Por Airton
Vieira
Seguiam-n’O uma grande massa de povo e umas mulheres que se
lamentavam e choravam por Ele. Jesus, voltou-Se para elas e disse-lhes: «Filhas
de Jerusalém, não choreis por Mim, chorai antes por vós mesmas e pelos vossos
filhos, pois dias virão em que se dirá: “Felizes as estéreis, os ventres que
não geraram e os peitos que não amamentaram”. Hão-de então dizer aos montes:
“Caí sobre nós” e às colinas: “Cobri-nos”. Porque se tratam assim a madeira
verde, o que acontecerá à seca?».
(Lc XXIII, 27-31)
Antes de tudo, misericórdia. Ao povo irmão nicaraguense, a
“bola da vez” do malévolo jogo de descristianização global [quem será o próximo?]. O que hoje vemos em Nicarágua, ontem
vimos – e seguimos vendo – no Meio Oriente, em Cuba e na maioria dos países de
maioria muçulmana e/ou comunista; e amanhã, não resta mais a mínima sombra de
dúvida de que o veremos em nosso País, em nosso Estado, em nossa cidade, em
nosso bairro, em nossa rua, na casa vizinha, quiçá, antes dela, na nossa
própria. É assim que, há muito, vem caminhando a humanidade desenfreada, mais
deplorável que os muares do salmo[1].
E desta sorte todos nos irmanamos, como nos irmanamos em tudo o que diga
respeito à comunhão dos santos; tudo,
“na alegria e na tristeza, na saúde e na doença...”. Até que a morte nos
separe.
Ao ter diante de si tanta atrocidade, crueldade, desumanidade,
muitos se perguntam do que é feito o ser humano. E nisso tantos cedem à
tentação de não se reconhecer uma imago
Dei. Ou então, o que é pior, que esse Deus não seja tão bom quanto se fez
crer. Daí que sua imagem, que somos
nós, tenha saído como saiu: má. E cremos ver nisso, hoje mais que nunca, a
prova dessa malvada semelhança. Sabemos que tais questionamentos e dúvidas
nasceram de longe, num determinado Jardim por um determinado réptil, que desde
então nos tenta fazer crer ser ele o verdadeiro mocinho do filme, o injustiçado que não queria outra coisa que ser
livre, igual e fraterno. Mas isto em definitivo não é, nem pode ser, o ponto
central do que aqui se pretende.
Durante os atuais acontecimentos em Nicarágua, uma voz vem se
fazendo ouvir, sendo, inclusive, propalada por autofalantes bem suspeitos; ou
nada imparciais. Ainda assim, tanto melhor se se trata de uma voz católica, quanto
mais de um Prelado, “un pastor de la
Iglesia, que siente por su pueblo”[2].
Monsenhor Báez tem chorado. Em suas aparições públicas não esconde
as lágrimas de dor, afirmando que em seu país há motivos para chorar. Em
pronunciamento recente[3]
disse, em tom lacrimoso: “... Temos visto mortos e feridos pelas ruas. Temos
visto famílias e crianças de colo calcinadas pelo fogo. Temos visto um povo
desarmado atacado por hordas militares cruéis, com armas de guerra... Temos
chorado pelas torturas de nossos jovens, temos chorado por tantos
desaparecidos, por tantos encarcerados injustamente, temos chorado pelas mães em
frente a El Chipote[4]
pedindo para ver seus filhos e que os libertem. Há motivos para chorar...”. Hasta aquí llegó el obispo[5]. E está com a
razão Mons. Báez, ainda
quando cita o Eclesiastes. De fato, este é um tempo para chorar. Talvez como nunca
dantes.
Bem, lá pelo meio da referida entrevista a repórter, também ela
uma mãe, solidária à comoção episcopal pergunta ao Bispo se temia por sua vida,
ao que responde: “... não tenho tido tempo de pensar em mim...”. Perfeito. É o
que Deus e a Igreja esperam de seus pastores: que tenham sempre menos tempo de
pensar neles.
