sábado, 16 de setembro de 2017

Sara volta a propor a "Reforma da Reforma" litúrgica em uma lição magistral em Roma




Os cardeais Raymond L. Burke, Gerhard Ludwig Müller e Robert Sarah na celebração do X aniversário de Summorum Pontificum.

Tradução de Airton Vieira – O prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos pronunciou sua conferência sobre “O Silêncio e o primado de Deus na liturgia” nos atos de celebração do X aniversário do Motu Proprio Summorum Pontificum.

cardeal Robert Sarah, prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, participou nos atos de celebração do X aniversário do Motu Proprio Summorum Pontificum que tiveram lugar na Universidade Pontifícia Santo Tomás de Aquino de Roma.

No marco desta celebração, o cardeal Sarah fez sua conferência sobre “O Silêncio e o primado de Deus na liturgia” que iniciou com uma mostra de agradecimento a Deus pela publicação deste texto de Bento XVI.

Durante sua intervenção, o purpurado tornou a fazer referência à importância de reestabelecer a orientação para o Oriente do sacerdote e os fiéis, de dirigir-se “ad Deum” ou “ad orientem” durante a liturgia eucarística.

“Esta gestualidade está quase universalmente assumida nas celebrações do usus antiquior –a forma antiga do Rito Romano- que, graças ao Motu proprio Summorum Pontificum do Papa Bento XVI, está livremente disponível para todos aqueles que desejam utilizar dita forma”, acrescentou Sarah.

O prefeito da Congregação para o Culto Divino insistiu em que esta “antiga e bela prática”, que manifesta o primado de Deus Onipotente, não está restringida ao usus antiquior, mas que é perfeitamente apropriada, e incluso pastoralmente recomendável, nas celebrações do usus recentior.


Como parte de sua reflexão sobre o enriquecimento mútuo entre as duas formas do Rito Romano, Sarah propôs que o ofertório e o Canon Romano se rezem em secreto: “O silêncio orante das orações do ofertório e o Canon Romano, poderiam incluir-se para enriquecer a forma ordinária? Em nosso mundo tão cheio de palavras -e cada vez o está mais-, o que se necessita é mais silênciotambém na liturgia.” 

Sarah tem reconhecido que “permanece a questão de uma mais fiel implementação da reforma litúrgica desejada pelos Padres do Concílio Vaticano II”. “Às vezes chamamos a isto a questão da “reforma da reforma”, se bem dita expressão, a algumas pessoas, lhes infunde temor”, asseverou.

Assim mesmo, o cardeal Sarah criticou que muitas liturgias fiquem reduzidas a uma “diversão mundana”, repletas de gestos estranhos ao mistério que se celebra: “Muitas liturgias não são mais que um teatro, uma diversão mundana, com muitos discursos e gritos alheios ao mistério que se celebra, ou com muito ruído, danças e movimentos corporais que se parecem a nossas manifestações folclóricas.”

A liturgia, em troca, segundo recordou o prelado, deve ser o momento para um encontro pessoal e de intimidade com Deus. “Cada celebração litúrgica deve ter como centro a Deus, e só Deus, e nossa santificação”, reforçou. 

Por este motivo, o cardeal afirmou que tudo o que seja utilizado na liturgia deve ressaltar o primado de Deus e que nada é suficientemente bom, belo e valioso para Seu serviço. “Inclusive sendo humildes, segundo os meios que tenhamos a nossa disposição, nossos vasos sagrados, paramentos e demais objetos deveriam ser de qualidade, valiosos e belos, signos do amor e do sacrifício que oferecemos a Deus Onipotente por meio deles”.
Nesta conferência, quem é a cabeça da Congregação para o Culto Divino lançou uma advertência: Quando os pequenos rituais da liturgia se convertem em rotina e já não são atos de culto, quando não se cuidam os detalhes ou não se quer fazer mais para preparar e celebrar a liturgia de maneira mais digna, então existe o grande perigo de que o amor por Deus se esfrie. Em relação com os cantos e a música durante a liturgia, Sarah convidou a que sejam de tal maneira que elevem os corações e as mentes a Deus, e “não, como sucede normalmente com demasiada frequência”, fiquem limitados a refletir sentimentos e costumes.

