quinta-feira, 16 de maio de 2013

A influência da heresia protestante na Missa Nova




O primeiro que empreendeu uma reforma da liturgia, e isto em razão de considerações teológicas, foi com certeza Martinho Lutero. Negava o caráter sacrifical da missa e por isto estava escandalizado por certas partes da missa, particularmente pelas orações sacrificais do cânon.

Expôs suas idéias de reforma em seu “Formula missae” de 1523 e também em seu “Deutsche Messe und Ordnung des Gottesdienstes” (Missa alemã ou ordenamento do culto divino) de 1526.

Lutero foi suficientemente ágil para não deixar que suas inovações litúrgicas pudessem ser
claramente percebidas. Sabia a importância das formas e os costumes tradicionais enraizados no povo. Era necessário que seus partidários não se percebessem demasiado das diferenças com a missa que tinha existido até então. Além disso, Lutero era adepto dos antigos ritos e cantos. Só modificou o que, segundo seu critério, era um abuso ou estava em contradição com sua concepção teológica.


Quando por exemplo o reformador e seus partidários começaram a suprimir o cânon, ninguém se deu conta, pois, como se sabe, o cânon se dizia sempre em voz baixa. Prudentemente Lutero não suprimiu em seguida a elevação da hóstia e do cálice: seria a primeira que os fiéis iriam perceber. Continuou, como anteriormente, empregando o latim e o canto gregoriano, ao menos nas grandes igrejas, quanto ao canto em alemão, já era muito conhecido antes da Reforma e, em muitas ocasiões, cantado no decorrer da missa. Nada parecia constituir uma coisa nova.

A nova reorganização da liturgia, sobretudo as profundas modificações do rito da missa, que tiveram lugar sob o pontificado de Paulo VI e que com o tempo chegaram a ser obrigatórias; foram ainda mais radicais que a própria reforma litúrgica de Lutero, pelo menos no concernente ao rito externo, e não levaram em conta o sentimento popular. Em todo caso certamente a nova teologia (liberal) é a que apadrinhou a reforma. É particularmente claro para a coleção de cânticos “Gotteslob”. De modo algum é necessário chegar a afirmar, como sucede às vezes, que por razão do novo “ordo”, a missa seria em si mesma inválida. Mas o número de missas verdadeiramente inválidas poderia muito bem ter consideravelmente aumentado a partir da reforma litúrgica.

Nem as prementes censuras de Cardeais de prestígio, que tinham emitido objeções dogmáticas a
respeito do novo rito da missa, nem as insistentes súplicas provenientes de todas as partes do mundo, impediram que Paulo VI introduzisse imperativamente o novo missal.

Depois do Concílio, as missas são mais atraentes para os fiéis? A nova liturgia contribuiu para o
aumento da fé e da piedade? Só parece que foi assim, mas pouco depois da introdução em 1969 do novo “ordo missae”, nossas igrejas se esvaziavam mais e mais e diminuía o número de nossos sacerdotes e religiosos em proporções preocupantes. São muitas as possíveis causas. Não obstante, a reforma litúrgica não foi capaz de parar esta evolução negativa e provavelmente contribuiu não pouco para fomentá-la.

Algumas rupturas com o rito romano

O “ordo missae” publicado em 1965, pouco depois do Concílio, e ao qual se fez referência
anteriormente, mostrava claramente que num princípio não se tinha pensado numa reforma fundamental do “ordo missae”. Como expressamente se faz notar em sua introdução, tiveram em conta as exigências da Constituição litúrgica, de que o antigo rito permanecera intacto exceto por algumas alterações e supressões secundárias (como a do Salmo 42, nas orações ao pé do altar e o último evangelho).

Não se fazem imprimir uns missais destinados a ter somente quatro anos de validade. Por conseguinte o novo “ordo missae” de 1965 era, evidentemente, o previsto para os novos missais, revisados segundo a “Instructio”.

Os ritos de introdução, dotados – sobretudo na versão alemã do missal – de numerosas “prescrições de possíveis opções” abrem uma porta enorme ao arbítrio do sacerdote celebrante. Que grande palavreado os fiéis devem suportar desde o começo da missa! Tal como sucede mais de uma vez nas comunidades protestantes.

Quando anteriormente o padre queria instruir a assembleia com um comentário de introdução à
missa – o que era e é uma boa coisa – podia fazê-lo antes do começo da missa. Assim a missa não se interrompia com uma segunda “homilia”29. Damo-nos conta desta ruptura especialmente agora, durante a missa solene cantada em latim, quando depois do canto inicial, segue-se uma saudação e uma introdução, frequentemente muito longa, à que se segue o “ato penitencial”.

