quarta-feira, 18 de abril de 2018

Intervenções do cardeal Zen e Renzo Pucceti no Colóquio “Igreja Católica, aonde vais?”



Tradução de Airton Vieira

Mensagem de S.E. o cardeal Joseph Zen para o simpósio do dia 7 de abril em Roma

–Eminência, estamos em Hong Kong, mas em Roma está sendo celebrado um encontro, com o nome de Igreja, aonde vais? Estou seguro de que alegrará muito aos participantes que lhes dirija umas palavras de saudações.

–De acordo. Gostaria muitíssimo de participar, mas em vista de minha idade, decidi não viajar demasiado. Com minhas orações, com o coração, isso sim, estou convosco. Porque é um encontro que deveria ser do interesse de todo o mundo: Aonde vai a Igreja, nossa Igreja? A Igreja pela que Jesus se esforçou e padeceu. A Igreja na que gozamos de todas as graças do Senhor, e esperamos que nossa Igreja goze sempre de boa saúde.
–Eminência, sem dúvida os participantes apreciarão que lhes diga como vê a situação atual quanto à relação entre a Santa Sé e a China.
–Sim. Temos uma Igreja que é uma unidade, que em todo o mundo é uma grande família. Uma grande família com um centro, que é a Santa Sé. Então, a Santa Sé é muito importante, mesmo que o Papa insista em que se deva dar muita importância à periferia. Tanto o centro como a periferia são necessários. Agora bem, neste momento, nossa periferia (a China) atravessa grandes dificuldades. Então, mesmo que muitas vozes desta periferia não cheguem a fazer-se ouvir no centro, nós, que vivemos fora da China continental, naturalmente levamos em nossa experiência, em nosso coração, toda a China, ainda que estejamos sempre em contato. Consideramos que representamos a esta periferia. Temos um grande desejo de que haja mais comunicação entre o centro e a periferia. Porque, se se quer ajudar a Igreja da China, há de conhecê-la. Mas não me refiro a um simples conhecimento abstrato, baseado em números ou em livros. Há que ter vivido, e por isso a periferia não é substituível. O que esperamos, então, é que nossa voz possa fazer-se muita. Pelo contrário, nos desagrada que sejam escassas as vozes que chegam da periferia. Temos medo de que no centro não se tomem as decisões que sejam verdadeiramente uteis e contribuam ao verdadeiro crescimento da Igreja. Esta é uma preocupação importante, a falta de comunicação. E eu não digo que seja um grande professor, mas tenho muita experiência direta da China. Ensinei durante sete anos em seminários da China continental, da Igreja oficial. E constantemente vêm irmãos da China continental e nos contam como está a situação, e temo que essas vozes não consigam chegar ao centro.


–Obrigado, Eminência. Convidamos aos assistentes à reunião de Roma a rezar também por esta intenção especial da Igreja chinesa.
–Mesmo que não chegue sempre ao centro, mas raramente, neste mundo há muitas facilidades para comunicar-se, e venho tendo a oportunidade de expressar meu parecer sobre estas questões relativas a nossa igreja, e espero que possais estar a par e de vez em quando procureis falar de nossa parte.
***
Intervenção de Renzo Puccetti: A bioética de Caffarra a Paglia

