quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

A maçonaria no Império de Bonaparte

Napoleão Bonaparte



Vimos a derrubada da civilização cristã projetada por volta do fim do século XVI, almejada por uma sociedade secreta que, de geração em geração, ano indicado pelos Humanistas, desenvolvido pelos Enciclopedistas, definitivamente determinado pelos Iluministas e posto em execução pelos Jacobinos.

 Sufocada no sangue do Terror e na lama do Diretório, a franco-maçonaria não pôde erguer o Templo da Humanidade sobre as ruínas da Igreja da França, que ela tinha destruído.

 A Igreja se reergueu. A franco-maçonaria não renunciou a seu projeto. Ela novamente se aplicou a ele desde os primeiros dias do império. A cada ano ela aumentou o círculo de sua ação; e no momento atual ela tem a garantia de consegui-lo desta feita, tanto mais certamente quanto ela conhece o que a fez fracassar no século XVIII.

 Ela quis aniquilar toda a ordem de coisas existente, religião, sociedade e propriedade, e substituí-la pelo estado puro da natureza. Ele não pôde. O Império foi uma reação que a Restauração acentuou. Nós veremos a maçonaria, sob os governos que vão se suceder, trabalhar para estorvar suas boas intenções e paralisar seus esforços para o bem, inspirá-los para o mal e nisso secundá-los; depois, enfim, a assenhorear-se do poder, e então perseguir abertamente a realização dos desígnios que os enciclopedistas, os franco-maçons e os iluministas tinham concebido.

 A reação se deu, inicialmente, na ordem religiosa.

 O catolicismo não pudera ser inteiramente sufocado. Sua doutrina e sua moral não tinham deixado de viver numa multidão de corações, e o seu culto não deixara de ser praticado, mesmo com perigo de vida. Assim que aquele que concebeu a ideia e que se impusera o poder para restabelecer uma certa ordem na sociedade quis pôr-se ao trabalho, compreendeu que, para reerguer a França de suas ruínas era preciso, necessariamente, começar pela restauração do culto.  Mas, que culto? Nenhum outro que não o católico teria sido aceito, nenhum outro teria sido viável. Todo o mundo o percebia bem, e Napoleão melhor que qualquer um. Ora, o culto católico só podia ser restaurado pelo Papa: daí a necessidade de entender-se com ele. Napoleão percebeu-o e logo encetou as negociações que deveriam redundar na Concordata de 1801. No entanto, a franco-maçonaria estava sempre presente e ela absolutamente não renunciava ao projeto de liquidar o catolicismo e com ele a civilização cristã. Vamos revê-la, pois, trabalhando para isso, não mais com a impetuosidade de 1793, mas discretamente, lentamente, e, pensava ela, com mais segurança.



 A religião católica restaurada deveria ter sido, como outrora, a religião do Estado. Parece que a coisa se apresentava exatamente assim ao espírito de Napoleão, por ocasião das primeiras manifestações que ele fez a Pio VII. No projeto da Concordata datado de 26 de novembro de 1800, os negociadores franceses deixaram passar a expressão “religião de Estado”. No Título IX, art. 1., estava dito: “Nas condições acima, e tendo em vista sua aceitação pela Santa Sé, o governo francês declara que a
religião católica, apostólica e romana é a religião do Estado”. Bonaparte queria, pois, restaurar o culto nacional enquanto culto público, deixando às individualidades a liberdade de praticar um outro. E no entanto o primeiro Cônsul logo se desculpou disso; e todos os esforços foram inúteis, os de Spina, os de Consalvi, os do próprio Pio VII, para fazê-lo voltar ao projeto primitivo, tão natural, tão lógico, que devia se impor a um espírito tão lúcido como o seu.

 Ainda uma vez não saberíamos dizer se houve, junto a Napoleão, nesse momento, uma intervenção dessa Contra-Igreja que vimos como depositária do pensamento da Renascença, e que, há quatro séculos, trabalhava com uma perseverança que nada desencorajava, para fazê-lo triunfar. O que sabemos é que a história recolheu, da boca do cardeal Pacca, esta troca de palavras entre Volney e Bonaparte, no dia seguinte ao da assinatura da Concordata: “Está aí o que havíeis prometido?  Tranqüilizai-vos. A religião na França tem a morte no ventre: julgareis o que vos digo em dez anos!”

