Airton Vieira
(tonvi68@gmail.com)
Permitam-me um pequeno desenrolar de uma ideia
anterior[1],
ainda que sob o risco de sofrer o mesmo destino do protomártir, sem a vantagem
de seus méritos. E com isto pretendo encerrar esta minha espécie de óbolos, que
já são bem escassos.
*
Falava àquela ocasião do grande risco que corremos
nestes tempos em que a sã doutrina já virou conto de fadas (cf. 2 Tim
IV, 1-4), e isso à quase totalidade dos católicos. Tamanha a decadência, que os
ídolos já se elevam aos cumes com direito à manchetes de jornais, horários
nobres e superproduções. Daí a gravidade, para ficar em nosso contexto nacional
hodierno, das afirmações megalomaníacas do anteriormente mencionado ex presidente[2],
que segue falando, agora pela boca de seus adestrados psitaciformes e office
boys, ou torcedores internacionais do mesmo time. Em uma ponta. Em outra, temos uma
categoria de católicos que, ao modo de uma arquibancada de tênis-de-mesa, vão
movendo-se ao ritmo a bola arremessada, para lá e para cá. Nada além de mais do mesmo.
Não faz muito e vimos surgir no horizonte uma nova investida
inimiga na guerra cultural travada pela conquista das almas, cujo campo de
batalha, desta feita, é o da linguagem, tão cara a ideólogos, populistas e toda
uma plêiade de bons de papo. Muda-se a língua[3],
muda-se o mundo, dizia alguém. Eis que então nesse mar de ilusões surge
mirabolantemente um novo substantivo, com seus respectivos verbos e advérbios,
tudo bem provido das etéreas substâncias mitológicas: a mitagem. Coisas e pessoas passam então subitamente a mitar. E mítica e imperceptivelmente o mito vai transmutando-se em ídolo, com
direito a toda parafernália tecnológica, acadêmica e midiática como vassala. Com
isso as vozes dissonantes, em que pese a farsa da liberdade de expressão, passam
a conviver com o risco de se tornarem agora mitofóbicas, com direito à processo
nas diversas instâncias judiciais e não poucas pancadas e sopapos democráticos.
Ainda que o tema seja “mitos” há de se trabalhar com
exemplos concretos, como no artigo anterior, sob pena de também eu ser um
golpista. Ei-lo então. Há pouco mais de um ano escrevia ao mais recente mito brasileiro, quase candidato à
presidência desta querida e maçônica República, anunciando-lhe minha desadesão
à sua possível futura candidatura. É razoavelmente provável que não tenha lido,
o que não fará a mais mínima diferença. Para ambos. Contudo, dado o quadro em
que se encontra este apesar dos pesares amado País em que foi-me escolhido pra
berço, resolvi, sem maiores pretensões, ao menos expressar, com o direito que creio
possuir, o motivo desta minha decisão, o que certamente a um católico que preze
o significado deste termo, deverá ao menos tê-lo em alguma conta, obviamente
não pelo ilustre desconhecido que escreve, mas pelo motivo em si, que não é de
pouca monta, em que pese as opiniões em contrário, que também não serão poucas.
Ela – a minha desadesão – se deu tão logo de uma pantomima religiosa
protagonizada pelo quase candidato aos 11 dias do mês de maio do ano de 2016,
em Israel, terra de Nosso Senhor Jesus Cristo, de quem diz ser seguidor. Tal macaca
pode ser vista [aqui[4]],
com uma posterior emenda do referido deputado saída pior que o soneto, após dar-se
conta de que o tiro saíra pela culatra [aqui[5]];
e à guisa de corolário, um outro deveras por demais ecumênico público
pronunciamento [aqui[6]].
Sugiro que vejam, por dois motivos: por não se tratar de fake news; e para seguir a leitura sem a tentação de dar palpite
sobre o que se desconhece, práxis mui difundida atualmente, que, mui provável, acabe
por ensejar uma nova cátedra universitária, a de palpiteologia.