Roma, 7 de abril de 2018, Colóquio Igreja Católica, aonde vais?
Eminências, excelências, reverendos padres, reverendas madres, Senhoras e Senhores, recebam minhas respeitosas saudações. Obrigado por ter-me concedido a grandíssima honra de intervir para falar de um tema ao qual tanto se dedicou o cardeal Caffarra e do que tanto tenho recebido. Antes de começar, é necessário fazer algumas precisões: que é a bioética? É uma disciplina. Qual é sua finalidade? Emitir juízos morais sobre procedimentos biomédicos. E como o faz? Por meio de um contraste multidisciplinar.
Não é o terreno da opinião, da ignorância, da superficialidade fátua, vazia e autorreferencial. O primeiro instituto italiano de bioética foi fundado por monsenhor Elio Sgreccia, que ensinou a gerações de especialistas a afrontar as questões bioéticas desde uma perspectiva que poderíamos chamar triangular: avaliando seus aspectos científicos, seus aspectos antropológicos e, por último, emitindo um juízo sobre sua moralidade ou imoralidade. Em minha intervenção, intencionalmente, me limitarei a falar de ideias. Em 1948, Richar Weaver afirmou: «As ideias têm consequências». Anos depois, George Weigel foi mais longe, assinalando que as ideias más têm consequências desastrosas. Portanto, como disse Eric Metaxas, devemos estar muito atentos às ideias que nos implantam no cérebro. Proponho a demonstrar que em cada um dos âmbitos do método triangular citado se dão hoje problemas, graves problemas. Começando pelo enfoque científico. Todos vocês recordarão o caso de Charlie Gard, acometido de uma gravíssima doença mitocondrial, que morreu quando os médicos ingleses que o atendiam retiraram os equipamentos de ventilação mecânica. Um membro da Pontifícia Academia para a Vida declarou publicamente que no caso de Charlie Gard a ferocidade terapêutica era patente.
Naquela mesma ocasião, o bioeticista católico definiu a ferocidade terapêutica com estas palavras: «Intervenção médica inútil, sem futuro, de alto conteúdo tecnológico, altamente invasiva e em muitos casos capaz de causar grande sofrimento ao paciente». Mas a ventilação mecânica não é inútil quando garante a oxigenação dos tecidos impedindo a morte do enfermo.
Se a vida de Charlie Gard não tinha futuro, que futuro há, então, para um enfermo de Alzheimer, um paciente canceroso em fase avançada ou alguém que esteja em estado vegetativo ou com um mínimo de consciência?
Se a tecnologia avançada e o caráter invasivo de um método terapêutico são indicadores de ferocidade, então, são vítimas de ferocidade os portadores de marca-passos, bombas de insulina, desfibriladores ou implantes cocleares, dispositivos todos eles de alta tecnologia?
E por último, acaso não supõem também grandes e prolongados sofrimentos os transplantes e a quimioterapia? Certamente, mas não são desproporcionados, porque, ainda que causem sofrimentos, são intervenções que aliviam um sofrimento maior.
Citarei outro caso. Uma vez mais, o protagonista é membro de uma importante instituição da Igreja Católica, à que se encomendou a defesa da vida. Em 2009, este membro de uma importante instituição da Igreja foi coautor de um artigo sobre a utilização de células mãe da linha MP002.5, cujas características se descrevem em um artigo do mesmo ano firmado pela doutora Camilla Karlsson.
Em dito artigo, a doutora Karlsson assinalava a explicação em um trabalho de 2005 do procedimento de produção daquela linha de células mãe humanas.
Os autores explicavam claramente que haviam obtido as células a partir de embriões fruto da fecundação in vitro e doados para fins de investigação.
Apesar disso, em um documento concreto do ano 2000, a mencionada Academia Pontifícia havia deixado sentado que não é lícito moralmente utilizar células mãe embrionárias disponíveis no comércio ou facilitadas por outros investigadores.
Se trata de um caso acidental? Neste caso há reincidência, porque o mesmo investigador nomeado pela instituição posta em 2006 a serviço da proteção da vida aparece entre os autores de um estudo em que se utilizam células mãe mesenquimais obtidas a partir de pulmões de fetos. No método do estudo se explica que as células foram facilitadas pela empresa Novogenix.
Em dezembro de 2016, o Congresso dos Estados Unidos nomeou uma comissão para que lançar luz sobre o escândalo da venda de tecidos procedentes de abortos por parte de clínicas afiliadas à Planned Parenthood. O advogado de Novogenix reconheceu que sua empresa havia firmado um contrato com a filial da Planned Parenthood em Los Angeles a fim de que esta lhe proporcionasse tecidos e células procedentes de abortos voluntários do primeiro e segundo trimestres de gravidez a razão de 45 dólares por exemplar. Enquanto saboreava uma salada, o chefe nacional de serviços médicos da Planned Parenthood, admitiu sem cerimônias que suas clínicas vendiam pulmões, fígados e membros inteiros das crianças abortadas. É este um trato respeitoso para com a dignidade do embrião humano? Se se altera o critério moral sobre o emprego de ditos tecidos com fins de investigação, aceitando a palavra dos autores que participam nos mais destacados foros pró-vida, se altera toda a estrutura na colaboração com o mal e se introduz um critério ético consequencialista e utilitarista, ou incluso intencionado. Nesse caso, uma ação seria boa se reportasse benefícios, ou se está animada por uma boa intenção. Nos encontramos ante um grave problema relativo à moralidade dos atos humanos e a negação das ações intrinsecamente más. Assistimos a uma profunda transformação dos critérios para avaliar a moralidade dos atos. E, por muito que me esforce, não encontro a menor continuidade entre isso e o que me foi ensinado.
