Pela excelência da
sabedoria cristã, podemos reconhecer o quanto devemos à bondade divina
por nos levar, sem demoras de raciocínio, a conhecer pelos degraus da fé o ser
mais sublime e desejável. Existe, realmente, uma enorme diferença entre a filosofia
cristã, e a sabedoria deste mundo. Guiada só pela luz da razão, pode esta
desenvolver-se aos poucos, pelo conhecimento dos efeitos e pela experiência dos
sentidos. Mas só depois de longos esforços é que chega afinal a contemplar, com
dificuldade, “as coisas invisíveis de Deus” (Rm 1,20); a reconhecer e
compreender a Deus como causa primeira e autor de todas as coisas.
A fé, pelo contrário, aumenta de tal maneira a penetração
natural do espírito, que este pode sem esforço elevar-se até ao céu, e, de lá todas
as coisas colocadas debaixo do seu clarão. Num transporte de júbilo, sentimos
então que “das trevas, como diz o Príncipe dos Apóstolos, fomos chamados para
uma luz admirável” (1 Pd 2,9); e nessa “ fé exultamos de inefável alegria” (1
Pd 1,8).
Com efeito, para chegarmos até Deus, o mais transcendente de
todos os seres, é preciso que nossa alma desfaça totalmente das faculdades
sensitivas. Isto, porém, não nos é possível por lei da natureza, enquanto durar
a vida presente.
Eis por que os filósofos nada de imperfeito podiam admitir
em Deus. Da noção de Deus, afastaram categoricamente tudo o que fosse matéria,
crescimento, composição.
Atribuindo-Lhe a suma plenitude de todos os bens,
consideravam-n’O como fonte perpétua e inexaurível de bondade e clemência,
donde se derrama em todas as criaturas tudo o que há de bom e perfeito.
Chamavam-Lhe, sábio, autor e amigo da verdade, justo,
supremo benfeitor. Deram-Lhe ainda outros atributos que exprimem uma perfeição
suma e absoluta. Em Deus reconheciam um poder imenso e absoluto, que abrange
todos os lugares, e chega a todas as criaturas.
No entanto, estas verdades são expressas, com mais vigor e
propriedade, nas páginas da Sagrada Escritura, como por exemplo:
“ Deus é Espírito”(Jo 4,24). – Sede perfeitos, como vosso Pai
no céu é perfeito” (Mt 5,48). Todas as coisas estão a nu e descoberto diante de
seus olhos” (Hb 4,13). Eu sou o caminho, a verdade e a vida”(Jo 14,6).
Por grandes e sublimes que sejam os conceitos que, de
harmonia com a doutrina da Sagrada Escritura, os filósofos tiraram da
investigação das coisas criadas, devemos todavia reconhecer a necessidade de uma revelação sobrenatural. O conhecimento que a fé nos transmite dessas
verdades, é tambem muito mais certo e estreme de erros, do que as noções
adquiridas com recursos de uma ciência meramente humana.
Esse conhecimento explanam-nos a unidade da essência divina,
a distinção das três Pessoas. Ensinam-nos que o último fim do homem é o próprio
Deus, do qual o homem deve esperar a posse da celestial e eterna felicidade,
segundo a palavra de São Paulo: “Deus retribuirá os que o procuram” (Is 64,4 e
1Cor 2,9).
Segue-se também a obrigação de confessarmos que há um só
Deus, e não vários deuses. A razão é óbvia. A perfeição suma e absoluta é
exclusiva por natureza. Se a vários deuses coubessem simultaneamente, só
poderia ser gradual e relativa. Em vários seres não pode haver perfeição em
grau sumo e absoluto. Se a algum deles falta alguma coisa para ser sumamente
perfeito, por isso mesmo é imperfeito, e não lhe compete a natureza divina.
Além da lógica, existe prova teológica que comprovam esssa
verdade nos Livros Sagrados. “Ouve,Israel, o Senhor nosso Deus é um só Deus”(Dt
6,4). “ Eu sou o Primeiro, e Eu sou o Último. Fora de Mim, não há outro Deus”
(Is 41,4; 44,6). O Apóstolo também o atesta: “Um só Senhor, uma só fé, um só
Batismo”(Ef 4,5).
O nome de “Pai”
designa Deus como criador e governador do mundo. Dá-se a Deus o nome de
“Pai” sob vários pontos de vista que é preciso explicar primeiro o sentido, que
lhe cabe neste lugar.
Nas trevas do paganismo, chegaram alguns homens a reconhecer
sem a luz da fé, que Deus é uma substância eterna, da qual tiveram origem todas
as coisas, e cuja Providência tudo governa, e tudo conserva em sua ordem e
posição.
Assim como chamamos de pai a quem funda uma família, e a
dirige com critério e autoridade, assim também quiseram eles, por analogia,
chamar de “Pai” a Deus, a quem reconheciam como Criador e Governador de todas
as coisas.
A Sagrada Escritura emprega o termo também declarando que
Lhe devemos atribuir a criação, o domínio e a admirável provisão de todas as
coisas. Numa passagem lemos: “Não é Ele teu Pai, que te adquiriu, que te fez e
tirou do nada?”(Dt 32,6). – E noutra: “Porventura, não é um só o Pai de todos
nós? Não foi o mesmo Deus que nos criou?(Mt 2,10).
O cristão “não recebeu o espírito de servidão, para
estarem novamente com temor, mas o espírito de filiação adotiva, o qual nos faz
exclamar: Abba, Pai” (Rm 8,15). Tão grande é o amor do Pai para conosco que
somos chamados e de fato somos filhos de Deus” (1Jo 3,1). – se porém, somos
filhos, somos também herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo”(Rm 8,17), que
é o Primogênito entre muitos irmãos (Rm 8,29), e não se vexa de nos chamar
irmãos (Hb 2,11).