Conheci uma pessoa singular nos idos dos anos 90 que dizia:
“Para um bom entendedor, meia palavra bas”.
Se foi. Era cego, mas via mucho más lejos que muito católico bem
intencionado, e político nem tanto assim. Prestando-lhe minha póstuma
homenagem, faço saber que naquela época também já dizia: “Antes disseram que
teríamos de respeitar o homossexualismo. Hoje devemos tolerá-lo. Amanhã será a
vez de o apoiarmos. Depois de amanhã teremos de abraçá-lo, ensinando-o aos
nossos filhos e netos como coisa boa, natural e saudável”. De fato, ele tinha
excelente visão.
Estes dias um fato curioso ocorreu com uma pessoa
amiga envolvendo o mesmo personagem mítico deste artigo. Postara meu amigo nas
teias de aranhas virtuais a máxima que emprestou-me aqui o título, juntamente
com alguns comentários seus, e os distribuiu por aí. Não tardou a que ganhasse,
pelos internautas, as chaves não de
alguma cidade, mas da Lua, com convites a que aterrissasse o mais pronto
possível. De todos os impropérios regalados, algo ficou patente, e esse aqui é
um dos x da questão: aquilo que podemos com alguma condescendência chamar de argumento,
de seus contendentes, girava [a palavra certa seria ping-pongneava, ainda que
seja este um neologismo que, penso, acabe de inventar] entre as duas pontas de
uma reta: ou se estava a favor deste quase candidato ou a favor de tudo o que
não presta, ao modo de Lucas XI, 23. De toda forma, os bem intencionados
defensores da família, moral e bons costumes católicos, não obstante as palavras
e maneiras pouco ou nada apropriadas ao título que ostentam [atentando a que a
boca fala do que está cheio o coração], não atentavam ao detalhe de fundo,
cerne de toda a questão: o dito mito
apostatara, e publicamente. Daí que dignos de compaixão, os argumentos contra
meu amigo antes mereceriam o silêncio do Senhor preterido que o grito
multitudinário dos pró-Barrabás. Em todo caso, o que isto significa? Muito!
Permitam-me um parêntese ecumênico aos espíritos mais
suscetíveis. Sugiro, antes das considerações abaixo, uma lúcida e ponderada
análise de um protestante sobre o evento do “batismo” nas águas jordânicas do
quase candidato, do qual extraio um trecho digno de atenção, especialmente em
se considerando a procedência[7]:
Supondo que ele
mantenha a posição dada por sua assessoria, de que ele é e permanece católico,
então ele terá um problema a resolver com esta instituição religiosa. Isto
porque os cânones da Igreja Romana não
concebem que um católico receba o batismo pela segunda vez. Na compreensão
católica o batismo tem caráter indelével.
Ele comunica uma graça especial ao batizando, graça esta que nenhuma pessoa pode “descomunicar”. [grifos meus]
Seria conveniente que os católicos tentassem responder às demais
pertinentes questões que o jovem teólogo protestante aponta em seu artigo. De
minha parte, sigo com os Sacramentos, que é o que importa, mesmo ao matiz
político. Neste ponto é fato que o ilustre deputado, antes mesmo de afogar seu
Batismo nas águas do Jordão já havia matado o Matrimônio antes que a morte o
separasse, vivendo há uns bons mandatos sob o teto do pecado mortal, com a
lógica consequência de com isso mandar também às favas a Confissão e Eucaristia.
Isto sem o conhecimento de se recebeu ou não a Crisma. Sim, porque se vale para
mim ou para quem me lê que coisas como o sincretismo, o adultério/concubinato,
a mentira, a liberdade de expressão e religiosa [a exemplo do comunismo e
socialismo] sejam pecados, e ademais que despertem algum clamor aos céus, certamente
o valerá para o quase candidato em questão [bem como a ex presidentes], dado
que a Justiça em pessoa não faz acepção de pessoas, como eu ou quem me lê a fazemos.
