quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Absolvição do aborto, eis porque muda.

Papa Francesco

Claudio Crescimanno - Tradução: Gercione Lima


Entre as disposições contidas na Carta Apostólica Misericordia et Misera, publicada no dia 21 de novembro, a que terá efeito mais ressonante é, certamente, a extensão de uma forma estável a todos os confessores da habilidade de absolver o pecado de aborto provocado, e ao mesmo tempo suprimir a excomunhão latae sententiae ligada a tal delito.


A medida, na verdade, já havia sido tomada no início do Jubileu extraordinário há um ano atrás, como medida igualmente extraordinária, para favorecer o acesso mais amplo possível de todos os fiéis ao sacramento da confissão, aumentando assim a purificação geral dos pecados do povo cristão, que é o sentido último de cada ano santo. Agora, esta concessão foi estendida a todo sacerdote que confessa. A mudança é muito importante. Portanto, vamos tentar compreender melhor a dimensão dessa mudança com a ajuda de algumas perguntas e respostas, que esperamos que possam esclarecer melhor.

1) Até há um ano atrás, o pecado do aborto não era absolvido?

Obviamente sim, era absolvido, é lógico. Não há culpa por mais grave que seja, que não possa ser perdoada quando aquele que a confessa é genuinamente arrependido, pronto para se corrigir e disposto a fazer uma penitência proporcional.

Todavia, comportava restrições. Para simplificar, vamos citar o exemplo do homem ou da mulher que (até um ano atrás) se apresentavam no confessionário e se reconheciam culpados de terem feito um aborto. Notem bem que o pecado envolve tanto a mulher que o fez, como a família que a incitou, o pessoal médico que colaborou diretamente na sua realização e os políticos que o promovem.

Neste ponto, o confessor não podia deixar de lembrar a essa pessoa da gravidade do pecado cometido (ou favorecido) e suas consequências, inclusive o fato de ter incorrido em uma excomunhão lateae sentenciae.  Deveria também explicar-lhe - este é o ponto – que para ser absolvido desse pecado, e ao mesmo tempo ter anulada a excomunhão anexa, deveria se dirigir a alguns padres autorizados, o bispo diocesano, seu vigário geral, o cônego penitenciário da catedral, ou outros delegados para essa função. O recurso a um desses padres autorizados poderia ser feito de duas maneiras: ou o penitente se dirigia pessoalmente a um desses padres e repetia a confissão; ou o confessor deixava em suspenso a confissão em curso, e recorria ele mesmo a uma das figuras listadas acima (naturalmente, sem prejuízo da confidencialidade da identidade do penitente em questão), e, depois de ter recebido a autorização, convidava o penitente a voltar e aí dava-lhe a absolvição com a relativa remissão da excomunhão.

É evidente que este processo tornava mais trabalhoso receber a absolvição por este pecado. Mas isso não significa de forma alguma que o objetivo era colocar obstáculos ao perdão: muitos anos antes que houvesse um jubileu intitulado “A misericórdia de Deus”, o Catecismo da Igreja Católica já assegurava que, ao estabelecer as regras para a absolvição desta ofensa, " a Igreja não tem a intenção de restringir o campo da misericórdia. (Mas, ao invés) realça bem a gravidade do crime cometido "(n. 2272)

2) Por que foi colocada a necessidade de se recorrer a sacerdotes especialmente encarregados para essa função? Talvez porque a excomunhão torna o pecado mais grave?

O delito do aborto provocado é um pecado mortal, e nada pode torná-lo um pecado mortal mais grave do que já é. O pecado mortal é a pior coisa que pode haver sobre a face da terra e além dele não há nada mais grave.

Neste caso, seria absurdo a Igreja intervir para tornar mais grave algo que já é mortalmente grave! A tarefa da Igreja é combater o pecado e não agravá-lo mais ainda.
O sentido de uma censura eclesiástica, portanto, não é a de piorar uma situação de pecado, ( admitindo e não concedendo que seja possível piorar ainda mais) mas pelo contrário, o sentido é deixar claro a gravidade de um pecado, a fim de alertar aqueles que não o avaliam corretamente por aquilo que é.

3) Então, por que a Autoridade da Igreja acrescenta ainda a excomunhão?