Todo Poderoso. A
Sagrada Escritura emprega muitas expressões para indicar o sumo poder e a
imensa majestade de Deus. Mostra-nos assim com quanto respeito devemos venerar
Seu Nome Santíssimo, a Deus se atribui com maior frequência o nome
“Onipotente”.
Deus declara de si mesmo: “Eu sou o Senhor Todo Poderoso”(Gn
17,1). Algumas vezes por meio de paráfrases como: “A Deus nada é impossível”
(Lc 1,37). – “Em vossa mão está usar de poder, quando quiserdes” (Sb 12,18).
O conceito de Todo-Poderoso nos dá a entender que nada
existe, nada se pode pensar ou imaginar que Deus tenha a virtude de realizar.
Pode, portanto, não só operar prodígios que, por maiores que sejam, não excedem
de maneira absoluta o âmbito de nossas idéias, como por exemplo fazer voltar ao
nada todas as coisas, ou num ápice tirar do nada outros mundos; mas pode também
fazer coisas muito maiores, que a inteligência humana não chega sequer a
suspeitar.
Apesar de poder tudo, Deus não pode todavia pecar, nem
perecer, nem tampouco ignorar alguma coisa. São deficiências que só pode que só
podem ocorrer na natureza, cuja operação é imperfeita.
Com efeito, desde que reconhecemos a Deus como sendo
Todo-Poderoso, força nos é também professar que Ele sabe todas as coisas, e que
todas as coisas estão igualmente sujeitas ao Seu poder e soberania.
Deus criador do céu e
da terra. Deus não formou o mundo de uma matéria preexistente, mas criou-o
do nada, sem a tanto ser obrigado por violência estranha ou necessidade
natural; mas por Sua livre e espontânea vontade. Nenhum outro motivo O impeliu
a criar o mundo, senão a Sua própria bondade. Queria comunica-las a todas as
coisas que criasse. Possuindo por Sua natureza toda a felicidade, Deus não tem
falta de coisa nenhuma.
Assim como não obedeceu senão a própria bondade, para “fazer
tudo o que era do seu agrado” (Os 113,13), assim também não seguiu na criação
nenhum modelo que estivesse fora de Sua própria natureza.
Sua inteligência infinita possui, dentro de Si mesma a idéia
exemplar de todas as coisas. Contemplando, pois, em Si mesmo essa idéia
exemplar; e reproduzindo-a, por assim dizer, com a suma sabedoria e o infinito
poder, que Lhe são próprios, Supremo Artífice criou no princípio todas as
coisas do Universo. “Ele disse, e tudo foi feito; Ele mandou, e tudo foi
criado” (Sl 148,5).
Pelos termos “céu e terra”, deve tomar-se tudo o que o céu e
a terra compreendem. Além do dos céus, que o Profeta considerava como “obra de
Suas Mãos” (Os 8,4), Deus criou a claridade do sol e o encanto da lua e dos
corpos celestes, para que servissem de sinais para os tempos, os dias e os
anos” (Gn 1,14).
A par do firmamento, Deus criou do nada seres de natureza
espiritual, inúmeros Anjos, cujo ministério era servir-Lhe, e assistir diante
de Seu trono. Conferiu-lhes depois o admirável dom de Sua graça e poder.
Com o poder de Sua palavra, Deus também firmou a terra em
bases sólidas, e deu-lhe um lugar no meio do Universo. Fez com que os morros se
erguessem, e os campos baixassem ao nível ao nível que lhes tinha marcado. E
para que as massas dágua não inundassem a terra, “assentou-lhes limites dos
quais não passarão, e não tornarão a cobrí-la” (Sl 103,5 ; 8,9).
Em seguida revestiu a terra de árvores e de toda a sorte de
flôres; encheu-a também de inúmeras espécie de animais, como antes já o tinha
feito com as águas e os ares.
Por último, Deus formou do limbo da terra o corpo do homem,
de maneira que fosse imortal e impassível, não por exigência da própria
natureza, mas por mero efeito da bondade divina (Gn 1,1).
A alma, porém, Deus a criou à Sua imagem e semelhança, e
dotou-a de livre-arbítrio. Além de tudo, regulou os movimentos e apetites da
alma, de sorte que sempre obedecessem ao império da razão. Finalmente, deu-lhe
ainda o admirável dom da justiça original, e quis que tivesse o governo de
todos os outros seres animados.
Como tudo só existe graças à onipotência, sabedoria, e
bondade do Criador, todas as criaturas recairiam logo no seu nada, se Deus lhe
não assistisse continuamente pela sua Providência, e não as conservasse pelo
mesmo poder que, desde o princípio, empregou para criar. A Escritura no-lo
declara: “Como poderia subsistir alguma coisa, se Vós o não quisésseis? Como
poderia conservar-se o que Vós não tivésseis chamado?” (Sb 11,26).
Sobre conservar e governar, pela sua Providência, tudo que
existe, Deus comunica, por um impulso interior, ação e movimento a todas as
coisas, conforme a propriedade que tem cada qual de mover-se e operar.
Sem as impedir, Deus antecipa-Se a influência das causas
segundas, como uma virtude oculta que se estende a todas as coisas, e, no dizer
do Sábio, “atinge fortemente de um extremo a outro, e dispõe todas as coisas
com suavidade” (Sb 8,1).
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