 É a um judeu do século XVIII, Guillaume Dohm, que é preciso fazer remontar o pensamento inicial da igualdade dos cultos. Ele foi o instigador e o doutor dessa ideia junto aos príncipes do mundo moderno. Ele era arquivista de S.M. o rei da Prússia e secretário do Departamento de Assuntos Estrangeiros quando escreveu, em 1781, sua memória De la Réforme Politique de la Situation des Juifs, endereçada e dedicada a todos os soberanos.

 Ele explana nessa obra a teoria do Estado indiferente em matéria de religião, neutro, ateu, e, o que é mais grave, dominador de todas as religiões.

 É exatamente a ideia napoleônica: Napoleão quis realizar esse programa traçado vinte anos antes.

 A Concordata diz o seguinte: “O governo da República reconhece que a religião católica, apostólica e romana, é a religião da grande maioria do povo francês”. Nessas palavras nada mais há do que o reconhecimento de um fato, de um fato que poderia não existir naquele momento e que pode mudar com o tempo; não há o reconhecimento do direito que sua origem divina confere à Igreja católica, nem o reconhecimento da situação única que essa origem lhe proporciona. A Concordata, com essa redação, reconhecia ao protestantismo e ao judaísmo, em razão da fração de cidadãos que professavam, direitos no Estado semelhantes aos do catolicismo.

Esses direitos semelhantes tornaram-se logo direitos iguais, e, atualmente, é aos protestantes e aos judeus, que permanecem sempre em pequeno, muito pequeno número, que é concedida situação privilegiada.

 O Papa, em data de 12 de maio de 1801, escreveu ao primeiro Cônsul para exprimir-lhe sua dor ante essa exigência: “Nós não vos esconderemos, bem ao contrário, disso vos faremos manifesta confissão, que viva alegria experimentamos nas primeiras negociações que foram feitas para o restabelecimento da religião católica na França; e a esperança deleitável de que essa religião seria restabelecida em seu antigo esplendor como dominante, fez-nos ver com muita dor o artigo desagradável que, no projeto oficial, foi proposto como base para todos os outros...Não podemos impedir-nos de lembrar-vos que, tendo sido constituídos por Deus para a defesa dessa religião e para sua propagação,... não podemos, por um artigo de um solene acordo, sancionar sua degradação... Se a religião católica é a religião da maioria do povo francês, podeis duvidar de que seus desejos só possam ser atendidos se lhe for restituído seu primeiro esplendor? Sereis impedido pela oposição do pequeno número, que a maioria ultrapassa em grau tão elevado? Por causa deles privareis a França e a autoridade pública das grandes vantagens que lhe propiciam o restabelecimento completo da religião católica?”

 Nada disso foi feito; e o Papa, para evitar um mal maior, teve de ceder à vontade de Bonaparte.

Os Estados separados da Igreja e a Igreja romana privada da soberania temporal, tais são as duas preocupações mais constantes da franco-maçonaria, o duplo objetivo de seus mais contínuos esforços. Para vencer a resistência da Igreja, é preciso que primeiramente Ela esteja sem ponto de apoio sobre a terra.

Com esse objetivo foram feitos esforços para rebaixar o catolicismo na França ao nível de uma religião qualquer, de diminuir seu prestígio e sua força, de humilhar o clero e paralizá-lo. Ele retorna à França, mas não forma mais uma Ordem dentro do Estado, não tem mais nenhum direito enquanto corpo, não passa de uma coleção de indivíduos que logo não se distinguirão dos outros senão pelo fato de sofrerem mais vexames e ultrajes. Nem mesmo é mais proprietário. Sabemos a que ponto a
propriedade é necessária à independência; o clero não mais a terá. Seus bens, por mais legítimos que fossem, não lhe serão devolvidos; ele será reduzido à condição de assalariado, não se absterão de cortar-lhe os víveres para lembrar-lhe sua sujeição. É verdade que o artigo XV da Concordata diz: “O governo cuidará de deixar aos católicos a liberdade de fazer, se o quiserem, novas fundações em favor das igrejas”, e de reconstituir assim o antigo patrimônio da Igreja na França. Mas sabemos através de que astuta tática essa liberdade tem sido restringida dia a dia, depois como as fundações piedosas tiveram que ser sempre constituídas com rendas do Estado, a fim de que fosse mais fácil apoderar-se delas no dia da separação, e como, enfim, a própria indenização prevista na Concordata foi suprimida. Ao governo, já encarregado de fornecer ao clero alimentação e moradia, a Concordata concedeu ainda a escolha das pessoas que deveriam ser elevadas às dignidades eclesiásticas: “O primeiro Cônsul nomeará, nos três meses seguintes à publicação da Constituição apostólica, os arcebispos e os bispos que devem governar as dioceses das novas circunscrições.  Da mesma forma, o primeiro Cônsul nomeará os novos bispos para as sedes episcopais que vagarem em seguida. A Sé apostólica conferir-lhes-á a instituição canônica. Os bispos nomearão os párocos, e escolherão apenas pessoas aprovadas pelo governo”.

