“Prazerosa quietação da minha vida, sê bem-vinda,
cruz querida. (...)
Quem não te ama vive atado, e da liberdade alheio
Quem te abraça sem receio não toma caminho errado.
Oh! ditoso o teu reinado, onde o mal não tem
cabida!
Sê bem-vinda, cruz querida”
(Do poema À Cruz – S. Tereza de Jesus)
Após abordar nos capítulos anteriores a Igreja em seu aspecto
mais geral, adentremos agora especificamente nos pontos em desacordo entre a
doutrina católica e a das seitas protestantes, começando por um sumamente
emblemático: o da cruz com o
Crucificado. Os protestantes, em sua maioria, defendem que porque “Jesus já
desceu da cruz” não há porquê de o representar crucificado. Nós, ao contrário,
dizemos que justamente por assim ter escolhido morrer por nossos pecados é que
a cruz se torna o troféu do qual se orgulhar. Quem tem a razão? É o que veremos
neste capítulo. Note-se, antes, que há templos protestantes como, por exemplo, o
de luteranos, metodistas e (sic!) batistas que possuem não só a imagem da cruz, mas com ela o
Crucificado.
O episódio narrado no nono capítulo dos Atos dos Apóstolos[1]
encerra uma lição sublime, todavia pouco vista por muitos. Façamos uma pequena sequência didática dos fatos que nos
auxilie na compreensão deste ponto:
Primeiro ato: Saulo age mal, pensando agir bem. Boas
intenções — más ações;
Segundo ato: encontro com a luz da verdade;
Terceiro ato: queda do cavalo, rosto por terra;
Quarto ato: a verdade é ouvida, em atitude sábia, humilde,
corajosa e honesta;
Quinto ato: a cegueira faz com que se deixe guiar;
Sexto ato: três dias de espera;
Sétimo ato: a cura para uma vida nova.
Seguindo o exemplo do santo Apóstolo podemos dizer: somente
quando se enxerga é que se percebe a escuridão da cegueira; o que seria o mesmo
que dizer: somente quando nos damos conta da cegueira é que passamos a enxergar.
Juntemos então os fios da sequência e teçamos o nosso bordado, a exemplo das sábias
formigas bordadeiras[2].
Saulo perseguia quem deveria seguir, combatia quem deveria
defender, ainda que pensasse estar com a razão. Entretanto, nele havia
honestidade, retidão, desejo da verdade. Apesar da inteligência era ignorante, mas
não malicioso. Soberbo, mas não covarde. Ao se deparar com a verdadeira luz
teve de cair do cavalo, com o rosto por terra. Toda soberba tem de cair por
terra, voltando-se para o barro, para o húmus de onde viemos, só assim terá condições
de ouvir a voz da verdade. É quando nos damos conta de que há uma escuridão que
carece luz para chegar ao destino. Quem pensava conduzir agora é conduzido,
quem acreditava perseguir agora é perseguido. A luz de Cristo o cegou para
fazê-lo enxergar. Estendeu, humilde, a mão e deixou-se conduzir. E esperou, na
escuridão, três dias, como Aquele a quem perseguia, no sepulcro escuro. E como
Cristo, que da escuridão tornou à luz, na escuridão de sua carne brilhou a luz
do espírito. Passou a enxergar o que permanecia cego. Com isso as escamas da
ignorância vencível já podiam cair, para receber o Espírito da verdade e da
paz. E como deve ter visto nesses três dias de “noite escura”[3]
aquele que antes pensava enxergar! Assim que ao contemplar pela primeira vez a
Cristo-Verdade, já lhe pode ser anunciado o novo e nobre caminho da cruz.
Apesar de nela não ter sido pregado como os irmãos apóstolos Pedro e André,
dela não se despregará por toda a vida, uma vez que não há possibilidade de
cristianismo sem que a cada dia não reverbere o fato de que Jesus apaixonado,
pregado, preso, atado ao madeiro, quieto salvou a humanidade.
Por isso em S. Mateus[4] se
dirá:
“E o que não toma a sua cruz e (não) me segue,
não é digno de mim” e “... Se algum quiser vir após de mim, negue-se a si
mesmo, e tome a sua cruz, e siga-me”.
Por isso em S. Marcos[5]
temos que:
“E chamando a si o povo com seus discípulos,
disse-lhes: Se alguém me quer seguir, negue-se a si mesmo, e tome a sua cruz,
e siga-me”.
Por isso em S. Lucas[6] se
lê:
“E dizia a todos: Se alguém quer vir após
de mim, negue-se a si mesmo, e tome a sua cruz todos os dias, e siga-me”
e “... o que não leva a sua cruz e me segue, não pode ser meu
discípulo”.
Por isso em S. João[7] se
vê:
“Entretanto estavam de
pé junto à cruz de Jesus sua
Mãe, e a irmã de sua Mãe, Maria, mulher de Cléofas, e Maria Madalena”.
Por isso na primeira carta aos Coríntios[8] se
diz:
“Porque a palavra da cruz é uma loucura para os que se
perdem, mas, para os que se salvam, isto é, para nós, é a virtude
de Deus. (...) Porque os Judeus exigem milagres, os Gregos buscam a
sabedoria[9];
mas nós pregamos a Cristo crucificado, que é escândalo para os Judeus,
loucura para os Gentios, mas, para os que são chamados (à salvação) quer
dos Judeus, quer dos Gregos, é Cristo
virtude de Deus e sabedoria
de Deus...”.
