Ao contrário do Batismo, que é administrado uma só vez, e não pode ser reiterado, a Penitência se impõe como obrigação, quantas vezes o homem caia em pecado depois do Batismo. Neste sentido, declarou o Concílio de Trento, que o Sacramento da Penitência não é menos necessário para quem tenha pecado depois do batismo, do que o Batismo para a salvação dos que ainda não foram regenerados.
Penitência
sem vínculo com Deus. Algumas pessoas erram por pensar que a
penitência consiste numa vida nova, julgando que a penitência não deve levar
em conta a vida passada, e com isso se apartam da doutrina da fé católica.
Fala-se de penitência, quando alguém se desgosta de uma
coisa que antes lhe agradava, sem atender de modo algum à sua bondade ou
malícia. Assim se penitenciam todos aqueles que se entristecem segundo as máximas
do mundo, e não segundo os sentimentos de Deus. Tal penitência não traz
salvação, mas gera a morte (2 Cor 7,10).
Penitência
por egoísmo. Outra espécie de penitência consiste em
doer-se alguém de um pecado cometido, não por atenção a Deus, mas por causa de
si próprio.
Penitência
por amor a Deus.A verdadeira penitência consiste, não só em
doer-nos intimamente do pecado cometido,
e darmos até algum sinal extremo de nossa compunção, mas também em nos
afligirmos unicamente por causa de Deus.
A primeira penitência deve ser considerada pecaminosa. A
segunda é um estado natural da alma, proveniente de comoção e perturbação. A
terceira constitui, como dizemos, uma virtude e parte integrante do Sacramento.
Esta última é a noção própria de penitência.
O
arrependimento. Consiste a penitência interior em
converter-nos a Deus de todo coração; em aborrecer e odiar os pecados
cometidos; em firmar-nos no determinado propósito de mudar de vida e corrigir
os maus costumes: mas tudo isso na esperança de conseguirmos perdão da
misericórdia divina.
Entretanto, na pessoa do penitente, é necessária que a fé
preceda a penitência. Sem possuir a fé, ninguém pode converter-se a Deus.
Ninguém negará que seja ato de virtude o entregar-se à
penitência no tempo, modo e medida que for determinada. Ora, é um efeito da virtude da penitência que
tudo isso se faça como se deve ser.
O caráter de virtude na penitência se deduz também dos
fins, que a si mesmo se propõe o pecador verdadeiramente arrependido. Seu
primeiro propósito é extinguir o pecado, e purificar a alma de toda a culpa e
mancha.
O terceiro é voltar o homem às boas graças de Deus, cujo
ódio e inimizade havia contraído pela torpeza do pecado.
A fé nos faz tender interiormente para Deus, assim como
atesta o Apóstolo: “Quem se aproxima de Deus, deve crer que Ele existe, e que é
o remunerador daqueles que O procuram” (Hb 11,6).
Sobrevém, então, um sentimento de temor, pois a alma se
desapega do afeto ao pecado, quando medita dos acerbos tormentos que ele lhe
acarreta.
Acresce, porém, a esperança de alcançar a misericórdia
divina. Reanimados por essa esperança, tomamos a resolução de emendar nossa
vida e nossos costumes.
Por fim, inflama-se a caridade em nossos corações, e dela
nasce aquele amor filial, dignos de filhos bons e nobres. Só com o receio de
agravar em alguma coisa a majestade de Deus, largamos então definitivamente o
hábito de pecar.
Devemos considerar a penitência como uma virtude toda
divina e celestial, a que as Sagradas Escrituras fazem a promessa do Reino dos
Céus conforme explica São Mateus: “fazei penitência, porque está próximo o
Reino dos Céus” (Mt 4,17). E o profeta Ezequiel: “ Se o ímpio fizer penitência
de todos os pecados que cometeu; se guardar todos os Meus Mandamentos; se
proceder com equidade e justiça: é certo que terá vida” (Ez 18,21). Noutro
lugar: Não quero a morte do pecador, mas
que o pecador se converta de seu caminho, e tenha vida” (Ez 33,11).
A penitência exterior tem como motivo principal tirar-nos
todas as dúvidas sobre a remissão dos pecados. Realmente, se assim não fosse,
muitas dúvidas ficariam a respeito de nossa penitência interior, pois ninguém
pode, fiar-se de maneira de ajuizar, pessoalmente, as suas próprias ações.
A fim de nos livrar dessa inquietação, Nosso Senhor
instituiu o Sacramento da Penitência, para que tivéssemos a confiança de serem
perdoados os nossos pecados, pela absolvição do sacerdote e para nossa
consciência ficasse tranquila, por causa da eficácia deste Sacramento.
