em 11 de jul 2018
Nota do tradutor: esta homilia do Pe.
Martín será introduzida por este pequeno extrato de uma recente entrevista do
Card. Sara, Prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos
Sacramentos, que não só convergem como se completam. Podemos vê-las como
emitidas por dois sentinelas, cada um em postos distintos. Valerá estar atentos
aos alertas, uma vez que aos católicos não se nos pede, em todo o período da
história, nem otimismo nem pessimismo, mas esperança[1].
Introdução[2]
Repórter: Você se sente preocupado com om mundo ocidental. Com
o que você está preocupado?
Cardeal Sara: Você sabe, a maior
preocupação é que a Europa não tem mais ou perdeu o sentido de suas origens.
Ela perdeu suas raízes. E, sendo assim, uma árvore que não tem raízes, morre.
Eu tenho medo que o Ocidente morra. Existem muitos sinais. A baixa
natalidade... Você será invadido por outras culturas, outros povos, que irão
gradualmente dominá-los pelo número e mudar totalmente sua cultura, suas
convicções, seus valores. há também, veja você, essa preocupação como se só
existisse a técnica, onde só o dinheiro conta. Não há outro valor...
*
Hoje celebramos a festa
litúrgica de S. Bento [Abade], co-patrono da Europa.
São Bento marcou uma época,
como sempre fazem os santos. Os santos salvam sua época fazendo justamente o
contrário do que fazem os demais. É como quando um barco está apontando a
bombordo ou estibordo, os tripulantes – me refiro, obviamente a um barco a vela
– os tripulantes do barco têm de colocar-se do lado oposto, porque senão o
barco alaga e se afundam na direção em que faz a curva. Assim, fazem
contrapeso. Os santos têm feito sempre igual: têm feito contrapeso. E por isso
têm sido incômodos e muitas vezes perseguidos, e poucas vezes entendidos.
Geralmente foram elogiados quando já estavam mortos. Talvez, não exista santo
mais cômodo que santo morto, porque enquanto vive, incomoda todo mundo. Também,
diga-se de passagem, ocorreu com São Bento, que por várias vezes pôs sua vida
em risco.
Em uma época que nos dá muito
trabalho entender, porque extraordinariamente foi uma época muito difícil, não
podemos entender o que significou o fim do Império Romano, com toda sua miséria
moral – apesar de já ter entrado massivamente no cristianismo em última etapa,
nos últimos cem anos de sua existência – o Império estava perdido, e uma parte
do problema era precisamente a crise demográfica: não havia crianças, tinham de
trazer de fora, e essa gente de fora entrava como empregados, como por exemplo,
tropas auxiliares nas legiões romanas. Terminou por voltar-se contra o Império
e acabou com ele.
Foi uma destruição imensa. Uma
cidade como Roma, por exemplo, que tinha um milhão de habitantes, ficou
convertida numa miserável aldeia destruída, cheia de ruínas, de não mais que
vinte e cinco mil habitantes, que se salvou como tal porque aí permaneceu o
Papa, e permaneceu a Igreja. Foi uma coisa da qual não podemos fazer ideia,
porque [é como se] nossas cidades, em um ambiente catastrófico futuro,
estivessem todas arruinadas, os grandes arranha-céus, monumentos, tudo
arruinado e mal se encontrassem algumas pessoas em meio das ruínas. E isso
afetou naturalmente a todos os aspectos da vida, a moral que se relaxou
enormemente... Depois de acabado o Império a história se divide em eras... vem
depois a Idade Média, termina a Antiga e vem a IM. E se chama Alta Idade Média
à época desde o fim do Império Romano, mais ou menos, até os anos mil
aproximadamente.
