“Assim também
vós, quando fizerdes tudo o que vos for mandado, dizei: Somos servos inúteis, porque fizemos somente o que devíamos fazer.”
(Lc XVII, 10)
O
tema nos lembra a pegadinha: você está no meio do rio para escapar ao incêndio
e uma sucuri vem para devorá-lo. De um lado da margem há o incêndio e de
outro, uma onça pintada. Qual margem escolher?
“Estote
ergo vos perfecti, sicut et Pater vester cælestis perfectus est” (Mt V, 48). Deus nos
quis e ainda nos quer santos (perfeitos). É o que de mais sublime se pode
almejar em uma vida. E o tudo, comparado a isto é nada. Daí que se os santos
não existissem, haveria uma meta, um objetivo, um porquê para existir. Com base
nisso se tentará lançar luz à questão.
Consideremos
um casal íntegro, e que possuam filhos que por sua vez sigam os seus passos,
sendo assim pessoas de bem. É sensato supor que estes filhos serão bem quistos
e elogiados pelos demais. Os pais que por vê-los admirados e aplaudidos se
sentissem por isso diminuídos ou humilhados, teriam por certo algum problema.
Primeiro porque supõe-se que pais amem seus filhos, e o amor, o sabemos, não
tem inveja ou busca os próprios interesses[1];
segundo, porque elogiar a um filho será, ponto passivo, elogiar quem o concebeu
e educou. Daí as expressões: “fulano é bem criado” e “tal pai, tal filho”.
[Um
pequeno registro. Foi dito: “aquêle que se exaltar será humilhado e o que se
humilhar será exaltado.” (Mt XXIII, 12)]
É
de senso comum no protestantismo que não devemos cultuar os santos tampouco
pedir sua intercessão. Muito bem. Primeiramente há que perguntar aos que pensam
estar
defendendo a honra e a glória de Deus com tal gesto se acaso sabem o que significa
cultuar e se há mais de uma forma de fazê-lo. Será prudente desconfiar
de quem, especialmente entre os pastores, nunca ouviu falar em culto de latria,
dulia e hiperdulia. E aos que já conhecem os termos, mas têm má
vontade em entendê-los, desconfiar em dobro. Me limitarei em dizer que o
primeiro se refere à adoração, só
destinado a Deus, os outros à veneração ou respeito e reverência, que
aos homens é permitido, inclusive, pela Bíblia, como se viu no capítulo referente
às imagens. Logo, resta saber que tipo de culto os católicos prestam aos
santos. A resposta será o segundo. Um simples dicionário nos dá ciência de que
uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa, ou seja, de que a Deus se
adora, venera e reverencia, enquanto que aos homens (quando merecem) apenas se
venera e reverencia. Os católicos, por saber disto, seguem tranquilos em sua
consciência há quase dois mil anos. Só não seguirá quem não souber distinguir
entre gatos e lebres, terminando por dar ouvidos a quem não deveria.
A
história da Igreja está repleta de exemplos documentados de cultos de dulia,
ou seja, de veneração aos santos, suas relíquias (restos mortais) e
objetos que a eles pertenceram, tudo por razões completamente razoáveis, uma
vez que: “... Deus fazia milagres não vulgares por mão de Paulo; de tal modo
que até sendo aplicados aos enfermos os lenços e aventais que tinham
tocado no seu corpo, não só saiam deles as doenças, mas também os espíritos
malignos se retiravam” (At XIX, 11s)[2]. E
a quem quiser argumentar que “Paulo estava vivo”, então vale a pena lembrar
que: “... logo que o cadáver tocou os ossos de Eliseu, o homem ressuscitou, e levantou-se sôbre os
seus pés” [2 Re XIII, 21] (ossos aqui
– não custa nada esclarecer – referem-se não aos de um profeta Eliseu dotado de
uma bela fratura exposta, mas aos de um profeta Eliseu morto; se preferir, restos
mortais). Quanto à Mãe de Deus, que na ordem da Graça está acima dos santos
e anjos, por dignidade e missão exercida nos planos da salvação, o culto será o
de hiperdulia. Sobre ele se falará no próximo capítulo, dedicado a Ela.
