segunda-feira, 24 de agosto de 2015

A soberania





A soberania é "a faculdade que compete a toda sociedade, plenamente suficiente no âmbito do temporal, de procurar eficazmente o seu próprio bem.

Sendo uma lei natural, a soberania tem Deus como seu autor: "Omnis potestas a Deo": "Toda a autoridade vem de Deus" (Rm 13: 1).

Como disse magistralmente o Papa Leão XIII: “No que diz respeito à origem do poder político, a Igreja ensina com razão, que o poder  vem de Deus. Assim o encontra claramente  a Igreja nas Sagradas Escrituras e nos monumentos da antiguidade cristã. Mas, também não pode pensar doutrina alguma que seja mais conveniente a razão ou mais de acordo com o benefício dos governantes e
dos povos”.

Mais adiante, este sábio Pontífice acrescenta elementos de Patrística para nos demonstrar esse ensinamento: “Os Padres da Igreja procuraram  afirmar com toda a diligência e propagar esta mesma doutrina, que tinha sido ensinada. <<Não atribuamos - diz Santo Agostinho -  senão unicamente ao Deus verdadeiro, o poder de dar o reino e o poder>>. São João Crisóstomo repete o mesmo ensinamento: << Que haja principados e que uns mandem e outros sejam súditos, não sucede o caso e temerariamente..., senão pela providência divina>>. O mesmo São Gregorio Magno ensinou nestas palavras:. <<Nós confessamos que o poder vem do céu para os imperadores e reis>>.

O homem deve necessariamente viver em sociedade, pois só assim irá desenvolver suaspotencialidades, sem as quais não terá capacidade de dar frutos plenos. Um exemplo é a língua: sem os demais seres humanos o homem nunca aprenderia uma língua. E a sua “língua materna” é a que tenha aprendido desdeuma criança, considerando inclusa sua aptidão mental.

Por isso explica são Tomás. “Se é natural ao homem viver em sociedade com outras pessoas, é necessário que alguém governe a multidão” .Portanto, a existência de autoridade em uma sociedade pertence à lei natural.

Assim, a soberania política, na sua essência e funções,a parece limitada por esse mesmo bem comum temporal. Portanto, não pode não buscá-lo como próprio fim, com abertura para o bem comum transcendente a toda sociedade, que é Deus.

Comporta a faculdade de impor ordenações razoáveis aos súditos para o bem comum. Nesta inclui o poder de legislar, julgar e punir seus membros para realizar o bem coletivo.

Em contrapartida, o homem deve obedecer seus retos ordenamentos, isto é, suas leis justas. A cada homem "sua razão lhe impõe a ordem e a ordem exige que o homem obedeça aos pais e se submeta ao supremo procurador do bem da cidade. Portanto, se fosse para mandar algo que está além de seu poder, cada pessoa tem o dever de se opor, ao não buscar  nem o bem comum temporal, nem o bem transcendente, que nãoé nada mais do que procurar incessantemente a edificação da cidade cristã. Como resultado, a obediência não é uma virtude teologal. “Digo isso porque há uma tendência em nossos dias em distorcer a virtude da obediência, como se fosse o primeiro e o resumo de todas,  escreve o pe Castellani. Com isto queremos dizer que não é um absoluto intangível pela qual tenha que trair o exercício das principais virtudes como a fé, a esperança e a caridade, apenas para realizar a ordem dada. Portanto, é falso argumento, por exemplo, de aprovar o divórcio: “Enquanto uma lei injusta que nega a Deus e a ordem natural, desde o ponto de vista da legalidade material, também quer que mesma vontade soberana seja abolida. Essa lei, como diz São Tomás, em vez de lei é um ato de violência, e, portanto, não há nenhuma obrigação em obedecê-la, porque “há de se obedecer antes a Deus do que aos homens.” (At 5, 29)].

“Daí a doutrina católica, afirma o caráter divino da soberania, longe de destruí-la, a fundamenta e a fz benéfica; porque se a soberania não vem de Deus, a soberania não existe.”

A soberania é um elemento essencial que constitui uma comunidade política, que tem apenas um poder relativo. Como escreve Pe Julho Meinvielle: “A comunidade social é a causa próxima que concretiza esta determinaa sociedade política particular e este determinado poder enquanto ela define a causa material ( que famílias e quantas) e a causa formal (que tipo de vínculo) desta sociedade política. A soberania como tal, é, imediatamente conferida pela lei natural ou, o que é o mesmo que por Deus, uma vez que exige que haja um poder soberano que governa a comunidade política”. Assim, ele não pode ter a autoridade para destruir a causa material, ou seja, as famílias como a célula básica da sociedade. Não pode haver “novos modelos de família”, nem “expandir” o conceito de casamento, ou assumir a custódia dos pais que têm o direito natural primário na sua educação, etc. Nem minar a causa formal, isto é, a ligação entre eles, através de corporações e sociedades intermediárias, mas antes encorajar cada associação que promova a aquisição de seu próprio bem comum.

