Ao
contemplar, cheio do Espírito de Deus, a bem-aventurada Ascensão de Nosso
Senhor, o profeta Davi exorta o mundo inteiro a celebrar o seu triunfo, em
transportes de alegria e satisfação. “Nações todas, diz ele, batei palmas,
louvai a Deus em cantos de alegria! Subiu Deus no meio de aclamações” (Sl
46:2-6).
I. Explicação: Cristo subiu.
1. Como homem. A Explicação desse Artigo, cujo
objetivo versa principalmente este divino Mistério, deve pois começar pela
primeira, parte, e descontinuar toda a sua significação.
Cremos, sem a
menor dúvida, que Jesus Cristo, depois de consumar o mistério da nossa
Redenção, subiu aos céus enquanto Homem, com corpo e alma; enquanto Deus, nunca
de lá se ausentou, pois que enche todos os lugares com Sua Divindade.
2. Por própria virtude... Subiu por virtude própria. Não foi
arrebatado por uma força estranha, como Elias que fora levado ao céu num carro
de fogo (2RS 2: 11-12), nem como Habacuc (Dn 14:35) ou o Diácono Felipe (At
8:39) que, transportados através dos ares por uma virtude divina, venceram as
distâncias de terras longínquas.
Como Deus e como homem. Entretanto, não subiu aos céus só
pela virtude de Sua Onipotência, mas também em Sua condição de homem. Isto não
podia acontecer por força da natureza; mas, pela virtude de que estava munida,
podia a gloriosa Alma de Cristo mover o corpo a seu grado. Tendo já a posse da
glória, o corpo obedecia, sem dificuldade, a direção que a alma lhe dava, em
seus movimentos. Desta maneira é que acreditamos ter Cristo subido aos céus,
por virtude própria, como Deus e como Homem.
II. “Está sentado à mão direita etc...”
As palavras: “Está
sentado à direita de Deus Pai”. Esta expressão encerra uma figura de linguagem,
muito usada nas Escrituras. Para maior facilidade de compreensão, atribuímos a
Deus afetos e membros humanos, apesar de não podermos imaginar nada corpóreo em
Deus, porque é puro espírito.
Mas, como nas
relações sociais julgamos dar maior honra a quem colocamos à nossa direita,
assim aplicamos também o mesmo princípio às coisas do céu. Confessamos que
Cristo está à direita do Pai, para exprimir a glória que, como Homem, alcançou
acima de todas as criaturas.
O “estar
sentado” não exprime uma postura de corpo, mas põe em evidência a posse segura
e inabalável do régio poder e da glória infinita, que Cristo recebeu de Seu Pai.
Disso fala o
Apóstolo: “Ressuscitou-O da morte da morte, e colocou-O à Sua direita no céu,
acima de todos os principados e potestades, virtudes e dominações, e de todas
as dignidades que possa haver não só nesse mundo, mas também no mundo futuro.
Pôs-Lhe aos pés todas as coisas” (Ef 1:20).
Destas
palavras inferimos que tal glória não pode convir a nenhuma outra natureza
criada. Eis que o Apóstolo declara em outro lugar: “A qual dos Anjos disse
jamais: Senta-te à Minha Direita?”(Hb 1:13; Sl 109: 1).
III. Avisos práticos: 1. Exposição
histórica e sua sublimidade...
A história da ascensão deve ser mostrada, conforme a descreveu com admirável
precisão o Evangelista São Lucas, nos Atos dos Apóstolos 1: 1-11.
É preciso observar
que todos os outros mistérios se referem à Ascensão como a um ponto final, que
resume a perfeição e consumação de todos.
Com efeito,
assim como pela Encarnação do Senhor começam todos os mistérios de nossa
Religião, assim também pela Ascensão é que termina a peregrinação de Cristo
neste mundo.
Antes
confessamos que ressuscitou dos mortos; agora, que subiu aos céus, e está
sentado à direita de Deus Pai, não existe expressão mais sublime e grandiosa, para
nos dar uma ideia de Sua glória suprema e divina majestade.
