Eis-nos
chegado a outra fase da vida da criança. Época de transição e às vezes até de
mudança completa; momento decisivo e solene em que, iluminada e atraída a alma
recentemente pela razão, e também recentemente fascinada e arrastadas pelas
paixões, se inclina alternativamente ante àquela amiga ou ante estas inimigas e
acaba por lançar-se nos braços de uma ou nas garras mortíferas das outras.
Tudo se
dilata na adolescência: tanto as faculdades para o bem como os maus instintos.
Comprimida até então a inteligência, busca por todas as partes alimentos; o
espírito de insubordinação domina geralmente esta idade: precisa pois de
movimento para o corpo, trabalho para o entendimento e emoções para o coração.
Nesta, como
em todas as idades, vem a religião auxiliar a mãe, e se encarrega de apresentar
ao entendimento e ao coração os estudos e os sentimentos que reclamam. Dá-lhes
por objetos e por mobil ao exercícios das faculdades, a primeira comunhão, que
já é a única coisa que pode satisfazer, e geralmente a confirmação, outro
mistério cuja majestade inspira os grandes pensamentos e produz as ações
nobres.
Se há no céu
uma estrela para guiar o marinheiro; se há no porto um farol para alumiar o
pescador; se há um momento na vida para assinalar-se entre todos os outros, é
esse instante solene e misterioso em que, despojando-se a criança das mantilhas
para se revestir do mesmo Deus, se despede da infância e se prepara para
começar a vida real, a vida das dores, a vida dos trabalhos e sofrimentos.
Deve a
primeira comunhão deixar numa alma a recordação sempre viva, e qual farol
luminoso divisar-se de todos os pontos da existência. É uma grande desgraça
quando só produz uma impressão passageira e estéril; é grande desgraça se mais
tarde não se comove o coração ao recordar esse dia, e se não se desperta com
tudo quanto o memora o zelo religioso, as aspirações generosas e as resoluções
virtuosas. Grande desgraça é para o homem se não pode apegar-se a esse
pensamento como a um cabo de salvação, quando ameaçam traga-los as vagas
tumultuosas das paixões. Grande desgraça é quando, perdido no árido e seco
deserto da razão humana, não encontra o espírito esse fértil oásis, onde pode
sua fé refrigerar-se sempre.
Sim, é uma
grande desgraça para a criança; mas é uma responsabilidade imensa para a mãe se
a causou a sua imprudente precipitação. Quantas podem hoje fazer a si próprias
esta acusação dolorosa! Quantas, por considerações sem importância, por
satisfazer pequenas exigências de família, de estudos ou de viagens, adiantam a
primeira comunhão de seu filho sem se preocuparem se sabe tudo o que deve
experimentar, alcançam de um sacerdote a quem enganam que o admita na mesa dos santos! “É tão pura esta ama,
dizem, é tão inocente, como há de achar-se preparada?” Ah! Com efeito, se é
pura como dizeis, não cometerá um sacrilégio, e até considerará Deus com o amor
com que olha a tudo o que está isento de pecado; mas em tal caso, porque não
fixastes a primeira comunhão na idade de dois anos ou um ano, onde seria mais
certa a inocência?
Porém, a
primeira comunhão exige estudos particulares e exercícios especiais; absorve o
tempo que a precede e afasta os outros estudos; mas vós estais ansiosa por
começar uma educação de que já cria uma brilhante ideia à vossa vaidade
maternal, e então – falemos sem rodeios – quereis desembaraçar-vos desse
estorvo. Á vista disso, só vos perguntarei com o catecismo: “Sois Cristã?” Ou
não me respondeis, ou, se me dizeis como ele: “Sim, sou por graça de Deus”,
despojai-vos do direito de considerar este tempo como perdido e estes estudos
como inúteis; prescindis sobretudo do de sacrificar nas aras do orgulho os
interesses de uma alma que vos está confiada.