 Há na Igreja, ao lado do clero secular, o clero regular. Este podia encontrar em sua própria constituição condições de independência recusadas ao primeiro. Assim, Bonaparte evitou que as Ordens religiosas pudessem se reconstituir. O decreto de 22 de junho de 1804 ordenou a dissolução da associação dos Pais da Fé, e “de todas as outras congregações ou associações formadas sob pretexto de religião e não autorizadas”. Ademais, estatuiu que: “Nenhuma congregação ou associação de homens ou de mulheres poderá se formar no futuro sob pretexto de religião, a menos que ela tenha sido formalmente autorizada por um decreto imperial”. Bonaparte dizia também e repetia que ele não queria congregações, que isto era inútil, que não havia que temer que ele restabelesse os monges.

 Voltando ao clero secular, Bonaparte vigia para que seu recrutamento não se faça facilmente; não é preciso que os padres sejam numerosos. não obstante, os bispos são obrigados, antes de proceder a uma ordenação, a enviar a Paris a lista daqueles aos quais querem conferir as santas Ordens. Napoleão a diminuía a seu bel prazer. Monsenhor Montault, bispo de Angers, e Monsenhor Simon, bispo de Grenoble, não puderam o primeiro em sete, o segundo em oito anos, ordenar, cada um, mais do que dezoito padres.

 Mas há mais. Napoleão quer supervisionar e dirigir o ensino dos seminários. “Não é preciso, diz ele, abandonar à ignorância e ao fanatismo o cuidado de formar os jovens padres... Temos três ou quatro mil curas ou vigários, filhos da ignorância, e perigosos por causa de seu fanatismo e suas paixões. É necessário preparar sucessores mais esclarecidos, instituindo, sob o nome de seminários, escolas especiais que ficarão nas mãos da autoridade. Colocaremos à testa dessas escolas professores instruídos, dedicados ao governo e amigos da tolerância. Eles não se limitarão a ensinar a teologia: acrescentarão uma espécie de filosofia e um mundanismo honesto.” O decreto de 5 de fevereiro condena como por demais ultramontana a teologia de Bailly! Veremos mais tarde reaparecerem essas ideias de ensinar nos seminários uma certa filosofia, um certo mundanismo e de preparar os jovens padres para serem amigos da tolerância.

 Napoleão queria ter ao mesmo tempo o controle do culto. Nas negociações que precederam a assinatura da Concordata, o Papa reclamava o reconhecimento da liberdade de religião e do exercício público de seu culto. Esse exercício fora proscrito pela Revolução; importava que fosse formalmente reconhecido na Concordata que essas leis tirânicas estavam abrogadas. Esse ponto ensejou as mais penosas discussões. “À força de indizíveis fadigas, de sofrimentos e de angústias de todo o gênero, diz Consalvi, chegou enfim o dia em que parecia que chegaríamos ao termo desejado”. Ele havia feito reconhecer, no artigo primeiro do acordo, a liberdade e a publicidade do culto católico. No momento em que ia assinar, percebeu que haviam colocado furtivamente sob sua pena um texto completamente diferente daquele que havia sido convencionado. Tudo estava para ser recomeçado. Novas discussões e negociações. Consalvi queria que à expressão “A religião católica, apostólica, romana será livremente exercida na França” fossem acrescentadas estas palavras: “Seu culto
será público”. Os comissários franceses tinham ordem para exigir esta adição: Conforme as regras de polícia”. Consalvi pressentia uma armadilha. Ele não se enganava: essa armadilha eram os artigos orgânicos que o governo mantinha em reserva e dos quais jamais fizera menção no curso das negociações. A Santa Sé protestou solenemente contra esse ato extra-diplomático. Os artigos orgânicos foram mantidos; foram apresentados como formando um só e mesmo todo com a Concordata. Conhecemos os abusos que foram praticados no curso do século XIX.

