domingo, 25 de março de 2018

A Anunciação do anjo. Por santo Afonso de Ligório


Antigamente a Anunciação era considerada festa do Senhor, tendo o nome de Anunciação de Jesus Cristo. Começo da Redenção. Prevaleceu, entretanto, o uso de consagrar a festa à Santíssima Virgem. A prova mais antiga sobre o fato, temo-la no Sermão de São Proclo, Arcebispo de Constantinopla (morto em 446). A festa era muito estimada em Ravena, como se deduz as pregações de São Pedro Crisólogo (morto em 450). Encontramo-la na Espanha, pelo ano de 650, celebrada aos 18 de dezembro, porque não se celebravam festa na Quaresma. A partir do século VI fixou-se a sua data para 25 de março, como ainda é de uso em nossos dias festejá-la.


Maria, na Encarnação do Verbo, não podia humilhar-se mais do que se humilhou; Deus, pelo contrário, não podia exaltá-la mais do que exaltiu


“Quem se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado” (Mt 23,12). Esta é a palavra do Senhor; não pode falhar. Havia Deus determinado fazer-se homem para remir o homem decaído, e assim manifestar ao mundo sua bondade infinita. Entre todas observou uma, e foi a virgenzinha Maria, que muito mais era perfeita nas virtudes, tanto mais simples e humilde era no seu conceito: “Há um sem-número de virgens (a meu serviço) diz o Senhor -  mas uma só é minha pomba, a minha eleita” (Ct 6, 7-8). Por isso disse Deus, seja esta escolhida para minha Mãe.




A humildade de Maria na Anunciação do anjo


1. Ao ser saudada pelo anjo

Falando o Senhor, no Cântico dos Cânticos, precisamente da humildade desta humilíssima Virgem, disse: Enquanto o rei está no seu repouso, exalou o meu nardo a sua fragrância (1,11). Comenta Santo Antonino as citadas palavras deste modo: O nardo, planta pequena e baixa, é a figura  da humildade de Maria, cujo odor subiu ao céu e atraiu o Verbo do seio do Eterno Pai ao seu seio virginal. Para maior glória e merecimento desta Mãe, não se quis fazer seu Filho, sem que primeiro ela prestasse seu consentimento, diz Guilherme, abade. Eis por que, quando a Virgem suspirava pela vinda do Redentor – conforme uma revelação a Santa Isabel de Turíngia – vem o arcanjo Gabriel com a grande embaixada. Entra e a saúda dizendo: Ave, Maria, cheia de graça: o Senhor é convosco e bendita sois entre as mulheres (Lc 1,28). Deus vos saúda, ó Virgem cheia de graça, pois fostes sempre rica da graça, acima de todos os santos. O Senhor é convosco, porque sois tão humilde. Bendita sois entre as mulheres, porquanto as outras incorrem na maldição da culpa; mas vós, porque havíeis de ser Mãe do Bendito, sois e sereis sempre bendita e isenta de toda a mácula.

Entretanto a humilde Maria, a esta saudação toda cheia de louvores, que reponde? Nada; não respondeu, mas pensando na saudação perturbou-se. “Quando ela o ouviu, turbou-se com o seu dizer, e cogitava que saudação fosse esta” (Lc 1,29). E por que se assustou? Acaso por temor de ilusão ou por modéstia, vendo um homem, como quer alguém, pensando que o anjo lhe apareceu em forma humana? Não: o texto é claro: turbou-se com o seu dizer. Mas não com sua aparição, observa São Bruno de Segni. Essa perturbação foi causada pela sua humildade, que não podia compreender semelhantes louvores. Por isso quanto mais belo anjo ouve exaltar-se, mais se humilha e considera o seu nada. Reflete São Bernardino: Houvesse o anjo lhe declarado que era a maior pecadora do mundo, e não teria a Virgem se admirado tanto; mas ouvindo aqueles louvores tão sublimes, se perturbou.

