sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

As raízes da decadente "civilização" moderna

Papa Pio IX, autor do Syllabus


O Syllabus de Pio IX termina com esta proposição condenável e condenada:

O Pontífice romano pode e deve se reconciliar e transigir com o progresso, o liberalismo e a civilização moderna”.

A última proposição do decreto que se chamou o Syllabus de Pio X, proposição igualmente condenável e condenada, está concebida assim:

“O catolicismo de hoje não se pode conciliar com a verdadeira ciência, a menos que se transforme num cristianismo não dogmático, isto é, num protestantismo sábio e Liberal”.


É necessário que a Igreja se reconcilie com a civilização moderna. E a base proposta para essa reconciliação é, não a aceitação dos dados da verdadeira ciência, que a Igreja jamais repudiou, que Ela sempre favoreceu, cujos progressos Ela sempre aplaudiu e para o qual contribuiu mais do que qualquer outra instituição; mas o abandono da verdade revelada, abandono que transformaria o catolicismo num protestantismo largo e liberal, no qual todos os homens pudessem se reencontrar,quaisquer que fossem suas ideias a respeito de Deus, de Suas revelações e de Seus mandamentos.

“O objetivo último do homem é ser feliz” diz Bossuet. Isto não é exclusivo dele: é o fim para o qual tendem todas as inteligências, sem exceção. O grande orador não falha em reconhecer isso: “As naturezas inteligentes não têm vontade nem desejo senão para sua felicidade”. E acrescenta: “Nada de mais razoável, porque o que há de melhor do que desejar o bem, quer dizer, a felicidade?” Assim, encontramos no coração do homem um impulso invencível, que o impele a procurar a felicidade. Se quisesse, não poderia se desfazer dele. É o fundo de todos os seus pensamentos, o grande móvel de todas as suas ações; e mesmo quando ele se atira à morte, é por estar persuadido de achar no nada uma sorte preferível àquela na qual ele se vê. O homem pode se enganar, e de fato ele se engana muito frequentemente na busca da felicidade, na escolha da via que deve levá-lo a ela. “Colocar a felicidade
onde ela está é a fonte de todo o bem, diz ainda Bossuet; e a fonte de todo o mal consiste em colocá-la onde não é preciso”. Isto é tão verdadeiro para a sociedade como para o homem individual. O impulso em direção à felicidade vem do Criador, e Deus nele acrescenta Sua luz para iluminar o caminho, diretamente por Sua graça, indiretamente pelos ensinamentos de Sua Igreja. Mas pertence ao homem, indivíduo ou sociedade, o livre arbítrio dirigir-se, ir buscar sua felicidade ali onde lhe agrada colocá-la, no que é realmente bom, e, acima de toda bondade, no Bem absoluto, Deus; ou naquilo que têm apenas as aparências do bem, ou que não é senão um bem relativo.

Desde a criação do gênero humano o homem se desviou do bom caminho. Ao invés de crer na palavra de Deus e de obedecer à Sua determinação, Adão deu ouvidos à voz encantadora que lhe dizia para colocar seu fim nele mesmo, na satisfação de sua sensualidade, nas ambições de seu orgulho. “Sereis como deuses”; “o fruto da árvore era bom de comer, belo de ver, e de um aspecto que excitava o desejo”. Tendo assim se desviado desde o primeiro passo, Adão arrastou sua descendência na direção que ele acabava de tomar. Deus teve piedade dela. No Seu conselho de infinita misericórdia e de infinita sabedoria, Ele resolveu recolocar o homem sobre o caminho da felicidade. E a fim de tornar Sua intervenção mais eficaz, Ele quis que uma Pessoa divina viesse sobre a terra mostrar o caminho por Sua palavra, tocar os homens por Seu exemplo. O Verbo de Deus se encarnou e veio passar trinta e três anos entre nós, para nos tirar da via da perdição e para nos abrir a estrada de uma felicidade não enganosa. Suas palavras e Seus atos derrubavam todas as ideias até então aceitas. Ele dizia: Bem-aventurados os pobres! Bem- aventurados os mansos, os pacíficos, os misericordiosos! Bem-aventurados os puros! Até a vinda dEle, dizia-se: Bem-aventurados os ricos! Bem-aventurados aqueles que dominam! Bem-aventurados os que vivem sem nada recusar às suas paixões! Ele tinha nascido em um estábulo, fizera-Se o servidor de todos, sofrera morte e paixão, a fim de que não se considerassem suas palavras meras declamações, mas lições, as mais persuasivas lições que possam ser concebidas, dadas que eram por um Deus, e um Deus que Se aniquilou por amor a nós.

