sábado, 25 de novembro de 2017

Leonardo Castelleni, defensor da Tradição



Tradução de Airton Vieira – Semblante grave e enxuto, sobrancelhas prateadas, cachimbo em riste, cachecol emaranhado ao pescoço, vestido de batina negra e boina basca, lendo com olhar perscrutador que penetra as entranhas de cada livro. Mente lucidíssima e preclara, fiel filho de Santo Inácio de Loyola. Santo sacerdote amante da Tradição e a sana doutrina, excelente pregador, jornalista incisivo, literato brilhante e gênio criativo, personagem polêmico por sua valentia em denunciar o farisaísmo, profeta do caos atual…É sem dúvida uma figura riquíssima, poliédrica e transcultural.

Daniel Francisco Giaquinta, jornalista e professor de Oratória, teve a dita de ser seu discípulo e estudar com paixão sua riquíssima obra. Nesta singela entrevista nos presenteia uns traços muito elementares de quem foi Castellani, a modo de canapé, para abrir-nos o apetite e degustar sua riquíssima produção literária.


Poderia nos esboçar uma brevíssima biografia de Castellani?

Foi um bom Filho de seu pai Santo Inácio de Loyola defendendo a Tradição e a Cristandade. Cheio de façanhas como o basco, ainda que com a tinta do crioulo argentino. Foi muito homem e muito limpo, por isso ofendia os afeminados e sujos. Foi um grande leitor que analisava com poderosa inteligência todo o recebido. Prendia os saberes de sua causa primeira e a aplicava com doçura aos homens de boa vontade. Mas aos de má vontade, aos fariseus, os latigava duramente até lançá-los do templo. Por isso a hierarquia eclesiástica o odiava tanto que havia caído no mal de Anás e Caifás. Foi um grande pregador tanto na cátedra universitária como no Templo. Tanto assim é que o propuseram como deputado pelo movimento nacionalista tradicional, mas não chegou a exercer. Foi um grandíssimo escritor, de difusão jornalística e de investigação. Abarcou todos os gêneros da literatura com mais de cinquenta livros, sendo requintado em cada um deles. O farisaísmo não o perdoaria nem a Fé cheia de obras nem a estética em publicitá-las.

Que aportou ao pensamento católico?

Castellani foi o homem mandado pela Divina Providência a minha Pátria e a todo o que possa aceder a seu legado para iluminar a finalidade da vida cristã, a Parusia. Deixou claro que Jesus avisou que voltaria logo e que não pode mentir nem mentir-nos. Disse Castellani aos nacionalistas argentinos que toda atividade política se supeditava a esta realidade divina, e por isso não deixa de aconselhar a resistência em lugar do ataque. Castellani aclara aos Tradicionalistas que a grande heresia do Fim dos tempos na negação do único dogma do Credo ainda não cumprido, o Venturus est, o regresso de Cristo a pôr a paz e a ordem, os novos céus e a nova terra, a justiça e o bem. A heresia final é bipolar e cicloide por ser tão imanentista e antropocêntrica. Fala de destruição total se está angustiada ou de paraíso terrenal mediante a democracia e o consumo.

O primeiro na intenção é o último na consecução. Posta a Parusia e a evidência de seus sinais profetizados por Nosso Senhor para os cristãos do Fim dos tempos, então tudo muda, a Esperança se torna feliz. Castellani irradia alegria em toda parte.

Castellani ensinou que o marxismo cairia fusionando-se com o grande dinheiro da doutrina liberal, grande pecado e heresia moderna, que dominaria tudo rumo ao governo único da besta do mar. Isto foi dito em pleno êxito marxista dos anos 50.

Falemos da retidão e solidez de seu pensamento…

Segue a Santo Tomás de Aquino, o traduz e o comenta, aplica à Sagrada Escritura, o aplica à Política, o lê e o relê. Torce o nariz quando aparecem os vocabulários novos em Teologia. Como ferramenta para penetrar no Angélico, tem uma formação filosófica aristotélica requintada e conhece os clássicos latinos e gregos como perito.

E por seu talento para os idiomas, dos que domina nove línguas, lê a Patrística em seus originais, lê os doutores da Igreja, lê os poetas fortes de todas as épocas transpassando-nos o gosto por Dante, por Manzoni, por Claudel, por Chesterton, por Cícero, por Martín Fierro ao que repara contando sua própria autobiografia na Muerte del Martín Fierro, por Cervantes, por Shakespeare, por Menéndez e Pelayo, Pemán, Pereda…

E lê também a heterodoxia para combatê-la avisando-nos dos perigos em Theilard de Chardin e nos contemporâneos que ninguém podia nem cheirar naqueles tempos. Viu cair no liberalismo a seu querido amigo Maritain e nos disse que o antropocentrismo era o grito da Besta da terra e o coaxar das Três Rãs apocalípticas.

