sábado, 12 de agosto de 2017

Capítulo VI – 66 ou 73? [O Cânon bíblico]




“Para ele [Lutero] não havia outra fonte de verdade revelada senão um livro mudo (embora inspirado) de que cada indivíduo é constituído juiz.”
(Pe. Júlio Maria de Lombaerde)

Direto ao assunto

Como foi dito acima, de fato, somente os fariseus e protestantes fizeram isto até hoje, acrescentar e retirar palavras das Sagradas Escrituras. E mais que palavras.

Para entender a questão necessitaremos do auxílio da história. A Igreja, segura de possuir a verdade jamais dela teve medo, pois sabe que “nada há oculto que não venha a descobrir-se” (Lc XII, 2), de louvável para a exaltação dos bons, de deplorável para a humilhação dos maus, e de tudo para a glória da justiça divina. Portanto, aos fatos.

As categorias de judeus que não aceitaram a Cristo como Salvador e por consequência todo o cristianismo, nossos “Cains” e “Esaús”, aproximadamente em 90 d.C, reunidos na cidade palestina de Jâmnia, recusaram de seus escritos sagrados 7 livros do A.T [Tobias (Tob), Judite (Jud), Eclesiástico (Eclo), Sabedoria (Sab), Baruque (Bar), 1 e 2 Macabeus (Mac); além de trechos dos livros de Ester (X, 4-16.24) e Daniel (III, 24-90; XIII-XIV)] que Cristo, os Apóstolos e a Igreja utilizaram. Lutero, 1400 anos depois desses judeus, fará o mesmo. As bíblias protestantes, por isso, têm 7 LIVROS a menos e passagens inteiras de outros dois. E teriam menos ainda se alguns companheiros de Lutero não o tivessem feito desistir de retirar outros que ele considerava não inspirados. Seitas como as Testemunhas de Jeová irão além, adulterando várias passagens para negar a SS. Trindade e a divindade de Cristo. Outros seguirão o seu (mau) exemplo. Estes são os fatos, que poderão ser comprovados pelas indicações de leitura. Passemos, resumidamente, às explicações.

Por volta de 300 a.C Israel antiga foi tomada pelos gregos sob o comando de Alexandre Magno. Com o passar do tempo, devido à invasão grega os israelitas foram perdendo costumes e língua. Ocorre que uma colônia judaica se estabeleceu na cidade de Alexandria, ao norte da África, tendo de conviver quase que exclusivamente com a língua dos colonizadores. Como havia o risco de se perder com o exílio muito dos livros religiosos originais e pelo distanciamento gradual do hebraico por parte do povo, um grupo de sábios e estudiosos da colônia traduziu estes escritos, passando a utilizá-los em língua grega. Com o evoluir do tempo novos livros foram surgindo, alguns nesta língua, o que não foi problema para considerá-los inspirados ou dignos de veneração. No tempo de Cristo e dos Apóstolos existiam duas versões destes escritos: a assim chamada versão dos 70 (ou septuaginta ou grega), devido ao grupo de setenta e dois homens responsaveis pelo trabalho de tradução, e a versão hebraica, com os escritos em língua original, além de uma terceira, posterior, oriunda da tradução do hebraico ao aramaico para os judeus da Palestina. Todas as cópias eram utilizadas.


Ocorre que na septuaginta figuravam os 7 livros acima (o que não ocorria na dos judeus da Palestina) e estes, como vimos, eram também considerados inspirados, uma vez que mencionavam implícita ou explicitamente a figura do Messias, revelando doutrinas que os cristãos as incorporariam posteriormente. Não por acaso Cristo e os Apóstolos deles fizeram menção. A partir dos anos 90 d.C, com o concílio dos fariseus definindo somente a versão hebraica como a inspirada, por questões políticas, culturais e religiosas que envolviam diretamente os cristãos, a versão grega foi banida e mesmo anatematizada por tais judeus, que não mais a utilizaram e proibiram utilizar, sob sanção. Os critérios de retirada desses livros foram basicamente:

a) por não terem sido escritos em hebraico;
b) por serem utilizados pelos cristãos devido às fortes referências a Jesus, que rejeitavam como Messias;
c) por falar abertamente dos pecados dos líderes do povo, os doutores da Lei, fariseus e anciãos, ou seja, deles próprios;
d) por terem sido escritos depois de Esdras (458-428 a.C), pois consideravam que após o profeta Malaquias (contemporâneo do primeiro), a profecia teria cessado.

