terça-feira, 23 de maio de 2017

Cena Dantesca

Resultado de imagem para hostia profanada no chão


Airton Vieira

(tonvi68@gmail.com)


“...que ele era suprema e diretamente devocional; e que amava apaixonadamente a devoção católica muito antes de ter de lutar por ela”

(Chesterton sobre S. Tomás de Aquino)


Foi no dia do franciscano Bernardino de Sena. Na cidade de Fortaleza. Em uma paróquia que leva o nome do casto esposo de Maria e pai adotivo de Jesus. Eram 20h e 01 min daquela lúgubre sexta-feira. Era uma sexta-feira, e era de noite...

O homem entrara no templo, segundo relatos oculares, já fora de si (os motivos desconheço). Assim se manteve durante a missa até a fatídica hora da Comunhão. É que após passar a missa em estado aquém da mínima reverência exigida a lugares como este se aventura à fila da Comunhão. Calçado, de bermuda, e sem camisa. Assim se aproximou o homem para comungar. E assim recebeu das mãos da “ministra extraordinária da Eucaristia” a Sagrada Espécie. Duas vezes. É que a primeira tentativa de dar-lhe a Hóstia ele a recusara. Insistiu a caridosa mulher. Ele A recebeu, para em seguida retirá-lA de sua boca com a mão e ali, em frente à ministra, em frente ao altar que continha o sacerdote fora do seu lugar de direito (e dever) em horas com esta, mas presenciando tudo, lançou ao chão o Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, ato contínuo pisoteando-O e esfregando-O para enfim cuspir enquanto lançava impropérios. E retira-se com a irreverência com que chegara. A cena dantesca não termina aí. Ao tempo em que temos o homem se aproximando nas condições narradas, cometendo o sacrilégio e a profanação descritos, temos o sacerdote que presencia, segue a comunhão oferecida aos “ministros”, e somente após Jesus ir ao chão, nas condições em que o deixou o homem, sair com (convenhamos) uma estranha fleuma de seu lugar, com o purificador [seco] para passá-lo no chão ao modo de um asseio doméstico. Neste ínterim, antes mesmo da aproximação do sacerdote faxineiro, a ministra, após os poucos segundos de “escandalização” suficientes para passar o susto, segue a distribuir hóstias com o povo muito piedoso, mas pouco apiadado indo comungar. No instante em que o profanador lança o Sacramentado ao chão, sai de um banco ao lado do altar outra bem intencionada mulher, uma espécie de coroinha reserva, para “catar” o que restara de Jesus Cristo hostilizado, sem ao certo saber o que fazer com “aquilo” que tinha em suas mãos. O padre após limpar o chão volta ao seu lugar. Os comungantes voltam a comungar. E a ministra, ali para distribuir Jesus às mãos dos pés que seguem a pisoteá-lO em suas partículas pelo chão [mal e porcamente] purificado.


Santo Tomás de Aquino, o homem do Adoro Te Devote, disse sobre o sacramento da Eucaristia ser o principal sacramento[1]:

1º. Porque nela está contido substancialmente o próprio Cristo; enquanto que os outros sacramentos contêm apenas uma força instrumental que participa de Cristo. Ora, em todos os âmbitos, o que é por essência é mais digno do que aquilo que é por participação.

Não errou Chesterton em dizer que este santo possuía ardente devoção e zelo pela fé católica: porque a amava. E a amava porque a conhecia. E a conhecia porque julgava ser esta a coisa mais importante de toda a existência humana, digna portanto de ser conhecida.

Não ouso fazer julgamentos de intenções, pois há Quem os faça, das minhas inclusive. Mas os fatos há que julgá-los, ou para imitá-los ou rejeitá-los. E aqui há fatos que permitem constatações, das quais a primeira é a da “apostasia generalizada”. Já não se crê que o que se tem diante de si na Hóstia consagrada é somente uma aparência, mas de pão, o que é o mesmo que não se crer que a Hóstia consagrada é Jesus Cristo. Perguntei a uma pessoa mui querida que também presenciou virtualmente a dantesca cena e que considerou minha constatação um tanto quanto “radical”, se no lugar da Hóstia os presentes tivessem visto Jesus Cristo “em carne e osso” diante de si sendo lançado ao chão, pisoteado, cuspido e escarnecido, teriam ainda assim seguido normalmente sua obrigação dominical. E me pergunto: de que lado então estariam no Gólgota?

O Rei dos Reis e Senhor de Senhores é hoje tratado desta forma porque, como dizia o Apóstolo[2]:

É crendo no coração que se alcança a justiça, e é confessando com a boca que se consegue a salvação. Pois a Escritura diz: ‘Todo aquele que nele crer não será confundido... De fato, ‘todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo’. Ora, como invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele que não ouviram? E como o ouvirão, se ninguém o proclamar? E como o proclamarão, se não houver enviados?

Sim, os maiores responsáveis são e serão os únicos em todo o mundo com o [digníssimo e excelso] poder de converter a simples matéria em Deus Onipotente, Onisciente e Onipresente. Mas eles não são ou serão os únicos. O mesmo capítulo acima assim termina:

"E pergunto ainda: Acaso Israel não o compreendeu? Já Moisés lhes havia dito: Eu vos despertarei ciúmes com um povo que não merece este nome; provocar-vos-ei a ira contra uma nação insensata (Dt 32,21). E Isaías se abalança a dizer: Fui achado pelos que não me buscavam; manifestei-me aos que não perguntavam por mim (Is 65,1). Ao passo que a respeito de Israel ele diz: Todo o dia estendi as minhas mãos a um povo desobediente e teimoso (Is 65,2)." 

Há duas espécies de ignorância, a vencível e a invencível. A primeira refere-se aos que por algum motivo não logram entender. A segunda àqueles que tendo as devidas condições, por algum motivo não querem entender. A quem muito foi dado, muito será pedido. Deus é misericórdia. E Deus é justiça. Há um tempo para tudo, diz a Escritura. Findo o tempo da misericórdia chegará o da justiça. Antes, ao povo judeu lhes foi tirado porque não souberam reconhecer e receber o Amor devido à sua ignorância vencível negligentemente não vencida. Fugiremos à esta mesma justiça os católicos que procuram desesperadamente vencer a ignorância do que é material e transitório, descuidando das coisas eternas? Não há a mínima isso ocorrer: ficaremos de fora como as virgens néscias, chorando e rangendo dentes.

Penso que a chave de tudo descansa em uma pergunta que seguirá ecoando até o fim do mundo, posto que por ela seremos julgados. A mesma que tememos tanto ouvir para ter de responder. Ela foi feita ao primeiro Papa ao largo das margens de um lago. Ela é feita desde então a cada um de nós ao largo de toda uma vida: “Pedro, tu me amas?”

Regina confessorum, ora pro nobis!
Jesu fili David, miserere nobis!

Em 23 de maio do ano da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de 2017.


[1] Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica III, q.65, a.3
[2] Rom X, 10-21.

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