†
Há dois mil anos algumas mães condoídas se puseram no caminho
de Nosso Senhor Jesus Cristo ferido pelas
ruas... atacado por hordas militares
cruéis, e um tanto mais: lacerado, escarrado, humilhado, pisoteado... Pelos
homens, e seus pecados. Também pelo
meu e pelo seu pecados caro leitor, pelos pecados de nossos irmãos
nicaraguenses, bem como de seu clero, pelos pecados, enfim, do mundo inteiro, pois
que os pecados do primeiro ao último homem sobre a face da Terra foram, são e
serão os responsáveis por toda injustiça
cometida contra o Inocente, que também é o Justo Juiz, e que por isso pedirá
contas. Dentre todas as palavras proferidas pelo Verbo, estas, com toda certeza
são [ao menos deveriam ser] de um assombro sem limites, ao ponto de que, se
todas as obras de Cristo ainda não fossem suficientes para provar sua divindade,
somente estas palavras – humanamente impossível de serem proferidas no contexto em que foram – o seriam: “Filhas de Jerusalém, não choreis por
Mim, chorai antes por vós mesmas e pelos
vossos filhos...”.
†
O santo Doutor espanhol Vicente Ferrer (1350-1419), em um de
seus sermões escatológicos, fez uma mui interessante exegese acerca da morte
dos Santos Inocentes mártires e a perseguição da Igreja[6],
que de forma espeluznante[7] reflete o que hoje
ocorre com este povo de língua hispânica e todos os cristãos, de todas as
línguas: testemunhas vivas da veracidade das profecias; alertando-nos, por
isso, ainda outra vez, a jamais desprezá-las (cf. 1 Tes V, 20). De tão
contundentes, merecem sua transcrição. Começo pela perseguição da Igreja que,
como todas perseguições possui um (ou mais) antes:
Por esta razão disse acima, que DEUS
mandou os seis varões começarem primeiro por seu santuário, e isto pela grande
culpa do povo, por tornarem maus os bispos e religiosos. Porque os senhores
temporais, e leigos começaram por usurpar e tomar para si as rendas e bens da
Igreja, sendo avaros. E pelas honras e vaidades deste mundo mau, passaram a ser
muito contrários à Igreja, e os eclesiásticos se puseram contra eles pela
sentença de excomunhão, uma vez que por sua causa a Igreja está cheia de males;
desta forma a perseguição lhe virá pelos
pecados do povo. [grifo do autor]
Revela mais acima o santo Doutor se tratarem estes seis varões de Príncipes [líderes políticos] que terão mando sobre os maus cristãos
que então seguirão o Anticristo, “matando a quantos não possuíam o signo do Tau nas frontes,
os quais começarão pelo santuário, quer dizer, pelos eclesiásticos, e não matarão a todos, mas a alguns deles sim;
a uns no corpo e a outros na alma.”; concluindo esta parte com uma terrificante
sentença: “Oh, se soubessem os eclesiásticos [o tanto] que DEUS permitirá que sejam
perseguidos naquele tempo por seus pecados, creio que comeriam fel misturado
com vinho!”.
Continuando sua narrativa, “o anjo do Apocalipse”[8],
valendo-se do episódio dos inocentes trucidados a mando do infanticida Herodes[9],
dirá [para espanto de muitos]:
Tudo isto [as perseguições] será motivo de aumento de virtude e
purificação dos vícios para estes eclesiásticos, como se fez no martírio
dos inocentes que foram mortos pelos
pecados dos pais, quando não quiseram
que Nossa Senhora desse a luz ao chegar de Nazaré a Belém, pelo que foi
necessário que desse a luz ao Redentor em um estábulo, entre animais; foi por
isso que DEUS permitiu então que fossem castigados os pais em seus filhos[10].
No entanto, aquela purificação foi pena espiritual nos pais, e nos filhos somente corporal,
e glória para as almas[11].
[grifos meus]
Com isso penso que já podemos ir descortinando os fatos
atuais à luz de causas e efeitos concretos, uma vez que “o sistema”, “o
governo”, “o mercado” e tantas entidades abstratas como estas nada mais são que
personas utilizando-se de seu livre
arbítrio para cometer o bem ou o mal. No caso em pauta, o segundo.