As regras de polícia invadiram tudo, e permitiu-se ao prefeito da mais humilde vila formulá-las livremente. Logo o culto público existe apenas como estado de lembrança. Não somente as manifestações, mas todo o sinal exterior de religião acabará sendo interditado sob o belo pretexto de que não se deve jamais agredir a consciência dos senhores livres-pensadores.

Teria sido sob a inspiração da franco-maçonaria, ou fora seguindo os impulsos de sua própria ambição, que Napoleão I tentou fazer do Papa seu vassalo? Ele ainda não era senão o general Bonaparte, comandando os exércitos da Itália, quando, após a capitulação de Mântua, ele se dirigiu a Bolonha para aí, diz Thiers, “impor a lei ao Papa”. Dali ele escreveu a Joubert: “Estou negociando com essa padralhada, e, desta vez, São Pedro ainda salvará a capital, cedendo-nos seus mais belos Estados”. No dia seguinte ele escrevia ao Diretório: “Minha opinião é que Roma, uma vez privada da Bolonha, Ferrari, Romagne, e dos trinta milhões que nós lhe tiramos, não pode mais existir: ESSA MÁQUINA SE DESARRANJARÁ SOZINHA”. Nessa carta encontra-se a primeira manifestação diplomática da ideia napoleônica, que veremos buscada por Napoleão I, depois por Napoleão III, ideia idêntica à ideia maçônica. No dia 22 de setembro, em razão do boato da doença do Papa, ele prescrevia a seu irmão José, “se o Papa viesse a morrer, de empregar todos os meios para evitar que fosse eleito outro e para suscitar uma revolução”. Thiers vincula a esse fato a razão última de tudo o que vinha sendo feito há um século contra o Papado: “O Diretório via no Papa o chefe espiritual do partido inimigo da Revolução”, isto é, da civilização pagã. Eis por que o Diretório e seu general não queriam que houvesse mais Papas. No Mémorial de Sainte-Hélène, Napoleão expõe abertamente essa ideia fundamental da maçonaria, e como ele havia inicialmente pensado em realizá-la. Falando de suas proclamações aos muçulmanos, ele diz: “Era charlatanismo, e do maior... Vede as consequências: eu me servia da Europa pelo avesso; a velha civilização permanecia sitiada, e quem teria imaginado então em se inquietar com o curso dos destinos de nossa França e da regeneração do século? Destruir a velha civilização, a civilização cristã, regenerar o século à moda pagã, e isto através da França, eis a ideia que permite compreender a fundo a história contemporânea.

 Se Napoleão tinha esses pensamentos, perguntar-se-á porque ele restabeleceu o culto católico na França. Ele o explica em seu Mémorial: “Quando eu reerguer os altares, dissera, quando eu proteger os ministros da religião como eles merecem ser tratados em todos os países, o Papa fará o que eu lhe pedir; ele apaziguará os espíritos, reuni-los-á em sua mão e colocá-los-á na minha”. E em outro lugar: “Com o catolicismo eu alcançava com mais segurança todos os meus grandes êxitos... No interior, entre nós, o grande número absorvia o pequeno (protestantes e judeus), e eu me prometia tratar este com uma tal igualdade que logo não haveria possibilidade de conhecer a diferença. (Em outras palavras, conseguirei fazer reinar a indiferença em matéria religiosa). No exterior, o catolicismo me conservava o Papa, e com minha influência e minhas forças na Itália, eu tinha a esperança de, cedo ou tarde, por um meio ou outro, ter para mim a direção desse Papa, e, a partir daí, que influência, que poder de opinião sobre o resto do mundo!”Veremos a Grande Loja tomar a esteira dessa ideia e se esforçar para levá-la a bom termo.

