sexta-feira, 22 de agosto de 2014

A solidão e o silêncio


 

Procura um tempo adequado para pensar em ti.

Rememora sempre os dons de Deus.

Despreza as curiosidades e dedica-te às leituras que não são simples distração, mas que levam à compunção.

Evitando as conversas supérfluas, os passeios inúteis, as novidades e os mexericos, encontrarás o tempo suficiente e apropriado para te consagrar às boas meditações.


Os grandes santos evitavam a companhia das pessoas e preferiam viver na privacidade com Deus.

Sempre que estive entre os homens, senti-me menos homem, disse um filósofo (Sêneca, carta 7). É o que às vezes sentimos nas conversas sem fim.

É mais fácil calar do que não se exceder nas confabulações.

É mais fácil se proteger em casa do que na rua.

Quem busca prosseguir no caminho espiritual interior deve pois, como Jesus, apartar-se das turbas.

Só se manifesta com firmeza quem gosta de viver oculto.

Só fala com acerto, quem sabe permanecer calado.

Só preside com sabedoria, quem sabe servir.

Só manda com discrição quem sabe obedecer.

Só se alegra de fato quem conserva pura a consciência.

Toda firmeza dos santos alimenta-se do temor de Deus. Todos os que brilham pelas virtudes e pela graça são sempre humildes e prestativos.

Mas a firmeza dos maus, que nasce do orgulho e da presunção, acaba levando ao desespero.

Religioso ou secular, nunca esteja seguro nesta terra, por melhor que sejas aos teus olhos.

Os que se julgam mais santos são os que estão mais dispostos a cair, por causa da excessiva confiança em si mesmo.

Por isso, é muito melhor ser sempre um pouco tentado, ter que combater, para não ficar de todo tranquilo e não se envaidecer permitindo-se satisfazer com consolações exteriores indevidas.

Como se conservaria pura a consciência de quem nunca buscasse alegrias passageiras nem tivesse preocupações mundanas.

De quanta paz e tranquilidade gozaria quem cortasse toda preocupação vã, só cuidasse santamente de todas as coisas e de Deus, nele colocando toda sua esperança.

Não é digno da consolação celestial senão quem se esforça por viver em santa compunção.

Para alcançar a compunção do coração, entra em teu quarto e afasta o bulício do mundo, como está escrito, reflete no silêncio de teu leito (Sl 4:5).

Aí encontrarás o que perdeste lá fora.

Cultivada desde o início, a intimidade é doce e a dispersão do espírito enfadonha.

Sempre entretida, ela se converterá aos poucos numa amiga fiel, fonte de grandes consolações.

Os segredos da Escritura se revelam no silêncio e na tranquilidade.

Deles brotam as lágrimas que nos lavam e purificam as noites, tornando-nos íntimos de Deus e cada vez mais distantes da agitação mundana.

Afastados dos conhecidos e amigos, aproximamo-nos de Deus, dos anjos e dos santos.

Melhor do que chamar atenção é viver voltado intimamente para o coração.

Para o religioso é louvável sair pouco e parecer que foge de ser visto pelos homens.

Para que ver o que ao se deve ter? O mundo passa, e também sua cobiça (1 Jo 2:17).

Temos sempre vontade de espairecer. Passando o tempo, porém, que resta senão o espírito disperso e a consciência pesada?

O que dá prazer no início acaba em abatimento. Boa noitada precede manhã sombria. A satisfação de nossos impulsos, de início atraente, decepciona e nos deixa prostrados no fim.

(Que espera de outro lugar, que aqui não tenhas?)

(Os elementos do céu e da terra são sempre os mesmos em toda parte.)

Não adianta pensar que haja sob o sol algo que dure para sempre.

Pensas talvez que te possuas satisfazer plenamente, mas não o conseguirás.

Ainda que visses tudo que existe, seria uma visão inútil.

Levanta teus olhos a Deus nas alturas e reza pelos teus pecados e negligências.

Deixa as vaidades aos vãos, e aplica-se ao que Deus ordena.

Fecha a porta de teu aposento e clama por teu amado, Jesus.

Fica com ele na intimidade e terás a paz que não se encontra alhures.

Permanecerás feliz e na paz, se não salvares e não deres ouvido a nenhuma notícia.

Como porém gostas de saber o que se passa de tempos em tempos, terás que suportar a agitação do coração.

 

Imitação de Cristo – Tomás de Kempis.

Nenhum comentário:

Postar um comentário