Feliz aquele
a quem a própria verdade ensina, pela experiência, além das palavras e das
imagens. Nossa opinião e nossa maneira de ver valem pouco e são sempre
falíveis. Por que se empenhar em querer saber as coisas ocultas, se ignorá-las
não nos prejudicará em nada no momento do juízo?
É insensato
deixar de lado o que é necessário e útil, para se ocupar de vãs curiosidades. Têm olhos e não veem (Sl 115, 5).
Que importam
as opiniões dos filósofos? Delas o verbo eterno nos liberta. Este Verbo único
se manifesta na unidade de todas as coisas. É
o Princípio que nos fala (Jo 8, 25). Sem ele nada se compreende ou apura
corretamente. Todo aquele que vive na unidade percebida em todas as coisas
permanece em paz, fixo em Deus. Ó Deus de verdade, faze-me estar unido contigo
num laço de amor perpétuo! Canso-me de ouvir e ler tantas coisas quando tu és
tudo que desejo e quero. Diante de ti calem-se os doutores e silenciem todas as
criaturas! Fala-me tu somente!
Quanto mais
se vive no íntimo de si mesmo, na unidade, tanto melhor e sem dificuldade se
percebem as coisas mais profundas, na luz da inteligência, que vem do alto. Puro,
simples e estável, o espírito não se dissipa nos muitos afazeres, pois tudo faz
para honra de Deus, sem perder tempo consigo mesmo.
Os maiores
obstáculo e aborrecimentos vêm da afetividade desordenada do coração. Dispor-se
interiormente antes de fazer qualquer coisa é exigência de quem busca ser bom e
santo. Agir, não segundo as más inclinações do desejo, mas sempre segundo a
razão. Que combate se compara à vitória sobre si mesmo? Disto nos deveríamos
ocupar: vencermo-nos a nós mesmos, tornando-nos cada dia mais fortes, num
constante progredir.
Nesta vida
não há perfeição sem algum limite, nem conhecimento sem alguma sombra. O autoconhecimento
humilde é o caminho mais seguro para se chegar a Deus que as profundezas das
especulações. Não se condena, com isso, a ciência ou qualquer outro
conhecimento, que é um bem em si mesmo, querido por Deus. Deve-se-lhe, porém,
preferir a vida, na pureza da consciência. Erram, portanto, e quase nenhum
fruto obtêm, os que se empenham mais em saber do que viver bem.
Oxalá se
todos procurassem extirpar os vícios e praticar as virtudes com o mesmo afã com
que se discutem as grandes questões. Não haveria tantas desordens e escândalos
entre o povo, nem tantos desmandos entre os religiosos!
No momento do
juízo ninguém será interrogado sobre os livros que leu, mas sobre o bem que fez
ou disse e sobre a vida que levou. Onde estão agora os mestres e doutores que
conheceste em vida, florescendo no ambiente acadêmico? Seus cargos passaram a
outros que talvez deles nem se lembrem. Em vida eram muito famosos, mas agora
nem se ouve mais falar deles.
Como passa
depressa a glória do mundo! Deus queira que tenham, vivido de acordo com o que
aprenderam e ensinavam! Que belo! No entanto. No entanto, a ciência nesta terra
de nada serve para os que não procuram servir a Deus! Por terem querido ser
grandes mais do que humildes, perderam-se em pensamentos fúteis e seu coração
se obscureceu (Rm 1, 21). É verdadeiramente grande quem se considera pequeno e
não dá importância às honrarias. Verdadeiramente prudente quem considera todas as coisas da terra como
prejuízo, para ganhar a Cristo (Fl 3, 8). Verdadeiramente sábio quem faz a
vontade de Deus e não a sua.
Tomás de Kempis - A Imitação de Cristo.
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