quarta-feira, 1 de agosto de 2018

MONSENHOR BÁEZ, PELO QUE CHORAS?

Monseñor Báez, Venezuela



Por Airton Vieira

Seguiam-n’O uma grande massa de povo e umas mulheres que se lamentavam e choravam por Ele. Jesus, voltou-Se para elas e disse-lhes: «Filhas de Jerusalém, não choreis por Mim, chorai antes por vós mesmas e pelos vossos filhos, pois dias virão em que se dirá: “Felizes as estéreis, os ventres que não geraram e os peitos que não amamentaram”. Hão-de então dizer aos montes: “Caí sobre nós” e às colinas: “Cobri-nos”. Porque se tratam assim a madeira verde, o que acontecerá à seca?».

(Lc XXIII, 27-31)


Antes de tudo, misericórdia. Ao povo irmão nicaraguense, a “bola da vez” do malévolo jogo de descristianização global [quem será o próximo?]. O que hoje vemos em Nicarágua, ontem vimos – e seguimos vendo – no Meio Oriente, em Cuba e na maioria dos países de maioria muçulmana e/ou comunista; e amanhã, não resta mais a mínima sombra de dúvida de que o veremos em nosso País, em nosso Estado, em nossa cidade, em nosso bairro, em nossa rua, na casa vizinha, quiçá, antes dela, na nossa própria. É assim que, há muito, vem caminhando a humanidade desenfreada, mais deplorável que os muares do salmo[1]. E desta sorte todos nos irmanamos, como nos irmanamos em tudo o que diga respeito à comunhão dos santos; tudo, “na alegria e na tristeza, na saúde e na doença...”. Até que a morte nos separe.

Ao ter diante de si tanta atrocidade, crueldade, desumanidade, muitos se perguntam do que é feito o ser humano. E nisso tantos cedem à tentação de não se reconhecer uma imago Dei. Ou então, o que é pior, que esse Deus não seja tão bom quanto se fez crer. Daí que sua imagem, que somos nós, tenha saído como saiu: má. E cremos ver nisso, hoje mais que nunca, a prova dessa malvada semelhança. Sabemos que tais questionamentos e dúvidas nasceram de longe, num determinado Jardim por um determinado réptil, que desde então nos tenta fazer crer ser ele o verdadeiro mocinho do filme, o injustiçado que não queria outra coisa que ser livre, igual e fraterno. Mas isto em definitivo não é, nem pode ser, o ponto central do que aqui se pretende.


Durante os atuais acontecimentos em Nicarágua, uma voz vem se fazendo ouvir, sendo, inclusive, propalada por autofalantes bem suspeitos; ou nada imparciais. Ainda assim, tanto melhor se se trata de uma voz católica, quanto mais de um Prelado, “un pastor de la Iglesia, que siente por su pueblo[2].
Monsenhor Báez tem chorado. Em suas aparições públicas não esconde as lágrimas de dor, afirmando que em seu país há motivos para chorar. Em pronunciamento recente[3] disse, em tom lacrimoso: “... Temos visto mortos e feridos pelas ruas. Temos visto famílias e crianças de colo calcinadas pelo fogo. Temos visto um povo desarmado atacado por hordas militares cruéis, com armas de guerra... Temos chorado pelas torturas de nossos jovens, temos chorado por tantos desaparecidos, por tantos encarcerados injustamente, temos chorado pelas mães em frente a El Chipote[4] pedindo para ver seus filhos e que os libertem. Há motivos para chorar...”. Hasta aquí llegó el obispo[5]. E está com a razão Mons. Báez, ainda quando cita o Eclesiastes. De fato, este é um tempo para chorar. Talvez como nunca dantes.