Se
as coisas são assim, o que estará então por trás do culto aos santos e de Nossa
Senhora? Nada mais nada menos que a glória de Quem os criou. E os bons
entendedores não tardarão a entender, pois se mostrará “onde está na Bíblia”:
Primeiro,
aqui: “Sede meus imitadores, como eu também o sou de Cristo.” (1 Cor XI, 1)
Segundo,
aqui: “O que aprendestes, e recebestes, e ouvistes, e vistes em mim (Paulo), isso praticai; e o Deus da paz será
convosco.” (Fil IV, 9)
Terceiro,
aqui: “Irmãos, sede meus imitadores,
e olhai atentamente
para os que vivem segundo o exemplo que nós vos damos.” (Fil III, 17)
E
quarto, aqui: “O que vos
ouve, a mim ouve, e o que vos despreza, a mim despreza. E quem me despreza, despreza aquele que me
enviou.” (Lc X, 16)
Pela
ótica protestante é de supor que estas frases jamais devessem constar na
Bíblia. Bem provável
que Lutero também as quisesse tirar[3]. O fato é que
elas, por si, são a prova de que os santos foram postos como “sal da terra” e
“luz do mundo”, justamente para que Deus pudesse ser glorificado em seus membros
(cf. Mt V, 13-16). Ora, se não há membros
santos que possam ser assim reconhecidos, não há uma Cabeça santa. Por isso o demônio se esforça tanto em fazer com que
não se reconheça a santidade dos membros, porque sabe que estes pertencem a uma
Cabeça. Mas se aqui se quiser novamente argumentar que tais santos são somente
os vivos, então se pedirá que respondam: acaso os mortos em Cristo não estão
vivos e junto a Ele no céu? Por que mencionaria então como modelos a “Abraão, Isaac e Jacó”, que nesse momento sequer estavam ainda
no céu, uma vez que este não tinha sido aberto por Ele, mas que obviamente já
não estavam presentes há quase dois milênios[4]? Notemos por fim
que o próprio Senhor designará os homens por um atributo que só a Deus se
poderia designar, o de “santo”[5].
Vencendo a ignorância vencível
Quando cultuamos os
santos, ou seja, prestamos-lhes homenagem (culto de dulia), não estamos
fazendo outra coisa que ver/reconhecer as suas boas obras e glorificar a Deus
que está nos céus (cf. Mt V, 16). Os santos existem, portanto, para serem
provas vivas de que Deus existe e pode realizar milagres, pois sua própria vida
não tem explicação do ponto de vista meramente humano. O que fazem, como vivem,
a forma com que acreditam e, principalmente, o amor que têm a Deus e ao
próximo, ao ponto de renunciar família, bens, poder, status, prosperidades,
somente será possível através de uma explicação sobrenatural que justifique o
cumprimento desta missão e a realização de atos muitas vezes heroicos, no
verdadeiro sentido da palavra. Logo, uma vez que rendamos homenagens aos
santos, que exaltemos aqueles que se humilharam, estaremos reconhecendo que
tudo o que fizeram de bom veio do alto e a glória deve ser dada ao doador dos dons.
Não será justo ou mesmo lógico achar que Deus (o Pai) possa sentir-se diminuído
ou humilhado quando se reconhece nos homens e mulheres (os filhos) que O servem
com mais perfeição as virtudes que só dEle poderiam proceder.
Mais.
Agindo
assim estaremos cumprindo e fazendo cumprir a palavra divina que diz que todos
os humilhados seriam exaltados (cabe aqui também notar que a Bíblia não se
refere a uma exaltação a se realizar somente
nos céus e/ou somente por Deus).
Além disso, quando exaltamos a um santo, que não passa de criatura como nós mas
santificada pelo Criador como poucos, estamos mostrando seu exemplo ao mundo
para que o mundo o imite como ele imitou a Cristo, tal como ordenou S. Paulo
aos Coríntios, aos Filipenses e a todos nós.
E
mais.
Ao
conhecer suas vidas, entendemos que também podemos almejá-las, pois vemos que
foram homens e mulheres com defeitos e pecados às vezes maiores que os nossos,
e pensamos: se Deus pode santificar essa pessoa, por que não a mim? Passamos
então a pedir com mais fé, esperança e vontade de que Ele nos transforme
naquilo que sempre quis de nós: pessoas santas, perfeitas, imagem e semelhança
Sua.
Por fim, por que pedir sua
intercessão?