Como foi sua devoção, sua santidade de vida?

Foi suspendido a divinis pelos jesuítas e o Papa ratificou a condenação enquanto que a Theilard de Chardin o absolviam, sendo Castellani ortodoxo e Chardin heterodoxo. Nesse momento não deixou de escutar Missa como um fiel a mais, ajoelhar-se para receber a Comunhão, viver de esmolas, viajar precariamente, mendigar habitação, e produzir, produzir, produzir…

Atesourava uma devoção a Maria Santíssima que emociona em seus sonetos e pregações. Rezava o Santo Rosário completo, os três mistérios, cada dia caminhando e muito concentrado.

Ele mesmo definiu um santo como “aquele que em todo momento e em qualquer circunstância segue a voz do Espírito Santo”. Castellani isto o fez vida.

É suficientemente valorizado hoje em dia?

Terei de distinguir. Se a pergunta se dirige ao povo fiel, que conserva a Fé ou deseja fomentá-la, a resposta é sim, Castellani ali é valorizado, buscado, reeditado, difundido em páginas web, consultado, presenteado aos amigos…

Mas se a pergunta se refere a se há tido alguma espécie de louvor de sua pessoa e de sua obra por parte da Hierarquia, a resposta é muito negativa. Desde aquela reportagem em uma revista portenha de grande difusão pelos anos 70 onde assinala Monsenhor Lefevbre como o guia da Igreja rumo a correta direção, a generalidade do episcopado argentino terminou de defenestrar Castellani ou de meter sua obra no buraco negro da conspiração do silêncio.
Até algum hierarca bem formado escapa a Castellani ou o rotula como gênio algo perigoso e o evita, o mata com a indiferença, desaconselha seus livros. O diria, que assim deve ser, que “está no contrato evangélico”, como descrevia o Pe. Ezcurra às cruzes onde os falsos homens de igreja crucificam os santos.

Além de sua profunda obra religiosa, poderia falar de seus escritos culturais e profanos?

Os livros de Castellani têm bom humor e isto os faz muito humanos sem teologúmenos etéreos. Sabe rir-se do ridículo sem ofender as pessoas. Apoda o pai do evolucionismo filosófico como Telar del Cardón, ou é a demo-caca-racia o mal liberal, e os conserva-duros são a melhor expressão do puritanismo autóctone, e o marxismo é esse bichinho colorado que pica tão forte e nasceu do liberalismo.

Ao humor se soma essa penetração da Arte, tanto da imagem estética e da cinética como da música, deixando opúsculos luminosos de Crítica Literária. A incapacidade do homem massa de desfrutar do belo o fará escrever sobre o semianalfabetismo, o mal gosto, a decadência atual do homem ético para o estético, sem deter-se até o homem que consume o angu mirandolesco da diletância jornalística. Define o fanatismo como essa incapacidade de ver a virtude ou a veracidade na postura contrária. Então Castellani olha a vida real e nos lega descrições de policiais heroicos, de mestras rurais abnegadas, de curas sábios do povo, de santas como Thais de Alexandria sumamente anti-marketing…

Que livros de Castellani recomendaria àqueles que querem começar a conhecer sua obra?

Castellani não tem escalonamento em sua obra, pode se entrar por qualquer lado, como al assado pampeiro. É um publicista por natureza: toma um tema com motivo social, o vê desde a teologia, baixa pela política, o conota em sua razão moral e o potencializa para a utilidade mística do leitor. Ponho por exemplo o farisaísmo na Igreja –Cristo e os Fariseus– como câncer e causa fundamental do esfriamento da Caridade. Isto é, sabe tornar simples o intrincado em qualquer gênero literário que encare. Sim tem uma saga temática, a meu parecer, sobre o Fim dos tempos que valeria a pena seguir com certa ordem, ainda que não seja necessário. Me refiro aos quatro ou cinco livros sobre os temas apocalípticos que teriam de começar por Cristo ¿vuelve o no vuelve?, seguir com os Papeles de don Benjamín Benavides, em seguida o Apocalipse de San Juan para terminar esta saga com su Majestad Dulcinea.

Em Psicologia, capta a profundidade inaciana na Catarsis Católica en los Ejercicios Espirituales de San Ignacio, sua tese doutoral, que calaria muito detrator. Outros livros recomendáveis são Psicología Humana e também Freud en cifras nos mostram um perito muito elegante em trabalho de campo.

Adelante la fé - Leonardo Castellani, defensor de la Tradición

Javier Navascués



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