Mas, digo eu, era a Santíssima Virgem bem instruída nas Sagradas Escrituras e assim conhecia ser já chegado o tempo, predito pelos profetas, da vinda do Messias. Já eram completas as semanas de Daniel (9,24), já tinha passado o cetro de Judá às mãos de Herodes, rei estrangeiro, segundo a profecia de Jacó. Bem sabia a Senhora que uma virgem devia ser a Mãe do Messias. Ouve o anjo dar-lhe aqueles louvores, que parecia servirem unicamente a uma Mãe de Deus. À semelhança do Salvador, que foi confortado por um anjo, se tornou preciso que São Gabriel, vendo Maria tão assustada com aquela saudação, a animasse, dizendo: não temais, ó Maria, porque achaste graça diante de Deus! Aos vossos olhos, é verdade, sois tão pequena e insignificante; mas Deus, que exalta os humildes, vos fez digna de achar a graça perdida pelos homens. Por isso vos preservou da mácula, comum a todos os filhos de Adão; por isso, desde a vossa Conceição nos ornou de uma graça maior que a de todos os santos. Por isso, finalmente, agora vos exalta a ser sua Mãe: Eis, que concebereis em vosso seio e darei à luz um filho, e pôr-lhe-eis o nome Jesus” (Lc 1,31).


2. O humilde consentimento de Maria

Ora, pois, que se espera? Senhora, espera o anjo a vossa resposta, mais a esperamos nós já condenados à morte, diz São Bernardo. Eia, ó querida Mãe, já se vos oferece o preço da nossa salvação, que será o Verbo Divino em vós feito homem. Se o aceitais por Filho, seremos imediatamente livres da morte. O mesmo Senhor nosso, pelo muito que está enamorado de vossa beleza, muito deseja o vosso consentimento, por cujo intermédio determinou salvar o mundo.

Mas eis que Maria já responde ao anjo, dizendo-lhe: Eis aqui a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra. Eia a resposta mais bela, mais humilde e mais prudente, que nem toda sabedoria dos homens e dos anjos juntamente poderia ter podido inventar, se nela pensassem por um milhão de anos! Ó resposta poderosa que alegraste o céu e trouxeste à terra um mar imenso de graças e bens! “Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a sua palavra”, e já o Filho de Deus passou a ser também Filho de Maria.. “Ó poderosa, ó eficaz, ó augustíssima palavra! – exclama São Tomás de Vila Nova. – Com um fiat criou Deus a luz, o céu, a terra, mas com este fiat de Maria um Deus se tornou como um de nós.

Ó grande humildade de Maria, que a faz pequena a seus olhos, mas grande diante de Deus! exclama Guerrico, abade; indigna no seu conceito, e tão digna aos olhos daquele Senhor imenso, que não cabe no mundo!Mais beleza ainda há nas palavras de São Bernardo, na quarta alocução sobre a Assunção de Maria. E como, ó Virgem Santa, se pode arraigar em vós essa humildade, e tanta humildade, quando tão extraordinariamente honrada e exaltada vos víeis Deus? Lúcifer, vendo-se dotado de grande beleza, aspirou a elevar o seu trono sobre as estrelas e fazer-se igual a Deus. Ora, que diria e que pretenderia o soberbo, se se visse ornados dos dotes de Maria? A humilde não fez assim. Quanto mais se viu exaltada, tanto mais se humilhou. Por isso, dis Bernardino de Busti que mais mereceu Maria com aquela resposta, do que não poderiam merecer todas as criaturas com todas as suas obras.

3. Recompensa de sua humildade

De fato, assevera São Bernardo, essa inocente Virgem tornou-se cara para Deus por sua pureza, mas por sua humildade fez-se digna, tanto quando possível a uma criatura, de ser Mãe do seu Criador, quando afirma que Deus a tomou por Mãe, mais por sua humildade, que por todas as outras excelsas virtudes. E primeiro o declarou no seu humílimo canto, quando disse: Porque o Senhor pôs os olhos na baixeza de sua serva... Maravilhas me fez aquele que é poderoso (Lc 1,48). Onde nota São Lourenço Justiniano: Maria acentua que o Senhor olhou não para suas virgindade e inocência, senão para sua baixeza. E não se refere à sua humildade, escreve São Francisco de Sales, para louvá-la, mas antes para dizer que Deus havia olhado para o seu nada, e por mera bondade a quisera exaltar tanto. É também o que santo Antonino acentuou com as palavras: A humildade da Virgem foi a sua disposição mais perfeita e mais próxima para ser Mãe de Deus. E com isto se estende o que predisse Isaías: E sairá uma vara do trono de Jessé, e uma flor brotará da sua raiz (11,1). Reflete Santo Alberto Magno que a flor divina, isto é, o Unigênito de Deus, devia nascer, não da sumidade ou do tronco da palma de José, mas da raiz, precisamente para denotar a humildade de Maria. Breve e claramente o explica também Jordão, Abade de Celes: Nota-te que a flor surgirá não da fronte, mas da raiz da planta.


