sexta-feira, 12 de agosto de 2016

A única religião que se deve professar, inclusive pelos Papas.



Papa Francisco atravessa o portão do campo de concentração nazista de Auschwitz, onde está inscrito ‘Arbeit macht frei’ (O trabalho liberta) (Foto: Kacper Pempel / Reuters)

Tradução: Gercione Lima

O Ocidente secular, como é conhecido, exige que cada religião esteja confinada ao privado. "Religião e política devem permanecer separados" e ordena: que o político deixe a sua fé (se ele tiver uma) no armário antes de entrar no Parlamento;  que nenhuma autoridade se atreva a criticar atos legislativos que legalizem vícios (sodomia e drogas), assassinato (o aborto) e pecados, com o argumento de que existe uma distinção entre o Bem e o Mal, que as leis devem ser preservadas; ou pior, que aleguem que violam os Dez Mandamentos: caso contrário ele será acusado de "ingerência intolerável"  ou de querer impor "dogmas"  contra a liberdade do homem finalmente liberto de todos os tabus, caso contrário será excluído do espaço público.


O secularismo absoluto, no entanto, comporta uma exceção. Muito vistosa. Existe uma religião que deve ser publicamente e obrigatoriamente professada - como numa certa época o foi a religião do Estado Romano, que impunha aos cidadãos queimar um grão de incenso para o César reinante, reconhecendo a sua divindade.  Na verdade, é a única religião que se manteve como obrigatória por lei. A "religião do Holocausto" deve ser professada publicamente, na frente das câmeras e jornalistas, por todas as figuras públicas; governantes que querem ter legitimidade internacional, políticos que querem parecer respeitáveis, mas especialmente papas, devem ritualmente dirigir-se a Auschwitz e cumprir o ritual prescrito. Um ritual de arrependimento público em que o distinto reconhece sua parcela na culpa inexpiável de ter - como um membro da raça humana - participado no genocídio do povo eleito. Uma mancha que obscurece qualquer homem, pelo simples fato de ter nascido - como o pecado original de Adão.

Em qualquer outra religião, o indivíduo é livre para se declarar agnóstico e não-crente; na verdade, ele pode até blasfemar contra o Deus dos outros, ou o seu Profeta, e será exaltado como um herói da liberdade de expressão, ou um mártir (veja redação de Charlie Hebdo). Na única Religião Remanescente não é permitido ser agnóstico ou se isentar do culto dizendo não ter certeza de como as coisas ocorreram. O ceticismo é já algo suspeito, algo que é prudente manter pra si mesmo. Contra os incrédulos - que negam o número de dogmático de 6.000.000, por exemplo - por toda a Europa foram sancionadas leis penais especiais para punir com prisão a expressão pública de descrença.

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João Paulo II professando no rito de Auschiwitz
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Bento XVI no rito de Auschiwitz
         


Uma vez que já é o terceiro pontífice que se submete ao rito público, a liturgia se tornou de uma vez por todas consolidada. Essa liturgia consiste em entrar sozinho, a pé, com a cabeça inclinada, cruzar o portão sombrio, abraçar os sobreviventes do "Holocausto" que o aguardam para além do portão, em silêncio sombrio, com todo cuidado pra não se desviar do roteiro. E de fato, não se desviou Francisco, El Papa. Ele escreveu no livro de honra:. "Senhor, perdão por tanta crueldade", como se de fato (é prescrito) por tal crueldade fosse culpada a Igreja Católica do passado, presente e futuro. Hoje, a Igreja proíbe evocar a "culpa coletiva" dos judeus na execução de Cristo; mas eles, os judeus  podem acusar os Católicos de "culpa coletiva" pelo seu extermínio, ainda que não sejamos membros das SS ou mesmo alemães, de fato nem mesmo europeus. É a culpa coletiva que pesa sobre nós como seres humanos, ou seja, os não-judeus.

Obviamente ao cruzar o portão de Auschwitz e caminhar em direção "aos sobreviventes", o Papa deve permanecer em silêncio: não é permitido profanar o local com uma oração cristã, o lugar onde o Inocente Coletivo foi exterminado. Certamente não é por acaso que, na década de 90, os judeus obrigaram que fosse fechado um convento de carmelitas, contemplativas, que a Igreja polonesa tinha criado dentro do campo.

"Um insulto para os milhões de vítimas", disseram as  comunidades judaicas indignadas. O ponto não é que não devemos orar pelas suas vítimas com as palavras de Cristo e sim que não devemos orar a Deus, que também se tornou culpado por não ter salvado o seu povo escolhido. Na verdade, o penitente eclesial deve repetir ritualmente: "Onde está Deus?".

