Ninguém pode pensar o oposto
de algo que é evidente por si. Ora, podemos pensar o contrário da existência de
Deus, pois de acordo com o Salmo 52: “O insensato diz em seu coração: Deus não
existe”. Logo, a existência de Deus não é evidente por si.
Algo pode ser evidente por
si de duas maneiras: seja em si mesmo e não para nós; seja em si mesma e para
nós. Uma proposição é evidente por si se o predicado está incluso na razão do
sujeito. Exemplo: o homem é um animal, porque animal faz parte da razão do
homem. Se, por conseguinte, a definição do sujeito e a do predicado são
conhecidas de todos, esta proposição será evidente por si para todos. É o que
acontece com os primeiros princípios de demonstração, cujos termos são tão
gerais que ninguém os ignora. Se alguém ignorar a definição do predicado e a do
sujeito, a proposição será evidente por si em si mesma; mas não para quem
ignora o sujeito e o predicado da proposição.
A proposição Deus existe,
enquanto tal, é evidente por si, porque
nela o predicado é idêntico ao sujeito. Deus é seu próprio ser. Mas como não
conhecemos a essência de Deus, esta proposição não é evidente para nós; precisa
ser demonstrada por meio do que é mais conhecido para nós, ainda que por sua
própria natureza seja menos conhecido, isto é, pelos efeitos.
Deve-se dizer que está
impresso naturalmente em nós algum conhecimento geral e confuso da existência
de Deus, isto é, Deus como felicidade do homem, pois o homem deseja
naturalmente a felicidade, e o que por sua própria natureza ele deseja,
naturalmente também conhece. Mas esse conhecimento não é absoluto da existência
de Deus, assim como conhecer que alguém
está chegando não é conhecer Pedro, embora seja Pedro que está chegando. Muitos
pensam que a felicidade, consiste nas riquezas, outros nos prazeres, ou em
qualquer outra coisa.
Demonstração
da Existência de Deus. O Apóstolo diz na Carta aos Romanos: “
As perfeições invisíveis de Deus se tornariam visíveis à inteligência, por sua
obras”. Mas isso não aconteceria se pudesse demonstrar a existência de Deus,
pois o que primeiro se deve conhecer de algo é se ele existe.
Existe dois tipos de
demonstração: uma pela causa, e se chama, propter
quid; ela parte do que é anterior de modo absoluto. Outra, pelos efeitos, e
se chama quia; ela parte do que é
anterior para nós. Sempre que um efeito é mais manifesto do que sua causa, recorremos
a ele a fim de conhecer a causa. Ora, por qualquer efeito podemos demonstrar a
existência de sua causa, se pelo menos os efeitos desta causa são mais conhecidos para nós, porque como os efeitos dependem da
causa, estabelecida a existência do efeito, segue-se necessariamente a
preexistência de sua causa. Por conseguinte a existência de Deus não é evidente
para nós, pode ser demonstrada pelos efeitos por nós conhecidos.
Portanto deve-se dizer que a
existência de Deus e as outras verdades referentes a Deus, acessíveis à razão
natural, como diz o Apóstolo, não são artigos de fé, mas preâmbulos artigos. A
fé pressupõe o conhecimento natural, como
a graça pressupõe a natureza, e a
perfeição o que é perfectível. No entanto, nada impede que aquilo que,
por si, é demonstrável e compreensível, seja recebido como objeto de fé por
aquele que não consegue apreender a demonstração.
Deve-se dizer que quando se
demonstra uma causa por seu efeito, é necessário empregar o efeito, em vez da definição
da causa, para provar sua existência. O que se verifica principalmente quando
se trata de Deus.
A partir de um feitio
qualquer pode-se demonstrar claramente a existência da causa um conhecimento
perfeito; mas, como se disse, a partir de um efeito qualquer pode-se demonstrar
claramente a existência da causa. Assim, partindo das obras de Deus, pode-se
demonstrar sua existência, ainda que por
elas não possamos conhecê-lo perfeitamente quanto à sua essência.
A segunda via parte da razão
de causa eficiente. Encontramos nas realidades sensíveis a existência de uma
ordem entre as causas eficientes; mas não se encontra, nem é possível, algo que
seja a causa eficiente de si próprio, porque desse modo seria anterior a si
próprio. Tampouco é possível, entre as causas eficientes, continuar até o
infinito, por que entre as causas eficientes ordenadas, a primeira é a causa
das intermediárias e as intermediárias são a causa da última, sejam elas
numerosas ou apenas uma. Por outro lado,
supressa a causa, suprime-se também o efeito. Portanto, se não existisse a
primeira entre as causas eficientes, não haveria a última nem a intermediária.
Logo, é necessário afirmar uma causa eficiente primeira, a que chamamos Deus.
A terceira via é tomada do
possível e do necessário. Encontramos entre as coisas, as que podem ser ou não
ser, uma vez que algumas se encontram que nascem e perecem. Consequentemente
podem ser e não ser. Mas é impossível ser para sempre o que é de tal natureza,
pois o que pode não ser não é em algum momento. Se tudo pode não ser, houve um
momento em que nada havia. Ora, se isso é verdadeiro, ainda agora nada
existiria; pois o que não é só passa a
por intermédio de algo que já é. Aqui também não é possível ir até o
infinito, portanto, é necessário afirmar a existência de algo necessário por si
mesmo, que não encontra alhures a causa de sua necessidade, mas que é causa de
necessidade para os outros: Deus.
A quarta via se toma dos
graus que se encontram nas coisas. Encontra-se nas coisas algo mais ou menos
bom ou verdadeiro. Mais e menos se dizem de coisas diversas conforme elas se aproximam diferente mente
daquilo que é em si o máximo. Assim, mais quente é o que mais se aproxima
do que é sumamente quente. Por outro lado, o que se encontra no mais alto grau
em determinado gênero é a causa de tudo que é desse gênero; assim o fogo, que é
quente, no mais alto grau, é causa de calor de todo e qualquer corpo aquecido,
como é explicado. Existe então algo que é, para todos os outros entes, causa de
ser, de bondade e de toda a perfeição; Deus.
A quinta via é tomada do governo
das coisas. Vemos que algumas coisas que carecem de conhecimento, como os
corpos físicos, agem em vista de um fim, o que se manifesta pelo fato de que,
sempre ou na maioria das vezes, agem da mesma maneira, a fim de alcançarem o
que é ótimo. Fica claro que não é por acaso, mas em virtude de uma intenção,
que alcançam o fim. Ora, aquilo que não tem conhecimento não tende a um fim, a
não ser dirigido por algo que conhece e que é inteligente, como a flecha pelo
arqueiro.
Logo, existe algo inteligente pelo qual todas as coisas naturais são
ordenadas ao fim, e a isso nós chamamos de Deus.
Portanto, deve-se dizer com
Agostinho “Deus, soberanamente bom, não permitiria de modo algum a existência
de qualquer mal em suas obras, se não fosse poderoso e bom a tal ponto de poder
fazer o bem a partir do próprio mal”. Assim, à bondade infinita de Deus
pertence permitir males pera deles tirar o bem.
Como a natureza age em vista
de um fim determinado dirigida por um
agente superior, é necessário fazer chegar até Deus, causa primeira, tudo o que
a natureza faz. Do mesmo modo, tudo o que é feito por uma causa mais elevada,
além da razão ou da vontade humana. É necessário, pois, que o que é mutável e
falível chegue a um princípio imóvel e necessário por si mesmo.
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