O autor da força do silêncio indicou, além disso, que o silêncio e a humildade são disposições fundamentais para nos aproximar à Sagrada Liturgia: “Se estou tão cheio de mim mesmo e do ruído do mundo, se não há espaço dentro de mim para o silêncio, é praticamente impossível que possa render culto a Deus Onipotente, que possa escutar Sua Palavra ou deixar espaço para que esta penetre em minha vida.”

Os ritos litúrgicos devem estar embebidos do silêncio e a reverência a Deus, sublinha Sarah, agregando que a solene celebração da Santa missa no usus antiquior, “com seus ricos conteúdos e os diversos pontos de união com a ação de Cristo, permite que alcancemos esse silêncio”. Com este tesouro, assinala o purpurado, podem enriquecer-se algumas celebrações do usus recentior, “que às vezes, por desgraça, são anódinas e ruidosas”.

Os meios tecnológicos e seu uso e presença nas celebrações litúrgicas também estiveram presentes no discurso de Sarah. “Talvez rezar tendo o breviário no celular, ou no IPad, seja muito cômodo e prático, mas não é digno e dessacraliza a oração”, sentenciou o cardeal, ao tempo que fez um chamado: “desligar os instrumentos eletrônicos” ao ir render culto a Deus.

Em seguida, poderá ser lido alguns fragmentos da conferência do cardeal Robert Sarah nos atos de celebração do X aniversário do Motu Proprio Summorum Pontificum traduzidos por Helena Faccia Serrano para InfoVaticana:

“O primeiro sentimento que desejo expressar dez anos depois da publicação do Motu Proprio Summorum Pontificum é de gratidão a Deus. Efetivamente, com este texto Bento XVI quis oferecer um signo de reconciliação na Igreja que trouxe muitos frutos e que, neste sentido, o Papa Francisco também tem feito seu. Deus quer a unidade de sua Igreja, pela qual rezamos em cada celebração eucarística: estamos, assim, chamados a seguir recorrendo este caminho de reconciliação e de unidade, para dar um testemunho cada vez mais vivo de Cristo no mundo hodierno. Esta iniciativa do Papa Bento XVI encontra plena correspondência em uma importante obra do então Cardeal Ratzinger. Menos de um ano antes de sua eleição à Cátedra de Pedro, o cardeal se pronunciou a respeito da «proposta de alguns liturgistas católicos de adaptar definitivamente a reforma litúrgica ao ‘câmbio antropológico’ da época moderna e, assim, construí-la em sentido antropocêntrico».

[…] Isto pode dever-se, também, ao fato que amiúde a liturgia, tal como se celebra agora, não se celebra com a fidelidade e a plenitude com a que quer a Igreja, mas que se celebra empobrecendo-nos ou privando-nos desse encontro pleno com Cristo na Igreja, que é um direito de todo batizado.

Muitas liturgias não são mais que um teatro, uma diversão mundana, com muitos discursos e gritos alheios ao mistério que se celebra, ou com muito ruído, danças e movimentos corporais que se parecem a nossas manifestações folclóricas. A liturgia deveria ser, em troca, o momento de encontro pessoal e íntimo com Deus. A África em especial, mas também a Ásia e a América Latina, deveriam refletir, com a ajuda do Espírito Santo e com prudência e a vontade de levar aos fiéis cristãos à santidade, acerca de sua ambição humana de inculturar a liturgia, para assim evitar a superficialidade, o folclore e a autocelebração cultural. Cada celebração litúrgica deve ter como centro a Deus, e só a Deus, e nossa santificação.