Ainda quando
consagrásseis, dos numerosos anos destinados à educação, um quase inteiro ao
estudo da religião e da virtude, seria acaso demais? Ainda quando pagásseis
deste o modo a Deus o dízimo, - e não se vos pede tanto – julgar-vos-íeis por
isso com direito de ir farisaicamente lançar lhe em rosto vossos serviços?
Tão grande é
durante os anos que seguem, durante a vida toda a porção de tempo que exige a
religião ou que se emprega na
oração, que seja ainda preciso ratinhar com Deus? Ele felizmente não nos trata
assim. Dá-nos a vida, dá-nos o tempo, dá-nos a eternidade; e nós recusamos-Lhe
um desses anos que Dele recebemos! Mas é u provérbio muito sábio, que os maus
amos são sempre os mais bem servidos. Se Deus exigisse mais de nós, se fosse um
senhor mais imperioso e menos dispostos a perdoar, seria plena a nossa obediência
e desapareceriam os murmúrios.
Ah! Deixa
chegar a criança à idade em que pôde gostar do dom de Deus. Não leste no
Evangelho que o pai e a mãe de Jesus o levaram aos doze anos a Jerusalém para
celebrar ali a festa da Páscoa? É um piedoso pensamento o de imitar Jesus e os
pais de Jesus: escolhei pois aquela idade para o místico banquete da Páscoa
Cristã.
Numa família
piedosa e bem regulada foi pura e inocente até aquela idade a vida duma
criança; pôde ser sólida e vasta a instrução religiosa, viva e esclarecida a fé,
ardente o amor, sincero o entusiasmo e duradoura a recordação, porquanto,
gravada numa memória infantil, será conservada por uma cabeça que se torna
reflexiva.
“Então o Reino dos céus será semelhante a dez virgens, que saíram com
suas lâmpadas ao encontro do esposo.
Cinco dentre elas eram tolas e cinco, prudentes.
Tomando suas lâmpadas, as tolas não levaram óleo consigo.
As prudentes, todavia, levaram de reserva vasos de óleo
junto com as lâmpadas.
Tardando o esposo, cochilaram todas e adormeceram.
No meio da noite, porém, ouviu-se um clamor: Eis o esposo,
ide-lhe ao encontro.
E as virgens levantaram-se todas e prepararam suas
lâmpadas.
As tolas disseram às prudentes: Dai-nos de vosso óleo,
porque nossas lâmpadas se estão apagando.
As prudentes responderam: Não temos o suficiente para nós
e para vós; é preferível irdes aos vendedores, a fim de o comprardes para vós.
Ora, enquanto foram comprar, veio o esposo. As que
estavam preparadas entraram com ele para a sala das bodas e foi fechada a
porta.
Mais tarde, chegaram também as outras e diziam: Senhor,
senhor, abre-nos!
Mas ele respondeu: Em verdade vos digo: não vos conheço!”
(São Mateus 25: 1-12).
Ah! Se procede a jovem virgem de que nos
ocupamos as néscias do Evangelho, a quem um dia pedirá o esposo contas deste
proceder será à mãe, a mãe encarregada de alimentar a lâmpada, de recarregar o
coração e iluminar o espírito.
E se esta virgem, chegando demasiadamente
tarde, com uma lâmpada sem azeite e uma luz mortiça, ver fechar diante dela a
porta, se volverá para sua mãe e lhe perguntará: Não teria podido velar uma
hora comigo, livrar-me da sonolência, dar-me um pouco de azeite e ensinar-me a
preparar a minha lâmpada?
E se finalmente, se, penetrando no santuário,
posto que sem luz nem lume, a virgem recebida pelo esposo indignado não ouve
outras palavras mais que estas: Não vos
conheço! As devolverá a sua mãe; e estas palavras lhe ficarão impressas na
alma como uma nódoa e um remorso: foco de dor em que por desgraça nunca faltará
azeite!
Ah! Se é prudente a mãe, não será néscia a
filha; e se é néscia a mãe, dificilmente será a virgem prudente.