Depois, como ninguém pode conseguir a salvação senão por
Cristo, e na virtude de Sua Paixão, era necessário um Sacramento, por cuja
eficácia corresse sobre nós o Sangue de Cristo, a fim de purificar os pecados
cometidos após o Batismo.
A Penitência também figura entre os Sacramentos que podem
ser reiterados. Quando Pedro perguntou se podia dar o perdão de um pecado até
sete vezes, Nosso Senhor lhe retorquiu: “Eu não te digo até sete vezes, mas até
setenta vezes sete” (Mt 18,22).
De mais a mais, não pode haver delito tão grave e
abominável, que não seja apagado do Sacramento da Penitência, por sinal que não
só a primeira vez, mas também a segunda e outras vezes mais. São João diz: “Se
confessarmos nossos pecados, Deus é fiel e justo, para nos perdoar nossos
pecados” (1 Jo 1,9).
Quando
e por que não há perdão. Quando lemos, nas Escrituras, que alguns
homens não conseguiram no Senhor nenhuma misericórdia, apesar de ter pedido com
insistência, devemos entender que tal aconteceu, porque eles não tinham
verdadeiro e sincero arrependimento ( 2 Mc 9,13; Hb 12:17).
Assim como uma moléstia é incurável, se a pessoa atacada
sente horror ao remédio, que lhe pode restituir a saúde: assim também certa
espécie de pecados, para os quais não se dar nenhum perdão, porque levam a
repelir o remédio próprio da salvação, que é a graça de Deus (2 Pd 3,3; 1 Jo
2,7).
Partes
integrantes da confissão. É próprio deste Sacramento ter também
partes que constituem, a perfeita integridade da Penitência: contrição,
acusação, satisfação.
Contrição.
Dela formularam os Padres do Concílio de Trento a seguinte definição: “Contrição
é uma dor da alma, e uma detestação do pecado cometido, com o
firme propósito de não voltar a pecar”.
A contrição perfeita é um ato de caridade, nascido do
amor filial. É claro, pois, que a contrição e a caridade se medem pela mesma
escala. Ora, com a caridade que amamos a Deus é um amor sumamente perfeito,
assim também a contrição deve envolver a mais viva dor da alma. Se devemos amar
a Deus sobre todas as coisas, pela mesma razão detestar, acima de tudo o que
nos traz inimizade com Deus.
Se Deus é o maior bem, entre todas as coisas a ser
amadas, o pecado é o maior mal entre todas as coisas que o homem deve odiar. O
amor a Deus deve antepor-se a todas as coisas, de forma que nunca será lícito
pecar, nem para salvar a vida, conforme nos ensina o Senhor: , “Quem ama seu
pai e sua mãe mais do que a Mim, não é digno de Mim” (Mt 10,37). E noutro
lugar: “Quem quiser salvar a sua vida, há de perdê-la” (MT 16,25).
O penitente deve tomar a firme e inabalável resolução de
emendar sua vida. Claramente o exprimem o Profeta: “Se o ímpio fizer penitência
de todos os pecados cometidos, se observar todos os Meus Mandamentos, e se
proceder com equidade e justiça, terá a vida, e não morrerá. De todas as
iniquidades que praticou, nem guardarei lembrança” (Ez 18;21). A mesma ordem
deu Cristo Nosso Senhor à mulher
apanhada em adultério: “Vai e não tornes a pecar” (Jo 8,11).
A natureza da coisa e a própria razão nos mostram
claramente que, para a contrição, são necessárias duas condições: dor pelo
pecado cometido, e previdente resolução de não voltar a cometê-lo.
Por conseguinte, se o penitente tirou alguma coisa de seu
próximo, por violência ou por fraude, está obrigado a restituir. Da mesma forma
, deve dar satisfação, mediante qualquer serviço ou benefício, quem lesou a
fama ou a vida de outrem, por atos e palavras.
É requisito essencial para a boa contrição que não haja
menos cuidados e diligência e perdoarmos, plenamente todas as afrontas
recebidas como disse Nosso Senhor: “ Se vós perdoardes aos homens as suas
ofensas, também o Vosso Pai Celeste vos perdoará os vossos pecados, mas, se não
perdoardes aos homens, o Vosso Pai também não vos perdoará os vossos pecados”
(Mt 6,14; Mc 11,26).
Por isso é necessário exortá-los de que examinem amiúde a
própria consciência, vendo se observaram os Mandamentos de Deus e da Igreja.
