Em tempos
em que a mulher se permite ser um mero objeto de cobiça e prazer, publicamos
nesse período de festejos de dia das mães ou internacional da mulher, o exemplo de Santa Mônica como
exemplo do que Deus espera de uma verdadeira mãe, ainda mais nesse período
tenebroso da história, onde as mulheres entregam seus filhos nas mãos de babás
ou depositam em escolas laicas e vão para fora de casa ingressar nas universidades e
para o mercado de trabalho, , e rejeitam seu papel
natural de Rainha do Lar e formadora de futuros cidadãos.
Mônica "entra" na
História através da obra Confissões, de seu segundo filho, Santo
Agostinho (Aurelius Augustinus, 13.11.354 d.C.), escrita aproximadamente no ano
de 397. Ela teria nascido no ano de 331 d. C., embora existam controvérsias
quanto a essa data (A Igreja aceita a data de 331) (Liturgia das Horas -
Ofício das Leituras, 1982: 1.534.
Segundo Agostinho, Mônica foi
criada por uma dada, termo que designava uma escrava incumbida de
vigiar as crianças filhas de seus senhores. “ Mônica enaltecia a vigilância de
uma velha escrava, que já tomara meu avô materno às costas, sendo ainda menino,
como é costume serem trazidas as crianças pelas raparigas mais crescidas” (Confissões,
p. 223).
A velha escrava cuidou também de
sua educação; Agostinho conta-nos um caso em que sua mãe, ainda criança, foi
severamente repreendida pela dada, pois começou a demonstrar gosto pelo vinho
("de facto, a escrava que costumava acompanhá-la até junto do tonel,
litigando um dia com sua jovem senhora, estando sós, lançou-lhe em rosto a
intemperança, chamando-lhe com atroz insulto: Bêbada!") (Confissões,
p. 224).
Mônica foi entregue em casamento
a Patrício, membro da ordem dos decuriões do Conselho de Tagasta (cidade da
Numídia, atual Sukh Ahras, na Argélia, perto da fronteira com a Tunísia, a
aproximadamente oitenta quilômetros da costa mediterrânea). Na qualidade de
decurião, seu marido provavelmente possuía pelo menos doze hectares de terra, o
que coloca o casal numa razoável posição social, já que isso inclui bens como
escravos, olivais e vinhas (PEREIRA, 1991: 11). Quando do casamento entre
Mônica e Patrício, este teria então cerca de quarenta anos de idade e ela
dezessete ou dezoito.
Sua vida conjugal não era das
melhores. “Sofria-lhe também as
infidelidades matrimoniais com tanta paciência, que nunca teve discórdia alguma
com o marido, por este motivo”(Confissões, p. 225). Aqui começa a se afigurar o modelo cristão
da boa esposa.
Ela teve uma rígida educação
católica, e transmitiu isso ao filho (FÜLLÖP-MILLER, 1993: 76). Tentou, sem
sucesso, trazer tanto o filho quanto Patrício para o cristianismo. Agostinho
nos dá sua visão de seu pai: “Se o coração do marido era afectuoso, o
temperamento era arrebatado" (Confissões, p. 225). Mônica era portanto,
aos olhos do filho — futuro bispo de Hipona e santo da Igreja Romana — uma luz
a iluminar a casa pagã de Tagasta. "Era verdadeiramente a serva de Vossos
servos” (Confissões, p. 226).
Com a adolescência de Agostinho
vieram novas preocupações para Mônica. Aos dezesseis anos ele passou férias com
os pais — pois até então esteve num colégio na cidade de Madaura —, quando seu
pai, vendo-o no banho, notou que já entrara na puberdade. "...ele
contou-o, todo alegre, a minha Mãe (...) Porém, já tínheis começado a edificar
em minha Mãe o Vosso templo e os fundamentos da Vossa santa habitação (...) Por
isso, minha Mãe, com tal nova, agitou-se levada de piedosa perturbação e
temor" (Confissões, p. 56). Ela temia perder o controle sobre a educação
de seu filho.
Mônica não batizou seu filho de
imediato; segundo o costume da época, as crianças filhas de católicos não eram
batizadas quando de seu nascimento; o batismo só ocorria mais tarde, quando a
pessoa tivesse plena consciência da importância do sacramento. Apesar disso,
Agostinho foi inscrito no catecumenato (preparação para receber o batismo).
Logo depois, Patrício se converteu ao cristianismo. Provavelmente, temos aqui a
influência de Mônica.
De qualquer modo, neste período o
cristianismo já tinha a aquiescência do Império e é provável que Patrício tenha
cedido aos apelos de sua mulher, se convertendo e dando os primeiros
ensinamentos cristãos a Agostinho, com a ajuda econômica de um amigo de nome
Romaniano — que, durante toda a educação de Agostinho, socorreria a família
quanto aos gastos para sua formação, mesmo após a morte de Patrício (o pai de
Agostinho morreu no mesmo ano de sua conversão, em 370) (PEREIRA, 1991: 16-17).