Ele quis perpetuar essas lições, torná-las sempre expressivas e operantes aos olhos e nos ouvidos de todas as gerações que deviam vir. Para isso Ele fundou a Santa Igreja. Estabelecida no centro da humanidade, Ela não cessou, pelos ensinamentos de seus doutores e pelos exemplos de seus santos, de dizer a todos os que Ela viu passar sob seus olhos: “Procurais, ó mortais, a felicidade, e procurais uma coisa boa; ficai atentos apenas para não procurardes onde ela não está”.

Do século I ao século XIII, os povos tornaram-se cada vez mais atentos a essa pregação, e o número dos que dela fizeram luz e regra de vida foi cada vez maior. Sem dúvida, havia fraquezas, fraquezas das nações e fraquezas das almas.

Nosso Senhor Jesus Cristo, com Seu Novo Testamento, era o doutor escutado, o guia seguido, o rei obedecido. Sua realeza era  tal ponto reconhecida pelos príncipes e pelos povos, que eles a proclamavam até em suas moedas. Em todas estava gravada a cruz, o signo augusto da ideia que o cristianismo tinha introduzido no mundo, que era o princípio da nova civilização, da civilização cristã, que devia regê-lo, o espírito de sacrifício oposto à ideia pagã, ao espírito de gozo que tinha construído a civilização antiga, a civilização pagã.

À medida que o espírito cristão penetrava as almas e os povos, almas e povos cresciam na luz e no bem, se elevavam pelo só fato de verem a felicidade no alto e de a carregarem consigo. Os corações tornavam-se mais puros, os espíritos mais inteligentes. Os inteligentes e os puros introduziam na sociedade uma ordem mais harmoniosa, aquela que Bossuet nos descreveu no sermão sobre a eminente dignidade dos pobres. A ordem mais perfeita tornava a paz mais geral e mais profunda; a paz e a ordem engendravam a prosperidade, e todas essas coisas davam ensejo às artes e às ciências, esses reflexos da luz e da beleza dos céus. De sorte que, como observou Montesquieu: “A religião cristã, que parece não ter outro objetivo além da felicidade da outra vida, ainda constrói nossa felicidade nesta”.

OBS: A Igreja foi a grande responsável pelo progresso científico e cultural da Europa. Ao contrário do que se é pregado hoje nas obscurantistas cátedras universitárias por professores comunistas/marxistas.

A ascensão, não direi das almas santas, mas das nações, teve seu ponto culminante no século XIII. São Francisco de Assis e São Domingos, com seus discípulos São Luís de França e Santa Elisabete da Hungria, acompanhados e seguidos por tantos outros, mantiveram por algum tempo o nível que havia sido atingido pela emulação que tinham excitado nas almas os exemplos de desapego das coisas deste mundo, de caridade em relação ao próximo e de amor a Deus, que tantos outros santos tinham dado. Mas enquanto essas almas nobres atingiam os mais altos cumes da santidade, muitas outras esfriavam no seu entusiasmo por Deus; e por volta do fim do século XIV, manifestou-se abertamente o movimento de retrocesso que arrebatou a sociedade e que a conduziu à situação atual, quer dizer, o triunfo próximo, o reino iminente do socialismo, fim obrigatório da civilização moderna. Porque enquanto a civilização cristã elevava as almas e tendia a dar aos povos a paz social e a prosperidade mesmo temporal, o fermento da civilização pagã tende a produzir seus últimos efeitos: a procura, por todos, de todos os prazeres; a guerra, para consegui-los, de homem contra homem, de classe contra classe, de povo contra povo; guerra que não poderia terminar senão com o aniquilamento do gênero humano.