Confissão
ou acusação. Com efeito, a fé católica nos propõe um ponto
de doutrina, que todos devem aceitar e professar como dogma: Quando alguém
confessa, sinceramente, seus pecados ao sacerdote, estando arrependido de os
haver cometido, tendo mesmo o propósito de não tornar a cometê-los, todos os
seus pecados são plenamente perdoados.
Se eliminarmos da vida cristã a Confissão Sacramental, é
certo que em toda parte se insinuarão crimes ocultos e nefandos; depois, os
homens não terão vergonha de cometer, publicamente, outros crimes mais graves
ainda, uma vez que se depravaram com o hábito de pecar. O pudor natural de se
confessar impõe uma espécie de freio à desenvoltura do pecado, e reprime os
maus sentimentos do coração.
É necessário que os católicos saibam que este Sacramento
foi instituído como efeito da infinita bondade e misericórdia de Cristo Nosso
Senhor. Pois, estando os apóstolos reunidos no mesmo lugar, Cristo bafejou-os com
seu hálito, e disse-lhes: “Recebei o
Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; e a quem
os retiverdes, ser-lhes-ão retidos” (Jo 20,22).
Desde que Nosso Senhor conferiu aos sacerdotes o poder de
reterem e perdoarem os pecados, torna-se evidente que também os instituiu
juízes dessa matéria. O Santo Concílio de Trento ponderou que não se deve
julgar nenhum processo, nem moderar a justiça na aplicação de penas aos
delitos, sem que haja pleno e absoluto conhecimento de causa. Donde se deduz
logicamente que, pela confissão dos penitentes, todos os pecados devem ser
discriminados um por um aos sacerdotes.
Não pense alguém que Nosso Senhor instituiu a Confissão,
mas sem determinar que fosse de uso obrigatório. Toda pessoa, onerada de culpa grave, não pode reintegrar-se na vida
sobrenatural, senão pelo Sacramento da Confissão.
Disso temos um sinal evidente na belíssima metáfora usada
por Nosso Senhor, quando Ele deu nome de chave dos céus ao poder de administrar
esse Sacramento (Mt 16,19). Como ninguém pode entrar num recinto fechado, sem a
intervenção de quem guarde as chaves.
Pelo teor do cânon do Concílio de Latrão que começa pelas
palavras – “Todos os fiéis de ambos os sexos” – vemos claramente que alguém
está obrigado pelo preceito da Confissão, antes da idade que tenha alcançado o
uso da razão. Essa idade não é determinada por certo número de anos. Não
obstante, podemos dar como norma geral que a criança fica obrigada a
confessar-se, desde a época em que saiba distinguir entre o bem e o mal, e que
possa ter malícia em seu coração.
Temos também que confessar nossas faltas veniais, que não
nos privam da amizade com Deus, e nas quais caímos com mais frequência. Isto
traz muito proveito, conforme mostra a experiência de pessoas piedosas. Todavia
não há nenhum pecado em omitir-se as faltas veniais, porque há muitos outros
meios de repará-las.
Quanto aos pecados mortais (contra os Dez Mandamentos ou
Decálogo), como já dissemos, é preciso enumerá-los todos , por mais
ocultos e encobertos que sejam, e talvez só pertençam aos pecados proibidos
pelos dois últimos preceitos do Decálogo (no marcador; Catequese, deste blog,
tem todos os Dez Mandamentos). Muitas vezes esses pecados ferem mais
profundamente a alma, do que os pecados que os homens costumam cometer de
maneira pública e manifesta.
Para arrancar as raízes do pecado, é necessário indicar,
na acusação não só as faltas graves como tais, mas também todas as
circunstâncias que, de modo notável, lhes aumentam ou diminuam a malícia.
Algumas circunstâncias são tão graves, que só por elas já consta espécie de
pecado mortal.
OBS: A pessoa não
tira nenhum proveito da confissão, e até cometeria outro pecado pior
ainda (Sacrilégio), se deliberadamente omitisse uma parte daquilo que devia
acusar, e só declarasse outra parte.
Nessas
condições, a enumeração dos pecados nem merece o nome de Confissão sacramental.
O penitente deve, pelo contrário, fazer nova confissão, e acusar-se a si mesmo
de profanado a santidade do Sacramento
em uma Confissão simulada.
Porém,
se o penitente esqueceu alguns pecados depois de revisar a consciência e ter a
intenção de confessar: nesse caso, se vier a se lembrar, basta confessar ao
sacerdote em outra ocasião.
Muito para louvar são os fiéis que, na exposição de seus
pecados, dão prova de discrição e reverência. Pois não devemos demasiar-nos nas
palavras, mas com modesta brevidade dizer somente o que for necessário, para
declarar a natureza e as circunstâncias de cada pecado.