2. Os motivos da ascensão:
a) dar ao corpo uma morada gloriosa. É preciso explicar as razões de Cristo
ter subido aos céus. Antes de tudo, subiu aos céus, porque a Seu Corpo, dotado
de glória imortal desde a Ressurreição, já não lhe convinha esta obscura morada
na terra, mas antes a elevada e esplendorosa mansão dos céus.
b) diligenciar nossa glorificação. E não foi só para tomar posse do trono
de glória e poder, merecido pelo Seu próprio Sangue; mas também para
diligenciar tudo o que diz respeito à nossa salvação.
c) mostrar que seu reino não é deste
mundo. Além disso,
foi para provar realmente que “Seu Reino não é deste mundo”(Jo 18:36). Os
reinos do mundo são terrenos e passageiros, apoiam-se em grandes cabedais e na
força proveniente da carne. Ora, o Reino de Cristo não era terrestre, como os
judeus esperavam, mas espiritual e eterno. Colocando Seu trono nos céus, o
próprio Cristo demonstrou que as forças e riquezas de Seu reino eram de
natureza espiritual.
Neste Reino,
os mais ricos e os mais providos com a abundância de todos os bens são aqueles
que na terra procuram com maior ardor as coisas de Deus. São Tiago, com efeito,
declara que Deus escolheu “os pobres deste mundo, para serem ricos na fé, e
herdeiros do Reino que Deus prometeu àqueles que O amam”(Tg 2:5).
d) elevar ao céu nosso pensamento. Pela Ascensão, Nosso Senhor queria
que, subindo Ele aos céus,
continuássemos nós a segui-Lo com saudosos pensamentos. Com efeito, pela Sua
Morte e Ressurreição, deixou-nos um exemplo que nos mostra como devemos morrer
e ressurgir espiritualmente. Pela Sua Ascensão também nos ensina e educa a
erguer-mos nossa mente ao céu, enquanto vivemos ainda aqui na terra; a
reconhecermos que, na terra, somos hóspedes e peregrinos à procura da verdadeira
pátria (Hb 11:13), concidadão dos Santos e membros da família de Deus (Ef
2:19), pois como diz o mesmo Apóstolos: “Nosso viver é no céu”(Fl 3:20).
e) enviar-nos o Espírito Santo. A eficácia e a grandeza dos inefáveis
benefícios que a bondade de Deus derramou sobre nós por meio deste Mistério,
desde muito as havia vaticinado o santo profeta Davi: “Subindo ao alto,
arrebatou consigo os escravos, e distribuiu Seus dons aos homens”(Os 67:19).
Neste sentido é que o Apóstolo interpreta esta passagem (Ef 4:8).
Efetivamente,
ao cabo de dez dias, enviou Cristo o Espírito Santo, de cuja virtude e
exuberância encheu a multidão de fiéis ali presentes. Então é que cumpriu a
promessa: “Para vós convém que Eu me vá. Se eu não for, não virá a vós o Consolador;
mas, se for, Eu vo-lO enviarei”(Jo 16:7; At 1: 4-5).
f) ser nosso advogado. Pela doutrina do Apóstolo, Cristo
também subiu aos céus “para Se apresentar agora ante a face de Deus em favor
nosso” (Hb 9:24), e exercer perante o Pai o ofício de advogado. “Filhinhos
meus, diz São João, eu vos escrevo para que não para que não venhais a pecar.
No entanto, se alguém pecar, por advogado junto ao Pai temos a Jesus Cristo, o
Justo. Ele próprio é propiciação pelos nossos pecados” (1Jo 2:1).
g) preparar-nos um lugar. Afinal, preparou-nos um lugar,
conforme o havia prometido (Jo 14:2). Foi em nome de todos nós que Jesus
Cristo, como nosso Chefe, entrou na posse da glória celeste.