Recordar com frequência aos fiéis a necessidade do espírito de penitência, objeto do “ato penitencial”, é certamente importante. Mas podemos nos perguntar se foi bom tê-lo colocado em um lugar fixo dentro da missa e, além disso, se este “reconheçamos que somos pecadores” não se converterá com o tempo numa simples fórmula. É necessário que a importância da “confissão sacramental” não se veja diminuída a nenhum preço.

Desgraçadamente, o texto da oração universal depois do evangelho não foi fixado no novo missal, como foi nas diferentes liturgias da Igreja do Oriente e nos ritos galicano e ambrosiano. Os textos destes ritos poderiam ter servido de modelo para sua formulação. Em nossos dias assistimos aos piores desvios na livre elaboração dessa oração. Nem sequer os formulários apresentados aos fiéis num livreto “ad hoc” se podem utilizar. Sim, é novo e de certa forma contrário à tradição litúrgica pronunciar a oração universal não no altar, mas na sede. Para recitar uma oração longa, como por exemplo as grandes orações da Sexta-feira Santa, o
celebrante subia ao altar a fim de se encontrar, como os fiéis, voltado para o Oriente para rezar.

A parte seguinte da missa no novo missal se intitula "liturgia eucarística" (“liturgia eucharistica”). Contentemo-nos aqui, onde só é questão de rito, em indicar que a esta denominação falta toda alusão ao fato de que a missa é um sacrifício.

A modificação que Paulo VI ordenou das palavras da consagração e da frase que segue, empregadas na liturgia romana durante mais de 1.500 anos, não estava prevista pelo Concílio e carece de utilidade para a pastoral. A tradução de “pro mu1tis” por “por todos”, que se refere a modernas concepções teológicas, não se encontra em nenhum texto litúrgico antigo. É no mínimo duvidosa e por isso mesmo acabou escandalizando.

A oração “Libera” que segue, também foi modificada. Não só se omitiu a menção à Mãe de Deus e a outros santos, mas foi-lhe dado um novo final; a proclamação, pelo povo da doxologia: “vosso é o reino...”.

É verdade que os ritos orientais conhecem esta doxologia, ainda que numa forma (trinitária) mais desenvolvida; mas ela serve ao celebrante para concluir a oração do Senhor dita pelo diácono ou pelo coro.

No novo “ordo” da missa, esta doxologia recitada pelo povo no contexto em que se diz, é uma clara cópia do culto protestante.

Quase se elaboraram formas do “ordo missae” diferentes em cada paróquia; das quais algumas se distanciam consideravelmente do que o missal oficial apresenta como norma, e sem que as autoridades da Igreja intervenham.

O que se ganhou, com a nova liturgia, em favor da “participação ativa” (“Actuosa participatio”) dos fiéis, tão desejada pelo Concílio? Nossa resposta não pode ser outra: nada que não se pudesse obter sem modificar substancialmente o rito existente até hoje. A proclamação das leituras em língua vernácula – e eventualmente, como temos dito, perícopes suplementares opcionais para os domingos e uma leitura contínua para os dias da semana –, a reintrodução da oração universal antes do ofertório, a possibilidade de outros cantos ao lado dos gregorianos, tudo isto teria sido suficiente para incitar os fiéis a participar ativamente na missa.

Desgraçadamente não se contentaram com algumas reformas prudentes e necessárias;
negligenciaram a recomendação do Concílio, que no artigo 23 de sua Constituição sobre a liturgia diz: “não se introduzam inovações, a não ser que uma utilidade autêntica e certa da Igreja o exija”. Quiseram mais: quiseram mostrar-se abertos à nova teologia tão equívoca, abertos ao mundo de hoje. Não haviam transcorrido nem cinco anos após o Concílio, quando um novo “ordo missae” apareceu pontualmente e se submeteu à aprovação do papa Paulo VI.

De fato, grande número de nossos velhos sacerdotes contribuiu para que se instalasse o novo rito muito rapidamente e sem maiores dificuldades. Não quiseram passar por antiquados e retrógrados aos olhos dos sacerdotes jovens. Por outro lado a nova liturgia em língua vernácula, respondia aos desejos de pastores de almas que já tinham “organizado” missas deste tipo, ainda que isto se tivesse feito por “vias paralelas”.

Este confronto de forças no seio da Cúria Romana não veio à luz no momento, nem sequer para
pessoas iniciadas. Sem dúvida a investigação litúrgica pode pôr em evidência as verdadeiras fontes do novo “ordo missae”. Estas não estão enraizadas na tradição da Igreja primitiva, como se poderia crer e como normalmente se ouve dizer, nem sequer na tradição que temos em comum com a Igreja do Oriente.

