segunda-feira, 31 de julho de 2017

Demônios (Cornelio A. Lapide)



EXISTEM DEMÔNIOS?

Não há dúvida que existem espíritos malfeitores que se chamam demônios, pois a Sagrada Escritura assim nos atesta e todas as nações unanimemente o reconhecem.
As nações pagãs têm crido na existência de certos gênios, uns bons e outros maus; deduzindo disto que era preciso ganhar o afeto dos bons com respeitos, oferendas e orações, e apaziguar a cólera e a malignidade dos maus. Daí nasceram a idolatria, o politeísmo, as práticas supersticiosas, a magia, adivinhação, etc. Esta crença tem sido também a dos filósofos pagãos…
A revelação veio ilustrar-nos sobre a existência dos demônios. Moisés nos diz que a primeira mulher foi enganada e desobedeceu a Deus por sugestões de um inimigo pérfido oculto sob a forma de serpente (Gen III, 1). Diz o livro do Deuteronômio que os israelitas imolaram seus filhos e filhas aos demônios.
Jesus Cristo falou da existência dos demônios; os expulsava do corpo dos possuídos. Também nos falam deles os Apóstolos. A existência dos demônios é um dogma da Igreja católica…


QUE SÃO OS DEMÔNIOS?

Demônio quer dizer espírito, gênio, inteligência: assim é que esta palavra, que significa um ser dotado de conhecimento, nada tem de odioso em si mesmo. No Novo Testamento, o nome de demônio se toma sempre a parte má, significa um espírito mau, inimigo de Deus e dos homens…
No princípio da criação, Deus fez os anjos do nada, como tudo o mais. Os fez bons; porque Deus não pode ser o autor de nenhuma coisa má. Está escrito que todas as obras de Deus eram muito boas: (Gen I, 31).
A Escritura nos ensina que desde o momento de sua criação todos estes anjos, que eram quase inumeráveis, se encontraram colocados no céu. Nos ensina também que muitos dentre eles se rebelaram contra seu Criador, e que em castigo de seu crime foram condenados a eternos suplícios. A estes últimos aplica a Escritura o nome de demônios. Os demais anjos permaneceram fiéis a Deus, e foram confirmados na graça.
Por sua natureza os anjos são espíritos inteligentes, ativos, imortais, desprendidos de toda matéria, e destinados por Deus a viver e a alimentar-se puramente da contemplação…
Os anjos são as criaturas que mais de perto se parecem à majestade divina, infinita em perfeições. Deus os criou para formar sua corte. E é seguro que a munificência de Deus derramou enormemente sobre aquelas belas inteligências os dons naturais de que temos recebido algumas partículas.
Ao cair, nada perderam os anjos rebeldes de sua natureza, de sua vasta inteligência, de sua agilidade, de sua espiritualidade; não perderam mais que sua inocência, sua beleza, sua felicidade. É bem verdade que para eles é uma perda imensa. Que ocorreu a estes anjos caídos? Nos diz Santo Agostinho. O demônio é o doutor da mentira, o adversário do gênero humano, o inventor da morte, o preceptor do orgulho, o príncipe da malícia, oi autor dos crimes, o príncipe de todos os vícios, o instigador dos vergonhosos deleites. Pode dar-se algo mais corrompido ou mau que nosso inimigo?
A Sabedoria pinta aos demônios do seguinte modo: são monstros de uma espécie desconhecida, cheios de um furor inaudito, respiram chamas, vomitam negra fumaça, e lançam de seus olhos horríveis centelhas; não só podem exterminar com suas mordeduras, como que unicamente com sua vista podem matar de espanto.
Jesus Cristo e seus apóstolos atribuem aos demônios os maiores crimes, a incredulidade dos judeus, a traição de Judas, a cegueira dos pagãos, as enfermidades cruéis, as possessões e as obsessões. Chamam a Satanás pai da mentira, príncipe deste mundo, príncipe do ar, antiga serpente, diabo.
Nos exorcismos, o demônio é chamado espírito imundo, miserabilíssimo, tentador, enganoso, pai da mentira e das heresias, feroz, serpente, autor da impudicícia, ser desprovido de prudência, insensato, devastador, horrível, afeminado, envenenador, monstro dos monstros, ser lançado do paraíso, da graça de Deus, da mansão da felicidade, da assembleia e da sociedade dos anjos, criatura reprovada e maldita de Deus pela eternidade, orgulhosa, infame, cheia de crimes, de abominações e de blasfêmias, coberta de maldições, carregada de excomunhões e merecedora dos fogos do inferno. Eis aqui os nomes e os títulos que a Igreja dá ao demônio, o apostrofando nos exorcismos, por eles, julgai o que é efetivamente.
CAUSAS DA CAÍDA DOS DEMÔNIOS.

