que na Constituição Apostólica Officiorum, Leão XVIII escreveu: Empenhem-se os Ordinários, mesmo como Delegados da Sede Apostólica, em proscrever e tirar das mãos dos fiéis os livros ou quaisquer escritos nocivos publicados ou divulgados em sua dioceses.Com essas palavras, é verdade, concede-se um direito;mas, ao mesmo tempo, também se impõe um dever. Ninguém, contudo, julgue ter cumprido tal dever pelo fato de nos remeter um ou outro livro, deixando entretanto muitíssimos outros serem publicados e divulgados. Nem se julguem desobrigados disso por terem ciência de que certo livro alcançou de outrem o Imprimatur; porquanto, tal concessão pode ser falsa, como também pode ter sido dada por descuido, por excesso de benignidade, ou por demasiada fé no autor; e este último caso pode ser muito facilmente dar-se nas Ordens Religiosas. Acresce também saber que, assim como todo e qualquer alimento não serve igualmente para todos, da mesma sorte um livro que pode ser inocente num lugar, já noutro, por certas circunstâncias, pode tornar-se nocivo. Se, por conseguinte, o Bispo, depois de ouvir o parecer de pessoas prudentes, julgar que em sua diocese deve ser condenado algum desses livros, damos-lhe para isso ampla faculdade, e até oneramos com esse dever. Desejamos, entretanto, que se conservem as devidas atenções, e talvez baste num ou noutro caso restringir ao clero essa proibição; mas, também neste caso, os livreiros católicos estão obrigados a não dar à venda as publicações proibidas pelo Bispo. E por falar nisso, vigiem os Bispos para que os livreiros, por avidez de lucro, não vendam livros perniciosos; o certo é que nos catálogos de alguns deles não poucas vezes se veem anunciados, e com bastante louvor, os livros dos modernistas. Se eles a isso se recusarem, não ponham dúvida os Bispos em privá-los dos títulos de livreiros católicos; da mesma sorte, e por mais forte razão, se gozarem do título de episcopais; mas, se tiverem o título de pontifícios, seja o caso deferido à Santa Sé. A todos, finalmente, lembramos o artigo XXVI da citada Constituição apostólica Officiorum: Todas as pessoas que tiverem obtido faculdade apostólica de ler e conservar livros proibidos, nãose acham por esse mesmo fato autorizadas a ler livros ou jornais proscritos pelos Ordinários locais, salvo se no indulto apostólico se achar expressamente declarada a licença de ler e conservar livros condenados por quem quer que seja.

No entanto não basta impedir a leitura ou a venda de livros maus; cumpre, outrossim, impedir-lhes a impressão. Usem pois, os Bispos, a maior severidade em conceder licença para impressão. E, por ser grande o número de livros que, segundo  a Constituição Officiorum, exige a autorização do Ordinário, é costume em certas dioceses designar, em número conveniente, censores, por ofício, para exame dos manuscritos. Louvamos com efusão de ânimo essa instituição de censura; e não só exortamos, mas ordenamos que se estenda a todas as dioceses. Haja, portanto, em todas as Cúrias episcopais censores para revisão dos escritos em via de publicação. Sejam esses escolhidos, sábios e prudentes, que ao aprovar ou reprovar uma doutrina tomem um meio termo seguro. Terão eles o encargo de examinar tudo o que, segundo os artigos XLI e XLII da referida Constituição, precisar de licença para ser publicado. O censor dará o seu parecer por escrito. Se for favorável, o Bispo permitirá a impressão com a palavra Imprimatur, que deverá ser precedida do Nihil obstat e do nome do censor. Também na Cúria romana, como nas outras, serão estabelecidos censores de ofício. Serão esses designados pelo Mestre do sagrado Palácio Apostólico, depois de consultar o Cardeal Vigário de Roma e obtido também o consentimento e aprovação do Sumo Pontífice. O mesmo determinará qual dos censores deverá examinar cada escrito. A licença de impressão será concedida pelo referido Mestre juntamente com o Cardeal Vigário ou o seu Vice-gerente, antepondo-se, porém, como acima se disse, o Nada obsta e o nome do censor. Somente em circunstâncias extraordinárias e raríssimas, a prudente juízo do Bispo, poderá omitir-se a menção do censor. Nunca se dará a conhecer ao autor o nome do censor, antes que este tenha dado seu juízo favorável, a fim de que o censor não venha sofrer vexames, enquanto examinar os escritos ou depois que não os tiver aprovado à edição. Nunca se escolham censores entre as Ordens religiosas, sem primeiro pedir secretamente o parecer do Superior provincial ou, se tratar de Roma, ao Geral; estes deverão em consciência dar atestado dos escolhidos. Avisamos os Superiores religiosos do gravíssimo dever que tem de nunca permitir que algum de seus súditos publique alguma coisa, sem a sua prévia autorização juntamente com a do Ordinário. Por último, declaramos que o título de censor, com que alguém for honrado, nenhuma eficácia terá nem jamais poderá ser aduzido para corroborar as suas opiniões particulares.