A dupla concepção de vida

O paganismo, empurrando o gênero humano pelo declive em que o pecado original o colocara, dizia ao homem que ele estava sobre a terra para fruir a vida e os bens que este mundo lhe oferece. O pagão não ambicionava, não buscava nada além disso; e a sociedade pagã estava constituída para oferecer esses bens tão abundantes e esses prazeres tão refinados, ou também tão grosseiros quanto possam ser, para os que estavam em situação de pretendê-los. A civilização antiga nasceu desse princípio, todas as suas instituições dele decorriam, sobretudo as duas principais, a escravidão e a guerra. Os povos fortes subjugavam os povos fracos, e os cidadãos escravizavam os estrangeiros e mesmo seus irmãos, para obter produtores de riquezas e instrumentos de prazer.

O cristianismo chegou e fez o homem compreender que devia procurar numa outra direção a felicidade cuja necessidade não cessa de atormentá-lo. Ele destruiu a noção que o pagão criara da vida presente. O divino Salvador ensinou-nos por Sua palavra, persuadiu-nos por Sua morte e ressurreição, que se a vida presente é uma vida, ela não é A VIDA que Seu Pai nos destinou.

A vida presente não é senão a preparação para a vida eterna. Aquela é o caminho que conduz a esta. Nós estamos in via, diziam os escolásticos, caminhando ad terminum, na estrada para o céu. No céu nós veremos a Deus face a face, é a grande promessa que nos foi feita.

Todos os seres vivos têm sua maneira de conhecer, limitada por sua própria natureza. A planta tem um certo conhecimento das substâncias que devem servir à sua manutenção, posto que suas raízes se estendem em direção a elas, procurando-as para ingeri-las. Esse conhecimento não é uma visão. O animal vê, mas ele não tem a inteligência das coisas que seus olhos abarcam. O homem compreende essas coisas, sua razão as penetra, abstrai as ideias que elas contêm e através delas se eleva à ciência. Mas as substâncias das coisas permanecem escondidas, porque o homem é apenas um animal racional e não uma pura inteligência. Os anjos, inteligências puras, veem a si mesmos na sua substância, podem contemplar diretamente as substâncias da mesma natureza da deles, e com mais razão as substâncias inferiores. Mas eles não podem ver a Deus. Deus é uma substância à parte, de uma ordem infinitamente superior. O maior esforço do espírito humano conseguiu qualificá-Lo de “ato puro”, e a Revelação nos diz que Ele é uma trindade de pessoas na unidade da substância, a segunda engendrada pela primeira, a terceira que procede das outras duas, e isso numa vida de inteligência e de amor que não tem começo nem fim. Ver a Deus como Ele é, amá-Lo como Ele Se ama  e nisto consiste a beatitude prometida  está acima das forças de toda natureza criada e mesmo possível. Para compreendê-Lo, essa natureza não deveria ser nada menos que igual a Deus.

Mas aquilo que não tem cabimento pela natureza pode sobrevir pelo dom gratuito de Deus. Nós não podemos chegar a isso senão por alguma coisa de sobre acrescentado, que nos eleva acima de nossa natureza, que nos torna capazes daquilo de que somos radicalmente impotentes por nós mesmos, como seria o dom da razão para um animal ou o dom da visão para uma planta. Essa alguma coisa é chamada aqui em baixo de graça santificante. “Bem-amados, diz o apóstolo São João, agora somos filhos de Deus, e aquilo que um dia seremos ainda não se manifestou: seremos semelhantes a Ele, porque nós O veremos tal como Ele é” (I Jo., III, 2).

Essa alguma coisa nós a recebemos desde este mundo, no santo Batismo. O apóstolo São João a chama um germe (I Jo., III, 9), isto é, o início de uma vida. Era o que Nosso Senhor nos assinalava quando falava a Nicodemos sobre a necessidade de um novo nascimento, de uma geração para a nova vida: a vida que o Pai tem n’Ele mesmo, que Ele dá ao Filho, e que o Filho nos traz ao nos enxertar n’Ele pelo Santo Batismo. Essa palavra enxerto, que dá uma imagem tão viva de todo o mistério, São
Paulo a tomara de Nosso Senhor, que disse a Seus apóstolos: “Eu sou a videira, vós sois os ramos. Assim como o ramo não pode dar fruto por si só, sem permanecer na videira, assim também vós, se não permanecerdes em Mim”.