Eu gostaria que se compreendesse a profundidade desta fórmula litúrgica. Não é a pergunta "onde estava Deus?", no fundo, um grito do desespero humano em desgraça. Mas sim o radical protesto dos hebreus: "Onde está Deus, se depois de tantas promessas não se manteve fiel à Aliança?" Onde está, se ao invés de nos dar o poder sobre o mundo, nos abandonou nas mãos de nossos inimigos? Portanto, ou Deus não existe ou não manteve sua parte na Aliança, assim o seu povo tem todo o direito de fazer-s deus de si mesmo. O Inocente Absoluto na verdade, ressuscitou e vivo, triunfa na Casa de Israel, que tomou para si próprio.

No entanto, mesmo 'Francisco', o chefe da Igreja Católica, quis repetir: "Onde está Deus?". Não em relação ao passado, mas ao presente.

De fato, mais tarde, durante a Via Sacra com os jovens, ele deu as respostas cristãs: "Onde está Deus quando tantas pessoas inocentes morrem por causa da violência, terrorismo, guerras? Onde está Deus quando as doenças cruéis rompem os laços da vida e afeto? Ou quando as crianças são exploradas, humilhadas, ou também estão sofrendo de doenças graves? (...) "Deus está em quem sofre"- chegou ainda a evocar o caminho da Cruz", dizendo que não é um hábito sadomasoquista "(sic). Mas, tudo isso ele disse mais tarde fora dos portões. Em Auschwitz ele não quebrou o silêncio dirigido a Deus, um silêncio que se tornou obrigatório pela única religião pública que se mantém obrigatória. Ele perguntou: "Onde está Deus?" no mesmo lugar em que o padre franciscano Maximiliano Kolbe  "demonstrou" a presença de Cristo na carne, imitando-o e incorporando-o, oferecendo a sua vida para salvar outra, morrendo em seu lugar, e de que morte!

Mas dentro de Auschwitz, é preciso adaptar-se ao ritual: a negação de Deus é a liturgia que também deve seguir um Papa, naquela que precisamente é a única religião que permaneceu pública e obrigatória e que deve ser  professada por qualquer poderoso. Espero que consigam ver aqui a analogia com o culto que devia ser rendido ao nome de Augusto Cesar, obrigatório e publico. Com a agravante de que Augustus não fingia ser o Cordeiro sacrificado por nós e ressuscitado. A nova e pública religião que permaneceu obrigatória tem o caráter de uma paródia do sacrifício cristão: nela se celebra o Cordeiro Coletivo, o Povo Eleito, mártir do gênero humano coletivamente culpado pelo seu imerecido holocausto, mas que hoje ressuscitado, resgatou a sua herança que JHVH não defendeu ...

Milhares de cristãos preferiram o tormento do martírio a ter que queimar o grão de incenso. Posso até imaginar a consternação de alguns bons funcionários Romanos que, diante da recusa teimosa de um senador ou um nobre patrício, não querendo mandá-lo ad beluas, o chamou num canto sussurrando: "mas o que lhe custa? Faz! Você acha que eu acredito que Augusto é Deus? Mas nem mesmo ele acredita! É apenas uma convenção! Um ato formal, que não envolve a adesão íntima". 

Ainda hoje, os chefes não afirmam que você deve acreditar com fé profunda.  Para eles basta que você professe a religião publicamente e obrigatoriamente; e se você tem dúvidas, que as guarde apenas para você. Então, milhares de cristãos se recusaram a cumprir esse gesto formal e público no passado; e a Igreja assim o exigia para escaparem da condenação. Hoje, chegamos ao ponto em que três papas já queimaram seu incenso no altar do falso cordeiro. O último deles chegaria ao ponto de chamar os mártires daquela época de fariseus doutrinários, apegados às fórmulas. 

 Se alguém pensa que exagero, no dia 27 de julho passado, Lisa Palmieri-Billig, representante da AJC (American Jewish Committee) junto à Santa Sé, lançou uma advertência à Igreja contra a readmissão da Sociedade de São Pio X: devem ser mantidos fora da Igreja, porque eles não acreditam no dogma do Holocausto, e devem ser excluídos até que aceitem a Única Religião que permaneceu.

Já o 'rabino Di Segni' (não digam mais rabino, mas rav - é mais augusto) investiu contra o Papa Bento XVI, pela mesma razão (janeiro de 2010): "Se a paz com os  Lefebvristas significa renunciar à abertura do Concílio, a Igreja terá que decidir: ou eles ou nós !" Linguagem grosseira, um insulto ímpar e sem precedentes, mas "eles" pretendem interferir nos assuntos da Igreja, e sabem que serão obedecidos. Naturalmente, ai de quem tentar criticá-los: é culpado do pecado de anti-semitismo, e cai entre as suspeitas de negacionismo. E depois vêm me falar de Estado Laico? Todas as religiões estão subordinadas à Única que permaneceu obrigatória.

Anos atrás, uma Femen saltou sobre o altar da Igreja da Madeleine, e nua urinou. Queria ver se ela teria coragem de fazê-lo em Auschwitz!


Fonte:Maurizio Blondet - Sull'unica religione che si deve professare. Pubblicamente.Specie. da Papi


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