Como já foi dito o demônio pode ser tudo, de rato a leão,
menos burro. Ao menos no tangente à inteligência.
As
Sagradas Escrituras, a Tradição e o Magistério da Igreja (a quem Cristo deu a
ordem e a autoridade de ir e ensinar[1]),
nos ensinam que os demônios são criaturas como nós, entretanto sua natureza é a
angélica, pois são anjos, ainda que decaídos. E os anjos, por sua vez, são
seres quase puramente espirituais (só Deus é puro espírito), portanto,
invisíveis, mais inteligentes e poderosos que os homens, além de não estar
presos ao tempo e ao espaço como estamos. Seu mundo é o metafísico enquanto o
nosso é o físico. Mas como podem interagir com o mundo físico e influenciar as
decisões humanas, não fosse a onipotência e a misericórdia divinas seu estrago
seria ainda maior, porque a natureza angélica decaída só deseja e faz o mal,
assim como a nossa em função do pecado original, que aqueles experimentaram primeiro
e depois nos induziram. A diferença é que enquanto vivemos podemos contar com a
Graça e os Sacramentos[2],
que ajudam a combater essa natureza manchada e os próprios demônios (cf. Efe
VI, 10-18; Tg V, 13ss), o que para estes últimos é impossível devido a que não podem
mais arrepender-se uma vez que sua decisão foi definitiva em função de não
estarem, como dito, presos ao tempo e ao espaço, tendo assim pleno conhecimento
da consequência de seu ato.
Yin Yang |
Ao contrário, porém, do que se pensa os demônios não são
seres completamente maus. Eles são moral, não essencialmente maus, pois nada é
mal por essência/natureza. Para que se entenda este ponto de suma importância
tomemos como exemplo um símbolo denominado yn yang. Um círculo com um
tracejado ao meio em forma de “S”. Uma metade quase totalmente branca com um
ponto preto e a outra quase totalmente preta com um ponto branco. Pois bem,
dentre os significados possíveis deste símbolo ligado ao taoísmo gnóstico[1]
está o de afirmar que não há nada no mundo completamente bom ou mau. Todo mal
possui um bem e todo bem um mal. Daí o ponto preto na superfície quase
totalmente branca e vice-versa. Ocorre que isto é um sofisma, que como já foi visto
são ideias ou doutrinas que misturam verdade e mentira para poder enganar mais
fácil e rápido quem não conhece a verdade das coisas, mas vive de ouvir coisas
e as considerar verdades.
E onde estariam aqui uma e outra? Simples. A verdade está na
afirmação de que não há um ser completamente mau. E a mentira, em afirmar o seu
oposto. Por quê? Porque há um ser completamente bom: o Ser por essência.
Então nem Satanás é completamente mau? Não. Simplesmente
porque Deus fez tudo bom, até os demônios, que antes de se tornarem tais por
livre e espontânea vontade, eram anjos bons como todos os outros. Também
podemos responder de outra forma: porque tudo o que existe possui existência, e
a existência (o existir) é em si algo bom; portanto, ainda que Satanás quisesse
ser absolutamente mau como Deus é absolutamente bom (porque é a Bondade mesma),
ainda que desejasse ser o ponto totalmente preto em oposição ao totalmente
branco, jamais poderia, pois ele existe, possui existência[2]. E
ainda poderíamos acrescentar os próprios dons, ainda que os utilize para o mal,
tal como nós o fazemos com os nossos. Por isso ao contemplar o conjunto da
criação viu Deus que tudo era muito
bom (cf. Gen I, 31). E isto inclui os anjos.
Para retomar o fio condutor lembremos que os demônios são
seres desprovidos de bondade (são maus moralmente) porque perderam para sempre
a capacidade de amar ou de ter compaixão, posto que não passaram na prova, como
ocorre com os condenados no Inferno. Devido a esta incapacidade passarão a desejar
para nós a mesma condenação que tiveram a partir de sua queda, em outras
palavras, desejarão firmemente que tomemos o mesmo tombo que tomaram, que
dividamos com eles, por ódio e inveja, a sua infelicidade eterna. E lutam diária
e ferozmente por isso.
Como são mais inteligentes e astutos armam laços para nos
prender e arrastar ao abismo eterno e
sem volta (cf. Jd 5-8; Ap XIV,
9-12), ao contrário do que creem os Adventistas e as Testemunhas de Jeová, por
exemplo, e tantas almas por demais bonachonas e misericordiosas. Daí que há
dois equívocos nos quais jamais poderíamos nos deixar equivocar. Jamais se
poderia subestimar e/ou superestimar os demônios. Para o primeiro erro, três
passagens, que falarão por si, servirão de alerta: comecemos novamente por São
Judas: “Quando o Arcanjo Miguel, disputando com o demônio, altercava sôbre o
corpo de Moisés, não se atreveu a proferir contra êle a sentença de maldição,
mas disse (somente): Reprima-te o Senhor. Êstes, porém, blasfemam
de todas as coisas que ignoram...” (v. 9s)[3].