Isto não quer dizer que desde o momento em que o cristianismo foi pregado os homens não pensaram em mais nenhuma outra coisa que não fosse a sua santificação. Eles continuaram a perseguir as finalidades secundárias da vida presente, e a cumprir, na família e na sociedade, as funções que elas requerem e os deveres que elas impõem. Ademais, a santificação não se opera unicamente pelos exercícios espirituais, mas pelo cumprimento de todo dever de estado, por todo ato feito com pureza de intenção.

Além disso, permaneceram na sociedade, e nela permanecerão até o fim dos tempos, as duas categorias de homens que a Santa Escritura tão bem denomina: os bons e os maus. Todavia é de se reparar que o número dos maus diminui e o número dos bons aumenta à medida que a fé adquire mais influência na sociedade. Estes, porque têm a fé na vida eterna, amam a Deus, fazem o bem, observam a justiça, são os benfeitores de seus irmãos, e por tudo isso fazem reinar na sociedade a segurança e a paz. Aqueles, porque não têm fé, porque seus olhares ficaram fixados nesta terra, são egoístas, sem amor, sem piedade por seus semelhantes: inimigos de todo o bem, eles são na sociedade uma causa de discórdia e de impedimento para a civilização.

Misturados uns aos outros, os bons e os maus, os crentes e os incrédulos, formam as duas cidades descritas por Santo Agostinho: “O amor a si, que pode ir até ao desprezo de Deus, constitui a sociedade comumente chamada “o mundo” o amor a Deus, levado até ao desprezo de si mesmo, produz a santidade e povoa “a vida celeste ”.

À medida que a nova concepção da vida trazida por Nosso Senhor Jesus Cristo à terra entrou nas inteligências e penetrou nos corações, a sociedade se modificou: o novo ponto de vista mudou os costumes, e, sob a pressão das ideias e dos costumes, as instituições se transformaram. A escravidão desapareceu, e ao invés de se ver os poderosos subjugarem seus irmãos, viu-se-os se dedicarem até ao heroísmo para obter-lhes o pão da vida presente, e também, e sobretudo, para obter-lhes o pão da vida espiritual, para elevar as almas e santificá-las. A guerra não mais foi feita para se apoderar dos territórios de outrem, e conduzir homens e mulheres à escravidão, mas para quebrar os obstáculos que se opunham à expansão do reino de Cristo e obter para os escravos do demônio a liberdade dos filhos de Deus.

Facilitar, favorecer a liberdade dos homens e dos povos nos seus passos em direção ao bem, tornou-se a finalidade para a qual as instituições sociais se encaminharam, senão sua finalidade expressamente determinada. E as almas aspiraram ao céu e trabalharam para merecê-lo. A busca dos bens temporais pelo gozo que deles se pode tirar não foi mais o único nem mesmo o principal objeto da atividade dos cristãos, pelo menos dos que estavam verdadeiramente imbuídos do espírito do cristianismo, mas a busca dos bens espirituais, a santificação da alma, o crescimento das virtudes, que são o ornamento e as verdadeiras delícias da vida daqui de baixo, e ao mesmo tempo garantia da bem-aventurança eterna.

Tal foi a obra da Idade Média (Idade da Luz). Durante seu curso, a Igreja realizou uma tripla tarefa. Ela lutou contra o mal que provinha das diversas seitas do paganismo e o destruiu; ela transformou os bons elementos que se encontravam entre os antigos romanos e as diversas espécies de bárbaros; enfim, Ela fez triunfar a ideia que Nosso Senhor Jesus Cristo dera da verdadeira civilização. Para aí chegar, Ela tinha-Se empregado primeiramente em reformar o coração do homem; daí viera a reforma da família, a família reformara o Estado e a sociedade: via inversa daquela que o ocidente apóstata segue hoje (verdadeira idade das trevas).


Início da Civilização Moderna


O século XIII foi o apogeu da civilização cristã: “Talvez jamais a Esposa de Cristo tenha reinado com um império tão absoluto sobre o pensamento e sobre o coração dos povos... Então, mais do que em nenhum outro momento desse rude combate, o amor de seus filhos, sua dedicação sem limites, sua quantidade e sua coragem a cada dia crescentes, os santos que Ela via eclodir diariamente entre eles, ofereciam a essa Mãe imortal forças e consolações das quais Ela não foi cruelmente privada senão depois de muito tempo. Graças a Inocêncio III, que continua a obra de Gregório VII, a cristandade é uma vasta unidade política, um reino sem fronteira, habitado por múltiplas raças. Os senhores e os reis tinham aceitado a supremacia pontifícia. Foi preciso que viesse o protestantismo para destruir essa obra”.