O uso da palavra “sacrifício” é absoluta e voluntariamente evitado no texto da “Institutio generalis Missalis romani”. Só aparece de forma verdadeiramente acessória, por exemplo, no número 2 (“sacrificium eucharisticum”). Pelo contrário, a Constituição sobre a Sagrada liturgia fala claramente sempre de sacrificium missae” (tanto nos números 49 como no 55) enquanto a “Institutio generalis” só fala de eucharistia” (números 282 e 285) ou “celebratio eucharistica” (números 5 e 285), o que corresponde exatamente ao termo “celebração eucarística”.

Visivelmente a definição da missa que se tinha dado na primeira versão do novo “ordo missae” foi tirada da teologia da ceia protestante: “A ceia do Senhor ou missa é a sináxis sagrada ou assembléia do povo de Deus, reunido sob a presidência do sacerdote, para celebrar o memorial do Senhor”. Que esta definição se encontre em um documento que leva a assinatura de Paulo VI e que em seguida tivesse que corrigir esta definição, mostra de forma brutal quanta confusão existe hoje na Igreja.

A CELEBRAÇÃO “DE FRENTE PARA O POVO”

Em suas “Instruções para a adaptação das igrejas ao espírito da liturgia romana” de 1949, Th. Klauser adianta que “certos sinais deixam entrever que, na Igreja do futuro, o sacerdote se colocará como antes, detrás do altar, e celebrará com o rosto voltado para o povo, como se faz ainda em certas basílicas romanas; o desejo, que se percebe por todas as partes, de ver mais claramente expressada a comunidade da mesa eucarística, parece exigir esta solução”.

Isto que Klauser apresentava então como algo desejável se converteu, passado o tempo, em norma em quase todas as partes. Pensa-se ter feito reviver um costume da Igreja primitiva.

Entretanto, como vamos ver, pode-se provar com toda a certeza que jamais existiu, nem na Igreja do Oriente, nem na do Ocidente, uma celebração “versus populum”, mas que unicamente todos se voltavam para o Oriente para orar.

Foi Martinho Lutero o primeiro a pedir que o sacerdote no altar se voltasse para o povo. Mas pelo que se sabe, nem ele mesmo obedeceu a esta exigência, e somente algumas das Igrejas protestantes o adotaram, sobretudo entre os reformados. Só recentemente a celebração “versus populum” se converteu num costume quase geral na Igreja Romana, enquanto que as Igrejas Orientais, e com freqüência também as comunidades protestantes, continuam com a prática existente até agora.

Na Igreja Oriental, o costume de celebrar “versus populum” nunca existiu, nem existe uma palavra para designá-la. O espaço diante do altar suscita o máximo respeito. Só o sacerdote (e ao seu lado o diácono) tem direito de estar ali. Detrás da iconostase só o sacerdote tem o direito de passar diante do altar. É de notar que, na concelebração, que, como é sabido, goza no Oriente de uma grande tradição, o celebrante principal normalmente dá as costas à assembléia, enquanto que os sacerdotes concelebrantes se colocam diante do altar e à sua esquerda. Nunca se colocam detrás do altar (o lado do Oriente). Não é necessário precisar que se trata quase sempre de uma concelebração “cerimonial”, tradicional e muito corrente no Oriente até hoje, no transcurso da qual os sacerdotes que rodeiam o celebrante principal (o bispo), não pronunciam com este as
palavras da consagração. Por isto e no sentido estrito da palavra, há um só celebrante.

O costume de celebrar de frente par o povo apareceu entre nós pelos anos vinte, quando se começou a celebrar a eucaristia no seio de grupos pequenos. O movimento litúrgico e, antes dele, Pius Parsch, propagaram este costume. Acreditavam reviver assim uma tradição da Igreja primitiva, pois tinham observado que, em algumas basílicas romanas, o altar também estava voltado “versus populum”. Porém não se deram conta de que nestas basílicas, contrariamente a outras igrejas, a abside não estava no Oriente, mas a entrada.

Na Igreja primitiva e na Idade Média, o que determinava a posição com relação ao altar era poder voltar-se para o Oriente durante a oração. Por isso Santo Agostinho declara: “Quando nos levantamos para orar, nos voltamos para o Oriente, ali de onde sol se levanta. Não como se Deus estivesse ali e tivesse abandonado as outras regiões do universo, (...) mas com o objetivo de exortar o espírito a se voltar para uma natureza superior, a saber, Deus”.