Passemos novamente por S. Pedro, o primeiro Papa, em sua
segunda epístola:
... e
principalmente aquêles que vão atrás da carne na imunda concupiscência, e
desprezam a soberania (de Cristo), audaciosos, comprazendo-se em si
mesmos, não temem introduzir (novas) seitas, blasfemando; enquanto
que os anjos, que são maiores em fortaleza e robustez, não levam (diante de Deus) juízo de maldição uns
contra os outros. Mas êstes, como animais sem razão, naturalmente feitos para a prêsa e para a
perdição, blasfemando das coisas que ignoram, perecerão por sua própria corrupção, recebendo a paga da (sua) iniqüidade...
(II, 10-13).
E terminemos com o Eclesiástico, um dos sete livros que
lamentavelmente não figuram nas bíblias protestantes, para sua infelicidade:
“Quando o ímpio amaldiçoa o demônio, amaldiçoa a si mesmo” (XXI, 30).
Para o segundo erro, outras três advertências. Comecemos por
Tobias (outro dos sete): “E Tobias, lembrando-se do que lhe tinha dito o
anjo, tirou da sua bôlsa um pedaço de fígado do peixe e colocou-o sôbre uns
carvões acessos. Então o anjo Rafael
pegou no demônio, e ligou-o no deserto do alto Egito” (VIII, 2s).
Passemos por Jó:
Satanás,
respondendo, disse: Porventura Jó teme (ou serve) debalde a Deus?... Não
abençoaste as obras de suas mãos, e os seus bens não se têm multiplicado sôbre
a terra? Mas estende um pouco a tua mão, e toca em tudo o que êle possui, e
verás se êle não te amaldiçoa na tua cara. Disse, pois, o Senhor a Satanás:
Pois bem, tudo o que êle tem está em teu
poder; somente não estendas a tua mão contra êle (I, 9-12).
E terminemos com Baruque (outro dos sete):
Fôstes
vendidos às nações, não para perdição, mas por ter provocado a indignação de
Deus; por isso fostes entregues aos adversários. Porque irritastes aquêle que
vos criou, o Deus eterno, sacrificando aos demônios e não a Deus. (...) E agora
em que vos posso eu ajudar? Porque
aquêle que fêz vir sôbre vós os males, êsse mesmo vos livrará das mãos de
vossos inimigos (III, 6s. 17s).
O que temos aqui e o que temos nas seitas, especialmente
pentecostais e carismáticas?
Aqui temos o que já foi exposto, que os demônios não se
subestimam ou se superestimam. Como ensinava S. Agostinho, enquanto se mantiver
a devida distância o demônio não ultrapassará o limite da corrente que o amarra
e nós não sofreremos as consequências (cf. Tg IV, 7). Mas bastará entrar em seu
raio de alcance para a mordida ser, muitas vezes, fatal.
Nas seitas, por seu turno, temos o que a Bíblia não manda
fazer. Vídeos postados na internet e a própria realidade servirão de prova. Em
uns e outros vemos cenas no mínimo temerárias para quem se intitula evangélico.
Confiando em seu livre exame,
induzindo ao erro um povo religiosamente analfabeto, mesmo entre os inteligentes
e cultos, os pastores vêm dando verdadeiros shows de exibicionismo, atraindo fãs de programas de
auditório, novelas e melodramas. Tamanha a familiaridade entre os tais “homens de Deus” com os demônios que
podemos desconfiar de certa cumplicidade. Não podemos deixar de ficar com a
nítida impressão de que nos bastidores, antes das sessões de descarrego, das
curas, milagres e “sai capeta” há mesmo certo conluio, a exemplo do que
pretendeu o esperto escriba com Cristo (cf. Mt VIII, 18ss), a exemplo do que tentou
Simão Mago com os Apóstolos (cf. At VIII, 9-24) e a exemplo do que fazem os
nossos políticos. O bom senso e a razão nos levam a crer que nesta relação há
alguma trampa[4],
seja em forma de conchavo com os demônios seja com os supostamente endemoniados
e enfermos. Ou com ambos, o que não é improvável.