[…] Por conseguinte, Deus deve estar em primeiro lugar em cada elemento de nossa celebração litúrgica. Por amor a Ele e para render-lhe culto da maneira mais completa é pelo que separamos e consagramos a pessoas, lugares e coisas para Seu serviço específico na Sagrada Liturgia. Nosso desejo de “ousar o mais possível” (cf. Santo Tomás de Aquino, Sequência da Festividade de Corpus Christi: «Quantum potes, tantum aude: quia major omni laude, nec laudare sufficis») para louvar e adorar a Deus Pai, Filho e Espírito Santo na Sagrada Liturgia é, em si mesmo, um ato interior de culto. Naturalmente, esta disposição tem que ter uma expressão externa. Por isto, nossas igrejas deveriam ser belas expressões de nosso amor a Deus; nossos ministros -ordenados e leigos- deveriam dedicar tempo a provar e preparar todas suas ações litúrgicas; do mesmo modo, seus paramentos deveriam refletir reverência e estupor pelos divinos mistérios que têm o privilégio de servir e ministrar.

Tudo o que utilizamos na liturgia deveria, do mesmo modo, ressaltar o primado de Deus: nada é suficientemente bom, belo e valioso para Seu serviço. Inclusive sendo humildes, segundo os meios que tenhamos a nossa disposição, nossos vasos sagrados, paramentos e demais objetos deveriam ser de qualidade, valiosos e belos, signos do amor e do sacrifício que oferecemos a Deus Onipotente por meio deles. Do mesmo modo, nosso canto e nossa música deveriam elevar os corações e as mentes para Ele e não -como sucede normalmente com demasiada frequência- refletir meros sentimentos humanos e costumes que prevalecem em nossa sociedade e cultura.

Certamente sabeis que nos últimos anos tenho falado constantemente da importância de reestabelecer a orientação para o Oriente do sacerdote e os fiéis; isto é, de dirigir-se ad Deum ou ad orientem durante a liturgia eucarística. Esta gestualidade está quase universalmente assumida nas celebrações do usus antiquior –a forma antiga do Rito Romano- que, graças ao Motu proprio Summorum Pontificum do Papa Bento XVI, está livremente disponível para todos aqueles que desejam utilizar dita forma. Mas esta antiga e bela prática, que com tanta eloquência manifesta o primado de Deus Onipotente no coração mesmo da Missa, não está restringida ao usus antiquior. Esta venerável prática está permitida e é perfeitamente apropriada e, insisto, é inclusive pastoralmente recomendável e vantajosa, nas celebrações do usus recentior, a forma mais moderna do Rito Romano.

Alguma pessoa pode objetar que presto demasiada atenção aos pequenos detalhes, às minúcias, da Sagrada Liturgia. Mas como cada marido e cada mulher sabem, em toda relação de amor os detalhes mais minúsculos são importantes, porque neles e através deles o amor se expressa e se vive dia após dia. As ‘pequenas coisas’ expressam e protegem, na vida matrimonial, realidades maiores. O mesmo sucede na liturgia: quando seus pequenos rituais se convertem em rotina e já não são atos de culto que expressam a realidade de meu coração e de minha alma, quando já não presto atenção aos detalhes, quando posso fazer muito mais para preparar e celebrar a liturgia de maneira mais digna, mais bela, mas não o quero fazer, então o grande perigo é que meu amor por Deus Onipotente se esfrie. Temos que prestar muita atenção a isto. Nossos pequenos atos de amor a Deus, quando cuidamos com esmero o que a liturgia necessita, são muito importantes. Se os descuidamos, se os rejeitamos como detalhes banais e insignificantes, podemos descobrir que quase sem dar-nos conta, como sucede às vezes tragicamente em um matrimônio, acabamos por nos separar de Cristo.

[…] Quando encontramos o sagrado, quando chegamos a estar cara a cara com Deus, espontaneamente ficamos em silêncio e nos ajoelhamos em adoração. Nos ajoelhamos em sinal de estupor e de humilde submissão ante nosso Criador. Com reverência e antecipadamente esperamos sua Palavra, sua ação salvífica. Estas são disposições fundamentais quando nos aproximamos à Sagrada Liturgia. Se estou tão cheio de mim mesmo e do ruído do mundo, se não há espaço dentro de mim para o silêncio, é praticamente impossível que possa render culto a Deus Onipotente, que possa escutar Sua Palavra ou deixar espaço para que esta penetre em minha vida.