Retomando o de cima, aqui chegamos ao cerne da questão, que
começo por uma constatação. Na maior parte das notícias e declarações
publicadas, salvo alguma exceção como a de Mons. César Bosco Vivas Robelo, da
diocese de León[12], o tom prioritariamente
dado tem sido o imanente, ainda quando se mencionem fatos transcendentes como o
da morte. O acento, não raro é dado aos “direitos humanos” em seus diversos
matizes: o cuidado com as ideologias; o apelo à “não violência” de coloração
tolstoiana, dando a impressão da violência como um mal absoluto; o respeito à
liberdade de expressão e de culto, desembocando no mote das soluções
horizontais paliativas como as do “diálogo fraterno”, da “tolerância” e a “paz”
etc etc.
Fiz uma rápida pesquisa nas páginas em que foram veiculadas
declarações e entrevistas por parte de algumas autoridades eclesiásticas nicaraguenses
a respeito do tema. Com base no que considero – e sei que não estou só – a
principal causa de todo o caos [não somente neste país], manifestada por um ato
concreto como o das profanações
eucarísticas, destaquei palavras como: “profanação”, “hóstia”,
“eucaristia”, “blasfêmia”, “sacrilégio”, “comunhão”. Na quase totalidade dos
pronunciamentos NENHUMA PALAVRA A RESPEITO. Em outras palavras, vêm-se chorando
“[pelos] ... mortos e feridos pelas ruas... famílias e crianças de colo
calcinadas pelo fogo... um povo desarmado atacado por hordas militares cruéis,
com armas de guerra... pelas torturas de nossos jovens... por tantos
desaparecidos, por tantos encarcerados injustamente... [e até] pelas mães em
frente a El Chipote...”. E só.
O
bispo carmelitano, ainda, em uma de suas declarações[13]
chega mesmo a destacar, com ênfase lacrimosa, a importância de não se perder de
vista que “A história não depende somente da vontade dos poderosos, mas sobretudo, da capacidade dos povos de
organizar-se (sic!)”, em eco a um dos muitos aforismos de Mario Jorge Bergóglio.
Entretanto, nem Mons. Báez [o cito por ser hoje a palavra de maior projeção
midiática], nem o cardeal Brenes, nicaraguense, em seus pronunciamentos
manifestaram-se em relação às atrocidades que vêm sendo cometidas com o Santíssimo Sacramento. Em outras
palavras, não vêm-se chorando pelas centenas e milhares de profanações do
sagrado por parte de prelados, sacerdotes e fiéis [desnecessário falar dos
infiéis] em seus abusos litúrgicos sem fim; pelas blasfêmias que todos os dias
inundam Nicarágua e o mundo; pelas centenas, milhares, milhões não tanto de
corpos separados de suas almas, como de almas [e corpos!] separadas, para
sempre, de seu Deus, resultado – para ficar neste país – de um povo há muito
apostatado, cujo eficiente trabalho, por exemplo, da teologia da libertação [apoiada por Mons. Báez e boa parte do clero
nicaraguense] ao longo de décadas, de um lado, e a omissão dos Pastores, de
outro, nos demonstra agora os incontestes resultados. Basa dizer que também
Daniel Ortega é fruto [mal, por suposto] da TL
marxista infiltrada na Igreja, e que agora se vê tardia, mas hipocritamente
defenestrado.
A questão é que – como não nos damos conta?! –:“se tratam assim a madeira verde, o que
acontecerá à seca?” Um povo que, de um lado profana o que há de mais
sagrado no mundo, a Eucaristia, repetindo as atrocidades de há dois mil anos, e
de outro um povo que apenas chora, como as mães do caminho, tardiamente e sem a
violência necessária a combater o que cada dia vem se dando em uma
crescente realmente preocupante, merecerão ouvir de Cristo: “... não choreis
por Mim, chorai antes por vós mesmas e
pelos vossos filhos...”. Porque tudo o que há de mau, de vil, de cruel
ou injusto, antes de ser consequência da “desigualdade social”, da
“intolerância”, da “infração aos direitos humanos” ou da “distribuição de
renda”, é, pura e simplesmente, consequência do pecado – esta soberba que nos
quer “livres” –, que por sua vez tem raiz demoníaca e cuja paga é o Inferno, a
eterna prisão. Eis, três palavras indigestas aos arautos do diálogo e da não
violência, suprimidas do vocabulário atual de uma Igreja que optou pela
tolerância e misericórdia muito desengonçadas, onde a obsessão da conciliação
com o mundo faz com que a paz oferecida não seja a de Jesus Cristo, cuja
condição sine qua non é a de não negarmos esse Homem-Deus, único e
verdadeiro Messias salvador do mundo, e que não raro chega pela espada que
divide.