A excomunhão é uma agravante não sobre o pecado, mas sim sobre o pecador, enquanto lhe manifesta a gravidade do que ele cometeu, e que acarreta consequências não só para a sua vida moral pessoal, mas também para a comunidade como um todo. A  excomunhão, como diz a própria palavra, é a pena para o impacto que o pecado causou não só no indivíduo, mas em toda a vida eclesial e no corpo social. De fato, "o aborto ultrapassa a responsabilidade dos indivíduos e os danos que causaram, assumindo uma dimensão fortemente social: é uma ferida muito grave infligida na sociedade e na sua cultura por quantos deveriam ser os construtores e defensores ... estamos diante de um 'enorme ameaça contra a vida, não só dos indivíduos, mas também de toda a civilização "(João Paulo II, encíclica Evangelium vitae, n. 59).

Por que as autoridades da Igreja teriam anexado o agravante de excomunhão a alguns pecados mortais e não a todos, e em particular ao delito do aborto, se não por esse motivo? Porque esse traz consigo fatores particulares de grande impacto social.

Vejamos-os brevemente:

-Um pecado se torna particularmente grave quando se atinge um inocente, porque além do dano causado, é também um ato de injustiça, uma vez que qualquer ação contra uma pessoa inocente é imerecida. Igualmente é particularmente grave quando se atinge um fraco porque além de ser um ato de abuso de poder, os fracos não podem se defender. Agora, é evidente que a injustiça e o abuso são fatores fortemente desestabilizadores para a estrutura da comunidade humana; e é igualmente óbvio que nenhum crime tem uma vítima mais inocente e indefesa do que uma criança no útero materno. Logo, o aborto constitui uma desordem social gravíssima. Eis porque Madre Teresa de Calcutá podia dizer com toda a verdade que o maior inimigo da paz mundial é o aborto! (Cf. Congregação para a Doutrina da Fé, Instrução Donum Vitae, III).

O perigo que os homens subestimem a gravidade de um pecado é tanto maior na medida em que eles são numerosos, e influentes são aqueles que minimizam tal gravidade. Agora, no caso do aborto é o próprio Estado, que é a fonte máxima de autoridade social, que declarou o aborto, algo até mesmo legítimo. Por isso, é evidente que tal ação pública de oposição à lei de Deus deve ser combatida do modo mais forte possível pela Autoridade da Igreja, que na verdade impôs a pena eclesiástica mais grave visando justamente a proteção da verdade divina e da dignidade humana.

O aborto tem, evidentemente, como principal efeito a morte de um inocente, mas tem igualmente um efeito devastador sobre as comunidades em que ocorre: a vida da mãe fica marcada para sempre, o relacionamento e a vida conjugal já em vigor ou em perspectiva de realização torna-se profundamente abalada, todo o ambiente de vida, dos parentes e amigos, sofre um contragolpe. Por isso, junto com a criança impedida de nascer, é a família, a comunidade de base da Igreja e da sociedade, a "vítima" do aborto, e portanto é também para proteger este imenso valor que é imposta a excomunhão.

 

4) Qual poderia ser o impacto desta mudança regulamentar?

Depois de tudo que dissemos, se torna claro qual é a razão pela qual o crime do aborto está ligado à excomunhão e porque a remissão da excomunhão não era "fácilitada".  Mesmo depois das disposições contidas na Carta Apostólica Misericordia et Misera não houve mudanças no direito canónico e, assim, a excomunhão relacionada ao aborto permanece inalterada, mas já não é mais necessário recorrer a um confessor "especial" e qualquer sacerdote pode agora absolver o delito do aborto.

Sem dúvida, esta nova prática poderá facilitar, como esperamos, a frequência ao confessionário por parte daqueles que se converteram após este terrível pecado.

Por outro lado, espero sinceramente que ela não se torne objeto de instrumentalização por parte do lobby pró-aborto e dos gurus da mentalidade dominante que se aproveitam de qualquer coisa para fazer parecer menos dura a condenação inapelável da Igreja, que é a única voz solitária fora do coro que ainda permaneceu. Infelizmente, sabemos bem que na manipulação da mídia, tudo o que não é fortemente condenado, mesmo indiretamente, significa que até para a Igreja, tornou-se menos grave, e se é menos grave, no final significa que se pode fazer. Portanto, será necessário multiplicar a vigilância para que os fiéis não caiam nessa armadilha.


Fonte: La nuova bussola quotidianaAssoluzione da aborto,ecco perché cambia

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