Por isso na carta aos Gálatas[10]
vemos:
“... estou encravado com Cristo na cruz”; “Ó Gálatas
insensatos, quem vos fascinou para não mais obedecerdes à verdade, vós ante
cujos olhos (pela minha viva pregação) foi já apresentado Jesus Cristo, como
crucificado entre vós” e “... longe de mim o gloriar-me senão da cruz de
Nosso Senhor Jesus Cristo, por quem o
mundo está crucificado para mim,
e eu crucificado para o mundo”.
Por isso na carta aos Efésios[11]
está escrito:
“... e para os reconciliar a ambos num só corpo com
Deus, por meio da Cruz...”.
Por isso na carta aos Filipenses[12]
se escreve:
“Porque muitos,
de quem muitas vêzes vos falei e também agora falo com lágrimas, procedem (com
a sua vida sensual) como inimigos da cruz de Cristo”.
Por isso na carta aos Colossenses[13]
está:
“E a vós, que estáveis mortos pelos vossos pecados e pela
incircuncisão (ou desordem) da vossa carne, vos deu vida juntamente com
êle, perdoando-vos todos os pecados; cancelando o quirógrafo do decreto que nos
era desfavorável, que era contra nós, e o aboliu inteiramente encravando-o
na cruz; e, despojando os principados e potestades (infernais),
levou-os (cativos) gloriosamente, triunfando em público dêles e em si
mesmo pela cruz”.
Por isso na carta aos Hebreus[14]
está dito:
“... pondo os olhos no autor e consumador da fé, Jesus, o
qual tendo-lhe sido proposto gôzo, sofreu a cruz...”.
Por isso no Apocalipse[15]
escrito está:
“E, depois que tiverem acabado de dar o seu testemunho, a
fera, que sobe do abismo, fará guerra contra êles, e vencê-los-á, e matá-los-á.
E os seus corpos ficarão estendidos nas praças da grande cidade, que se chama
espiritualmente Sodoma e Egito, onde também o Senhor dêles foi crucificado”.
Eis porque os católicos se orgulham de proclamar, ter consigo
e em suas casas a Jesus Cristo “... e Jesus Cristo crucificado”,
pois, como dirá a santa de Ávila no dístico deste capítulo, só quem está
pregado à loucura da
Cruz pode se despregar da loucura do mundo. De outra parte temos que Satanás
naturalmente o que mais odeia enquanto símbolo é justamente o da Cruz, e com ela
o Crucificado, pelo simples motivo de que nela e por ela foi vencido. Na cruz é
que ouvimos as palavras: “Tudo está
consumado” (Jo XIX, 30). Ali Jesus “sendo obediente até à morte, e morte de cruz”
(Fil II, 8) consumou a vitória sobre a morte e o demônio[16].
Agora só nos
resta escolher de que lado estar: ao dos amigos ou
inimigos da cruz de Cristo.
Em tempo: indico a
este propósito a mui pertinente e perspicaz exposição do bispo de Palmares-PE,
Dom Henrique Soares, sobre “o escândalo da cruz”, que dispensa apresentações:
https://www.youtube.com/watch?v=eifcp8G4iLE
†
Apresentação do livro
Introdução do livro
Introdução do livro
[1] At IX, 1-19.
[2] Referência ao
inusitado e impressionante fenômeno conhecido como as “Formigas Bordadeiras”,
na região de Serra de Vitória-ES, do qual tive a oportunidade de conhecer in loco. Permitindo-me uma pequena
digressão, consistiria em que Deus, cansado de falar aos homens por seus pares,
à exemplo da jumenta de Balaão, utiliza-se aqui de formigas. As mensagens, em forma
de textos e imagens, supostamente por intermédio de Nossa Senhora, são
“bordadas” em folhas de árvores por formigas,
pertencentes a um único quintal de uma casa que hoje é um pequeno Santuário
aberto a visitas. Tal fenômeno vem sendo há décadas estudado pelo Vaticano, que
mesmo não se manifestando oficialmente sobre o caso, não obstou a que ali fosse
oferecido os sacramentos e oficiada a missa, bem como que se o visite, recebendo
as graças dele oriundas (http://www.anslagri.org.br/).
[3] Uma
referência ao poema “Noite escura”, de S. João da Cruz.
[4] Mt X, 38; XVI, 24.
[5] Mc VIII, 34.
[6] Lc IX, 23; XIV, 27.
[7] Jo XIX, 25.
[8] 1 Cor I,
18.22ss.
[9] O termo grego
original traz: gnose (conhecimento). Ver a este propósito nota 2 do capítulo XI
- O Demônio.
[10] Gal II, 19;
III, 1; VI, 14.
[11] Efe II, 16.
[12] Fil III, 18.
[13] Col II, 13ss.
[14] Heb XII, 2.
[15] Ap XI, 7s.
[16]
Como bem o demonstra, a propósito, o filme de Mel Gibson A Paixão de Cristo.
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