Não há que perder de vista, antes “da capacidade dos povos de organizar-se”, o fato de que “meu
povo perece por falta de conhecimento” (Os IV, 6), e que “Os reis da terra sublevaram-se, e os
príncipes se coligaram contra o Senhor e
contra o seu Cristo” (Sl II, 2s). É disto que se trata, senhores Pastores. Por
isso nos advertia há mais de cinco centúrias o santo espanhol acerca dos
“pecados do povo”, tanto do clero quanto dos fiéis, ao ponto de afirmar com as
Escrituras que há casos em que os filhos pagam pelos pais. E não pensemos que se
trate somente de pais biológicos.
Não haverá “paz e segurança”, em que pesem todos os diálogos, toda tolerância, todos os impeachment,
ou toda mudança constitucional, pois não existem “salvadores da pátria”, ainda
que míticos.
Conjuntamente – de fato antes – aos “reis da terra”, Jesus Cristo
Rei há de ser entronizado, a começar nos corações: de governantes e governados,
de pastores e rebanhos, pois até o presente governando está outro rei, que não passa de príncipe, decaído
por suposto, mas ainda príncipe. Do contrário, como se explicar a atitude dos
profanadores, também eles vândalos, anarquistas e assassinos [marionetes e
marionetistas]?
Se o mundo, não só Nicarágua, encontra-se já tão dessacralizado
ao ponto de viver imerso – parafraseando Bento VXI – em um verdadeiro neopaganismo
cercado de ditadura do relativismo por todos os lados; se por isso, juntamente
com todos os atos desumanos e cruéis cometidos pelas diversas pessoas de mando e
mandadas encontram-se os das profanações do Sagrado, provando com isso uma diabólica
parceria; se tudo isso, como dizem as Escrituras, a Tradição e o Magistério, é
fruto e resultado dos diversos pecados; se, por fim, de tudo estamos há muito avisados
[com destaque à Virgem e suas aparições ao longo dos séculos, quase sempre
olvidadas e mesmo desprezadas], especialmente os senhores Pastores “a quem
muito foi dado...”; então, sinceramente: Monsenhor Báez, pelo que choras?
Em 30 de julho
de 2018. Festa de São Pedro Crisólogo, Bispo e Doutor, “Pastor prudente e
zeloso da Igreja [que] usou do dom da pregação como instrumento do Espírito
para a conversão de pagãos, hereges e cristãos indiferentes na vivência da
própria fé”[14].
[1] Cf. Sl XXXII, 9.
[2] Entrevista concedida por Mons.
Silvio Báez O.C.D, bispo auxiliar de Manágua, à jornalista Leana Astorga. Em:
<https://www.youtube.com/watch?v=00MTYV0CXuI>. Acesso em: 28 jul. 2018.
[3] Em:
<https://www.youtube.com/watch?v=nHF2OXWRhm4&pbjreload=10>. Id.
Tradução minha.
[4] Prisão de
Manágua.
[5] Me permito aqui um trocadilho
com a [mais provável] etimologia de Nicarágua.
Ver: <http://etimologias.dechile.net/?Nicaragua>. Acesso em: 30 jul.
2018.
[6] OLIVERA RAVASI,
Javier (transcrição, tradução, adaptação e
notas).
Sermones sobre el Anticristo y el fin de los tiempos, 2017 (em breve em língua portuguesa
pela Martyria Editora). Aqui, São Vicente falando de seu tempo lança luz sobre
tempos futuros, que pode ser perfeitamente aplicada ao nosso.
[7] Espantosa,
assustadora.
[10] Cf. Dt 5,
6-10.
[11] Cf. Lc 12, 4s.
[12] Em: <https://www.youtube.com/watch?v=OCaQQStzTOA>.
Id
[13] Em:
<https://www.youtube.com/watch?v=ixgm21wCbu0>. Id
[14] Em: <https://www.nossasagradafamilia.com.br/conteudo/sao-pedro-crisologo.html>.
Acesso em: 30 de jul. 2018.
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