 No trono imperial, Napoleão não perdeu seu ponto de vista. Conhecemos o que ele fez para confundir no espírito do povo a verdadeira religião com suas heresias, colocando tudo no mesmo nível, o que ele fez para chegar pouco a pouco a suprimir todo culto exterior, a fazer do clero um corpo de funcionários, e mesmo a dispensar o Papa no que diz respeito à instituição canônica dos bispos. Tudo isso não podia ser durável, se não se conseguisse retirar do Papa sua independência. Napoleão empregou o melhor de si nessa tarefa. Em 13 de fevereiro de 1806, ele escreveu a Pio VII: “Vossa Santidade é soberano em Roma, mas eu sou imperador”. Dois anos mais tarde o general Miollis se apodera da Cidade Eterna, e em 10 de junho Napoleão publica um decreto que anexa todos os Estados do Papa ao império francês. No dia 6 de julho Pio VII é retirado do Quirinal, enquanto os cardeais são internados em Paris ou encerrados em prisões do Estado. Prisioneiro, ele também, o suave ancião sofre o duplo assalto da violência e da trapaça para que consinta na anulação da Concordata de 1801, e na assinatura de uma outra na qual se previa o abandono quase completo de sua jurisdição sobre a Igreja da França.

 No Mémorial de Sainte-Hélène Napoleão diz que, destruindo dessa forma o poder temporal dos Papas, ele tinha “outras intenções”. Falando a respeito da proposição de ser elaborada uma outra Concordata, diz: “Eu tinha meu objetivo, e ele não o conhecia”; e, depois que a assinatura foi arrancada à fraqueza de um ancião esgotado e aterrorizado: “Todos os meus grandes desígnios, exclama, foram realizados sob o manto da dissimulação e do mistério... Eu teria exaltado o Papa acima de toda medida, eu o teria cercado de pompas e homenagens, ele teria habitado perto de mim em Paris, Paris se teria tornado a capital do mundo cristão, e eu teria dirigido o mundo religioso, assim como o mundo político”.

A Concordata, seguida dos artigos orgânicos, e a prisão de Pio VII na Savoia e em Fontainebleau são os frutos harmoniosos desse mesmo pensamento. Esses atos se encadeiam, constituem a realização parcial e sucessiva do plano único concebido pela Revolução. A doutrina revolucionária proclama a onipotência do Estado; ela não pode admitir a existência de um poder espiritual independente e superior, tal como o da Igreja. Como abatê-lo? O Estado começa por se unir à Igreja e a se servir dessa união para sujeitá-La; depois, quando ele A julgar suficientemente enfraquecida par não poder mais viver por Ela própria, ele se separará de novo dEla, esperando que, privada de seu sustentáculo, Ela pereça. Napoleão essas palavras e esses atos o provam quis, estabelecendo a Concordata, sujeitar a Igreja ao seu poder absoluto.

Quando acreditou que o momento tinha chegado, esgotou todos os recursos d astúcia e da violência para se apoderar do poder espiritual, nem mesmo receando, para aí chegar, de secretamente enfraquecer o Papa através de beberagens que continham morfina.

 Para poder dirigir o mundo religioso pelas vias que deviam trazer “a regeneração do mundo”, era não menos preciso se apoderar da direção dos espíritos do que reduzir o Papa ao estado de ídolo. Napoleão compreendia-o bem. Com esse intuito quis suprimir a imprensa religiosa para reorganizá-la à sua maneira: “Minha intenção, escreveu ele a Fouché, Ministro da Segurança, é que os jornais eclesiásticos deixem de ser publicados, e que sejam reunidos num só jornal, que se encarregará de todos os assinantes. Esse jornal, que deve servir para a instrução dos eclesiásticos, chamar-se-á Journal des Curés. Seus redatores serão nomeados pelo cardeal-arcebispo de Paris.