E se temos um [quase] candidato ao governo desta nação vivendo em tais condições,
pergunto-me com a permitida e natural perplexidade: como poderia um católico considerar
de somenos questões tangentes ao cerne mesmo de sua fé? Como poderia defender,
divulgar, difundir, declarar, deferir, deputar, desculpar, decantar [deificar?]
alguém que postulando e vendendo valores, nega a fonte mesma do valor e da
honra? que recriminando a corrupção, negocia e barganha a fé? que acastelando a
moral e a família, pretere e negligencia os Sacramentos? que radicalizando na
defesa dos mais indefesos, relativiza e lança aos leões o que há de mais
indefeso no mundo do erro, hipócrita e convenientemente religioso: a única
religião verdadeira, que por acaso é a de seu berço? Coisas que minha
compreensão já a meio caminho da senilidade ainda não logrou concatenar. Porém,
há um pero.
[Guardem, por hora, as pedras caros leitores, e perdoem as
impertinências deste neófito da terceira
idade, que ainda tem mais um cadinho. E este é um outro x da questão.]
As justificações que vêm tendo o tal mito por parte de coirmãos, para ficar nestes, não raro situam-se
no campo da mera emotividade desvairada, próprias das euforias messiânicas
decadentes, portanto desprovidas de razão; ainda que haja intelectualidade. E
com isso temos um novo remake, um
novo déjà vu, agora sob o nome de idiocracia[8],
tal como bem a definiu o católico Nelson Rodrigues: “Os idiotas vão tomar conta
do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos”.
Houve um tempo em que devido a um olhar desfocado do Reino
de Deus, ansiando-se um messias metade Átila metade Aquiles, ou mesmo um Sassá Mutema[9]
aos moldes judaicos [portanto imanente], estes acabaram por optar por um Reino
exterior, material, histórico. Ao dar-se conta de que o Cordeiro de Deus viera
para tirar o pecado do mundo, e não solucionar o problema da fome, moradia,
saúde e educação, ou do migrante, forjaram a mais inconsequente palavra de
ordem da história: crucifica-o! O que nos deixa a certeza de que Cristo morreu
pela decepção humana, que depois do alcoolismo é a maior causa de mortalidade em
larga escala.
Os que estão no topo da cadeia alimentar sabem que a melhor
forma de manter sob serviciência asnática os que buscam o acréscimo ao Reino, é
lançar-lhes a moeda ao chão com ambos os lados já cunhados, dando-lhes a
impressão de tratar-se de distintas moedas o que não passa de dois lados da
mesma. Ocorre que, a um lado dá-se então o nome de “cara”, a outro, de “coroa”,
tratando-se obviamente do mesmo objeto. Elementar. Não para todos, porém...
Isso nos leva à seguinte conclusão politicamente incorreta,
como é próprio de tudo o que é genuinamente católico em um universo secular:
não somos, nós católicos, de direita ou esquerda. Não somos sequer de centro.
Somos antes do alto. Daí que a democracia, com sua natureza horizontal, serve
tão somente como algo a se sofrer ao modo de um mal menor. Em definitivo não
somos democráticos, como não o é a criação e o Criador. Somos verticalmente
monárquicos, como o é o Reino [não a República] de Deus. E para governar-nos há
de se ter a legitimidade não das urnas, mas do sangue e da virtude, que não cremos,
via de regra, na voz do povo pela voz de Deus. Há de se ter a Fé, unida às
obras, que não somos protestantes. Há de se ter a Cruz, que não somos judeus.
