“ É forte o amor como a morte” (Ct 8:6).
Assim como a morte nos separa de todos os bens da terra, das riquezas, das
dignidades, dos parentes, dos amigos e de todos os prazeres do mundo, assim
também o amor de Deus, quando reina num coração, despoja-o do apego a esses
bens caducos. Por isso vemos os santos se despojarem de tudo quanto o mundo
lhes oferecia, renunciarem à posses, aos
altos cargos e a seus bens e irem para os desertos ou claustros a fim de
pensar somente em Deus.
A alma não pode ficar sem amar: ou ama o
Criador ou as criaturas. Vede uma alma despojada de todo amor terreno e a
vereis toda repleta de amor do amor de Deus. Queremos saber se todos somos de
Deus? Examinemo-nos se estamos despojados de toda realidade deste mundo.
Alguns se
lamentam porque em todas as suas devoções, orações, comunhões, visitas ao
Santíssimo Sacramento, não conseguem encontrar Deus. A estes santa Teresa diz: “Despojai o coração das criaturas e buscai depois
a Deus que o encontreis”. Nem sempre encontrareis aquelas consolações
espirituais. O Senhor não as dá de forma contínua àqueles que o amam, mas
somente de quando em quando. Isto para torná-los ávidos daquelas imensas
delícias que lhes prepara no paraíso. Mas é bom para eles provar aquela paz
interna que supera todas as delícias sensíveis: “ A paz de Deus que excede toda inteligência” (Fl 4:7). Haverá maior
prazer para uma alma enamorada de Deus do que dizer-lhe com afeto: Meu Deus, meu tudo? São Francisco de
Assis passou uma noite inteira num êxtase d paraíso, repetindo sempre estas
palavras: Meu Deus, meu tudo.
“É forte o amor como a morte.” Se
víssemos um moribundo levar consigo alguma coisa da terra, seria sinal de que
não está morto, porque a morte nos priva de tudo. Quem, portanto, quer ser todo
de Deus, deve deixar tudo. Reserva-se alguma coisa para si, revela que seu amor
a Deus não é perfeito, mas frágil.
O amor de Deus
despoja-nos de tudo. Dizia o grande servo de Deus, padre Segneri Iuniore ( de
quem Mutaratori escreveu a vida): “O amor
de Deus é um ladrão querido, que nos despoja de toda coisa terrena”. A um
servo de Deus, que distribuiu toda sua roupa aos pobres, perguntaram quem o
teria levado a isso. Ele, tirando o evangelho do bolso, disse: “Eis quem me
despojou de tudo!” Em suma, Jesus quer possuir o nosso coração todo e não
admite concorrentes. Santo Agostinho escreveu que o senado romano não quis adorar a Cristo, afirmando seria ele um Deus
que queria toda a honra apenas para si. É verdade. Sendo nosso único Senhor,
tem toda a razão em querer ser o único a ser honrado e amado com puro amor.
Diz são
Francisco de Sales que o puro amor de Deus consome tudo o que não é de Deus.
Quando, pois, brota em nós algum afeto que não é de Deus, nem para Deus, é
preciso logo rechaçá-lo dizendo-lhe: “Vá
embora, aqui não há lugar para você!” Se quisermos ser todo de Deus,
devemos abraçar aquela renúncia total que o Salvador tanto nos recomenda.
Renúncia total , isto é, de todas as
coisas, principalmente dos parentes e amigos. Muitos não se fazem santos porque
querem satisfazer os homens. Diz Davi que aqueles que agradam aos homens
recebem o desprezo de Deus: “Os que
procuram agradar aos homens foram confundidos, por que Deus desprezou-os”
(Sl 52:6, Vulgata).
De modo
especial devemos renunciar a nós mesmos, vencendo o amor próprio. Maldito amor
próprio que quer intrometer-se em tudo, até em nossas obras mais santas,
colocando diante de nós a própria estima ou o próprio prazer! Quantos
pregadores, quantos escritores perderam todo seu trabalho por causa disso. Muitas
vezes também na oração, na leitura espiritual ou na santa comunhão entra em
alguma intenção não pura, ou de se mostrar ou de sentir doçura espiritual.
É preciso,
pois, empenhar-se no combate a este inimigo que nos faz perder as obras mais
belas. Para isso precisamos privar-nos (enquanto possível) daquilo que mais nos
agrada: daquela diversão, exatamente porque nos agrada; ser útil àquela pessoa
ingrata, justamente porque ingrata; tomar aquele remédio amargo, porque amargo.
O amor próprio nos engana fazendo parecer mau tudo o que não lhe agrada. Quem,
porém, deseja ser todo de Deus precisa se esforçar e, diante de uma coisa que
lhe agrada, deve dizer: “Que tudo se
perca e se dê prazer a Deus!”
Ninguém vive
mais contente no mundo do que aquele que despreza todos os bens. Quanto mais
alguém se desprende de tais bens mais rico se faz de graças divinas. Assim o
Senhor premia aqueles que o amam fielmente.
Meu Jesus, vós conheceis minha fraqueza, vós prometestes socorrer quem
confia em vós. Senhor, eu vos amo, em vós confio. Dai-me forças e fazei-me todo
vosso. Em vós também eu confio, ó Maria, minha doce advogada.
Uma estrada de salvação – Santo Afonso
de Ligório.
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