Foi com esse mesmo pensamento que ele instituiu a Universidade e concedeu-lhe o monopólio do ensino. O  Fontanes, futuro Reitor da Universidade, interrogado sobre a nota de Champagny, que tinha concluído pela restauração do Oratório, da Ordem dos Beneditinos de Saint-Maur e das congregações da doutrina cristã, respondeu aquilo que os mestres de nossos dias dizem: “É preciso, no ensino, como em todas as coisas, a unidade de objetivo e de governo. A França tem necessidade de uma só Universidade e a Universidade de um só chefe”. “É isto, disse o ditador, o senhor me compreendeu”. E o  Fourcroy levou ao Corpo Legislativo, no dia 6 de maio de 1806, um projeto de lei assim concebido:

 “Art. I. Será formado, sob o nome de Universidade imperial, um corpo encarregado EXCLUSIVAMENTE do ensino e da educação pública em todo o Império”.

 Na sua obra L'Instruction publique et la Révolution, Duruy louva Napoleão por ter, através da instituição da Universidade, salvado a Revolução e o espírito revolucionário. “Que maravilhosa concepcão, essa Universidade de França com seu Reitor, seu conselho, seus inspetores gerais, seus graus e sua poderosa hierarquia! que marca de gênio, ter compreendido que era preciso uma grande corporação laica para disputar as jovens gerações aos destroços das velhas corporações de ensino e sobretudo ao seu espírito! Antes de 18 do brumário já se podia prever o momento em que a reação teria retomado no domínio do ensino todo o terreno perdido após 1789.

Grave perigo, e que não tendia a nada menos do que levantar a questão, num futuro muito próximo, dos princípios de tolerância e de igualdade cuja conquista tinha sido a finalidade de tantos esforços e que se transformaram na excusa de tantos excessos...
Após ter firmado o presente para a Revolução através do Código Civil e da Concordata, era-lhe assegurado o futuro através da educação. De todos os serviços que Napoleão prestou, não conheço nenhum mais memorável do que ter arrancado o ensino das mãos dos piores inimigos do novo regime para confiá-lo a um corpo profundamente imbuído das ideias modernas”.

 “Napoleão dizia a verdade quando repetia à saciedade, diz Gonnard, nos escritos de Santa-Helena, que ele tinha sido o defensor das idéias de 1789 na França, como o defensor do princípio das nacionalidades na Europa. Que dizia ele que não fosse exato quando lembrava que num vendimiário, num frutidor, em 1815, ele se opusera à “reação” e que ele salvara “as grandes verdades de nossa revolução”? Ele dizia a verdade quando proclamava: “Eu consagrei a Revolução, eu a infundi nas leis”. Ele dizia a verdade quando se autointitulava “o Messias” da Revolução. Nos Relatos do cativeiro em Montholon ele diz: “Semeei a liberdade com abundância por toda a parte em que implantei meu Código Civil”.

 Napoleão III, interpretando fielmente esse pensamento na sua obra Les idées napoléoniennes, prestou a seu tio este testemunho: “A Revolução que morria, mas não estava vencida, legou a Napoleão suas últimas vontades. Esclarece as nações, deve ela ter-lhe dito, firma sobre bases sólidas os principais resultados de nossos esforços. Executa em extensão o que tive de fazer em profundidade. SEJA PARA A EUROPA O QUE EU FUI PARA A FRANÇA. Esta grande missão, Napoleão a cumpriu até o fim”.

 De fato, em todos os lugares em que Napoleão levava seus exércitos aí fazia o que tinha sido feito na França. Ele estabelecia a igualdade dos cultos, muito certamente um dos principais resultados pretendidos e obtidos pela seita que fez a Revolução. “Há uma RELIGIÃO UNIVERSAL, diz o Boletim do Grande-Oriente (julho de 1856, p. 172), que encerra todas as religiões particulares do globo: é esta a religião que nós professamos; é ESTA RELIGIÃO UNIVERSAL QUE O GOVERNO PROFESSA QUANDO PROCLAMA A LIBERDADE DOS CULTOS”. Pio VII não se equivocou, pois, quando disse na sua Encíclica de 22 de março de 1808: “Sob essa proteção igual a todos os cultos se esconde e se disfarça a mais perigosa perseguição, a mais astuciosa que seja possível imaginar contra a Igreja de Jesus Cristo, e infelizmente a melhor combinada para aí lançar confusão e para destruí-La, se fosse possível à força e às artimanhas do inferno prevalecerem contra Ela”.

 
A Conjuração Anticristã; o templo maçônico que quer se erguer sobre as ruínas da Igreja católica.  - Monsenhor Henry De Lassus


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