quinta-feira, 3 de março de 2016

O Anticristo e o Katechon



Como será o Anticristo? Sabemos que em Paulo, nas cartas de João e Apocalipse, encontramos em todos os lugares, várias premonições de uma realidade que a tradição Católica tem identificado como (cito aqui um livro Teologia) “o príncipe do mal virá e reinará sobre o mundo no fim dos tempos antes da vinda definitiva do Filho do Homem, que estabelecerá o Novo Céu e Nova Terra”.

Muitas vezes, os crentes pensavam que esta figura misteriosa poderia ser identificada em um personagem histórico sangrento: Nero, Átila, Napoleão, Lênin, Stalin e Hitler.

No entanto, há também uma tradição cristã, embora apenas uma minoria, que define o perigoso  Anticristo ( “homem do pecado” e “filho da perdição” São Paulo) na imitação solapada de uma persuasiva e atrativa realidade e não na violência e no sangue. O livro publicado em 1907 de Robert H. Benson, o Senhor do Mundo,  mostra que o Maior Adversário de Jesus Cristo se apresenta sob o disfarce de “humanista”, um mestre de tolerância , de pluralismo, irenismo e de ecumenismo; Será um corruptor sorridente, porém, um antagonista estridente do Evangelho;
um aniquilador de dentro, em vez de um assaltante de fora.

Talvez, até agora, poucos sabem que alguns anos mais tarde, em 1916, Carl Schmitt novamente propôs essa tese. Schmitt morreu em 1985, com quase 100 anos de idade, e está entre aqueles em que vamos ouvir falar nos próximos anos: já existe um indício disso (que aumenta a cada dia) na vasta bibliografia de seu trabalho que, por muitas décadas, foi reprimida e exorcizada, já que era suspeito de ser nacionalista. Na verdade, este brilhante especialista político e jurista alemão foi rapidamente rejeitado pelo Terceiro Reich (onde, no início, Schmitt viu a realização de alguns pontos de sua teoria política) porque ele foi acusado de "anti-semitismo inadequado e insuficiente” e mais do que tudo, por suas “perversões católicas”.


De fato, como estudos recentes têm confirmado, o catolicismo de Schmitt não era, simplesmente, cultural ou  determinado pelos estudos culturais ou religiosos na escola, mas era uma fé professada e vivida até o fim. O que torna este pensador tão fascinante (redescoberto hoje por ex-direitistas, em sua confusa busca por “mestres” depois de todos os pontos de referência colapsarem) é que incluiu ( em seu trabalho) realismo maquiavélico e hobbesiano e temas religiosos como culpa, redenção, salvação, Cristo e Anticristo. Foi dito que a sua era uma espécie de “teologia política”, mas, para aqueles que têm estudado profundamente seu trabalho é, talvez, “a política teológica”: uma discussão sobre a ordem humana das coisas, em primeiro lugar, tendo em conta o transcendente e, segundo, em confronto com a História, ele está ciente de que ela não abarca todo o panorama, mas  está destinada a fluir para um mistério que lhe transcende.
Desde 1916, quando militava com o exército bávaro, Carl Schmitt, de 28 anos, começou a sua reflexão sobre o Anticristo, um livro dedicado ao Nord-licht (luzes do norte ou Aurora), escrito por Theodor Däubler. O jovem Schmitt, nestas páginas, cita um texto encontrado no Sermão em latim do fim do mundo de Santo Efrém. Vale a pena citar a passagem original segundo a qual, o Grande Enganador causa a apostasia de muitos antes da vitória final de Cristo: “erit omnibus subdole placidus, munera non suscipiens, personam non praeponens, amabilis omnibus, quietus universis, xenia non appetens, affabilis apparens in proximos, ita ut beatificent eum omnes homines dicentes: Justus homo hic est!.

Que quer dizer: “Astuciosamente ele vai agradar a todos, não aceitará cargos ou posições, não vai mostrar favoritismo com as pessoas, ele vai ser gentil com todos, calmo em todas as coisas, ele irá rejeitar presentes, vai parecer afável com os colegas e por isso, receberá todo o louvor: Contemplem a este homem justo!”. Este trecho, do latim de Santo Efrém contém uma perspectiva perturbadora: o Anticristo com uma aparência enganadora de um “homem de diálogo”; um “humanista” pacífico, sóbrio e honesto? É, precisamente, este retrato do Adversário que Schmitt consente: para ele, o Anticristo surgirá em uma sociedade semelhante à da sociedade ocidental moderna, em que: “Os homens são pobres diabos que sabem tudo, mas não acreditam em nada”; uma sociedade em que “as coisas mais importantes e novas são secularizadas: a beleza tornou-se um bom bocado, a Igreja é uma organização pacifista em vez de distinguir entre o bem e o mal, entre o que é útil e o que que é prejudicial.”
Em tal cultura, o dissimulado, “dialogantete”  Anticristo nos farar crer que a salvação depende da certeza social e do desenvolvimento. Mais do que qualquer outra coisa (e este é um dos insights mais perturbadores do jovens Schmitt), o Anticristo não será por nada materialista nem um inimigo da religião: “ Ele proverá todas as necessidades, incluindo as espirituais”.

Ele irá satisfazer o desejo de transcendência do homem, falando sobre espiritualidade, propondo uma “religião da humanidade”, onde todos concordam com tudo e onde qualquer divergência será expulsa e, acima de tudo, qualquer dogma será visto como um mal radical.
No momento da escrita, logo no início do século XX, a premonição de Schmitt passou quase despercebida, parecia claramente improvável. Talvez por isso, não seria agora o momento de refletir sobre ela, quando a ameaça real, na esfera religiosa não é, certamente, a intolerância, mas, em qualquer caso, o seu oposto: a “tolerância”, transformada em indiferença, que se recusa a considerar as diferentes crenças e considera-las mais que apenas uma única via (diferidas apenas por fatores históricos e geográficos) para adorar o mesmo Deus? Em que o inimigo não é mais o velho e honesto materialismo, mas, talvez, um insidioso espiritualismo “humanitário”?

 OBS: Katechon: termo usado pela primeira vez por São Paulo (2 Ts 2, 6-7), o que explica os três estágios que sinalizam a chegada do Anticristo: a iniquidade, a grande apostasia e o homem do pecado e adiciona uma cláusula para determinar o tempo de sua chegada: primeiro será uma coisa (to datechon) e, em seguida, uma pessoa (ho katechon).

 
Fonte: Rorate Caeli: The Antichrist - and the katechon



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