sábado, 29 de julho de 2017

Capítulo IV – “ESCÂNDALO PARA OS JUDEUS, LOUCURA PARA OS PAGÃOS” [A Cruz e o Crucificado]


“Prazerosa quietação da minha vida, sê bem-vinda, cruz querida. (...)

Quem não te ama vive atado, e da liberdade alheio
Quem te abraça sem receio não toma caminho errado.
Oh! ditoso o teu reinado, onde o mal não tem cabida!
Sê bem-vinda, cruz querida”
(Do poema À Cruz – S. Tereza de Jesus)


Após abordar nos capítulos anteriores a Igreja em seu aspecto mais geral, adentremos agora especificamente nos pontos em desacordo entre a doutrina católica e a das seitas protestantes, começando por um sumamente emblemático: o da cruz com o Crucificado. Os protestantes, em sua maioria, defendem que porque “Jesus já desceu da cruz” não há porquê de o representar crucificado. Nós, ao contrário, dizemos que justamente por assim ter escolhido morrer por nossos pecados é que a cruz se torna o troféu do qual se orgulhar. Quem tem a razão? É o que veremos neste capítulo. Note-se, antes, que há templos protestantes como, por exemplo, o de luteranos, metodistas e (sic!) batistas que possuem não só a imagem da cruz, mas com ela o Crucificado.


O episódio narrado no nono capítulo dos Atos dos Apóstolos[1] encerra uma lição sublime, todavia pouco vista por muitos. Façamos uma pequena sequência didática dos fatos que nos auxilie na compreensão deste ponto:

Primeiro ato: Saulo age mal, pensando agir bem. Boas intenções — más ações;
Segundo ato: encontro com a luz da verdade;
Terceiro ato: queda do cavalo, rosto por terra;
Quarto ato: a verdade é ouvida, em atitude sábia, humilde, corajosa e honesta;
Quinto ato: a cegueira faz com que se deixe guiar;
Sexto ato: três dias de espera;
Sétimo ato: a cura para uma vida nova.


Seguindo o exemplo do santo Apóstolo podemos dizer: somente quando se enxerga é que se percebe a escuridão da cegueira; o que seria o mesmo que dizer: somente quando nos damos conta da cegueira é que passamos a enxergar. Juntemos então os fios da sequência e teçamos o nosso bordado, a exemplo das sábias formigas bordadeiras[2].

Saulo perseguia quem deveria seguir, combatia quem deveria defender, ainda que pensasse estar com a razão. Entretanto, nele havia honestidade, retidão, desejo da verdade. Apesar da inteligência era ignorante, mas não malicioso. Soberbo, mas não covarde. Ao se deparar com a verdadeira luz teve de cair do cavalo, com o rosto por terra. Toda soberba tem de cair por terra, voltando-se para o barro, para o húmus de onde viemos, só assim terá condições de ouvir a voz da verdade. É quando nos damos conta de que há uma escuridão que carece luz para chegar ao destino. Quem pensava conduzir agora é conduzido, quem acreditava perseguir agora é perseguido. A luz de Cristo o cegou para fazê-lo enxergar. Estendeu, humilde, a mão e deixou-se conduzir. E esperou, na escuridão, três dias, como Aquele a quem perseguia, no sepulcro escuro. E como Cristo, que da escuridão tornou à luz, na escuridão de sua carne brilhou a luz do espírito. Passou a enxergar o que permanecia cego. Com isso as escamas da ignorância vencível já podiam cair, para receber o Espírito da verdade e da paz. E como deve ter visto nesses três dias de “noite escura”[3] aquele que antes pensava enxergar! Assim que ao contemplar pela primeira vez a Cristo-Verdade, já lhe pode ser anunciado o novo e nobre caminho da cruz. Apesar de nela não ter sido pregado como os irmãos apóstolos Pedro e André, dela não se despregará por toda a vida, uma vez que não há possibilidade de cristianismo sem que a cada dia não reverbere o fato de que Jesus apaixonado, pregado, preso, atado ao madeiro, quieto salvou a humanidade.

Por isso em S. Mateus[4] se dirá:
“E o que não toma a sua cruz e (não) me segue, não é digno de mim” e “... Se algum quiser vir após de mim, negue-se a si mesmo, e tome a sua cruz, e siga-me”.

Por isso em S. Marcos[5] temos que:
“E chamando a si o povo com seus discípulos, disse-lhes: Se alguém me quer seguir, negue-se a si mesmo, e tome a sua cruz, e siga-me”.

Por isso em S. Lucas[6] se lê:
“E dizia a todos: Se alguém quer vir após de mim, negue-se a si mesmo, e tome a sua cruz todos os dias, e siga-me” e “... o que não leva a sua cruz e me segue, não pode ser meu discípulo”.

Por isso em S. João[7] se vê:
“Entretanto estavam de pé junto à cruz de Jesus sua Mãe, e a irmã de sua Mãe, Maria, mulher de Cléofas, e Maria Madalena”.