O primeiro critério, por si já descartaria praticamente todo o Novo Testamento, uma vez que este foi escrito em grego. O último anularia por completo o profetismo de João Batista, pela afirmação de Jesus o último dos profetas (cf. Mt XI, 13), sem falar ainda em livros inteiros como o do Apocalipse, pura e legítima profecia. Por aí se entrevê que a história não acabaria bem...

Como desde o princípio a Igreja os adotou, especialmente em função de Cristo, dos Apóstolos e dos discípulos dos Apóstolos o terem feito, direta ou indiretamente, não teve problemas quando mil e trezentos anos depois do concílio judaico de Jâmnia precisou definir, no concílio de Florença (1442), o cânon (ou cânone, isto é, a relação) dos livros inspirados, dando ao mundo a Bíblia Sagrada tal qual a conhecemos, com 46 (45) livros no AT (esta variação se dá em função de algumas versões unirem o livro de Baruque com o de Jeremias, pois Baruque, discípulo e secretário do último, foi quem o escreveu com base nas revelações ditadas pelo profeta) e 27 no NT, totalizando 73 (72) livros. Contudo, muito antes, já nos concílios de Cartago e Hipo (393 e 397) a Igreja dava como certos e inspirados estes livros.

Antes de tudo temos de ter claro que foi a Igreja Católica quem trouxe à lume a Santa Bíblia, foi a sua autoridade – não a da Bíblia em si mesma que decretou quais livros eram inspirados e quais não eram, o que suscitou a afirmação de S. Agostinho citada no capítulo anterior. E isso por 1500 anos, até que...

... a partir de 1517 um monge e sacerdote alemão, mais tarde excomungado devido às heresias e ao ódio contra a Igreja [como se verá ao final], por sua conta e risco resolve que o (cânon do) Antigo Testamento válido não era o que a Igreja vinha utilizando por pelo menos doze séculos, que Cristo e os Apóstolos haviam utilizado, mas o que ele dizia ser o inspirado, isto é, o dos judeus de Jâmnia, o escolhido pelas mesmas pessoas que negaram e mataram o Salvador.

Curioso...
Mas não parou por aí. Lutero em sua soberba desenfreada quis mais. Se dependesse dele o protestantismo também não teria livros como a epístola de S. Tiago, a segunda carta de S. Pedro, a carta aos Hebreus e – pasmem os (neo) pentecostais! – o Apocalipse, pois nenhum destes os considerava inspirados. Agradeçam os protestantes atuais a alguns contemporâneos de Lutero menos megalomaníacos, que o impediram de ir adiante neste desvario. Insatisfeito, porém, de não poder levar a cabo sua intenção de mutilar ainda mais sua bíblia, o heresiarca alemão irá desferir outro grande atentado contra a Revelação Sagrada escrita, que dizia seguir e ser sua única regra de fé: acrescentará palavra. A adulteração servirá de respaldo à sua coluna doutrinal da sola fide, que hoje a maioria dos protestantes sabe não passar de uma estaca rota e mal fincada, já descartada por muitas seitas. Na prática o lema de Lutero será: “adulterar para enganar”, o que não nos causa espanto vindo do mesmo homem que afirmou: “Se os nossos adversários fazem valer a Sagrada Escritura contra Jesus Cristo, nós fazemos valer Jesus Cristo contra a Escritura” (opera latina I-387-a); e “Tu fazes grande caso da Escritura que é serva de Jesus Cristo; eu, pelo contrário, dela não me importo” (Walch VIII -2140 segs.). E se isso não bastar, podemos dar a conhecer sua resposta quando a Igreja se colocou fortemente contra a insolência e profanação bíblica cometidas: “Se o papista faz tão grande escândalo pela palavra ‘somente’, diga-lhe diretamente: ‘assim o quer o Dr. Martinho Lutero’, e ordeno que assim seja, e a minha vontade é razão suficiente.”.

Diante deste quadro, torna-se pertinente a pergunta: como continuar adotando uma bíblia que se sabe traduzida e imposta por alguém que de livre e espontânea vontade acrescentou palavras e retirou livros inteiros, fazendo assim o que a própria Bíblia condena? E mais: como confiar na palavra de um único homem contra a da Igreja que deu à luz as Escrituras? Deus, pela boca do profeta, não disse ser maldito o homem que confia em outro homem (cf. Jr XVII, 5)? E como tudo o que está oculto acaba por revelar-se como afirmou Nosso Senhor, reproduzo um recente achado científico que uma vez mais confirma as verdades católicas, agora sobre este ponto específico. Sugiro que aprofundem também aqui as pesquisas:

Recentemente, porém, graças às descobertas de Qûmram, mais conhecidos como Manuscritos do Mar Morto, o cânon tradicional católico foi mais uma vez confirmado, porque se descobriu que aquela comunidade hebraica mais antiga dispunha de uma coleção semelhante à tradução dos Setenta. Ou seja, não foram os alexandrinos (os “setenta”) que ampliaram o catálogo dos Livros Sagrados, mas a Escola de Jamnia que o reduziu.

