segunda-feira, 7 de março de 2016

Sacerdotes casados: Eixo Brasil - Alemanha

No relato de um teólogo alemão e de um bispo brasileiro, o projeto de Francisco visando permitir exceções locais para a norma do celibato clerical. A começar pela  Amazônia.




 



Tradução: Gercione Lima


ROMA, 12 de janeiro de 2016 - Uma troca de cartas, uma entrevista e uma inovação que já se tornou lei vem confirmar a vontade do Papa Francisco de estender na Igreja Católica a presença de um clero casado, como já foi mencionado no seguinte artigo do site www.chiesa:

O terreno para o próximo Sínodo já está sendo preparado. Sobre padres casados (2015/09/12)

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A troca de cartas ocorreu por iniciativa de um teólogo alemão proeminente, Wunibald Müller, de 65 anos, que em dezembro de 2013, escreveu uma carta aberta ao papa, amplamente divulgada pelo site oficial da Conferência Episcopal da Alemanha sob o título "Papa Francisco, abra a porta"  pedindo-lhe que elimine a obrigatoriedade do celibato para os padres.

Müller não é um qualquer. Ele é psicólogo e escritor prolífico. Fundou e dirige a "Recollectio-Haus"  junto à abadia beneditina de Münsterschwarzach, na diocese de Würzburg, a qual se encarrega de cuidar de sacerdotes e religiosos em crise existencial,  e que é financiada por outras sete dioceses (Augsburg, Freiburg, Limburg, Mainz, Mónaco -Frisinga, Paderborn, Rottenburg-Stuttgart). Além disso, a  Recollectio-Haus conta com a consultoria do conselheiro espiritual beneditino, Anselm Grün,  muito lido não só na Alemanha, mas no mundo inteiro.
A orientação de Müller está bem representada pelos títulos de suas teses de mestrado e doutorado: "O sacerdote como guia espiritual de pessoas homossexuais" e "A homossexualidade, um desafio para a teologia e o cuidado das almas".

Não tendo recebido qualquer resposta à sua primeira carta, em abril de 2014 Müller voltou à carga com uma segunda carta a Jorge Mario Bergoglio. E quase dois meses depois o papa finalmente respondeu.

Em 25 de novembro, a "Katholische Nachrichten-Agentur", a agência de notícias dos bispos alemães, deu a notícia da correspondência e dos sinais de "abertura" vindos do papa. Em 4 de janeiro, o "Süddeutsche Zeitung" entrevistou Müller pedindo informações mais detalhadas:

P. - Você escreveu uma carta ao Papa Francisco?

R. - Eu pedi um relaxamento do celibato. Deve haver tanto padres casados como padres celibatários, tanto os homossexuais como heterossexuais.

P. - E a resposta?

R. - Francisco agradeceu-me pelas minhas reflexões, o que me deixa muito feliz. Ele me disse que as minhas propostas não podem ser implementadas para a Igreja universal, mas penso que não exclui soluções a nível regional. Ao bispo brasileiro Erwin Kräutler Francisco já pediu para que ele investigue se em sua diocese existem homens casados de experiência comprovada, que possam ser ordenados sacerdotes. O papa procura espaços por onde começar a mudar algo que depois poderá então, desenvolver a sua própria dinâmica.

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Erwin Kräutler (foto), bispo austríaco que renunciou à imensa Prelazia amazônica do Xingu por motivos de idade, mas ainda muito ativo como secretário da Comissão Episcopal para a Amazônia, é precisamente o Bispo do Brasil, que alguns dias antes do Natal teve com o Papa Francisco um enésimo colóquio, que diz respeito precisamente à possível implementação de um clero casado nos territórios dramaticamente desprovidos de um clero celibatário.

A conversa entre ele e o papa saiu como notícia na Rádio Vaticano no dia 22 de Dezembro:

P. - O que o papa disse sobre as comunidades privadas de um padre para celebrar a Eucaristia?

R. - Ele me disse que temos que fazer propostas concretas. Mesmo propostas imprudentes, ousadas. Ele me disse que temos que ter a coragem de falar. Ele não vai tomar a iniciativa sozinho, mas só depois de ouvir as pessoas. Ele quer que se crie um consenso e que se comece em uma região qualquer com as experiências finalizadas para que as pessoas possam celebrar a Eucaristia. Se lermos a exortação de João Paulo II "Dies Domini",  ela diz claramente que não existe uma comunidade cristã se não se reúnem em torno do altar. Pela vontade de Deus, então, temos que abrir o caminho para que isso aconteça. Sobre como será esse caminho, no Brasil já tem uma comissão trabalhando nesse sentido.