Por isso na primeira carta aos Coríntios[8] se diz:
“Porque a palavra da cruz é uma loucura para os que se perdem, mas, para os que se salvam, isto é, para nós, é a virtude de Deus. (...) Porque os Judeus exigem milagres, os Gregos buscam a sabedoria[9]; mas nós pregamos a Cristo crucificado, que é escândalo para os Judeus, loucura para os Gentios, mas, para os que são chamados (à salvação) quer dos Judeus, quer dos Gregos, é Cristo virtude de Deus e sabedoria de Deus...”.

Por isso na carta aos Gálatas[10] vemos:
“... estou encravado com Cristo na cruz”; “Ó Gálatas insensatos, quem vos fascinou para não mais obedecerdes à verdade, vós ante cujos olhos (pela minha viva pregação) foi já apresentado Jesus Cristo, como crucificado entre vós” e “... longe de mim o gloriar-me senão da cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, por quem o mundo está crucificado para mim, e eu crucificado para o mundo”.

Por isso na carta aos Efésios[11] está escrito:
“... e para os reconciliar a ambos num só corpo com Deus, por meio da Cruz...”.

Por isso na carta aos Filipenses[12] se escreve:
“Porque muitos, de quem muitas vêzes vos falei e também agora falo com lágrimas, procedem (com a sua vida sensual) como inimigos da cruz de Cristo”.

Por isso na carta aos Colossenses[13] está:
“E a vós, que estáveis mortos pelos vossos pecados e pela incircuncisão (ou desordem) da vossa carne, vos deu vida juntamente com êle, perdoando-vos todos os pecados; cancelando o quirógrafo do decreto que nos era desfavorável, que era contra nós, e o aboliu inteiramente encravando-o na cruz; e, despojando os principados e potestades (infernais), levou-os (cativos) gloriosamente, triunfando em público dêles e em si mesmo pela cruz”.

Por isso na carta aos Hebreus[14] está dito:
“... pondo os olhos no autor e consumador da fé, Jesus, o qual tendo-lhe sido proposto gôzo, sofreu a cruz...”.

Por isso no Apocalipse[15] escrito está:
“E, depois que tiverem acabado de dar o seu testemunho, a fera, que sobe do abismo, fará guerra contra êles, e vencê-los-á, e matá-los-á. E os seus corpos ficarão estendidos nas praças da grande cidade, que se chama espiritualmente Sodoma e Egito, onde também o Senhor dêles foi crucificado”.

Eis porque os católicos se orgulham de proclamar, ter consigo e em suas casas a Jesus Cristo “... e Jesus Cristo crucificado”, pois, como dirá a santa de Ávila no dístico deste capítulo, só quem está pregado à loucura da Cruz pode se despregar da loucura do mundo. De outra parte temos que Satanás naturalmente o que mais odeia enquanto símbolo é justamente o da Cruz, e com ela o Crucificado, pelo simples motivo de que nela e por ela foi vencido. Na cruz é que ouvimos as palavras: “Tudo está consumado” (Jo XIX, 30). Ali Jesus “sendo obediente até à morte, e morte de cruz (Fil II, 8) consumou a vitória sobre a morte e o demônio[16].
Agora só nos resta escolher de que lado estar: ao dos amigos ou inimigos da cruz de Cristo.

Em tempo: indico a este propósito a mui pertinente e perspicaz exposição do bispo de Palmares-PE, Dom Henrique Soares, sobre “o escândalo da cruz”, que dispensa apresentações: https://www.youtube.com/watch?v=eifcp8G4iLE

Apresentação do livro

Introdução do livro


[1] At IX, 1-19.
[2] Referência ao inusitado e impressionante fenômeno conhecido como as “Formigas Bordadeiras”, na região de Serra de Vitória-ES, do qual tive a oportunidade de conhecer in loco. Permitindo-me uma pequena digressão, consistiria em que Deus, cansado de falar aos homens por seus pares, à exemplo da jumenta de Balaão, utiliza-se aqui de formigas. As mensagens, em forma de textos e imagens, supostamente por intermédio de Nossa Senhora, são “bordadas” em folhas de árvores por formigas, pertencentes a um único quintal de uma casa que hoje é um pequeno Santuário aberto a visitas. Tal fenômeno vem sendo há décadas estudado pelo Vaticano, que mesmo não se manifestando oficialmente sobre o caso, não obstou a que ali fosse oferecido os sacramentos e oficiada a missa, bem como que se o visite, recebendo as graças dele oriundas (http://www.anslagri.org.br/).
[3] Uma referência ao poema “Noite escura”, de S. João da Cruz.
[4] Mt X, 38; XVI, 24.
[5] Mc VIII, 34.
[6] Lc IX, 23; XIV, 27.
[7] Jo XIX, 25.
[8] 1 Cor I, 18.22ss.
[9] O termo grego original traz: gnose (conhecimento). Ver a este propósito nota 2 do capítulo XI - O Demônio.
[10] Gal II, 19; III, 1; VI, 14.
[11] Efe II, 16.
[12] Fil III, 18.
[13] Col II, 13ss.
[14] Heb XII, 2.
[15] Ap XI, 7s.
[16] Como bem o demonstra, a propósito, o filme de Mel Gibson A Paixão de Cristo.

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