Para concluir, como muitos nunca tiveram a oportunidade de ter diante de si os sete livros inspirados, além dos exemplos já fornecidos e de outros que virão, daremos a citação textual de dois. Através deles se poderá entender um pouco do porquê dos inimigos de Cristo os terem retirado de suas escrituras: o primeiro vem do Livro da Sabedoria, composto em grego por volta de 100 a.C., uma das mais contundentes profecias sobre o Messias que pouco mais de um século se faria carne no seio da virgem Mãe:

Armemos, pois, laços ao justo, porque nos é molesto, e é contrário às nossas obras, e nos lança em rosto as transgressões da lei, e desonra-nos, publicando as faltas do nosso procedimento. Êle afirma que tem a ciência de Deus, e chama-se a si mesmo filho de Deus. Fêz-se o sensor dos nossos próprios pensamentos. Só o vê-lo nos é insuportável; porque a sua vida não é semelhante a dos outros, e o seu proceder é muito diferente. Somos considerados por êle como pessoas vãs, e abstém-se do nosso modo de viver como duma coisa imunda, e prefere o fim dos justos, e gloria-se de que tem a Deus por pai. Vejamos, pois, se os seus discursos são verdadeiros, e experimentemos o que lhe acontecerá, e veremos qual será o seu fim. Porque, se é verdadeiro Filho de Deus, (Deus) o amparará, e o livrará das mãos dos seus inimigos. Ponhamo-lo à prova por meio de ultrajes e tormentos, para que conheçamos a sua mansidão, e provemos a sua paciência. Condenemo-lo à morte mais infame, e ver-se-á o resultado das suas palavras (II, 12-20).

E o segundo nos vem do livro do Eclesiástico (não confundir com Eclesiastes). Aqui há que destacar quatro pontos: no primeiro o texto menciona a existência de uns misteriosos personagens que hoje algumas ciências como a Arqueologia vêm estudando em profusão. O autor sagrado (hagiógrafo) corrobora o que já fora mencionado no livro do Gênesis sobre a raça conhecida como a dos “gigantes”. No segundo responde a uma categoria de pessoas que hoje pensa e vê Deus somente em sua dimensão de misericórdia, que tudo perdoa indiscriminadamente, e que por isso seguem ainda aqui (por conveniência? malícia?) os passos de Lutero: “crê firmemente e peca muitas vezes”. No terceiro, totalmente de acordo com o conjunto das Escrituras, derruba ainda uma vez a tese da sola fide luterana. Por fim, vaticina um futuro nada distante, também muito especulado em nossos dias, o do “fim dos tempos”:

O fogo acender-se-á na reunião dos pecadores, e a ira (de Deus) inflamar-se-á contra a nação incrédula. Não obtiveram perdão dos seus pecados os antigos gigantes que foram destruídos por confiarem na sua fortaleza. E Deus não perdoou a cidade, em que Lot morava como estrangeiro, e detestou os seus habitantes, por causa da insolência das suas palavras... Porque a misericórdia e a ira estão sempre com êle; é poderoso para perdoar, e também o é para derramar a sua ira. Os seus castigos igualam a sua misericórdia; julga o homem segundo as suas obras. Não escapará (ao castigo) o pecador com as suas rapinas, e a paciência do que usa de misericórdia não tardará em ser recompensada. Tôda a obra de misericórdia preparará a cada um o seu lugar, segundo o merecimento das suas obras, e segundo a prudência (com que tiver vivido) neste lugar de exílio (XVI, 7ss.12-15).

Em tempo: pegue uma Bíblia católica e compare:
1) 2 Mac VI, 18 – VII, 42 com Heb XI, 32-38;
2) Sab III, 5s com 1 Pe I, 6s;
3) Sab XIII, 1-9 com Rom I, 18-32;
4) Eclo XVI, 13ss com Apo II, 23-26.
5) Eclo XLIV, 16 e XLIX, 16 com Gên V, 24 e Heb XI, 5
Estes são apenas cinco dos muitos exemplos existentes. Para termos uma ideia, das 360 citações que o Novo faz do Antigo Testamento, 300 são extraídas da septuaginta e somente 60 da hebraica. Disso podemos deduzir que se uma letra já causará enorme prejuízo, o quanto não será cobrado pela “rapina” de sete livros?



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