Ocorre que se nem “os anjos superiores em fortaleza e
robustez” ousam desafiar os que
outrora foram seus pares, mesmo sendo os primeiros mais fortes e robustos
devido a graça que mantiveram, perguntamos ainda outra vez: “onde está na
Bíblia” o respaldo para os desafios, as chacotas, os enfrentamentos, as
afrontas, atrevimentos, juízos de maldição e provocações de todo gênero que
fazem aos demônios esses pastores e apóstolos? Em que livro,
capítulo ou versículo tais pessoas encontram Nosso Senhor e os discípulos dando
o exemplo, utilizando para expulsar os demônios a pantomima usada em cultos e
sessões de descarrego? Como então, de posse de nossas faculdades mentais e de
uma boa dose de senso comum, podemos não ver aí mais que teatro, um verdadeiro
circo (de horrores) montado? O fato é que os palhaços já não estão no picadeiro,
mas nas arquibancadas, pois vivemos o tempo em que já não se suporta a sã
doutrina, onde a cada esquina se fabricam mestres e deuses segundo o gosto
pessoal de cada um. Tal macaca S. João bem a traduziu ao retratar as
personagens do Falso profeta e do Anticristo (cf. Ap XIII) como bestas, comparando
ainda o seu chefe a um Dragão.
Não precisamos ir longe, algumas películas cinematográficas[5]
nos dão mostras críveis de como agem os demônios, como devem agir os
verdadeiros exorcistas e como agem os verdadeiros possessos com os falsos
exorcistas. Há também na internet vídeos de exorcismos reais com exorcistas
reais: sacerdotes católicos ou pessoas devidamente autorizadas, pois também
aqui, a despeito da livre interpretação protestante de Lc IX, 49s, é necessário
envio e autorização especial por parte da Igreja[6]
para que tudo seja feito “convenientemente
e com ordem”.
Vozes de dentro do meio evangélico já nos
confidenciaram achar um tanto estranho “viver falando no diabo mais do que em
Deus”, ou ainda “ver capeta em tudo”, dedicando boa parte dos cultos a dar um
chega pra lá nos supostos demônios: no fundo, nada que remédios, terapias ou
uma boa confissão sacerdotal não resolvesse.
A Igreja possui verdadeiros manuais de demonologia nos quais há
séculos se estuda e aprofunda[7].
Desses estudos surgiram ritos e instruções próprios para orientar e autorizar
aqueles que receberiam a missão do enfrentamento demoníaco. Apesar da Igreja,
de um tempo para cá, ter negligenciado este tema, o que acabou abrindo espaço
para seitas teatrais e sensacionalistas, ela nunca deixou de reconhecer a
existência dos demônios e a seriedade com que o tema deve ser tratado[8]. E
não poderia ser diferente, visto que em sua trajetória muitos foram os homens e
mulheres – incluindo papas – a quem Deus conferiu experiências místicas
autênticas e reconhecidas pela autoridade eclesiástica, com visões do Inferno,
lutas espirituais contra os anjos caídos e mesmo casos raros de possessão[9],
tudo sem histeria, sensacionalismo, pirotecnia. Tais relatos foram em grande
parte registrados e posteriormente submetidos à Igreja, a quem pertence a palavra
final em todo assunto ligado à fé e à moral.
De outro lado, não são poucos os casos de pseudoexorcistas e pastores
que batem às portas de padres e exorcistas verdadeiros. Depois de anos de shows de “exorcismo”, “curas”, “milagres”,
“descarregos” e “sai capeta”, chegam confessando estar, eles mais que qualquer
outro, com o diabo no couro[10]. Não
raro acabam em clínicas psiquiátricas e manicômios, terminando sua triste vida
crendo-se o próprio satanás, em carne e osso: fim trágico para quem faz comédia
com coisa séria.
Devido à atração pelo espetacular, sensacional e pirotécnico grande parte das pessoas, mesmo no meio
católico, tem se deixado levar por esses embustes de ilusionismo. Nada, porém, é
novidade. Já nos tempos de Cristo os judeus buscavam o milagre do pão ao invés
do Pão vivo que descera dos céus. Ia-se atrás do milagre e não de Quem os fazia. Hoje os protestantes, além de
não ter o Pão do céu, a Eucaristia, continuam indo atrás dos milagres. Mas de algumas coisas não
se pode olvidar, e a lição vem do deserto: Cristo recusou, dos reinos da terra
“... o poder de tudo isto, e a glória dêstes...” oferecidos pelo demônio. E
oferecidos “... porque êles foram-me dados, e eu dou-os a quem me parece” (Lc
IV, 5ss). Não tenhamos ilusões de que o demônio não exista ou não possua algum
poder, pois “... todo o mundo está sob o (jugo do espírito) maligno” (1
Jo V, 19). Ele pode oferecer porque pode dar. Inclusive paz. Mas uma outra, baseada
no respeito humano que é o
respeito ao erro, à liberdade para errar, que resulta no respeito ao pecado, à
blasfêmia, à heresia e à negação de Deus e do mundo por Ele ordenado. É esta a
paz que os governos vêm implantando por força de lei, sendo tolerada, temida, bem recebida e
difundida. Esquecem que para existir respeito pelo pecador não o deve existir
por seu pecado[11]
e que a paz do mundo é ilusória. Todavia, este poder satânico tem limites e
está sujeito a quem o criou.