Agostinho foi mandado para
Cartago a fim de estudar num curso superior, mais uma vez amparado por seu
mecenas, Romaniano. Esta emancipação do rapaz trouxe os primeiros conselhos de
sua mãe: "Ela me ordenou, que foi com muita veemência que me preveniu, que
não fornicasse e sobretudo que não desonrasse a mulher do próximo".
Agostinho vê na mãe um instrumento a serviço de
Deus; "De quem eram se não de
Vós, aquelas palavras que, por meio de minha Mãe, Vossa fiel serva,
pronunciastes aos meus ouvidos?" (Confissões, p. 57). Para
Agostinho, Mônica já é nesse momento o
alicerce espiritual que o conduzirá em direção da verdadeira fé; ele na
verdade, após seu batismo e conversão ao cristianismo, nunca reconsiderou o
caráter feminino de sua mãe.
Para o santo ela sempre foi a intermediária entre
ele e Deus: "Não era a minha mãe nem
as minhas amas que se enchiam a si mesmas os peitos, de leite. Éreis Vós,
Senhor, que, por elas, me dáveis o alimento da infância, segundo os vossos
desígnios e segundo as riquezas que depositastes até no mais íntimo das
coisas" (Confissões, p. 32).
Nesse período de 21 anos que
abrange a adolescência de Agostinho até sua conversão e batismo (366-387), Mônica pode ser traduzida em duas palavras
que permeiam seu nome na obra Confissões: oração e lágrimas. A
primeira é o pedido a Deus, que dê a seu filho a fé verdadeira. A segunda é o
sofrimento pelos caminhos da perdição trilhados por Agostinho — as heresias que
durante um certo tempo ele abraçou: o maniqueísmo (373-383) e o ceticismo
(383-384) (REALE e ANTISERI, 1990: 428-459). Sua vida estava destinada a ser
escrita pela dor e esperança, de ainda em vida verem cumpridas suas preces.
E ela teve um sonho. Nele, via-se
de pé sobre uma régua de madeira, quando um jovem veio ao seu encontro e
perguntou-lhe porque estava tão triste e amargurada. Ela respondeu-lhe que
chorava a perdição de seu filho; o rapaz mandou-lhe ficar sossegada, dizendo
que onde ela estivesse, ele estaria junto. Nesse momento, o rapaz viu Agostinho
ao lado dela, na mesma régua (Confissões, p. 83).
Mais: ela não só sonha como
interpreta sua mensagem. Após seu sonho divino, ela contou-o a seu filho. Ele
deu-lhe uma interpretação maniqueísta ("Narrando-me esta visão,
esforcei-me por interpretá-la de modo que ela não desesperasse de vir a ser o
que eu era, isto é, maniqueísta") (Confissões, p. 83). Ela, sem
hesitar, disse-lhe que ele estava enganado; era ele a se converter e não ela!
Isso abalou Agostinho. Mais uma vez ele viu sua mãe como o instrumento da
palavra divina: "Mais do que o próprio sonho, abalou-me então aquela Vossa
resposta dada por intermédio da solicitude de minha mãe" (Confissões,
p. 83).
Nesse objeto onírico de
transmissão do logos divino — só mais tarde Agostinho
demonstraria um mal-estar, uma incerteza a respeito dos sonhos (LE GOFF, 1994:
317) —, podemos observar em seu inconsciente a intensa preocupação da mãe cristã pelo destino do filho. A
alegoria da régua e a posição dos dois sobre ela, pode ser entendida como a
inevitabilidade do passar do tempo e a ansiedade pelas preces, onde as preces
da mãe ecoam sem resposta. Melhor, a resposta é a da profecia do jovem, segundo
Agostinho, o próprio Deus ou um anjo ("Agostinho [...] não teve dúvidas.
Aquele jovem que consolou sua mãe e que predisse a sua conversão pela vista e
pela palavra era o próprio Deus [ou um anjo por ele enviado - de acordo com a
habitual imagem das visões "africanas", segundo observou Pierre
Courcelle" - LE GOFF, 1994: 313-314).
Nove anos depois do sonho de
Mônica dá-se a conversão de Agostinho (LE GOFF, 1994: 314). Nesse meio tempo,
formam-se suas principais virtudes de
mãe cristã: as lágrimas, o conforto (no sentido de consolação), a persistência.
O episódio mais famoso dessa personificação cristã é o das súplicas que Mônica
fez a um bispo — provavelmente o de Cartago — para interceder junto a seu
filho, já que seus pedidos não eram atendidos. O bispo teria respondido:
"Vai em paz e continua a viver assim, porque é impossível que pereça o
filho de tantas lágrimas" (Confissões, p. 85).
Ainda acontece um famoso
acontecimento em que Agostinho, desejoso de ir a Roma, engana sua mãe, que não
queria que o filho partisse. Ele a fez ficar aguardando a noite inteira num
lugar consagrado à memória de São Cipriano enquanto tomava um navio.