Tertuliano, São Basílio, São Cipriano, São Bernardo, o abate Rupert, Suarez, e uma multidão de teólogos, dão como provável que o que fez Lúcifer pecar no céu e lhe levou ao orgulho, foi a inveja que experimentou no momento em que Deus lhe revelou que seu Filho se faria homem, e lhe mandou sujeitar-se a Jesus Cristo encarnado. Teve inveja de que o Filho de Deus tomasse a natureza humana, e não pede sofrer ser posposto ao homem, ele, o mais nobre, o mais belo e o mais inteligente dos anjos; não pede sofrer esta união hipostática do homem com o Verbo; desejou que esta união se verificasse nele mesmo, e se negou a reconhecer por seu superior o homem feito Deus pela encarnação, não tendo Deus querido aceder a seu desejo, Lúcifer se rebelou contra ele e contra Jesus Cristo, e aconselhou aos anjos que lhe seguissem em sua rebeldia. Em sua carta aos Hebreus, parece que São Paulo favorece este sentimento: e outra vez Deus ao introduzir seu primogênito no mundo, disse: Adorem-no todos os anjos de Deus. Os anjos que adoraram os segredos de Deus, se submeteram à sua vontade e reconheceram por seu dono a Jesus Cristo feito homem, foram conservados em seu feliz estado; ainda mais, foram elevados até o mais alto dos céus e confirmados na graça.
O orgulho é o que fez cair o anjo desgraçado, que foi comparado, por causa de suas luzes, à estrela da manhã. Como, diz Isaías, caíste do céu, oh luzeiro, tu que tanto brilhavas pela manhã? Como foste precipitado por terra? (XIV, 12). Como, ó Lúcifer, te hás tornado tenebroso e és o espírito mau das trevas? Como hás caído do ponto mais alto ao grau mais baixo, da glória à ignomínia, da vida à morte, do céu ao inferno?
O príncipe dos anjos rebeldes se chama Lúcifer, porque brilhava de graça e de glória no céu, como brilha no firmamento a estrela da manhã, que se chama Lúcifer, isto é, porta-luz.
Isto, em sentido místico, significa que a ruína de Lúcifer teve lugar no aurora, ou seja, no mesmo princípio da criação do mundo.
Lúcifer, continua Isaías, tu dizias em teu coração: Escalarei o céu e levantarei meu trono sobre os astros de Deus: (XIV, 14). Como hás caído, tu que eras o selo da imagem de Deus? Isto é, nenhuma criatura se parecia mais a Deus que tu; estavas cheio de sabedoria e repleto de formosura; vivias em meio das delícias do paraíso de Deus; em tuas vestiduras brilhavam toda sorte de pedras preciosas; perfeito hás sido em tuas obras desde o dia de tua criação, e hás permanecido tal até que a maldade se encontrou em ti. (Eze XXVI1I, 12-15). E qual foi esta iniquidade, senão ter-te mirado demasiado a ti mesmo e ter-te feito um laço com tua própria excelência?
Desgraçada, cem vezes desgraçada, exclama Bossuet, a criatura que não quer espelhar-se em Deus, e fixando-se em si mesma, se separa do manancial de seu ser, que é também, por conseguinte, de sua perfeição e de sua felicidade, este orgulhoso, que se havia constituído em Deus de si mesmo, pôs o céu em rebelião; e Miguel, que se encontrou à cabeça da ordem em que esta rebelião fazia talvez mais prosélitos, exclamou: Quem é como Deus? Quis ut Deus?
E disto lhe vem o nome de Miguel, ou seja: quem é como Deus? Como se houvesse dito: Quem é o que quer apresentar-se a nós como outro Deus, e diz em seu orgulho: Me elevarei até os céus, dominarei todos os espíritos e serei semelhante ao Altíssimo? Quem é pois este novo Deus que assim quer alçar-se sobre nós? Mas não há mais que um só Deus; unamo-nos todos para segui-lo, e digamos todos juntos: Quem é semelhante a Deus? Porque, vede o que de repente sucede a este falso Deus que queria fazer-se adorar: Deus lhe há ferido, e há caído como os seus anjos imitadores. Tu que te elevavas ao mais alto dos céus, hás sido precipitado ao inferno, à mais funda masmorra: Em sua caída, conservou todo seu orgulho, porque seu orgulho deve ser seu suplício. (Bossuet, sobre os Demônios).
Se travou uma grande batalha no céu, diz o Apocalipse: Miguel e os seus anjos peleavam contra o dragão; e o dragão com seus anjos litigava contra ele. Mas estes foram os mais débeis, e depois não restou já para eles lugar nenhum no céu. Assim foi abatido aquele dragão descomunal, aquela antiga serpente chamada diabo, e também Satanás, que anda enganando toda a terra; e foi precipitado, e com ele os seus anjos.