O sacerdote conserva secreta as palavras ditas na Confissão.
Esta também é a razão por que a ninguém se permite confessar, por intermédio de
outra pessoa, ou por correspondência.
Devem os católicos empenhar-se, acima de tudo, em
purificar a alma, pela frequente confissão. Em vistas dos perigos que ameaçam a
vida, nada pode ser mais salutar para quem tem culpa grave na consciência.
Como é natural, todo homem sente o mais vivo desejo de
que seus pecados e fraquezas e permaneçam ocultos. Por isso deve saber que os
sacerdotes guardam o mais absoluto e perpétuo silêncio acerca de todos os
pecados, que alguém tenha confessado. Nesse sentido, lemos uma determinação do
Concílio de Latrão: “Tome o sacerdote todas as precauções, para não trair o
pecador em nenhuma circunstância, nem por palavras, nem por sinais, nem de
outra maneira qualquer”.
A
satisfação. A satisfação é o pagamento integral de uma
coisa devida. Quando, por exemplo, nos referimos a uma reconciliação, significa
o mesmo que prestar a outrem para desagravar da injúria a pessoa indignada.
A primeira espécie de satisfação, e a mais nobre de
todas, resgata, plenamente, o que devemos pela gravidade dos nossos pecados,
ainda que Deus quisesse tratar-nos, com rigor e justiça. Nessas condições
estava aquela que aplacou a ira de Deus, e no-l’O tornou propício; devemo-la
unicamente a Cristo, que na Cruz pagou o resgate pelos nossos pecados, e assim
prestou a Deus a mais perfeita satisfação.
Outra espécie de satisfação é a canônica. Na Igreja
primitiva vigorava o costume de impor alguma pena aos pecadores absolvidos.
Pode-se fazer também qualquer espécie de penitência, que
escolhemos e cumprimos voluntariamente, sem ser prescrita pelo sacerdote.
Todo pecado acarreta duas consequências: culpa e castigo.
Ainda que, pela extinção da culpa, seja também perdoado o suplício da morte
eterna no inferno, Nosso Senhor nem sempre perdoa os remanescentes dos pecados
e a pena temporal que lhes é devida.
Vemos isso na pessoa de Davi. Natã lhe havia assegurado:
“O Senhor também te perdoou o pecado, e não morrerás” (2 Sam 12,13). Davi
submeteu-se às mais duras penitências e implorava dia e noite a misericórdia do
Senhor (Sl 50 4,5). Não obstante o fervor de suas preces, foi todavia punido
com a morte do filho que tivera do adultério, com a morte de Absalão, a quem amava
com particular carinho; com outros castigos e flagelos, que já antes lhe haviam
sido cominados.
Caso semelhante no Êxodo. Muito embora o Senhor, acalmado
pelas súplicas de Moisés, perdoasse ao povo que caíra em idolatria, contudo
ameaçou que, com graves castigo, iria punir tão grande crime (Ex 32 14,34).
A razão por que a pena não é de toda perdoada no
Sacramento da Penitência é para evitar que, na primeira ocasião, tenhamos os
pecados por muitos leves,e, com atrevida afronta ao Espírito Santo, caiamos em
outros mais graves, cumulando sobre nós ira para o dia da ira (Rm 2,5; Tg 5,3).
Sem dúvida alguma, as penas satisfatórias são de grande eficácia para apartar
do pecado; reprimem à semelhança de freios, e tornam os penitentes mais precavidos e vigilantes para
o futuro.
Pela satisfação das penas, conseguimos também reproduzir,
em nós mesmos a imagem e semelhança de Cristo, nossa Cabeça, que como tal
padeceu, e foi tentado.
Ensina São Bernardo que no pecado aparecem dois efeitos:
conspurcação e ferimento da alma. A conspurcação é tirada pela misericórdia de
Deus; mas, para curar os ferimentos do pecado, é muito necessária a medicação,
que se faz com o remédio da Penitência.
Pois, curada que for uma ferida, restam ainda certas
cicatrizes que é preciso pensar. Assim também, perdoada a culpa, ficam na alma
uns resíduos que exigem purificação.
As satisfações escolhidas pelo homem se reduzem a três
classes principais: oração, jejum e esmola. Correspondem a três ordens de Bens,
que todos recebemos de Deus: bens da alma, bens do corpo, e bens de fortuna.
Pela oração aplacamos a Deus; pela esmola, damos satisfação ao próximo; pelo
jejum, infligimos castigos em nós mesmos.
Catecismo Romano. II Parte - V Penitência
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