[…] O silêncio é a chave: o silêncio da verdadeira humildade ante meu Criador e Redentor, que expulsa o orgulho e afasta o clamor do mundo. As exigências de minha vocação podem exigir muita atividade por minha parte e podem, também, significar que estou rodeado diariamente do ruído do mundo. Deus me entrega uns dons que podem proporcionar-me só louvores pelo que consegui fazer a seu serviço. Mas também nestas circunstâncias é possível preservar o silêncio da verdadeira humildade ante Deus. De fato, dita atitude é absolutamente necessária se tenho que render-lhe culto a Ele e não a minha pessoa e, ainda menos, a outros.

Quanto realização e celebração da Igreja das realidades mais sagradas que podemos encontrar nesta vida, nossos ritos litúrgicos devem estar embebidos, em si mesmos, deste silêncio e reverência rumo a Deus. Me refiro mais à consistência do numinoso, do transcendente que à imposição de momentos específicos de silêncio, que muitas vezes podem resultar artificiais. Assim, posso estar silencioso no coração, na mente e no corpo mas, ao mesmo tempo, posso estar preso do estupor de Deus na Sagrada Liturgia, sempre que seja celebrada de maneira excelente e com essa multiplicidade de ritos que o facilita. A solene celebração da Santa missa no usus antiquior é um magnífico paradigma disto porque com seus ricos conteúdos e os diversos pontos de união com a ação de Cristo, permite que alcancemos esse silêncio. Tudo isto é verdadeiramente um tesouro, com o qual podem enriquecer-se algumas celebrações do usus recentior, que às vezes, por desgraça, são anódinas e ruidosas.

Do mesmo modo, os ministros litúrgicos devem preparar-se e celebrar os ritos litúrgicos com a mesma disposição de estupor, reverência e silêncio. Devemos ser humildes e manifestar um profundo respeito pela Sagrada Liturgia tal como a recebemos da Igreja. O Concílio Vaticano II insiste que, além das autoridades pertinentes constituídas, «ninguém, mesmo que seja sacerdote, acrescente, retire ou mude coisa alguma por iniciativa própria na Liturgia». Não nos corresponde a nós reescrever os livros litúrgicos em função de nosso orgulho ou do dos outros, que pensam que podem fazer as coisas melhor que a Igreja. É menos provável encontrar esta tentação entre quem usam os livros litúrgicos mais antigos, que entre quem usam os novos. As práticas litúrgicas não autorizadas são como notas discordantes na sinfonia dos ritos da Igreja e produzem um ruído que transtorna as almas. Isto não é criatividade, nem sequer é pastoral. Não: uma fidelidade fundada na humildade, o estupor e o silêncio do coração, da mente e da alma é tudo o que se requer de cada um de nós em relação aos ritos da Igreja. Não permitamos que o pecado de orgulho litúrgico arraigue em nossas almas!

[…] Silêncio do coração, da mente e da alma: acaso não são estas as chaves para alcançar quanto desejavam o movimento litúrgico do século XXI e os Padres do Concílio Vaticano II, isto é, a participação plena, consciente e ativa na Sagrada Liturgia? Então, como posso participar proveitosamente nos Sagrados Mistérios se meu coração, minha mente e minha alma estão bloqueados pela obstrução do pecado, obscurecidos pelo tumulto do mundo e pesam por coisas que não são de Deus?

Cada um de nós necessita um espaço interior para acolher ao Senhor, que está obrando nos ritos de Sua santa Igreja. No mundo moderno, isto requer um esforço por nossa parte. Em primeiro lugar, tenho que purificar minha alma ou, melhor, deixar que Deus Onipotente a purifique através do sacramento da Penitência, celebrado com frequência, total e humildemente. Enquanto o pecado reine em meu coração, não posso conseguir nada da «fonte primária e necessária de onde hão de beber os fiéis o espírito verdadeiramente cristão».