Antes mesmo do protestantismo, um primeiro e rudíssimo golpe foi dado na sociedade cristã, a partir de 1308. O que constituía a força dessa sociedade era, como diz Montalembert, a reconhecida e respeitada autoridade do Soberano Pontífice, o chefe da cristandade, o regularizador da civilização cristã. Essa autoridade foi contraditada, insultada e quebrada pela violência e pela astúcia do rei Filipe IV, na perseguição a que ele submeteu o Papa Bonifácio VIII; ela também foi diminuída pela complacência de Clemente V relativamente a esse mesmo rei, que chegou até a mudar a sede do Papado para Avignon em 1305. Urbano VI não deveria voltar a Roma senão em 1378. Durante esse longo exílio, os Papas perderam uma boa parte de sua independência e seu prestígio encontrou-se singularmente enfraquecido. Quando retornaram a Roma, após setenta anos de ausência, tudo estava pronto para o grande cisma do Ocidente, que iria durar até 1416, e que por um momento decapitou o mundo cristão.

Desde então, a força começou a avantajar-se sobre o direito, como antes de Jesus Cristo. Viram-se as guerras retomar o caráter pagão de conquista e perder o caráter de libertação. A França “filha primogênita”, que tinha esbofeteado sua Mãe em Anagni, foi a primeira a sofrer as consequências de sua prevaricação: guerra dos Cem Anos, Crécy, Poitiers, Azincourt. Esse período de transição que liga a Idade Média aos tempos modernos. Esse período foi chamado de Renascença.

Ela se produziu numa época de moleza, de decadência quase geral da vida religiosa, período lamentável cujas características são, a partir do século XIV, o enfraquecimento da autoridade dos Papas, a invasão do espírito mundano no clero, a decadência da filosofia e da teologia escolástica, uma espantosa desordem na vida política e civil.

Sob a influência de uma admiração excessiva, poderíamos dizer doentia, pelos encantos dos escritores clássicos, arvorava-se francamente o estandarte do paganismo; os seguidores dessa reforma pretendiam modelar tudo exatamente como na antiguidade, os costumes e as ideias, restabelecer a preponderância do espírito pagão e destruir radicalmente o estado de coisas existente, considerado por eles
como uma degenerescência.

A influência desastrosa exercida na moral pelo humanismo fez-se igualmente sentir cedo e de maneira assustadora no domínio da religião. Os seguidores da Renascença pagã consideravam sua filosofia antiga e a fé da Igreja como dois mundos inteiramente distintos e sem nenhum ponto de contato.

Eles queriam que o homem tivesse a felicidade na terra, que todas as suas forças, toda a sua atividade fossem empregadas para buscar a felicidade temporal; diziam que o dever da sociedade era de se organizar de tal maneira que ela conseguisse chegar a oferecer a cada um o que pudesse satisfazer-lhe todos os desejos e em todos os sentidos.

Sob a influência desses intelectuais, a vida moderna tomou uma direção inteiramente nova, que foi o oposto da verdadeira civilização. Porque, como disse muito bem Lamartine:

Toda civilização que não vem da ideia de Deus é falsa.
Toda civilização que não tende à ideia de Deus é curta.
Toda civilização que não é penetrada da ideia de Deus é fria e vazia.

A última expressão de uma civilização perfeita é Deus melhor visto, melhor
adorado, melhor servido pelos homens.

A mudança se operou primeiro nas almas. Muitos perderam a concepção segundo a qual todo o fim está em Deus, para adotar aquela que quer que tudo esteja no homem. “Ao homem decaído e resgatado, disse com muita propriedade Bériot, a Renascença opôs o homem nem decaído, nem resgatado, que se eleva à uma admirável altura pelas simples forças de sua razão e de seu livre arbítrio”. O coração não mais serviu para amar a Deus, o espírito para conhecê-Lo, o corpo para servi-Lo, e mediante isso merecer a vida eterna. Como no tempo do paganismo, elas fizeram do prazer, do gozo, a finalidade da vida; elas procuraram os meios para obtê-los na riqueza, e para adquirir esta não se tiveram mais tanto em conta os direitos de outrem.

