Diz-se de
Deus que Ele é a vida, e não apenas um ser vivo, como se lê no Evangelho de
João: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida”. Ora, a deidade está para Deus
como a vida para o vivente. Deus é, portanto, a própria deidade.
Deus é o mesmo que sua essência ou natureza. Para entendê-lo é preciso saber que nas coisas compostas de matéria e de forma há necessariamente distinção entre natureza ou essência, e supósito. Isto porque a natureza ou essência compreende apenas o que está contido na definição da espécie; assim, humanidade compreende o que está contido na definição do homem. È pelo que está contido na definição que o homem é homem, e é o que significa a palavra humanidade, isto é, aquilo pelo qual o homem é homem. Mas a matéria individual, com todos os acidentes que a individualizam, não está contida na definição da espécie; pois a definição de homem não contem esta carne, estes ossos, a brancura, a negritude etc. Por conseguinte, esta carne, estes ossos e os acidentes que determinam essa matéria não são incluídos na noção de humanidade, e no entanto estão incluídos no que é o homem. Segue-se que o que é o homem tem algo em si que a humanidade não tem. Assim, não são totalmente a mesma coisa homem e humanidade, mas a humanidade é entendida como sua parte formal; pois os elementos da definição, com relação à matéria individualizante, se comportam como formas.
Portanto,
naquilo que não é composto de matéria e forma, cuja individualização não vem de
uma matéria individual, isto é, dessa matéria, mas que individualiza pela
própria forma, é necessário que esta forma seja supósito subsistente. Logo nele o supósito não se
distingue da natureza. Assim, como Deus não é composto de matéria e de forma,
como já demonstrado, é necessário que Ele seja sua própria deidade, sua vida
e qualquer outra coisa que a Ele se atribua.
Hilário escreve: “O existir não é em Deus um acidente, mas verdade subsistente”. Por conseguinte, o que subsiste em Deus é o seu existir.
Deus não
somente é sua essência, como foi demonstrado, mas também seu existir, é o que
se pode provar de diversas maneiras:
Primeira. Porque o que existe em algo que não
pertence à sua essência tem de ser causado ou pelos princípios da essência,
como os acidentes próprios da espécie: o riso, por exemplo, pertence ao homem e
é causado por princípios essenciais de sua espécie; ou como o calor da água é
causado pelo fogo. Portanto se o próprio existir de uma coisa é distinto de sua
essência, é necessário que este existir seja causado por algo exterior ou pelos
princípios essenciais da coisa. Ora, não se pode dizer isso de Deus, porque
dizemos que Ele é a causa eficiente primeira. Logo, é impossível que em Deus
uma coisa seja o existir e outra a essência.
Segunda. Porque o existir é a atualização de
qualquer forma ou natureza. Não se entende a bondade ou a humanidade em ato, a
não ser enquanto as entendemos como existindo. É preciso então que o existir
seja referido à essência, que é distinta dele, como o ato em relação à
potência. E como em Deus nada é potencial, como já se mostrou, segue-se que
nele a essência não é, portanto, seu existir.
Terceira. Porque assim como o que tem fogo não é
fogo, tem o fogo por participação, também o que tem o existir e não é o
existir, é um ente por participação. Ora, Deus é sua essência, já foi
demonstrado. Portanto, se não fosse seu próprio, Ele seria um ente por
participação, e não por essência. Não seria então o primeiro ente, o que é um
absurdo. Logo, Deus é o seu existir, e não apenas sua essência.
São Tomás de Aquino – Suma Teológica
Vol 1; Questão 3, artigo 3 e 4.
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