Em segundo lugar, devo -de alguma maneira- tentar apartar, mesmo que seja temporalmente, ao mundo e seus contínuos estímulos. Não posso participar plena e proveitosamente na Sagrada Liturgia se o centro de minha atenção está voltado a outro lugar. Todos nos beneficiamos dos progressos da tecnologia moderna, mas os muitos (talvez demasiados?) meios tecnológicos dos que dependemos podem dominar-nos em um fluxo constante de comunicação e de petições de resposta imediata. Devemos deixar para trás tudo isto se queremos celebrar a liturgia corretamente. Talvez rezar tendo o breviário no celular, ou no IPad, seja muito cômodo e prático, mas não é digno e dessacraliza a oração. Este aparato não é um instrumento consagrado e reservado para Deus, mas o utilizamos para Ele e para as coisas profanas! Há que desligar os instrumentos eletrônicos ou, melhor ainda, há que deixá-los em casa quando vamos render culto a Deus. Pronunciei-me antes do inaceitável que é fazer fotografias durante a Sagrada Liturgia e do escândalo que supõe que sejam clérigos vestidos para o serviço litúrgico quem as façam. Não podemos centrar nossa atenção em Deus se estamos ocupados com outras cosas. Não podemos escutar a Deus, que nos fala, se estamos ocupados falando com outro, ou nos comportamos como um fotógrafo.

Tampouco podemos escutar a voz de Deus, ou preparar-nos adequadamente a fazê-lo, se nossos irmãos e irmãs estão, na igreja, distraídos ou ocupados e fazendo ruído. Esta á a razão pela qual o silêncio e a calma são tão importantes em nossas igrejas antes, durante e depois das celebrações litúrgicas. Como podemos esperar em centrar nossa atenção, interiormente, em Deus se o que experimentamos em nossas igrejas é só distração, agitação e ruído? Dizendo isto não pretendo excluir o órgão ou outro tipo de música apropriada, que pode ajudar à oração silenciosa e a contemplação, e que pode servir para cobrir o ruído de fundo de gente que entra etc. Mas estou convencido que temos que fazer um esforço para que nossas igrejas, incluídos a sacristia e o presbitério, não sejam lugares para conversar, para preparar-se depressa e correndo no último minuto ou, simplesmente, para as relações sociais. Nossas igrejas são lugares privilegiados nas que nossa atenção deve centrar-se no que estamos a ponto de celebrar. Podemos e, justamente, o fazemos, socializar mais tarde, em qualquer outro lugar. O silêncio devoto na igreja e na sacristia deveria ser, em si mesmo, uma escola de participatio actuosa, enquanto nos leva a esse silêncio do coração, da mente e da alma tão necessário se temos que receber o que Deus Onipotente deseja oferecer-nos através da Sagrada Liturgia. Se realmente é necessário comunicar algo, há que fazê-lo com reverência e respeito, tanto pelo lugar no que um se encontra, como pela ação que estamos a ponto de realizar.

Em terceiro lugar, quando me disponho a aceder ao altar de Deus, antes de chegar tenho que abandonar minhas preocupações, por muito pesadas e mundanas que sejam. Isto é, antes de tudo, um ato de fé no poder e na graça de Deus. É possível que esteja totalmente esgotado e distraído pelas tarefas que devo levar a cabo no mundo. É possível que esteja profundamente preocupado por mim ou por outra pessoa. Talvez estou sofrendo intimamente por causa de uma tentação ou uma dúvida; ou estou ferido pelo mal ou por qualquer injustiça perpetrada contra mim ou contra outros irmãos e irmãs na fé. Certamente, é justo que persevere em suportar estas preocupações: esta é uma parte importante de minha vocação cristã. Não obstante, quando chego à Sagrada Liturgia, devo depositar com fé estas coisas aos pés da cruz e deixá-las ali. Deus sabe a carga que devo suportar. E sabe mais que eu quanto me custa levá-la. No silêncio que se cria quando a alma põe aos pés do Senhor as próprias preocupações, Ele deseja comunicar-me Seu amor através dos ritos nos que estou a ponto de participar. Ele deseja renovar-me, incluso recriar-me, para que eu possa cumprir com o que minha vocação me pede com nova força e vigor evangélico.