Ditas essas coisas em geral, particularmente ordenamos a mais rigorosa observância do que se prescreve no artigo XLII da citada Constituição Officiorum, a saber: É proibido aos sacerdotes seculares assumir a direção de jornais ou periódicos, sem prévia autorização do Ordinário. Será privado dessa licença quem, depois de ter recebido advertência, continuar a fazer mau uso dela. Como há certos sacerdotes, que com o nome de correspondentes, ou colaboradores, escrevem nos jornais ou periódicos, artigos infectos de modernismo, tomem providências os Bispos para que tal não aconteça; e, acontecendo, advirtam-nos e proíbam-nos de escrever. Com toda a autoridade ordenamos que os Superiores das Ordens religiosas façam o mesmo; e se estes se mostrarem descuidados neste ponto, façam-no os Bispos com autoridade delegada do Sumo Pontífice. Sempre que for possível, tenham os jornais e periódicos publicados pelos católicos um determinado censor. Será este obrigado à revisão de todas as folhas ou fascículos já impressos; e se encontrar alguma coisa perigosa, fará corrigi-la quanto antes.

E se o censor tiver deixado passar alguma coisa, o Bispo tem o direito de fazê-lo corrigir.

Já nos referimos acima aos congressos, reuniões públicas, em que os modernistas se aplicam à defesa pública e propaganda das suas opiniões. Salvo raríssimas exceções, de ora em diante os Bispos não permitirão mais os congressos de sacerdotes. Se algum caso o permitirem, será sob condição de não tratarem de assuntos da competência dos Bispos ou da Santa Sé, de não fazerem propostas nem petições que envolvam usurpação de jurisdição, nem se faça menção alguma de tudo o que sabe a modernismo, presbiterianismo ou laicismo. A essas reuniões que devem ser autorizadas, cada uma em particular e por escrito, e na época oportuna, não dará comparecer sacerdote algum de outra diocese, sem as cartas comendatícias do próprio Bispo. Lembrem-se todos os sacerdotes do que, por estas gravíssimas palavras, Leão XIII recomendou: Seja intangível para os sacerdotes a autoridade dos próprios Bispos; persuadem-se de que se o ministério sacerdotal não exercer debaixo da direção do Bispo, não será santo, nem proveitoso nem merecedor de respeito.

Mas que aproveitariam, veneráveis irmãos, as nossas ordens e as nossas prescrições, se não fossem observadas como se deve com firmeza? Para alcançarmos, pareceu-nos bem entender a todas as dioceses o que desde muitos anos os Bispos da Úmbria com tanta sabedoria resolveram entre si. Para extirpar, diziam eles, os erros já espalhados e impedir que se continue a sua difusão, ou que haja mestres de impiedade que perpetuem os perniciosos efeitos produzidos por essa mesma difusão, seguindo o exemplo de São Carlos Barromeu, este sacro congresso determina que em cada diocese se institua um conselho de homens eméritos dos dois cleros, com a incumbência de ver se e de que modo os novos erros se dilatam e se propagam, e informar isso ao Bispo, para que de comum acordo se providencie para extinção do mal logo que desponte e não tenha tempo de espalhar-se com detrimento das almas, nem, o que ainda seria pior, de se avigorar e crescer. Determinamos, pois, que em cada diocese se institua semelhante Conselho, que se denominará Conselho de vigilância.Os membros desse Conselho serão escolhidos pelas normas já prescritas para os censores dos livros. Reunir-se-ão de dois em dois meses, em dia determinado, em presença do Bispo; e as coisas tratadas ou resolvidas guardem-nas os Conselheiros com segredo inviolável.