P. - Então, o que podemos esperar neste ponto a partir do pontificado de Francisco?

R. – Uma reviravolta. Aliás já estamos numa reviravolta. Na verdade, já chegamos a um ponto de não retorno. Eu acredito que o próximo papa, ou o que virá depois dele não poderá mais voltar atrás em relação ao que está fazendo Francisco hoje.

Em uma entrevista precedente no dia 12 de Julho, 2015, à revista italiana "Credere", Kräutler já havia confirmado que "o Papa pediu à Comissão da Amazônia uma proposta concreta desde abril passado," e desde então "estamos avaliando alguns caminhos a fim de que todas as comunidades tenham a oportunidade de participar da Eucaristia mais de três vezes por ano ".

Entre esses "caminhos" está precisamente a ordenação de homens casados, para compensar o fato - disse Kräutler – de que "para 800 comunidades temos apenas 30 sacerdotes, e a região é de fato muito extensa."

Deve ser dito todavia que a falta de vocações ao sacerdócio no Brasil pode também ser devida ao mau exemplo que uma boa parte do clero daquele país dá, se for verdade o retrato pintado há algum tempo atrás por uma revista Católica influente e insuspeita como "l Regno ":

"Os fiéis são forçados a se reunir na igreja para celebrar uma espécie de missa sem padre nas cidades onde os não faltam sacerdotes. Aos domingos, eles poderiam muito bem se distribuírem em diferentes igrejas, mas ao invés preferem concelebrar juntos e deixar os fiéis à mercê de fiéis fanáticos e sem noção, isso quando os fanáticos e sem noção não são os próprios celebrantes, que muitas vezes modificam os textos litúrgicos segundo sua conveniência, porque nem sequer são capazes de compreendê-los, ou que convertem o canto do Sanctus em um ritmo dançante, que não mencionam o Papa, o Bispo e nem a memória dos mortos. Padres tão preguiçosos que normalmente às segundas-feiras, fazem como os barbeiros na Itália, descansam e não celebram a missa nem nas catedrais. Eles também não visitam os doentes, não levam o viático e nem celebram funerais. E nem sempre podem citar em sua justificativa a escassez de sacerdotes ".

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Outro fator, que também não é secundário, é o fato de que além da marcha de aproximação à ordenação de "viri probati" na Igreja latina tem também a autorização dada aos padres casados das Igrejas Católicas de rito Oriental para operarem mesmo fora dos seus territórios de origem. Isso é, não só no Oriente Médio e Leste Europeu como em todos os lugares.

A autorização foi dada pelo Papa Francisco, através da Congregação Vaticana para as Igrejas Orientais, presidida pelo cardeal argentino Leonardo Sandri,  em 14 de junho de 2014. Ele cancelou um século e meio de proibições intransigentes.

De fato, nas Américas e na Europa Ocidental especialmente, a hierarquia Católica Latina sempre manteve que a presença de padres casados de rito oriental em seus territórios, e que ali chegaram como imigrantes, causavam "Gravissimum scandalum" para os fiéis.

Papa Francisco, ao invés consentiu tal presença em condições específicas. E citou em seu favor a Constituição Apostólica "Anglicanorum coetibus" de 2009, com a qual Bento XVI admitiu a presença de padres casados ex-anglicanos nas regiões onde ainda valia a proibição de padres casados de rito oriental.

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Uma última nota. A ordenação de homens casados ao sacerdócio, "em casos especiais e para as necessidades pastorais", já foi levado em consideração em um Sínodo, o de 1971, dedicado ao  Sacerdócio Ministerial e Justiça no Mundo".

A hipótese foi posta à votação em concorrência com outra, que defendia o celibato para todo o clero latino, sem exceção.

E venceu a segunda,  por 107 votos contra 87.

Desde então se passaram 45 anos e, aparentemente, o Papa Francisco acredita que os tempos amadureceram para reconsiderar a questão e abrir uma porta para os clérigos casados, a partir de algumas áreas da América Latina particularmente aquelas mais afetadas pela escassez de sacerdotes.

Sem drama. Porque isso - diz ele - "é uma questão de disciplina, não de fé."


Fonte: Chiesa Espresso On Line - Preti sposati. L'asse Germania-Brasile





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