Foi uma época duríssima,
espantosa, também para a Igreja. E nesse contexto no qual vive São Bento... não
digo que não houvesse gente boa – São Bento era por suposto um deles –, contudo
ele toma uma opção, que é a de retirar-se do mundo. “Isto terá solução”. Nunca
disse: “Não terá solução”, porque teria sido perder a esperança. “Terá solução,
mas agora teremos de salvar o tesouro, há que salvar o essencial. E vamos
salvá-lo retirando-nos do mundo”. Naquela época, é também verdade que a Europa
estava muito menos povoada, a além disso havia sido dizimada pelas invasões e
estava muito menos povoada que hoje, e havia grandes extensões onde existiam
bosques, campos sem cultivar, era mais fácil encontrar um lugar tranquilo.
Começa essa opção de retirada
do mundo. Começa no Ocidente, porque já antes, ainda que com outro sentido,
outro objetivo, havia iniciado [com] Santo Antônio [Antão] no Egito.
A retirada do mundo de São
Bento não foi uma retirada de odiar o mundo, de desprezar o mundo. Foi uma
retirada de salvar o mundo desde uma outra perspectiva: custodiando o essencial.
Salvou-se, por exemplo, a cultura graças aos mosteiros beneditinos e sobretudo
custodiando a fé. Os monges beneditinos salvaram a Europa, por isso [S. Bento]
é o Patrono da Europa. Salvaram a Europa em todos os aspectos, por exemplo, os
monges tinham de ensinar os camponeses a como trabalhar a terra, porque até
isso se havia perdido. Durante gerações a gente não trabalhava a terra, porque
se a trabalhava, semeavam o trigo... punham a uva, e o que ocorria? Quando iam
fazer a colheita chegavam uns bandoleiros, ou às vezes bandos isolados, às
vezes inclusive exércitos organizados, e levavam aquilo tudo o que tinha sido
trabalhado, levavam as ovelhas, levavam o gado, levavam o trigo, levavam o
vinho, então, chegou o momento em que a gente se entregava essencialmente à
subsistência. Por exemplo, acaba-se o comércio: as pontes, as grandes vias de
comunicação romanas se destruíram... A gente, quando muito, comerciava com as
aldeias vizinhas... Não temos [por isso] ideia do que se deu com o fim do
Império... Do que era então o mundo cristão conhecido, onde estava estendido o
Evangelho, porque ainda faltavam vários séculos para que chegasse à América, e
também para que também se iniciassem as missões na Ásia, e na África, porque a
África havia ficado também... havia sido próspera no cristianismo, e havia
ficado totalmente dominada pelo Islã.
A ideia de São Bento é esta:
salvemos o essencial. Salvemos o essencial retirando-nos do mundo, e desde aí
construamos[3],
esperando que venham tempos melhores; e rezemos pelo mundo.
Hoje se fala da “Opção Bento”,
não beneditina, mas a Opção Bento, assim se chama, ou Benedicto. Quando falam
disto não estão fazendo referência ao Papa Benedito [XVI]. Há duas opções que
circulam hoje dentro do vocabulário da Igreja: a “Opção Benedicto” e a “Opção
Francisco”. Poderia se pensar que se está falando do Papa Bento ou do Papa
Francisco. Não é assim. Estão falando de S. Bento e de S. Francisco de Assis.
Quando se fala hoje da Opção
Bento, ou Opção Benedicto – Bendedicto seria o nome que se derivaria do latim Benedictus –, quando se fala disso se
está dizendo: “devemos nos retirar do mundo. Salvemos o essencial retirando-nos
do mundo”. Conheço famílias, por exemplo nos Estados Unidos, que estão
retiradas do mundo, compraram um terreno em um lugar civilizado, mas um lugar
arborizado, [que] têm uma extensão mediana, vários acres – como se diz nos Estados Unidos –, vários hectares, e ali
têm uma casa, seus filhos fazem homeschooling,
que é uma coisa possível nos Estados Unidos, e vivem isolados do mundo para
preservar os seus filhos da contaminação da televisão, ou da contaminação dos
colégios, dos high school, dos
Institutos... vivem retirados do mundo.