Para os Estados, a civilização não foi mais a santidade de numerosos, e as instituições sociais meios ordenados para preparar as almas para o céu. Novamente eles encerraram a função da sociedade no tempo, sem atenção para as almas feitas para a eternidade. Naquela época, como hoje, deram a isso o nome de progresso! As novas invenções, a imprensa, a pólvora, o telescópio, a descoberta do Novo Mundo etc., vindo juntar-se ao estudo das obras da antiguidade, provocaram uma embriaguez de orgulho, que disse: “a razão humana basta a si mesma para governar seus negócios na vida social e política. Não temos necessidade de uma autoridade que sustente ou corrija a razão”. A arte, a literatura e a ciência retiraram-se pouco a pouco do serviço da alma para se empenharem na animalidade: fato que conduziu para dentro da ordem moral e da ordem religiosa essa revolução que foi a Reforma. Da ordem religiosa o espírito da Renascença ganhou a ordem política e social com a Revolução. E ei-los que atacam a ordem econômica com o socialismo (comunismo). É aí que a civilização pagã devia chegar, é aí que ela encontrará seu fim, ou nós o nosso; seu fim, se o cristianismo retomar o domínio sobre os povos apavorados ou, melhor dizendo, acabrunhados pelos males que o socialismo (comunismo) fará pesar sobre eles; o nosso, se o socialismo puder levar até o fim a experiência do dogma do livre gozo nesta terra e nos fizer sofrer todas as consequências.

A Renascença é, pois, o ponto de partida do estado atual da sociedade. Tudo quanto sofremos vem daí. Se quisermos conhecer nosso mal e tirar desse conhecimento o remédio radical para a situação presente, é preciso remontar à Renascença.

Todos os erros que depois perverteram o mundo cristão, todos os atentados perpetrados contra as suas instituições, tiveram aí sua fonte; podemos dizer que tudo isto a que assistimos foi preparado pelos humanistas. Eles são os iniciadores da civilização moderna.

Alberti preparou uma outra espécie de atentado, o mais característico da civilização contemporânea. Jurista e literato, compôs um tratado do Direito. Aí proclamava “que a Deus deve ser deixado o cuidado das coisas divinas, e que as coisas humanas são da competência do juiz”. Era, como observa Guiraud, proclamar o divórcio da sociedade civil e da sociedade religiosa; era abrir os caminhos àqueles que querem que os governos não persigam senão os fins temporais e permaneçam indiferentes aos espirituais, defendam os interesses materiais e deixem de lado as leis sobrenaturais da moral e da religião; era afirmar que os poderes terrestres são incompetentes ou devem ser indiferentes em matéria religiosa, que eles não têm que conhecer a Deus, que eles não têm que fazer observar Suas leis. Era, numa palavra, formular a grande heresia do tempo presente, e arruinar pela base a civilização dos séculos cristãos. O princípio proclamado por esse secretário apostólico encerrava o germe de todas as teorias que nossos modernos “defensores da sociedade laica” atribuem a si. Bastava deixar esse princípio se desenvolver para chegar a tudo que hoje testemunhamos com tristeza.

A glorificação do prazer era o tema preferido das dissertações dos humanistas. Laurent Valla afirmava no seu tratado De Voluptate que “o prazer é o verdadeiro bem, e que não há outros bens fora do prazer”. Essa convicção levou-o, a ele e a muitos outros, a escrever em poesia as piores licenciosidades. Assim eram prostituídos os talentos que deveriam ter sido empregados em vivificar a literatura e a arte cristãs.

Sob todos os aspectos ocorria o divórcio entre as tendências da Renascença e as tradições do cristianismo. Enquanto a Igreja continuava a pregar a decadência do homem, a afirmar sua fraqueza e a necessidade de um socorro divino para o cumprimento do dever, o humanismo tomava a dianteira relativamente a Jean-Jacques Rousseau para proclamar a bondade da natureza: ele deificava o homem. Enquanto a Igreja assinalava uma razão e um fim sobrenaturais para a vida humana, colocando em Deus o termo do nosso destino, o humanismo, repaganizado, limitava a este mundo e ao próprio homem o ideal da vida.


A Conjuração Anticristã, O Templo Maçônico que quer se erguer sobre as ruínas da Igreja Católica (Tomo I) – Monsenhor Henri Delassus.

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