Como poderá
ter medo da morte quem está na graça de Deus? “Quem permanece no amor, permanece em Deus e Deus nele” (1 Jo 4,16).
Quem ama a Deus está seguro de sua graça e, morrendo desta forma, pode ter
certeza de que gozará para sempre do reino dos bem-aventurados. Como pode,
então, temer a morte?
Disse Davi: “Não cites perante o tribunal teu servo, porque, diante de ti, nenhum ser vivo é justo!” (Sl 142,2). Isto significa que ninguém deve ter a presunção de salvar-se pelos seus próprios méritos, pois ninguém, exceto Jesus e Maria, pode dizer-se isento de pecados em toda vida. Quem se arrepende de seus pecados e confia nos méritos de Jesus Cristo que veio ao mundo para salvar os pecadores (Lc 19,10) e de fato para isso morreu e derramou seu sangue, não deve temer a morte. O sangue de Jesus Cristo, diz o apóstolo, fala mais alto em favor doa pecadores do que o sangue de Abel, a quem Caim matou: “Vós, ao contrário vos aproximastes da montanha de Sião, da cidade do Deus vivo, da Jerusalém celeste... e do mediador do novo testamento, Jesus, e da aspersão do sangue, mais eloquente do que de Abel” (Hb 12, 22-24).
É verdade
que, sem uma revelação divina, ninguém pode ter certeza infalível de sua
salvação. Pode, porém, ter certeza moral quem se deu de coração a Deus e está
pronto a perder tudo, mesmo a própria vida, antes de perder a graça divina.
Esta certeza está bem fundada nas promessas divinas: “ Quem é que confiou no Senhor e foi confundido?” (Eclo 2,10). Deus
declara em tantos lugares que não quer a morte do pecador, mas que ele se
converta e se salve: “Acaso tenho prazer
na morte do ímpio? – oráculo do Senhor Deus. Não desejo antes que mude de
conduta e viva?” (Ez 18,23). Noutro lugar afirma o mesmo e acrescenta um
juramento: “Juro por minha vida - oráculo
do Senhor Deus – não tenho prazer na morte do ímpio, mas que ele se converta e
viva!” (Ez 33,11).
E, no mesmo
lugar, Deus se lamenta daqueles pecadores obstinados que, para não deixar o
pecado, querem se perder: “Por que
haveríeis de perecer, casa de Israel?” E, aos que se arrependem, Deus
promete-lhes perdoar todas as culpas: “Mas,
se o ímpio arrepender-se de todos os seus pecados... viverá com certeza e não
morrerá. Nenhum dos crimes cometidos será lembrado contra ele” (Ez 18,21).
O ódio aos pecados cometidos é, para o pecador um sinal certo do perdão
recebido. Afirma um padre da Igreja que pode estar certo do perdão quem de fato diz:
“Detesto e aborreço a mentira e
amo vossa lei” (Sl 118,163). Outro sinal certo de ter recuperado a graça é
a perseverança por longo tempo numa vida honesta após o pecado. Grande sinal de
permanência na graça é estar firmemente decidido a antes morrer do que perder a
amizade divina; é ter grande desejo de amá-lo e vê-lo amado pelos outros e
sentir pena ao vê-lo ofendido.
Mas como
explicar que grandes santos, que se doaram inteiramente a Deus e levaram uma
vida mortificada e desprendida de todo afeto dos bens terrenos, foram tomados
de medo na hora da morte, ao pensar que teriam de comparecer diante do Cristo juiz?
Responde-se que raro são os santos que, ao morrer, tenham sofridos esses temores.
Deus quis que assim eles se purificassem de alguns vestígios de pecados antes
de entrar para eternidade feliz; em geral, todos eles morreram com grande paz e
com grande desejo de morrer para ir ver a Deus. De resto, em relação ao temor
da salvação, esta é a diferença entre os pecadores e os santos na hora da
morte: os pecadores passam do temor ao desespero; os santos, do temor à
confiança e assim morrem em paz.
Portanto,
aquele que tem sinais de estar na graça de Deus deve desejar a morte e repetir
a oração que Jesus nos ensinou: “Venha o
teu reino!” E quando a morte vier, deve abraça-la com alegria, seja para
libertar-se dos pecados, deixando esta terra, onde não se vive sem defeitos,
seja para ir ver a Deus face a face e para amá-lo com todas as forças no reino
do amor.
Uma estrada de
salvação – Santo Afonso Maria de Ligório.
Nenhum comentário:
Postar um comentário