[…] Como bem sabemos, ainda há muito por fazer para alcançar a reconciliação desejada pelo Papa Bento XVI e continuada pelo Papa Francisco. Temos que rezar e trabalhar para alcançar esta reconciliação pelo bem das almas e da Igreja, e para que nosso testemunho cristão e nossa missão possam ser cada vez mais firmes.

[…] Não obstante, pode haver uma relação de enriquecimento mútuo entre as duas formas. Permanece a questão de uma mais fiel implementação da reforma litúrgica desejada pelos Padres do Concílio Vaticano II, à que fiz referência o ano passado em Londres. Às vezes a isto se lhe chama a questão da “reforma da reforma”, se bem dita expressão, a algumas pessoas, lhes infunde temor. Ainda que reconheça a necessidade de estudar e aprofundar ditas questões, prefiro falar de um “enriquecimento positivo” através do qual os elementos positivos presentes no usus antiquior possam enriquecer ao recentior, e vice-versa.

Por exemplo: o silêncio orante das orações do ofertório e o Cânon Romano, poderiam incluir-se para enriquecer a forma ordinária? Em nosso mundo tão cheio de palavras -e cada vez o está mais-, o que se necessita é mais silêncio, também na liturgia. O silêncio ritual nestas partes da Missa na forma extraordinária é fecundo: as almas das pessoas são capazes de elevar-se rumo às coisas celestes porque há um espaço que permite fazê-lo. A disciplina do “silêncio” verbal e ritual, da que está impregnado o usus antiquior do Rito Romano, que permite escutar mais claramente ao Senhor, é também um tesouro que há que compartilhar e apreciar em nosso modo de celebrar segundo o usus recentior.

[…] Gostaria de dirigir uma palavra paterna a todos aqueles que estão vinculados à forma mais antiga do Rito Romano. Se trata disto: algumas pessoas, não muitas, os chamam “tradicionalistas”. Há vezes em que também vós utilizais esta expressão para referir-vos a vós mesmos, chamando-os “católicos tradicionalistas”, ou, analogamente, ponhais um hífen entre os dois términos. Por favor, não o volvais a fazer. Não estais encerrados em uma caixa situada em uma estante de uma livraria ou em um museu de curiosidades. Não sois tradicionalistas: sois católicos do Rito Romano como eu e como o Santo Padre. Não sois de segunda classe ou, de alguma maneira, membros particulares da Igreja Católica em razão de vosso culto e vossas práticas espirituais, que têm sido as de inumeráveis santos. Haveis sido chamados por Deus, como todos os batizados, a ocupar vosso lugar na vida e a missão da Igreja no mundo de hoje, não para permanecer recluídos –ou, pior, retirados– em um gueto no que reinam uma atitude defensiva e de introspecção que afogam o testemunho e a missão cristã rumo ao mundo, aos que vós também haveis sido convidados.


Se dez anos depois de sua promulgação, o Motu proprio Summorum Pontificum significa algo, é precisamente isto. Se ainda não haveis abandonado as cadeias do “gueto tradicionalista”, por favor, fazê-lo hoje. Deus Onipotente os chama a fazê-lo. Ninguém os roubará o usus antiquior do Rito Romano, mas muitos se beneficiarão, nesta vida e na futura, por vosso fiel testemunho cristão que terá muito que oferecer, considerando a profunda formação na fé que os têm dado os antigos ritos e o ambiente espiritual e doutrinal a eles vinculados. Como o Senhor nos ensina no discurso das Bem-aventuranças: «Tampouco se acende uma lâmpada para metê-la debaixo do alqueire, mas para pô-la sobre o candeeiro a fim de que dê luz a todos os da casa» (Mt 5, 15). Esta é, queridos amigos, vossa verdadeira vocação. Esta é a missão à que os têm chamado, e os chama, a divina Providência ao suscitar, no tempo oportuno, o Motu proprio Summorum Pontificum.

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