Com sua ida
para o céu, abriu as portas que se tinham fechado, em consequência do pecado de
Adão. Franqueou-nos um caminho para chegarmos à celestial bem-aventurança,
conforme predissera aos Discípulos na última Ceia. Para confirmar Sua promessa
com a realidade dos fatos, levou consigo, para a mansão da eterna
bem-aventurança, as almas dos justos que tinha arrancado dos infernos.
OBS: Infernos
nem sempre é apenas o lugar dos condenados eternamente. Para entender melhor,
leia aqui.
3 Indicar os frutos imediatos:
a)aumenta-nos a fé. Esta admirável abundância de dons
celestes vem acompanhada de uma valiosa série de frutos e vantagens.
Primeiro, o
mérito de nossa fé cresce até o último grau; porquanto a fé se refere a coisas
que são inacessíveis à nossa vista, e que ficam fora de alcance para nossa razão
e inteligência. Portanto, se o Senhor Se não apartara de nós, diminuir-se-ia o
mérito de nossa fé; pois Ele próprio exalta como bem-aventurado “os que não
viram, mas creram”(Jo 20:29).
b) confirma-nos a esperança. Ademais, a subida de Cristo aos céus
tem a grande força de confirmar a esperança que se aninha em nossos corações.
Crendo que Cristo subiu aos céus, enquanto Homem, e colocou Sua natureza humana
à direita de Deus Pai, grande é a nossa esperança de que também nós para lá
havemos de subir, como membros Seus, e de unir-nos a Ele como nossa cabeça (Ef
4:15; Cl 1:18). Foi o que Nosso Senhor asseverou pessoalmente: “Pai, quero que,
onde Eu estou, estejam comigo também aqueles, que Vós me destes”(Jo 17:24).
c) espiritualiza nosso amor. Além disso, um dos maiores benefícios
que auferimos da Ascensão, foi o de Cristo arrebatar consigo para o céu o nosso
amor, e de abrasá-lo no Espírito de Deus. É uma grande verdade o que disse: “Nosso
coração está onde estiver o nosso tesouro”(Mt 6:21).
e tirar-lhe o caráter terreno. Realmente, permanecesse Jesus Cristo
conosco na terra, todas as nossas considerações se centrariam em Seu porte e
trato humano. Nele veríamos apenas um homem, que nos cumulou de assinalados
benefícios, e por Ele teríamos certa afeição natural e terrena.
No entanto,
pelo fato de ter subido aos céus, Cristo espiritualiza nosso amor; fez-nos amar
e venerar, como Deus, Aquele que sabemos estar ausente com Sua humanidade.
O próprio Senhor
afirma com Sua palavra: “Para vós é bom que eu me vá”. Aquele amor perfeito que
os Apóstolos amavam a Jesus Cristo humanamente presente, devia ser aperfeiçoado
pelo amor divino, e por sinal à vinda do Espírito Santo. Razão porque Cristo
logo acrescentou: “Se eu não me ausentar, não virá a vós o Consolador”(jo
16:7).
d) dilata a sua Igreja. Acresce que assim Nosso Senhor
dilatou Sua casa na terra, que é a Igreja, cujo governo devia ser dirigido pela
virtude e assistência do Espírito Santo. Como pastor e chefe supremo de toda a
Igreja deixou entre os homens a Pedro, o Príncipe dos Apóstolos.
Além disso, “a
uns constituiu Apóstolos, a outros profetas, a outros evangelistas, a outros pastores
e mestres”(Ef 4:11; 1Cor 12:28). E sentado que está à direita do Pai, não cessa
de distribuir, a uns e a outros, os dons que lhes convém a eles, como diz o
Apóstolo: “A cada um de nós foi dada a graça, segundo a medida com que Cristo a
distribuiu”(Ef 4:7).
4. Conclusão: A Ascensão de Cristo se nos
apresenta como um modelo, que nos ensina a olhar para o alto, e transportar-nos
ao céu em espírito. Ela também nos dá uma força divina, que nos põe em
condições de fazê-lo.
Catecismo Romano.
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