Há de se ter a Trindade como estandarte, princípio e fim, que não somos
muçulmanos. Há de se crer na ressurreição e transcendência da carne, que não
somos budistas, espíritas ou materialistas. Há de se curvar ao poder atemporal
e a ele submeter o temporal, reconhecendo a este como mero serviço e
instrumento, que não somos nada além de membros da única e verdadeira religião,
revelada pelo único Deus lógica e racionalmente possível, que é Uno e Trino, e
Rei. Alguém a isto chamará racismo, discriminação ou preconceito. Nada mais é que
princípio de identidade.
Daí que me importará menos um candidato que jure o fim da
corrupção, a criminalização das drogas ou a defesa da família. Que vaticine
como prioridade a saúde e a educação. Que diga se comprometer em atender aos
programas sociais ou à erradicação da fome. Que queira combater a ideologia de
gênero e promulgar o livre mercado junto à propriedade privada. Me importará o
candidato que não se envergonhe da fé católica, por sua crença e visão de que ela,
racional e historicamente é a única capaz de combater todas as mazelas
sócio-político-econômicas, sem ceder às tentações do deserto. Que por ela
comprometa-se à morte, sem risco de apostasia e ademais pública. Que prefira
estar em estado de graça à chefia do Estado. Como um Luís de França, um
Fernando de Aragão, um Garcia Moreno [para não se dizer que também aqui não existam
exemplos]. Este então será não o meu mito, este será o meu candidato, enquanto Deus
permita a democracia.
Mas disse acima que havia um pero. E este o há na forma de quem, com reta intensão e maior
credibilidade, postule a tese do “mal menor”. E nesta, há candidatos menos
piores que outros, o que estou de acordo, afinal, não por acaso Cristo disse a
Pilatos que quem O havia entregado a ele tinha pecado maior[10].
E é legítimo que estes recebam seus votos. Contudo, neste mas, há outro porém. E este é o não perder de vista, a exemplo de
meu amigo cego, que estamos lidando com o “mal menor”, que tantas vezes a
história provou acabar tornando-se o maior. Daí que o mais daninho discurso, o
que nos levará aos braços do Anticristo, será o de tipo tolerante, ecumênico, pacifista,
do “tudo vale a pena quando a alma não é pequena”, onde valerá que se seja
católico e batize-se e case-se quantas vezes ter na telha, [também]
com protestantes, em cultos protestantes e por ministros protestantes.
Preconceito, intolerância, puritanismo hipócrita? Não, senhores. Há pouco e
ouvíamos dos Sumos Pontífices que de uniões mistas [católicos e não católicos]:
“(...) deriva, não raro, uma triste defecção da religião
nos descendentes, ou, pelo menos, a queda fácil naquela negligência religiosa
que se chama indiferença, vizinha da incredulidade e da impiedade.” [11].
E que por isso: “só muito dificilmente o cônjuge católico não recebe nenhum
dano de tal matrimônio”[12].
E das Escrituras: “Há um só Corpo, um só Espírito, como uma e única só
esperança a que fostes chamados. Um só Senhor, uma só fé, um só batismo...”[13].
Donde penso que o voto não devesse acompanhar a propaganda, a defesa, a mitagem.
Por isso, também a mim, como a meu amigo, estranha-me
católicos seguidores de mitos, etílicos ou etéreos, concretos ou abstratos,
literais ou figurados; tanto mais católicos proferem ser.
[1] De etílico a etéreo: mais do (perigoso) mesmo!. Em: http://romadesempre.blogspot.com.br/2018/04/de-etilico-etereo-mais-do-perigoso-mesmo.html
[2] Id.
[3] Isto é, o sentido da linguagem.
[6]
https://www.youtube.com/watch?v=XNl799Fij6M
[7]
https://xadrezverbal.com/2016/05/16/o-batismo-de-bolsonaro/
[8] Tal como a vemos nesta singela
produção de mesmo nome (https://www.youtube.com/watch?v=KkYXwvlEWF0).
[9] Personagem da dramaturgia
nacional, sinônimo de “salvador da pátria”.
[10] Cf. Jo XIX, 11.
[12] Id.
[13] Efe. IV, 4s.
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