Tornando aos aspectos científicos, onde os problemas não parecem ser casos isolados. Em outra academia Pontifícia se elogiou a John Bongarts, experto desde 1973 da organização para o controle de natalidade conhecida como Population Council. É autor da fórmula que toma seu nome para conhecer os determinantes próximos da fertilidade, que postula matematicamente uma constante do movimento a favor dos direitos reprodutivos: anticoncepção e aborto têm uma relação mútua inversa. Isto é, que quando aumenta a anticoncepção diminuem os abortos. Entretanto, dispomos de uma montanha de dados que o desmentem. De acordo com três estudos diferentes, 90% das mulheres que abortam utilizaram meios anticonceptivos durante o mês em que ficaram grávidas, ou depois de tê-los interrompido. Isto é, que estavam expostas à mentalidade anticonceptiva. Parece que alguns as aconselharam adotar o preservativo. Um estudo ecológico apresentado no Congresso Mundial de Ginecologia celebrado em Roma indica que naqueles estados dos EUA em que mais se utiliza o preservativo se registram mais abortos (veja-se a linha verde no gráfico). E em outro trabalho, publicado no British Medical Journal em colaboração com a professora Luisa di Pietro demostramos que se dá a mesma tendência na relação entre o uso de preservativos e as infecções pelo vírus VIH.
Na França, onde 97% das mulheres sexualmente ativas que não desejam engravidar utilizam meios anticonceptivos, se registra de forma estável mais de 200 000 abortos.
Segundo estudo realizado na Suécia, o reembolso total pelos anticonceptivos em algumas regiões não se associa a taxas menores de aborto que nas zonas onde são pagos. No prestigioso programa CHOICE, na zona de San Luis, onde se distribuíram gratuitamente espirais (DIU – ndt) e outros dispositivos anticonceptivos de longa duração, a quantidade de abortos diminuiu em menor medida que na de Kansas City, onde se utilizavam como amostra de controle nos experimentos.
Outro novo membro da Pontifícia Academia pela Vida escreveu: «Se o que o que se busca com estes métodos é a responsabilidade ao engendrar (leia-se continência periódica, n. do e.), se compreende que nos casos em que é impossível ou impraticável seja necessário buscar outras formas de responsabilidade.»
Pelo visto se desconhece que não há situações clínicas que impeçam adotar os métodos naturais. E parece que também desconheçam que os outros métodos de responsabilidade hormonais incluem entre seus mecanismos de ação o de voltar o endométrio inabitável para o embrião. Ou seja, que é um mecanismo abortivo. Nos meses que dediquei a estudar os documentos que levaram à redação da Humanae vitae por parte de Paulo VI e de anúncios midiáticos não observei o menor eco a estas considerações que não sejam documentos que tratem de apresentar argumentos com a intenção de refutar a postura que tem mantido a moral católica durante vinte séculos com respeito à anticoncepção. Isto me leva a colocar uma questão premente: que se permita aos estudiosos o acesso a ditos documentos, e não se limite a um grupo seleto. Que se demonstre essa vontade de transparência da que tanto alarde midiático se tem feito.
E se os métodos naturais fossem simplesmente uma anticoncepção católica, distinta da que se faz por motivos ecológicos, e não um comportamento capaz de modificar radicalmente a capacidade para decidir da pessoa, por que entre os matrimônios que a usam a taxa de divórcios é a metade ou um terço da dos matrimônios que empregam métodos anticonceptivos?
Por que entre eles o número de abortos são um quinto do que se dá entre a população normal?
E se a responsabilidade procriativa se pode exercer separando a procriação da atividade sexual, por que não se a separar a atividade sexual da procriação? Se se pode fazer um mal para obter um bem, por que não aceitar o mal de mais de um milhão de vidas humanas embrionárias para obter cem mil vidas humanas nascidas?
E por que não acrescentar ao sacrifício os mais de 57 000 embriões acumulados em congeladores? Esse é o resultado de dez anos de fecundação in vitro na Itália.
Em 1972, Elizabeth Anscombe defendeu a Humanae vitae com numerosos argumentos, entre eles um de corte analítico. Se é possível eliminar quimicamente a abertura à vida contendo a sexualidade entre o homem e a mulher, por que não fazê-lo naturalmente, considerando-os diversamente ordenadosE como impedir a responsabilidade na geração por outros métodos se os naturais são impraticáveis?
Gostaria de terminar com um pensamento que, creio, pode agradar aos amantes do ecumenismo. Diz: «O silêncio ante o mal é em si mesmo um mal. Deus não nos deixará impunes. Não falar é falar. Não atuar é atuar.» Seu autor é Dietrich Bonhoffer. Creio que os leigos têm direito a mais respeito intelectual, moral e espiritual por parte da Igreja, através de seus homens e instituições. E mais ainda quando há pessoas que comprometeram toda sua vida para defender os ensinamentos recebidos. Uma delas, o cardeal Caffarra, nos contempla agora desde o Céu, enquanto que outra nos está vendo na sala: a fundadora da Casa Betlemme. Convido aos presentes a tributar-lhe um aplauso.

Nenhum comentário:

Postar um comentário