Mesmo porém no caso hipotético de que nas antigas basílicas romanas os fiéis não estivessem
voltados para a entrada durante a oração sacrifical, de modo algum teria existido um cara a cara do sacerdote e do povo, já que o altar estava escondido por cortinas durante a oração eucarística. E estas não eram abertas de novo, segundo testemunho expresso de São João Crisóstomo, até a litania diaconal.

Assim, nas basílicas onde a entrada, e não a abside, se encontrava ao leste, os fiéis não tinham o
rosto voltado para o altar. Tampouco lhe davam as costas, o que, segundo a concepção antiga, seria impossível, dada a santidade do altar. Como os fiéis estavam nas naves laterais, tinham o altar à sua direita ou à sua esquerda. Formavam, aberto ao Oriente, um semicírculo, em cuja parte mais alta se situava o celebrante e seus assistentes.

E o que acontecia nas igrejas onde a abside estava ao oriente? Isso dependia do lugar onde se
situavam os assistentes à missa. Se rodeavam o altar, situado na abside, formando um semicírculo, o semicírculo se abria para o Oriente. O liturgo34 simplesmente não se colocava na parte alta do semicírculo, mas em seu centro. Destacava-se assim mais visivelmente dos outros participantes.

Por outro lado, na idade média, o povo se colocava quase sempre na nave central da igreja, servindo as laterais para as procissões. Esta disposição detrás do sacerdote celebrante comportava um elemento dinâmico, como se o povo de Deus avançasse em cortejo rumo à terra prometida. A orientação indicava a meta do cortejo: o Paraíso perdido que se buscava para o leste (cf. Gn 11,8). O celebrante e seus assistentes formavam a cabeça do cortejo.

O semicírculo aberto, que foi a primeira disposição para a oração dos assistentes à missa,
manifestava, ao contrário da dinâmica da procissão, um princípio estático: a espera do Senhor que subiu ao céu na direção do Oriente (cf. Sl 67,34) e que regressará (cf. At 1,11). O semicírculo aberto estava pensado para isto: quando se espera a uma personalidade importante, se abrem as filas e se forma assim um semicírculo para acolher em seu centro aquele que se espera.

São João Damasceno expressa a mesma idéia em seu “De fide orthodoxa”, IV,12: “Quando ele subiu aos céus, foi elevado para o oriente, e dessa forma os discípulos o adoraram, e assim ele retornará, do mesmo modo que eles o viram subir ao céu (cf. At 1,11), como o Senhor mesmo disse: ‘Porque, como o relâmpago parte do oriente e ilumina até o ocidente, assim será a volta do Filho do Homem’ (Mt 24,27).

Esperando por ele, prostramo-nos voltados para o Oriente. Isto é uma tradição não escrita, derivada dos Apóstolos.

É verdade que o homem moderno, como diz Nussbaum, quase não entende que se tenha que voltar para o Oriente para rezar. O sol nascente não tem para nós a mesma força simbólica que tinha para o homem da antigüidade. Em troca, é diferente quando se trata de tomar uma mesma orientação pelo sacerdote e o povo quando rezam a Deus. Que todos os fiéis devam estar, segundo as palavras de Santo Agostinho citadas anteriormente, “conversi ad Dominum”, é evidentemente uma exigência atemporal e tem, ainda hoje, um sentido.

O sacerdote olhando para o povo praticamente já não aparece como representante da comunidade, mas apenas como um ator que, em todo caso na parte central da Missa, representa o papel de Deus. Todavia se nessa nova maneira o sacerdote se converte num ator, encarregado de interpretar Cristo em seu cenário, então Cristo e o sacerdote parecem, por causa desta restituição teatral da ceia, identificar-se um com o outro de maneira um tanto inaceitável. até então o sacerdote oferecia o sacrifício como intermediário anônimo, como cabeça da comunidade, voltado para Deus e não para o povo, em nome de todos e com todos; as orações que recitava lhes eram prescritas... hoje em dia este sacerdote vem ao nosso encontro como um homem, com suas particularidades humanas, seu estilo de vida pessoal e seu olhar voltado para nós.

Precisamente estas mudanças na posição do sacerdote no altar durante a missa, têm um sentido
simbólico e sociológico verdadeiro. Quando o sacerdote ora e sacrifica tem, como os fiéis, os olhos postos em Deus; e quando proclama a palavra de Deus ou distribui a Eucaristia se volta para o povo. Este principio até agora tinha sido observado constantemente; mas, sobretudo por razões teológicas, sobreveio uma mudança na Igreja romana e as consequências são visíveis e nada agradáveis.


A reforma da liturgia romana - Mosenhor Klauss Gamber.

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