Se é piedosa a mãe, não será preguiçosa nem
covarde, e, cingindo os rins, limpará, varrerá e adornará a mansão do esposo.
Neste trabalho nada lhe causará desgosto, e em verdade vos digo, em nome do
Senhor: Ser-lhe-á dada a recompensa dos
seus trabalhos.
Cheia deste pensamento, repleta de esperança
e de temor é que deve por mãos à obra uma mãe, e ocupar-se em preparar a alma
virginal que lhe está confiada. Deve lembrar-se continuamente destas palavras
de Santo Agostinho: A família é uma
igreja privada, cujos sacerdotes são os pais e cujos fiéis são os filhos; e
movida da santa do seu ministério, penetrada de emoção e respeito pelos
resplendores do Sinai, em cujo topo recebe a Lei antes de a promulgar, deve
desempenhar as suas augustas funções com o zelo, inteligência e decisão de um
pastor.
Sim, não o esqueças, ó mães suficientemente
cristãs para compreenderdes e apreciardes a missão que vos confiou, o ano da
primeira comunhão não é um ano da ciência, nem o ano do prazer; é o tempo de
sua aprendizagem. É uma espécie de contribuição cobrada antecipadamente da vida
em nome de Deus, mas de cuja importância Ele não se apropria, senão que forma
dela, se me é lícito falar assim, uma caixa de socorros, uma caixa econômica
para a eternidade. Ditosas as que tem direito de recorrer a ela, tanto no dia
da morte quanto durante a vida!
A esta preparação deve ceder o passo os
estudos, os recreios, tudo e inclinar-se ante ela com a deferência de um criado
para com seu amo: não podendo empregar-se os estudos como distração, e os
recreios senão como uma interrupção necessária à saúde, e útil à piedade. A
instrução religiosa, a oração e as boas obras são, pelo demais, o princípio e
como a atmosfera desta vida já perfumada pela flor que deve desabrochar.
Entremeando-se com prudência, e distribuindo-se com método, não se cansará a
imaginação, nem tão pouco se fatigará o corpo; e passando-se santamente o dia,
também transcorrerá docemente.
Sobretudo no campo onde se junta o dever do
exemplo às necessidades da criança, consiste o primeiro ponto desta preparação
em assistir regularmente à catequese pública, ampliada e recordada ao depois
pelas instruções mais particulares da mãe. Porém se é então um ponto capital o
estudo da religião. É outro não menos importante a prática da piedade. Uma
criança é geralmente capaz de uma reflexão nesta idade; e por isso não são as
orações vocais as únicas possíveis, e, portanto, as únicas necessárias. Guiada
por sua mãe, deve a menina assistir diariamente a missa (caso possível) e
fazê-la seguir duma breve meditação, oferecendo a Deus o seu dia e a sua vida,
e solicitando constantemente da sua bondade uma só e a mesma graça.
OBS: Fala-se
aqui da criança educada e preparada, não só à vista de sua mãe, senão por sua
própria mãe.
E, para acabar a santificação completa do
dia, deve ocorrer de vez em quando o pensamento da primeira comunhão, como
sobrenadando por cima de todos os outros, despertado pela mãe, segundo o anjo
custódio de sua filha.
Se não obstante comete uma falta, - e quem pode
esperar evita-las todas? – é necessário recordar à culpada, séria e
tristemente, as suas resoluções, os seus deveres, o objeto único das suas
ações, e leva-la depois à Igreja para implorar valor e e perdão. São inúteis o
castigo se são geralmente boas as disposições da menina, e se exercem império
nela os pensamentos religiosos; mas bastam e até produzem impressões muito mais
eficazes que os castigos, a aflição de sua mãe e algumas ideias de
arrependimento e de piedoso temor, suscitada com prudência.
A
mulher cristã desde o nascimento até a morte, estudos e conselhos – M.me M. de
Marcey
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