Mais.
Todos os reinos da terra (poder, status, riqueza) são
“esterco” comparados à Deus, nossa glória e recompensa eternas (cf. Fil III, 8);
isso declarado por quem viu o paraíso “... e ouviu palavras inefáveis que não é
lícito (ou possível) a um homem proferi-las...” (2 Cor XII, 1-4).
Em tempo: o demônio continua, como sempre, jogando o mesmo
jogo, mudando somente a embalagem para que as vendas não caiam. Duas sempre
foram suas estratégias preferidas: ou se esconder ou se mostrar por demais. As
duas proporcionarão um mesmo resultado a longo prazo, passando por dois outros
a curto e médio: primeiro divide-se as categorias de homens entre os que o
subestimam e os que o superestimam. Passado o tempo, ambos o desacreditarão.
Nesse momento já terão avançado o limite da corrente sem dar-se conta.
†
[1]
Termo que une dois outros: Taoísmo e Gnose. O Taoísmo faz parte do rol das
falsas religiões orientais, sendo oriundo do Japão. A Gnose por sua vez remonta
ao início da humanidade; o nome vem do grego e significa “conhecimento”. Prega
que o homem é uma pequena parte da divindade, uma “centelha divina”, mas que
está aprisionado pela matéria (o corpo, p. ex.). Por isso é preciso
desprender-se dela, porque é má. Esse desprendimento pode se dar, por um lado
através da gnose adquirida em seitas
iniciáticas e secretas como a Maçonaria, Rosa Cruz etc, ou em religiões que
possuam muito dos ingredientes gnósticos em seus ensinamentos, como o Taoísmo,
Budismo, Hinduísmo etc., ou ainda em movimentos gnósticos como a New Age (Nova
Era) e o Hare Krishna. Por outro lado, destruindo a matéria para se desfazer a
“prisão”. Não por acaso tudo o que hoje conhecemos como “cultura da morte”
(suicídio, homicídio, aborto, eutanásia, união homossexual, guerras, genocídios,
esterilização e controle populacional...) tem como base e fundamento o
pensamento gnóstico.
[2]
Doutrina extraída de Santo Agostinho em A
Verdadeira Religião.
[3]
Tomando de empréstimo este trecho de S. Judas, temos aqui um perfeito exemplo
de que a própria Bíblia não conta só com o que “está na Bíblia”. De fato, esta
narrativa da disputa do corpo de Moisés por São Miguel e Satanás, citada pelo
Apóstolo, não está na Bíblia. E ela não será a única. A este propósito ver
capítulo V – Os dogmas protestantes.
[4]
Do espanhol: armadilha, arapuca, engano.
[5]Tais
como: O exorcista, O Exorcismo de Emile Rose, O ritual e Possuídos.
[6]
Ver Pe. Gabrielle Amort em Bibliografia/Fontes ao final.
[7]
Como nos relata, por exemplo, o livro “Existe o Inferno? – provas pedidas ao
bom senso”, do Pe. Lacroix.
[8]
A bem da verdade, já no final do pontificado de João Paulo II vemos uma necessária
retomada por parte da Igreja em relação ao tema. Com Bento XVI muitas
iniciativas como a da orientação de que cada Diocese possua um exorcista foi
posta em pauta e se encontra em andamento (ver:
http://pt.aleteia.org/2014/07/02/vaticano-reconhece-a-associacao-internacional-dos-exorcistas/).
[9]
Tais são os casos de S. Tereza D’Ávila/de Jesus, S. Faustina Kowalska, S. Cura
d’Ars, o Papa Leão XIII e S. Pio de Pietrelcina; ou ainda das crianças
(pastorinhos) de Fátima. No século passado Amnelise Michel, piedosa jovem
católica alemã, pela permissão divina foi possuída por demônios para provar uma
vez mais a sua existência a um mundo cegado pelo materialismo, agnosticismo e
ateísmo. Sua história é retratada no filme “O exorcismo de Emily Rose” acima
citado.
[10]
Em seus livros e em entrevistas pelo mundo o Pe. Amort, recentemente falecido,
nos conta casos peculiares envolvendo pessoas – inclusive conhecidas no mundo
protestante – que afrontaram os demônios, a exemplo dos sete irmãos judeus (cf.
At XIX, 11-18), sem a mínima prudência ou autoridade, tendo, como estes últimos,
trágicos desfechos.
[11]
Conforme o demonstrou o Senhor em Jo VIII, 1-11.
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