Para
responder esse ponto há que lembrar primeiramente que todo protestante, por coerência,
jamais deveria pedir intercessão aos irmãos,
tampouco ao pastor. Se eles afirmam que não podemos pedir nada aos
santos (que estão junto de Deus, por ora de maneira não corporal) porque
devemos ir a Deus diretamente, pois “há um só mediador...”, tampouco deveriam
pedir algo a pessoa alguma. Aqui voltamos a uma questão anterior[6]:
se placa de igreja não salva, então não deveriam perder tempo pertencendo a
uma; se podemos interpretar a Bíblia livremente, então não deveriam perder
tempo ouvindo um intérprete como nós (o pastor)
interpretando-a para nós; se temos o direito de ir diretamente a Deus, então
paremos de ir aos homens, vivos ou mortos.
O
que não se percebe é que tanto em relação aos que estão entre nós quanto aos
que estão com Cristo na glória celeste não há problema algum em pedir sua
intercessão[7]. Há seitas que não creem
que ao morrer possamos ir diretamente ao céu. A estes, os espíritos dormem com
o corpo na sepultura. Como, não o sabemos, pois o espírito além de não morrer
não dorme jamais, simplesmente por não possuir matéria, corpo
corruptível[8]. A maioria das seitas
felizmente deste mal não sofre. Sofrerá, porém, de outro.
Como
explicar que se possam pedir intercessões e orações aos vivos que ainda estão
entre nós, e que por isso continuam pecando, às vezes mais e mais gravemente que
nós mesmos, e não se possa pedir aos vivos
que já contemplam a Deus “face a face” (cf. Mt XXII, 29-32; Ap V, 8; VIII, 3s)?
Guardadas as devidas proporções, será o mesmo que querer que uma faxineira ou
um office boy peçam algo ao Presidente da República, sendo que o poderíamos
fazer à sua Secretária pessoal ou Chefe de gabinete, que com ele convivem “cara
a cara” e com mais autoridade. O curioso é que os protestantes, ao mesmo tempo
em que negam e criticam os santos sem nunca os ter lido ou conhecido, têm na
conta de “homens santos” a notórios picaretas e usurpadores, pedindo suas
orações e intercessão enquanto se desfazem do que têm (e não têm) para fazer o
que a Bíblia proíbe: dar-lhes o dízimo pela pregação da palavra[9]. Vá se entender...
Por
fim, querer justificar a não intercessão dos santos ou de Nossa Senhora
utilizando Cristo como único mediador entre Deus e os homens também será ou falta de lógica
ou heresia. A heresia estará com aqueles que negam a Cristo como Deus e a
própria Santíssima Trindade, julgando haver três deuses. O erro de lógica
ficará com os que creem em Deus Uno e Trino, mas não entendem que Cristo é o
único mediador entre Deus Pai e os homens, o que não impede em absoluto
que os santos – e especialmente Maria Santíssima – sejam intercessores entre
Deus Filho e os homens. Ao que sabemos, não “está na Bíblia” nada a
respeito de Cristo dizer que ninguém iria a Ele
(Verbo, Filho, Segunda Pessoa) senão por Ele...
Concluindo
Os
católicos não adoram os santos ou a Virgem Maria, os respeitam e veneram
porque assim estão dando glória ao Criador e Santificador, adquirindo mais
disposição para imitar os melhores exemplos de imitação de Cristo que jamais
existiram. Se os filhos não têm em casa bons modelos a imitar, provavelmente
imitarão os maus modelos de fora. Por isso Deus inspirou os santos, para que
quando os bons exemplos faltassem, houvesse uma luz ao fim do túnel, a luz daqueles
que por receber a luz de Cristo puderam transmiti-la, como a lua a luz do Sol.
Daí que somente a Santa Mãe Igreja
poderá se orgulhar de ter entre seus filhos um S. Francisco de Assis ou um S.
