domingo, 20 de outubro de 2013

A experiência da verdade


Feliz aquele a quem a própria verdade ensina, pela experiência, além das palavras e das imagens. Nossa opinião e nossa maneira de ver valem pouco e são sempre falíveis. Por que se empenhar em querer saber as coisas ocultas, se ignorá-las não nos prejudicará em nada no momento do juízo?

É insensato deixar de lado o que é necessário e útil, para se ocupar de vãs curiosidades. Têm olhos e não veem (Sl 115, 5).

Que importam as opiniões dos filósofos? Delas o verbo eterno nos liberta. Este Verbo único se manifesta na unidade de todas as coisas. É o Princípio que nos fala (Jo 8, 25). Sem ele nada se compreende ou apura corretamente. Todo aquele que vive na unidade percebida em todas as coisas permanece em paz, fixo em Deus. Ó Deus de verdade, faze-me estar unido contigo num laço de amor perpétuo! Canso-me de ouvir e ler tantas coisas quando tu és tudo que desejo e quero. Diante de ti calem-se os doutores e silenciem todas as criaturas! Fala-me tu somente!

Quanto mais se vive no íntimo de si mesmo, na unidade, tanto melhor e sem dificuldade se percebem as coisas mais profundas, na luz da inteligência, que vem do alto. Puro, simples e estável, o espírito não se dissipa nos muitos afazeres, pois tudo faz para honra de Deus, sem perder tempo consigo mesmo.

Os maiores obstáculo e aborrecimentos vêm da afetividade desordenada do coração. Dispor-se interiormente antes de fazer qualquer coisa é exigência de quem busca ser bom e santo. Agir, não segundo as más inclinações do desejo, mas sempre segundo a razão. Que combate se compara à vitória sobre si mesmo? Disto nos deveríamos ocupar: vencermo-nos a nós mesmos, tornando-nos cada dia mais fortes, num constante progredir.

Nesta vida não há perfeição sem algum limite, nem conhecimento sem alguma sombra. O autoconhecimento humilde é o caminho mais seguro para se chegar a Deus que as profundezas das especulações. Não se condena, com isso, a ciência ou qualquer outro conhecimento, que é um bem em si mesmo, querido por Deus. Deve-se-lhe, porém, preferir a vida, na pureza da consciência. Erram, portanto, e quase nenhum fruto obtêm, os que se empenham mais em saber do que viver bem.

Oxalá se todos procurassem extirpar os vícios e praticar as virtudes com o mesmo afã com que se discutem as grandes questões. Não haveria tantas desordens e escândalos entre o povo, nem tantos desmandos entre os religiosos!

No momento do juízo ninguém será interrogado sobre os livros que leu, mas sobre o bem que fez ou disse e sobre a vida que levou. Onde estão agora os mestres e doutores que conheceste em vida, florescendo no ambiente acadêmico? Seus cargos passaram a outros que talvez deles nem se lembrem. Em vida eram muito famosos, mas agora nem se ouve mais falar deles.

Como passa depressa a glória do mundo! Deus queira que tenham, vivido de acordo com o que aprenderam e ensinavam! Que belo! No entanto. No entanto, a ciência nesta terra de nada serve para os que não procuram servir a Deus! Por terem querido ser grandes mais do que humildes, perderam-se em pensamentos fúteis e seu coração se obscureceu (Rm 1, 21). É verdadeiramente grande quem se considera pequeno e não dá importância às honrarias. Verdadeiramente prudente quem considera todas as coisas da terra como prejuízo, para ganhar a Cristo (Fl 3, 8). Verdadeiramente sábio quem faz a vontade de Deus e não a sua.
 
Tomás de Kempis - A Imitação de Cristo.

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