Serei semelhante ao Altíssimo. O demônio, diz São Bernardo, não permaneceu na verdade, porque não se apoiou no Verbo. Quis sentar-se, ele que nem de pé podia ter-se por si mesmo. E ele dizia: Me sentarei. Mas Deus, pensando de outra maneira, não lhe permitiu sentar-se nem ficar de pé; então o demônio caiu; Jesus Cristo o diz: Eu vi Satanás desde o princípio do mundo cair do céu como um relâmpago. (Luc X, 18). Assim pois, que não se fie de si mesmo o que está de pé, se não quiser cair; descanse antes bem sobre o Verbo. O Verbo o diz: sem mim nada podeis fazer.
Me sentarei, serei semelhante ao Altíssimo. Oh impudente! exclama o mesmo Pai: oh imprudente! Milhões de anjos lhe servem, e centenas de milhões estão prontos para executar suas ordens; e tu te sentarás. Os querubins estão de pé, e não se sentam. Que fizestes para ser digno de sentar-te?
Vi, diz Isaías, ao Senhor sentado em um sólio excelso e elevado; e os serafins estavam de pé (VI. 1-2). Por que, prossegue São Bernardo, tu que aparecias pela manhã, ó Lúcifer, por que não permanecestes na verdade, senão porque não foste Serafim? Pois Serafim quer dizer iluminado e inflamado.
Mas tu, miserável, tivestes a luz sem calor. Mais te houvesse valido ser abrasado que brilhante: devias reprimir aquele orgulho de parecer; e como tu servias de espelho, devias humilhar-te. Mas, ao contrário, tu disseste Subirei sobre as nuvens, e me sentarei. e caístes. Os serafins estão de pé e firmes, porque a caridade nunca fenece, diz São Paulo (1 Cor XIII, 8). Estão de pé, admirados, perdidos na contemplação daquele que está sentado sobre seu trono; permanecem em eterna incomutabilidade e em incomutável eternidade. Tu, Lúcifer, te propusestes sentar-te. Oh ímpio! Por isto vacilaram teus pés, e querendo subir, caíste. O Filho do Eterno, que está sentado sobre um trono, é o Senhor dos exércitos que tudo o julga com calma. Só a Trindade se senta: só tem imutabilidade; mas os serafins estão de pé. (Serm. III. In Isai.).
O crime dos anjos rebeldes foi pois: 1° uma excessiva complacência em sua beleza e excelência; 2° sua negativa em querer depender de Deus, a vontade de bastar-se a si mesmos e de viver unicamente por eles; 3° ter querido irrogar-se a beatitude e alcançá-la com suas próprias forças, sem querer obtê-la do poder e da bondade de Deus; 4° ter querido elevar-se sobre os outros anjos, e ter-se negado a estar sob as ordens de ninguém, nem sequer de Deus.
Lúcifer pecou: 1° por um orgulho intolerável; 2° por sua rebelião, assim como pela de seus anjos, contra Deus e contra a Igreja celestial 3° Lúcifer e seus anjos cometeram um crime de lesa majestade divina, querendo apoderar-se do trono do mesmo Deus 4 ° Lúcifer tratou de arrastrar à rebelião os anjos; e trata ainda todos os dias de alistar os homens sob seu cuidados; 5° é o autor de todos os pecados; mas também é a criatura que se encontra submergida no mais profundo do inferno.
A primeira causa da caída dos anjos foi o orgulho.
A segunda causa de sua caída foi seu mesmo nada. Tinham sua grandeza e sua perfeição da mão de Deus: houvessem devido reconhecê-lo assim; mas pobres e débeis, por causa do nada de que haviam sido tirados, quiseram descansar sobre si mesmos: não encontraram mais que o nada, e caíram. Afastando-se de Deus, sua única força, ficaram reduzidos à debilidade suprema.
A terceira causa de sua caída foi o mal uso que fizeram de sua liberdade.
Que ganharam? Ai! tudo o perderam. Eram anjos de luz, e se converteram em espíritos de trevas; eram bons, belos e felizes, e se tornaram maus, perversos, horríveis e extremamente desgraçados.
As mesmas causas que perderam aos anjos, perdem aos homens que lhes imitam. Adão quis seguir seu exemplo, e caiu em um abismo de males, do que jamais haveria saído sem a infinita misericórdia de Deus.
Tremamos. Se os anjos caíram estando no céu, se Adão caiu estando no paraíso terrenal, se Sansão, Davi e Salomão caíram, se caem os cedros do Líbano, que temor e que humildade não devemos abrigar nós que não somos mais que débeis caniços? Por isto o grande Apóstolo nos exorta a trabalhar na obra de nossa salvação com temor e tremor. (Fil II, 12).
“Tesouros de Cornelio Á Lápide”

Tradução de Airton Vieira

Fonte: Adelante la Fé -  Demonios (Cornelio A. Lapide)








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