Antônio de Pádua, que entre inúmeros dons podiam conversar com os animais e
ambos se entenderem, literalmente; um S. Francisco de Paula, que ressuscitou
uma mesma pessoa duas vezes; um S. José de Cupertino, que só em ouvir os nomes
de Jesus e Maria caía em êxtase, voando (também literalmente) ou levitando de
onde estivesse até a Igreja mais próxima para adorar ao Santíssimo Sacramento;
um S. Pio de Pietrelcina e um S. Cura D’Ars, que conheciam os pecados de seus
confidentes antes mesmo de os confessar e sem nunca os ter visto, além de possuir
o verdadeiro dom de línguas uma vez que falavam em sua língua (italiano e
francês, respectivamente) e os interlocutores de outros países os escutavam em
sua língua materna; uma S. Maria Goretti, que aos 11 anos preferiu a morte a
ter de ceder a um estupro; uma S. Catarina de Sena, que sendo analfabeta ditou
centenas de páginas de uma sabedoria divina, chegando a exortar a um Papa, que
humildemente a atendeu em sua exortação[10];
ou ainda uma Tereza Newman, que durante 33 anos só se alimentou de água e de
Eucaristia, o Pão do Céu, recebendo sobrenaturalmente, como S. Francisco
de Assis, S. Pio de Pietrelcina e outros as marcas dos pregos de Cristo (os
estigmas) nas mãos, nos pés, e no lado o corte da lança. Tudo isso sem falar
nos verdadeiros milagres realizados pelas mãos, restos mortais e pertences
destes homens e mulheres de Deus, que a Igreja os têm catalogado, estudado e
apresentado ao mundo para quem quiser ver e comprovar, tendo em conta não se
tratar de fraudes, coisa que facilmente poderia ser desmascarada, mas feitos
concretos que geraram no decorrer desses quase dois mil anos a rendição e
conversão de ateus, agnósticos, judeus, maçons, hindus, esotéricos, protestantes
e muitos outros, o que até o presente momento em que escrevo estas linhas vem
ocorrendo.
Por
isso nos dirá um ilustre desconhecido:
Com amor infinito deste-nos os Santos, Deus amado, dos quais figura
em excelência a Santíssima Virgem. Luzeiros no firmamento sombrio de nossas
vidas, deste-nos para que ao imitá-los pudéssemos imitar-Te. De não suportar
nossa débil mácula a Tua luz solar, a refletiste neles, luzes lunares, subtraindo-nos
da atroz escuridão. Vieste em nosso auxílio com um lampejo acessível; a nós,
noturnos peregrinos em busca da eterna luz da felicidade.
Em tempo: a Igreja sempre
utilizou de muito discernimento para elevar estas pessoas à honra dos altares.
Antes bastava o reconhecimento da Tradição, que de per se já era criterioso; depois,
sua vida passou a ser cuidadosamente examinada, exigindo-se para declará-los
santos a comprovação científica de uma ou duas curas milagrosas autênticas,
ocorridas por sua intercessão após a sua morte, entre outros pormenores de
igual seriedade. Deus, por isso, para exaltar os que por Ele se humilharam,
deixou duas grandes provas da santidade de tais pessoas: vários deles após
séculos de sua partida tiveram seus corpos intactos, no todo ou em parte, sem
utilização de produtos químicos (conservação artificial). Tudo pesquisado e
estudado por cientistas não católicos e não cristãos, que até hoje não
encontraram uma explicação natural para o fenômeno: são os “corpos incorruptos”;
todos, intrigantemente, de pessoas católicas fervorosas (do que sou
testemunha ocular). E, em um mundo onde personagens vêm e vão, passam e são
esquecidos, os santos permanecem na memória de todos os povos como um
verdadeiro sinal: o sinal de que Deus existe e opera milagres pelas mãos dos
homens.
[2] Exemplos
impressionantes podemos ler nas “Atas dos mártires”, documento do século II
deixado pelas testemunhas oculares de Cristo nos primeiros períodos da Igreja e
de sua perseguição.
[3] Ver a este
respeito o capítulo VI – O cânon.
[4]
Cf. Mt XXII, 32; Mc XII, 26s; Lc XVI, 19-31; XX, 37s; Jo VIII, 30-39.
[6] Ver capítulo II
– “Fora da Igreja não há salvação”.
[7] Mesmo às almas
santas (já salvas) que se encontram no Purgatório (ver capítulo XIV). Sugiro
ainda uma vez a quem deseje aprofundar o tema a leitura de O Manuscrito do Purgatório.
[9] Ver capítulo IX
– O Dízimo.
[10] No caso em
questão, a exemplo de muitos outros, temos uma eloquente prova do “machismo” da
Igreja, em sentido obviamente contrário. Nunca a mulher foi tão valorizada como
quando a Igreja caminhava junto aos poderes civis. Nunca a mulher foi e é tão
sublimada como pela instituição mais acusada de machismo em todo o mundo, alvo
de revoltas das feministas modernas e de todos os tempos.
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