Essa passagem das Confissões mostra
como Agostinho perpetua a imagem de sua mãe, aquela que faz a intermediação entre o sagrado e o profano, o céu e a
terra: "Soprou o vento, enfunou as velas e logo escapou à nossa vista
a praia, onde, de manhã cedo, minha Mãe, louca de dor, enchia, com suas queixas
e prantos, os Vossos ouvidos, insensíveis àquelas lamentações. Ela, segundo os
costumes das mães, e mais ainda que muitas outras, desejava-me sempre junto de
si (...) Esses tormentos denunciavam
nela a herança de Eva, pois gerava com lágrimas o que com lágrimas dera à luz"
(Confissões, p. 120).
Este trecho é bastante
significativo. Agostinho reconhece a herança do pecado original, presente em
todas as mulheres ("À mulher ele disse: "Multiplicarei as dores de
tuas gravidezes, na dor darás à luz filhos [Gn, 3, 16]" - A Bíblia
de Jerusalém, 1991: 35). A
condenação divina a Eva atinge a mulher no que a Igreja considera como sua
atividade essencial: ser mãe e esposa. Trata-se de uma pena hereditária,
mais tarde transformada por São Paulo em uma falta hereditária. Agostinho,
mesmo na sua visão santificadora da mãe, reconhece o fardo do seu sexo
feminino. A mulher na visão da Igreja, terá sempre esse outro lado negativo: o portal de entrada do diabo. Como na
interrogação de Tertuliano (Tertullianus, 170?-212?): "Não sabes tu
que és Eva, tu também? (...) Tu és a porta do diabo, tu consentiste na sua
árvore, foste a primeira a desertar a lei divina" (DALARUN, s/d: 35).
Quando, aos 33 anos — idade
simbólica, idade de Cristo —, ele decidiu pela conversão (387), ela exultou
("Transformastes a sua tristeza numa alegria muito mais fecunda do que ela
desejava...") (Confissões, p. 207). Tinha obtido sucesso na missão
de sua vida. Segundo suas próprias palavras, ela disse ao filho: "Por um
só motivo desejava prolongar um pouco mais a vida: para ver-te católico antes
de morrer. Deus concedeu-me esta graça superabundantemente (...) Que faço eu,
pois, aqui?" (Confissões, p. 229).
Mônica morreu no mesmo ano, aos
56 anos de idade. Mas antes, os dois santos católicos tiveram um diálogo-êxtase
em Óstia, numa das passagens mais famosas das Confissões. Agostinho afirma que
esse encontro foi obra dos "secretos desígnios Dele", quando então
alcançaram a transcedentalidade: "Enquanto assim falávamos, anelantes pela
Sabedoria, atingimo-la momentaneamente, num ímpeto completo do nosso
coração" (Confissões, p. 228). Uma semana depois, ela caía com
febre e falecia.
A mulher pré-cristã já possuía
todos as características básicas que conhecemos do ideal de mulher cristã: o silêncio, a submissão e a abstinência dos
prazeres sexuais (CHEVITARESSE, 1991: 113). Logo, o grosso de suas
características de "ser inferior" foi herdado da Antigüidade.
Santa Mônica é o modelo desta
tarefa pedagógica vital: a formação da
conduta moral e religiosa do filho. Incutir pudor, mansidão, e todas essas
condutas cristãs é a virtude deste exemplo de comportamento, que, além de tudo,
dá o empenho da conversão, em que pese a "debilidade estrutural da
intervenção feminina no interior da família" (VECCHIO, s/d: 181).
Por fim, Santa Mônica é santa,
não por ter realizado qualquer milagre, ou por ter sido martirizada, como
tantos santos cristãos da Alta Idade Média. Ela é santa por ser mãe. Mãe de um santo, logo, um instrumento divino.
Ela é o meio para o fim. Sua maternidade é a dos novos tempos, da virada do
mundo antigo para o medievo. Sua miraculosidade é a da lágrima, que suplica
através da oração a dádiva do Cristo para seu filho (TAVARES, 1990: 106). Suas
lágrimas são as lágrimas de Deus: "..enquanto
minha Mãe, Vossa fiel serva, junto de Vós chorava por mim, mais do que as
outras mães choram sobre os cadáveres dos filhos" (Confissões,
p. 83). Seu atributo não possui redenção nem conflito. Ele é a prece atendida,
o fervor transmitido.
Com Santa Mônica temos a mãe cristã em toda a sua
acepção. A mulher, com seu lado sexual negado pelo ideal cristão, passa o
bastão para a mãe, que sofre e vive pelo filho. Embora a Idade Média tenha tido um ideal materno
em Sarah, esposa de Tobias (VECCHIO, s/d: 143), esta era judia, e tinha um
passado com vários lutos como viúva - apesar de ter sido ouvida por Deus
(Tobias, 3, 8-10 - A Bíblia de Jerusalém, 1991: 730-731).
De maneira que, apesar do modelo
de Sarah, é em Mônica que se afigura na
totalidade o ideal da mãe cristã. Em sua iconografia, ela é representada
como uma senhora com grandes sulcos no rosto, olhar triste e mãos unidas em
forma de oração. Talvez seja essa a palavra que a define: oração. A mãe serva
de Deus, que ora pelo filho. A mãe cristã.
Fonte: Ricardo Costa - Santa Mônica: a criação do ideal da mãe cristã
Fonte: Ricardo Costa - Santa Mônica: a criação do ideal da mãe cristã
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