A exaltação de Maria por Deus


1. Como Mãe de Deus, é Maria a criatura mais chegada ao Senhor

Necessário seria compreender quão sublime é a grandeza de Deus, para também se compreender a altura a que foi Maria elevada. Bastará, pois, somente dizer que Deus fez desta Virgem sua Mãe, para entender com isso que não lhe era possível exaltá-la mais do que a exaltou. Apropriadamente afirma Arnoldo de Chartres que, em se fazendo Filho da Virgem, Deus a colocou numa altura superior a todos os santos e anjos. Exceto Deus, ela é sem comparação mais elevada do que todos os espíritos celestes, como dizem Santo Efrém e Santo André de Creta.

É evidente a razão do exposto. Pois São Tomás ensina o seguinte: Quanto mais uma coisa se avizinha ao seu princípio, tanto mais recebe de sua perfeição. Ora, sendo Maria a criatura mais vizinha a Deus, do mesmo Deus ela participou mais graça, perfeição e grandeza, que todas as outras criaturas. Daqui deduz o Padre Suaréz a razão por que a dignidade de Mãe de Deus é de ordem superior  toda outra dignidade criada. Santo Alberto Magno afirma que ser Mãe de Deus é a dignidade imediata depois da dignidade de ser Deus.

2. Como Mãe de Deus, é Maria portadora de uma dignidade quase infinita

Segundo São Tomás, tendo Maria sido feita Mãe de Deus, em razão dessa união tão estreita com o Bem Infinito, recebeu certa dignidade infinita, a qual Suaréz chama de infinita no seu gênero. Pois a dignidade de Mãe de Deus é a máxima que pode conferir-se a uma pura criatura. Ouçamos a explicação do Doutor Angélico: “A humanidade de Jesus Cristo podia receber de Deus maior graça habitual. Mas como assim? Porque a natureza limitada da graça, como coisa criada, é sempre capaz de aumento. Entretanto não pôde a humanidade de Cristo receber maior realce que o da união com uma Pessoa Divina. Assim a Bem-aventurada Virgem não pôde também ser constituída em maior dignidade, que ser Mãe do Infinito”. E o confirma Santo Alberto Magno: Deus conferiu à Santíssima Virgem o que há de mais alto possível para uma criatura: a maternidade divina.

3. Inefável riquezas de graças conferidas a Maria

Mas todo esse tesouro foi dado em consequência da dignidade que lhe fora concedida de Mãe de Deus. De modo que Maria foi menina, mas desse estado teve, unicamente a inocência, não o defeito de incapacidade. Pois desde o primeiro instante de sua vida teve o uso perfeito da razão. Foi Virgem, mas sem a ignomínia de estéril. Foi Mãe, mas conservando sempre a glória da virgindade. Foi bela, mas belíssima até, como diz Ricardo de S. Lourenço, com Jorge de Nicodemia e o Pseudo-Dionísio Aeropagita. Foi belíssima, mas sem perigo para os que a contemplavam, porque a sua beleza afugentava os movimentos impuros e inspirava pensamentos de pureza, como atestam santo Ambrósio e são Tomás. Por isso ela se chamou mirra, que impede a corrupção. “Espalhei como mirra escolhida suavidade de perfume”(Eclo 20,40).

Concluamos, pois. Esta Divina Mãe é infinitamente inferior a Deus, mas é imensamente superior a todas as criaturas. Sirva tudo isto aos devotos de Maria, não só para se regozijarem das suas grandezas, como também para aumentar-lhes a confiança no seu poderosíssimo patrocínio. Pois não diz o Padre Suaréz que Maria, sendo Mãe de Deus, tem certo direito sobre os seus dons, em benefício dos que a servem?

Desejamos por ventura dar um agrado à divina Mãe? Saudemu-la então muitas vezes com a Ave Maria. Apareceu um dia a Virgem à santa Matilde e disse-lhe que ninguém a podia obsequiar melhor do que com esta saudação. Se assim o praticarmos, receberemos graças singulares desta Mãe de Misericórdia.


Glórias de Maria – Santo Afonso de Ligório.

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