Bem, esta é uma opção. Agora,
a outra, a Opção Francisco... São Francisco vem depois de São Bento. Muitos
séculos depois, já terminada a Alta Idade Média, brutal[4], e
vem a Baixa Idade Média, quando começa novamente o comércio... Seu pai – o pai
de S. Francisco – era comerciante. A Europa começa de novo a levantar a cabeça.
Surge de novo a arte na Europa: a arquitetura, as igrejas românicas, primeiro,
depois as maravilhosas igrejas góticas, ou seja, a Europa começa a sair da
catástrofe que originou a queda do Império Romano. Custou a ela 500 ou 600 anos
para superar isso, não um dia ou dois. Custou uma barbaridade à Europa superar
o resultado do fim de uma civilização.
Bom, o que fará S. Francisco?
Conhece os beneditinos. A Porciúncula, sua primeira casa, era um fragmento, um
pedacinho de um mosteiro beneditino, dos terrenos do mosteiro beneditino que
havia em Assis. Então o que fará S. Francisco é dizer: “Já vivemos o essencial,
já se salvou o essencial, já vivemos no retiro, agora há que retornar à cidade,
há de voltar a estar no mundo, a estar com as pessoas. Há de refazer os
caminhos ao invés de estarmos metidos dentro dos muros de proteção do mosteiro.
Há de voltar a sair às ruas”. Porém, isso S. Francisco não pode fazer, porque
primeiro S. Bento salvou o essencial, ou seja, há um momento para salvar o
essencial, e há um momento para dar o essencial a todos.
Creio que em nossa época temos
de viver a mistura de ambas as coisas: uma opção beneditina de salvar o
essencial, por exemplo, salvar a família, e salvar a natureza. Não me refiro
somente às árvores e os peixes, mas salvar a natureza humana. O que nos ensina
a natureza humana, sobre o homem, sobre a mulher? Salvar o essencial do
conceito de ser humano. Salvar, por suposto, o essencial da fé. A fidelidade à
doutrina, a fidelidade aos ensinamentos do Evangelho, a fidelidade aos ensinamentos
de S. Paulo, de S. João; de salvar o essencial. Isto é o primeiro, sem isto não
há nada a fazer. Há de voltar às raízes, há de ser fieis à origem – a origem de
tudo aquilo que foi abençoado pelo Espírito Santo –, contudo, em seguida há de
levá-lo às pessoas. Isto é, a opção beneditina, a Opção Bento, é uma opção
sempre necessária: voltar às raízes. E a Opção Francisco é uma opção hoje tão
necessária como o era no século XIII, quando S. Francisco começa... começa e
termina sua vida na terra – ele morre em 1226... a princípios do século XIII –,
é necessário levar isso às pessoas. Mas para levar algo às pessoas é preciso
tê-lo. Se não tens espiritualidade, se não tens uma formação, se não tens um
conceito de homem, um conceito de relações sociais, o que vai levar às pessoas?
Confusão? Caos? Mentira? Para levar algo – e há que levá-lo! – tens de tê-lo.
Por isso ambas opções hoje são
necessárias, e a cada um de nós nos toca viver ambas as opções: custodiar o
essencial e levá-lo às pessoas. Comunicá-lo àqueles que o perderam.
_________________
Fonte:
https://www.youtube.com/watch?v=Jknc_GHQ4Tk
[1] Como bem nos aponta Alfredo Sáenz, S.J,
em seu excelente trabalho El fin de los
tempos y siete autores modernos (Gladius, 2008, p.274): “(otimismo e
pessimismo) São termos de índole psicológica, que mais do que da realidade dos
fatos dependem da variedade dos temperamentos. Por isso, a atitude verdadeira é
a da esperança, essa virtude teologal pela que se espera a salvação,
sim, mas não a partir de algo que pertença a este mundo.” [tradução livre].
[2] Extraído de: https://www.youtube.com/watch?v=dXY0aWak6mU&t=7s, com tradução de O tradutor católico.
[3] Termo de difícil compreensão no áudio.
Fiz aqui uma aproximação com o contexto.
[4] Id.
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