Serão estes os deveres dos membros do Conselho: Investiguem com cuidado os vestígios de modernismo, tanto nos livros como no magistério; e com prudência, rapidez e eficácia providenciem o quanto é necessário para a preservação do clero e da juventude. Combatam as novidades de palavras, e lembrem-se dos avisos de Leão XIII: Nas publicações católicas não se poderia aprovar uma linguagem, que, inspirando-se em perniciosas novidades, parecesse escarnecer da piedade dos fiéis e falasse de nova orientação da vida cristã, de novas direções da Igreja, de novas aspirações da alma moderna, de nova vocação do clero, de nova civilização cristã. Não se tolerem tais dislates nem os livros nem as cátedras. Não se descuidem dos livros nos quais se trate das piedosas tradições de cada lugar ou das sagradas relíquias. Não permitam que se ventilem tais questões em jornais ou em periódicos destinados a nutrir a piedade, nem com expressões que tenham ares de zombaria ou de desdém, nem com afirmações decisivas, particularmente, como quase sempre sucede, quando o que se afirma não passas as raias da probabilidade ou quando se baseia em opiniões e preconceitos. Acerca das sagradas relíquias tomem-se as seguintes normas. Se os Bispos, que são os únicos juízes nessa matéria, reconhecerem com certeza que uma relíquia é falsa, sem demora a subtrairão ao culto dos fiéis. Se, por ocasião de perturbações civis ou por outros motivo, se tiverem extraviado os documentos de autenticidade de uma relíquia qualquer, não seja esta exposta à veneração do povo, sem que primeiro tenha sido reconhecida pelo Bispo. Só terá valor o argumento de prescrição ou de presunção fundada, quando o culto for recomendável pela antiguidade, conforme o Decreto da  Congregação da Indulgências e das sagradas relíquias, do ano de 1896, expresso nestes termos: as antigas relíquias devem ser conservadas na veneração que tiverem provas certas de que são falsas ou supositícias. Nos juízos a emitir acerca das piedosas tradições, tenha-se sempre diante dos olhos a suma prudência de que usa a Igreja nesta matéria, de não permitir que essas tradições, tenha-se sempre diante dos olhos a suma prudência de que usa a Igreja nesta  matéria, de não  permitir que essas tradições sejam relatadas nos livros sem as determinadas precauções, e com a prévia, e com a prévia declaração prescrita por Urbano VIII; e, apesar disso, ainda não se segue que a Igreja tenha o fato por verdadeiro; mas  apenas não proíbe que se lhe dê crédito, uma vez que para isso não faltem argumentos humanos. Foi por isso precisamente o que, há trinta anos, a sagrada Congregação dos Ritos declarou: Essas aparições ou revelações não foram apenas aceitas como merecedoras de piedosa crença, com fé puramente humana em vista da tradição de que gozam, também confirmados por testemunhas e documentos idôneos. Quem se apegar a essa regra, nada terá que temer. Com efeito o culto de qualquer aparição, enquanto se baseia nem fato e por isso se chama relativo, inclui sempre implicitamente a condição da veracidade do fato; o absoluto, porém, sempre se funda na verdade, porquanto se dirige às mesmas pessoas dos santos, a quem se honra. Dá-se o mesmo com as relíquias. Recomendamos, por fim, ao Conselho de vigilância, lance assídua e cuidadosamente as suas vidas sobre os institutos sociais, assim como sobre os escritos relativos a questões sociais, a fim de que nem sequer aí se dê agasalho a livros de modernismo, mas se acatem as prescrições dos Pontífices Romanos.

A fim de que as coisas aqui determinadas não fiquem esquecidas, queremos e mandamos que, passado um ano da publicação da presente Carta, e em seguida depois da cada triênio, com exposição diligente e juramentada, os Bispos informem a Santa Sé a respeito do que nesta mesma Carta se prescreve, e das doutrinas que circulam no clero e particularmente nos seminários e outros Institutos católicos, não excetuando sequer os que estão isentos da autoridade do Ordinário. Ordenamos a mesma coisa aos Superiores gerais das Ordens religiosas, com relação aos seus súditos.


                                                              CONCLUSÃO


Julgamos oportuno escrever-vos estas coisas, veneráveis irmãos, a bem da salvação de todos os fiéis. Por certo os inimigos da Igreja hão de valer-se disto, para de novo repisarem a velha acusação, com que procuram fazer-nos passar por inimigos da ciência e dos progressos da civilização. A fim de opormos novo desmentido a tais acusações, que são desfeitas a cada página da história da Igreja, é nosso propósito conceder todo auxílio e proteção a uma nova Instituição, pela qual sob o influxo da verdade católica, será promovida toda a sorte de ciências e erudições, com o concurso dos católicos mais insignes do saber. Queira Deus secundar os nossos desígnios, e auxiliem-nos todos quantos têm verdadeiro amor à Igreja de Jesus Cristo. Entretanto, veneráveis irmãos, para vós em cuja obra e zelo tanto confiamos, pedimos de coração a plenitude das luzes celestiais, a fim de que, nesta época de tão grande perigo para as almas, devido aos erros que de toda parte se infiltram, descortineis o que deveis fazer e o executeis com todo ardor e fortaleza. Que vos assista com seu poder Jesus Cristo, autor e aperfeiçoador de nossa fé; que vos assista com o seu socorro a Virgem Imaculada, destruidora de todas as heresias. E nós, como penhor da nossa caridade e das divinas consolações entre tantas contrariedades, de coração concedemos a vós, ao vosso clero, e ao vosso povo a Bênção Apostólica.

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