Contra a doutrina católica sobre a soberania, o liberalismo faz dela uma fonte ilimitada, absoluta, indivisível, inalienável e imprescritível de poder do Estado. Como Jordán Bruno Genta diz: “A única soberania absoluta é a soberania de Deus e todas as outras, são, por natureza, relativas e condicionais. Cada vez que uma destas soberanias relativas pretende substituir Deus, acaba em totalitarismo e tirania.”


A filosofia moderna e contemporânea, ao negar a possibilidade de que o homem conheça o ente como ele é, e os universais como permanentemente válidos para todos os tempos e lugares, e, portanto, a atomizar o conhecimento fragmentando-o, dizendo que são só subsistentes sem capacidade de conhecê-lo do ponto de vista metafísico, pois chegou a uma infinidade de entes absolutos criados pelo homem não relacionados uns aos outros, e incapaz de ver a hierarquia natural dos seres em toda a realidade. Essas entidades absolutas são chamados de "Estado, Direito, Povo, Soberania, Democracia, Liberdade, Ciência, Humanidade, etc.", cujo único objectivo é o de “destronar O Único (Deus) que tem o direito exclusivo de governar com absoluta soberania sobre toda a criação” . Tudo isso como reduto final do nominalismo filosófico: ao negar que exista a realidade em si mesma, então o homem diz que seu nome é uma pura convenção, puro (nominalismo), para logo atribuir o conceito que lhe pareça, mas além da verdade ou do bem como uma realidade em si mesma (idealismo). Assim, o nominalismo é um voluntarismo: é a vontade humana que determina, sendo a maioria (real ou fictícia, como o mito da soberania popular), será o poder, por exemplo (o Imperialismo Internacional do Dinheiro na famosa frase de Pio XI [Quadragesimo anno] das lojas, etc.). Conclui-se, portanto, no totalitarismo e na tirania. “O liberalismo leva à anarquia e isso não é nada mais do que a tirania da desordem”.

A falsa doutrina da soberania tem sua origem no erro de Jean Jacques Rousseau que cria o mito da soberania popular. Ele sustenta que todos os homens são livres e iguais, e que cada um, voluntariamente, restringe seu direito de escolha para viver em sociedade. Este pacto vai gerar a vontade geral revestida de absolutismo, capaz de criar todos os direitos e obrigações aos seus membros.

"Esta Vontade Geral é a vontade do povo, da maioria, da metade mais um. A soberania reside, portanto, essencial e absolutamente no povo, na massa informe de todas as unidades individuais, e tem sua razão de ser: garantir o máximo de liberdade para estas mesmas unidades.”

Este mesmo ensinamento do pe. Meinvielle está sustentado pelo Prof. Genta: “a soberania popular exercida pelo sufrágio universal implica também uma subversão da ordem natural, porque consagra a primazia da quantidade sobre a qualidade, ou, a onipotência do número.

A democracia baseada na fictícia soberania popular, é ilícita, não é nada mais do que demagogia.

O cristão deve rejeitar, por errônea e funesta a soberania popular que usurpa a real Soberania de Deus, fundamento último de toda a soberania humana legítima, começando com a soberania política da nação que nasce e se sustenta historicamente nascido e sustentada pela decisão das Armas e não das urnas.”[
Jordán Bruno Genta, Opción Política del Cristiano]

O erro fundamental dessa visão é a crença de que o homem é naturalmente bom, sem nenhum pecado original ou nem suas consequências, chamada de concupiscência ou fomes peccati. Como Jordán Bruno de Genta ensina: “Acontece que para o uso social e político, a natureza humana é íntegra, saudável e completa em si mesma, capaz de desenvolver harmoniosamente suas possibilidades positivas. O  Pecado original e suas conseqüências penais sobre a natureza humana, deixou o Diabo no foro privado da pessoa e no templo. Não há consciência de nossa corrupção e nossa incapacidade de agir e de perseverar no bem, entregues à nossa própria força. Sem levar em conta que o pecado ainda que expiado pelo Redentor, continua a sua influência destrutiva no mundo; daí a necessidade continuada da ajuda divina.”

Também subsiste em uma concepção maniqueísta das coisas. Como afirma o Pe. Castellani: O liberalismo “é baseado em uma mistura singular de duas muito antiga e de certa forma, eterna heresia cristã: o pelagianismo e maniqueísmo. A negação do pecado original por um lado e, do outro lado, exageração do poder do mal, um mal substancial, concreto e absoluto, que realmente não consiguimos ver de onde vem [...] Para o  liberal genuino há dois campos: um dos eleitos onde não cabe o mal, - que são eles naturalmente -  e outro de males insuscetíveis de todo o bem. “ Aqueles que lutam para manter a ordem sobrenatural e a ordem natural das coisas são o verdadeiro problema para os liberais coerentes com seus próprios princípios”.