Bem, lá pelo meio da referida entrevista a repórter, também ela uma mãe, solidária à comoção episcopal pergunta ao Bispo se temia por sua vida, ao que responde: “... não tenho tido tempo de pensar em mim...”. Perfeito. É o que Deus e a Igreja esperam de seus pastores: que tenham sempre menos tempo de pensar neles.
Há dois mil anos algumas mães condoídas se puseram no caminho de Nosso Senhor Jesus Cristo ferido pelas ruas... atacado por hordas militares cruéis, e um tanto mais: lacerado, escarrado, humilhado, pisoteado... Pelos homens, e seus pecados. Também pelo meu e pelo seu pecados caro leitor, pelos pecados de nossos irmãos nicaraguenses, bem como de seu clero, pelos pecados, enfim, do mundo inteiro, pois que os pecados do primeiro ao último homem sobre a face da Terra foram, são e serão os responsáveis por toda injustiça cometida contra o Inocente, que também é o Justo Juiz, e que por isso pedirá contas. Dentre todas as palavras proferidas pelo Verbo, estas, com toda certeza são [ao menos deveriam ser] de um assombro sem limites, ao ponto de que, se todas as obras de Cristo ainda não fossem suficientes para provar sua divindade, somente estas palavras – humanamente impossível de serem proferidas no contexto em que foram – o seriam: “Filhas de Jerusalém, não choreis por Mim, chorai antes por vós mesmas e pelos vossos filhos...”.
O santo Doutor espanhol Vicente Ferrer (1350-1419), em um de seus sermões escatológicos, fez uma mui interessante exegese acerca da morte dos Santos Inocentes mártires e a perseguição da Igreja[6], que de forma espeluznante[7] reflete o que hoje ocorre com este povo de língua hispânica e todos os cristãos, de todas as línguas: testemunhas vivas da veracidade das profecias; alertando-nos, por isso, ainda outra vez, a jamais desprezá-las (cf. 1 Tes V, 20). De tão contundentes, merecem sua transcrição. Começo pela perseguição da Igreja que, como todas perseguições possui um (ou mais) antes:

Por esta razão disse acima, que DEUS mandou os seis varões começarem primeiro por seu santuário, e isto pela grande culpa do povo, por tornarem maus os bispos e religiosos. Porque os senhores temporais, e leigos começaram por usurpar e tomar para si as rendas e bens da Igreja, sendo avaros. E pelas honras e vaidades deste mundo mau, passaram a ser muito contrários à Igreja, e os eclesiásticos se puseram contra eles pela sentença de excomunhão, uma vez que por sua causa a Igreja está cheia de males; desta forma a perseguição lhe virá pelos pecados do povo. [grifo do autor]

Revela mais acima o santo Doutor se tratarem estes seis varões de Príncipes [líderes políticos] que terão mando sobre os maus cristãos que então seguirão o Anticristo, “matando a quantos não possuíam o signo do Tau nas frontes, os quais começarão pelo santuário, quer dizer, pelos eclesiásticos, e não matarão a todos, mas a alguns deles sim; a uns no corpo e a outros na alma.”; concluindo esta parte com uma terrificante sentença: “Oh, se soubessem os eclesiásticos [o tanto] que DEUS permitirá que sejam perseguidos naquele tempo por seus pecados, creio que comeriam fel misturado com vinho!”.
Continuando sua narrativa, “o anjo do Apocalipse”[8], valendo-se do episódio dos inocentes trucidados a mando do infanticida Herodes[9], dirá [para espanto de muitos]:

Tudo isto [as perseguições] será motivo de aumento de virtude e purificação dos vícios para estes eclesiásticos, como se fez no martírio dos inocentes que foram mortos pelos pecados dos pais, quando não quiseram que Nossa Senhora desse a luz ao chegar de Nazaré a Belém, pelo que foi necessário que desse a luz ao Redentor em um estábulo, entre animais; foi por isso que DEUS permitiu então que fossem castigados os pais em seus filhos[10]. No entanto, aquela purificação foi pena espiritual nos pais, e nos filhos somente corporal, e glória para as almas[11]. [grifos meus]

Com isso penso que já podemos ir descortinando os fatos atuais à luz de causas e efeitos concretos, uma vez que “o sistema”, “o governo”, “o mercado” e tantas entidades abstratas como estas nada mais são que personas utilizando-se de seu livre arbítrio para cometer o bem ou o mal. No caso em pauta, o segundo.