Confrontando esta concepção liberal, a doutrina espiritual e constante da Igreja ensina uma verdade diametralmente oposta: “
Cum ergo interior affectus noster multum corruptus sit, necesse est, ut actio sequens index carentiae interioris vigoris, corrumpatur” [Como nosso afeto interior foi corrompido, necessariamente se corrompeu a ação seguinte que indica a carência de vigor interior].

Daqui surge a atual concepção de mundo, na qual a liberdade é mais importante do que a verdade. E, portanto, a necessidade de “criar” novos direitos para a massa, cada vez mais apodrecida em seu comportamento.

Como diz o Cardeal Louis Billot, o liberalismo “ O liberalismo aparece ímpio em seus fundamentos, contraditório em seu conceito, monstruoso em suas conseqüências e completamente quimérico. Ímpio, digo, em seus fundamentos, porque se origina do ateísmo, ou seja, a negação radical de sujeição natural do homem à Deus e sua Lei. Contraditório em conceito; porque se a inata liberdade humana não pode ser limitada antes do contrato por qualquer obrigação ou direito, não aparece por que  pode alienar-se de forma irrevogável, total ou parcialmente, em virtude do contrato, uma vez que a exclusão de uma lei superior que dá força aos contratos e doações célebrados entre os homens, não pode conceber-se qualquer transferência estável de propriedade de um para outro. Monstruoso em suas conseqüências, já como tudo se curva diante do ídolo da vontade geral; e, no que se refere aos atos, opõe aos demais cidadãos a violência desenfreada e a tirania dos partidos dominantes. Por fim, completamente ridículo e absurdo, porque atribui à sociedade uma origem quimérica, que está em contradição com o sentido íntimo, com a história do gênero humano e os fatos mais óbvios.”

“A época sombria em cujas nuvens escuras nos vamos internando [diza o pe Meinvielle em 1932 ...”  Hoje nós dizemos, “na qual estamos imersos”], repleta de convulsões profundas e terríveis, é fruto moderno daquela semente da soberania popular que cultivou Rousseau, e que hoje conhecemos como o dogma intangível da Democracia ... Referimo-nos, sim, a democracia, vivida e vociferada hoje, essa que você não pode escrevê-la sem letra maiúscula porque ela é apresentada como uma solução universal para todos os problemas. Essa democracia é o mito rousseauniano da soberania popular; És, a saber, de que sempre e em todo lugar deve ser feito o que o povo quer porque o povo é a lei; e o povo é a maioria igualitária que, com seu voto, decide tudo tanto o que for humano como divino, o que se refere a ordem nacional e internacional, a santidade do matrimônio e da educação das crianças, os direitos do Estado e a respeito da sacrossanta majestade da Igreja.”

Isto aparece representado graficamente na condenação à morte de Nosso Senhor. Como Jordán Bruno Genta diz: “O poder dos números é o poder da multidão frente a Cristo e Barrabás. Nunca será qualquer outra a soberania popular do que isto. Mesmo Pilatos, pobre Pilatos, em um esforço supremo para salvar Cristo. [...] Eu fiz o ensaio. Não me vá negar que foi um ensaio democrático puro, foi sim, um apelo ao sufrágio universal. A inocência foi posta em votação, inocência que tinha sido aplaudida cinco dias antes. [...] O que aconteceu nesse plebiscito?, Quantos votos teve Cristo?, Nem um, nem um só, se tivesse seria registrado. Você percebe que se alguém tivesse votado nele, os evangelistas, que foram testemunhas teriam registrado. Cristo não teve um único voto, a multidão clamava pela libertação de Barrabás e a crucificação de Cristo. Esses são os frutos podres da democracia do número. O mesmo aconteceu o que acontece agora, mas volto a repetir mais uma vez, não é o poder do número que decidi, é a traição dos responsáveis, neste caso, os altos  mandatários. Esses são os que dão os seus próprios camaradas para o abate.

Terminamos esta breve apresentação com as observações feitas por Dr. Antonio Caponnetto: “Um católico não pode acreditar na soberania popular. Expressa e formalmente condenada em incontáveis textos papais, essa aberração ideológica, que une igualmente liberais e marxistas, é a prova mais radical do destronamento social de Jesus Cristo, a secularização do poder político, a substituição sacrílega do omni potestas a Deo (o poder vem de Deus) pelo omni potestas a populo,(o poder vem do povo) da subversão da origem da autoridade e da rebelião contra a própria ideia de qualquer legitimidade de governo. Princípio revolucionário por excelência, o Magistério sempre protestou seu caráter demoníaco que se comporta como projeção social do non serviam (não servirei)de Lúcifer.”


Fonte: Adelante la fé - La soberania

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