Retomando o de cima, aqui chegamos ao cerne da questão, que começo por uma constatação. Na maior parte das notícias e declarações publicadas, salvo alguma exceção como a de Mons. César Bosco Vivas Robelo, da diocese de León[12], o tom prioritariamente dado tem sido o imanente, ainda quando se mencionem fatos transcendentes como o da morte. O acento, não raro é dado aos “direitos humanos” em seus diversos matizes: o cuidado com as ideologias; o apelo à “não violência” de coloração tolstoiana, dando a impressão da violência como um mal absoluto; o respeito à liberdade de expressão e de culto, desembocando no mote das soluções horizontais paliativas como as do “diálogo fraterno”, da “tolerância” e a “paz” etc etc.

Fiz uma rápida pesquisa nas páginas em que foram veiculadas declarações e entrevistas por parte de algumas autoridades eclesiásticas nicaraguenses a respeito do tema. Com base no que considero – e sei que não estou só – a principal causa de todo o caos [não somente neste país], manifestada por um ato concreto como o das profanações eucarísticas, destaquei palavras como: “profanação”, “hóstia”, “eucaristia”, “blasfêmia”, “sacrilégio”, “comunhão”. Na quase totalidade dos pronunciamentos NENHUMA PALAVRA A RESPEITO. Em outras palavras, vêm-se chorando “[pelos] ... mortos e feridos pelas ruas... famílias e crianças de colo calcinadas pelo fogo... um povo desarmado atacado por hordas militares cruéis, com armas de guerra... pelas torturas de nossos jovens... por tantos desaparecidos, por tantos encarcerados injustamente... [e até] pelas mães em frente a El Chipote...”. E só. 

O bispo carmelitano, ainda, em uma de suas declarações[13] chega mesmo a destacar, com ênfase lacrimosa, a importância de não se perder de vista que “A história não depende somente da vontade dos poderosos, mas sobretudo, da capacidade dos povos de organizar-se (sic!)”, em eco a um dos muitos aforismos de Mario Jorge Bergóglio. Entretanto, nem Mons. Báez [o cito por ser hoje a palavra de maior projeção midiática], nem o cardeal Brenes, nicaraguense, em seus pronunciamentos manifestaram-se em relação às atrocidades que vêm sendo cometidas com o Santíssimo Sacramento. Em outras palavras, não vêm-se chorando pelas centenas e milhares de profanações do sagrado por parte de prelados, sacerdotes e fiéis [desnecessário falar dos infiéis] em seus abusos litúrgicos sem fim; pelas blasfêmias que todos os dias inundam Nicarágua e o mundo; pelas centenas, milhares, milhões não tanto de corpos separados de suas almas, como de almas [e corpos!] separadas, para sempre, de seu Deus, resultado – para ficar neste país – de um povo há muito apostatado, cujo eficiente trabalho, por exemplo, da teologia da libertação [apoiada por Mons. Báez e boa parte do clero nicaraguense] ao longo de décadas, de um lado, e a omissão dos Pastores, de outro, nos demonstra agora os incontestes resultados. Basa dizer que também Daniel Ortega é fruto [mal, por suposto] da TL marxista infiltrada na Igreja, e que agora se vê tardia, mas hipocritamente defenestrado.

A questão é que – como não nos damos conta?! –:“se tratam assim a madeira verde, o que acontecerá à seca?” Um povo que, de um lado profana o que há de mais sagrado no mundo, a Eucaristia, repetindo as atrocidades de há dois mil anos, e de outro um povo que apenas chora, como as mães do caminho, tardiamente e sem a violência necessária a combater o que cada dia vem se dando em uma crescente realmente preocupante, merecerão ouvir de Cristo: “... não choreis por Mim, chorai antes por vós mesmas e pelos vossos filhos...”. Porque tudo o que há de mau, de vil, de cruel ou injusto, antes de ser consequência da “desigualdade social”, da “intolerância”, da “infração aos direitos humanos” ou da “distribuição de renda”, é, pura e simplesmente, consequência do pecado – esta soberba que nos quer “livres” –, que por sua vez tem raiz demoníaca e cuja paga é o Inferno, a eterna prisão. Eis, três palavras indigestas aos arautos do diálogo e da não violência, suprimidas do vocabulário atual de uma Igreja que optou pela tolerância e misericórdia muito desengonçadas, onde a obsessão da conciliação com o mundo faz com que a paz oferecida não seja a de Jesus Cristo, cuja condição sine qua non é a de não negarmos esse Homem-Deus, único e verdadeiro Messias salvador do mundo, e que não raro chega pela espada que divide.

Não há que perder de vista, antes “da capacidade dos povos de organizar-se”, o fato de que “meu povo perece por falta de conhecimento” (Os IV, 6), e que “Os reis da terra sublevaram-se, e os príncipes se coligaram contra o Senhor e contra o seu Cristo” (Sl II, 2s). É disto que se trata, senhores Pastores. Por isso nos advertia há mais de cinco centúrias o santo espanhol acerca dos “pecados do povo”, tanto do clero quanto dos fiéis, ao ponto de afirmar com as Escrituras que há casos em que os filhos pagam pelos pais. E não pensemos que se trate somente de pais biológicos.

Não haverá “paz e segurança”, em que pesem todos os diálogos, toda tolerância, todos os impeachment, ou toda mudança constitucional, pois não existem “salvadores da pátria”, ainda que míticos. 

Conjuntamente – de fato antes – aos “reis da terra”, Jesus Cristo Rei há de ser entronizado, a começar nos corações: de governantes e governados, de pastores e rebanhos, pois até o presente governando está outro rei, que não passa de príncipe, decaído por suposto, mas ainda príncipe. Do contrário, como se explicar a atitude dos profanadores, também eles vândalos, anarquistas e assassinos [marionetes e marionetistas]?

Se o mundo, não só Nicarágua, encontra-se já tão dessacralizado ao ponto de viver imerso – parafraseando Bento VXI – em um verdadeiro neopaganismo cercado de ditadura do relativismo por todos os lados; se por isso, juntamente com todos os atos desumanos e cruéis cometidos pelas diversas pessoas de mando e mandadas encontram-se os das profanações do Sagrado, provando com isso uma diabólica parceria; se tudo isso, como dizem as Escrituras, a Tradição e o Magistério, é fruto e resultado dos diversos pecados; se, por fim, de tudo estamos há muito avisados [com destaque à Virgem e suas aparições ao longo dos séculos, quase sempre olvidadas e mesmo desprezadas], especialmente os senhores Pastores “a quem muito foi dado...”; então, sinceramente: Monsenhor Báez, pelo que choras?

Em 30 de julho de 2018. Festa de São Pedro Crisólogo, Bispo e Doutor, “Pastor prudente e zeloso da Igreja [que] usou do dom da pregação como instrumento do Espírito para a conversão de pagãos, hereges e cristãos indiferentes na vivência da própria fé”[14].


[1] Cf. Sl XXXII, 9.
[2] Entrevista concedida por Mons. Silvio Báez O.C.D, bispo auxiliar de Manágua, à jornalista Leana Astorga. Em: <https://www.youtube.com/watch?v=00MTYV0CXuI>. Acesso em: 28 jul. 2018.
[3] Em: <https://www.youtube.com/watch?v=nHF2OXWRhm4&pbjreload=10>. Id. Tradução minha.
[4] Prisão de Manágua.
[5] Me permito aqui um trocadilho com a [mais provável] etimologia de Nicarágua. Ver: <http://etimologias.dechile.net/?Nicaragua>. Acesso em: 30 jul. 2018.
[6] OLIVERA RAVASI, Javier (transcrição, tradução, adaptação e notas). Sermones sobre el Anticristo y el fin de los tiempos, 2017 (em breve em língua portuguesa pela Martyria Editora). Aqui, São Vicente falando de seu tempo lança luz sobre tempos futuros, que pode ser perfeitamente aplicada ao nosso.
[7] Espantosa, assustadora.
[8] Como era conhecido S. Vicente Ferrer.
[9] Cf. Mt II, 16ss.
[10] Cf. Dt 5, 6-10.
[11] Cf. Lc 12, 4s.
[12] Em: <https://www.youtube.com/watch?v=OCaQQStzTOA>. Id
[13] Em: <https://www.youtube.com/watch?v=ixgm21wCbu0>. Id
[14] Em: <https://www.nossasagradafamilia.com.br/conteudo/sao-pedro-crisologo.html>. Acesso em: 30 de jul. 2018.

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