Devemos crer e confessarmos que o mesmo Jesus Cristo, nosso
único Senhor e Filho de Deus, assumindo carne humana no seio da Virgem pela
nossa salvação, não foi concebido de germe masculino, como os outros homens,
mas por obra do Espírito Santo (Mt,1;20), acima de todas as leis da natureza,
de sorte que a mesma Pessoa permaneceu Deus, qual era desde toda a eternidade,
e se tornou Homem, o que antes nunca
tinha sido (Jo 1;24).
Assim também explicou São João Evangelista: “ No princípio
era o Verbo e o verbo estava com Deus, e
o Verbo era Deus” (Jo 1;1).
O Verbo, que é uma pessoa da natureza divina, assumiu de tal
forma a natureza humana que uma e a mesma Pessoa é o “suporte” das naturezas
divina e humana.
Daí resultou que, nessa admirável união, se conservaram as
operações e propriedades de uma e outra natureza. E na frase do célebre
Pontífice Leão Magno, “nem a glória da natureza superior destruiu a inferior,
nem a elevação da natureza inferior
diminuiu a dignidade da superior”.
Quando dizemos que o filho de Deus foi concebido por obra do
Espírito Santo, não afirmamos que esta Pessoa da Santíssima Trindade consumou
sozinha o mistério da Encarnação. Ainda que só o filho assumiu a natureza
humana, nem por isso deixaram de ser autoras deste mistérios todas as três
Pessoas da Santíssima Trindade, o Pai, o Filho e o Espírito Santo.
A única coisa que não pode ser em comum a todas Pessoas, é o
modo de proceder a uma da outra. Com efeito, só o Filho é gerado pelo Pai, o
Espírito Santo procede do Pai e do Filho.
Apesar disso, a Sagrada Escritura costuma, das coisas que
são comuns às três Pessoas, atribuir umas a esta Pessoa, outras àquela, como
por exemplo, ao Pai o supremo poder sobre todas as coisas, ao Filho a
sabedoria, e o amor ao Espírito Santo.
Como o mistério da Encarnação de Deus nos revela a singular
e imensa benignidade de Deus para conosco, é por esse motivo que, de modo
particular, atribuímos essa operação ao Espírito Santo.
Caráter da conceição
de Cristo:
aspecto natural.
Verifica-se, neste mistério, que alguns elementos superam a ordem da natureza,
e que outros lhe são conformes.
Cremos que o Corpo de Cristo se formou do sangue da Virgem
sua Mãe, e nisso reconhecemos uma operação da natureza humana. É lei natural que todo corpo humano se forme do
sangue materno.
aspecto sobrenatural.
Mas o que ultrapassa a ordem natural das coisas, e supera a fôrça de nossa
inteligência é o fato de que, no instante de consentir a bem-aventurada Vírgem
às palavras do Anjo, declarando: “ Eis aqui a escrava do Senhor, cumpre-se em
mim a Vossa Palavra”, - logo começou a formar-se nela o santíssimo Corpo de
Cristo, ao qual, se uniu uma alma dotada de inteligência, de sorte que, no
mesmo instante , o Deus perfeito se tornou perfeito homem (Lc 1,38).
Acresce ainda outro fato, digno de maior admiração. Tanto
que a alma se uniu ao corpo, a própria Divindade se uniu também ao corpo e à
alma. Por conseguinte, logo que o corpo foi formado, e simultaneamente animado,
a Divindade ficou ligada tanto ao corpo como à alma.
Maria Mãe de Deus. Daí
se segue que, no mesmo instante, Deus perfeito veio a ser perfeito homem; e que
a Santíssima Vírgem pode, verdadeira e propriamente ser chamada Mãe de Deus,
porque no mesmo instante concebia a Deus e ao Homem.
É o que também lhe foi significado, quando o Anjo lhe
dissera: “ Eis que conceberás no teu seio, e darás à luz um Filho, a quem porás
o nome de Jesus. Este será grande, e chamar-Lhe-ão Filho do Altíssimo” (Lc
1,31). E por este fato se realizou a profecia de Isaías: “ Eis que uma Virgem
conceberá, e dará à luz um filho” (Is
7,14).
Assim também reconheceu Isabel a conceição do Filho de Deus,
quando toda cheia do Espírito Santo prorrompeu nas palavras: “ Donde me vem
esta graça de chegar a mim a Mãe do meu Senhor ?”(Lc 1,43).
Mas, como acabamos de dizer, o Corpo de Cristo se formou do
puríssimo sangue da Vírgem toda Imaculada, sem nebhuma interferência de varão, mas
unicamente pela virtude do Espírito Santo.
O Anjo foi o primeiro a anunciar ao mundo esta mensagem de
felicidade, e sua palavras nos dão a entender, com quanta alegria e elevação de
espírito não devemos meditar este mistério da fé: “ Eis que venho anunciar-vos
uma grande alegria para todo o povo”. E também os cantares da milícia celeste: “Glória a Deus nas alturas,
e paz na terra aos homens de boa vontade!” (Lc 2;10-14).
Desde aquele instante, começou realmente a cumprir-se a
grandiosa promessa de Deus a Abraão, quando lhe dissera que, um dia, “todos os
povos seriam abençoados em sua descendência” (Gn 22,18). Maria, a quem
proclamamos e veneramos como verdadeira Mãe de Deus, - por ter dado à luz
aquela Pessoa que era ao mesmo tempo Deus e Homem, - descendia da estirpe real
de Davi (Mt 1, 1-17).
Se a conceição de Cristo já excede toda ordem da natureza,
em Seu nascimento nada podemos contemplar que não seja de caráter divino.
O que há de mais admirável, o que sobrepuja a tudo quanto o
homem possa dizer ou imaginar, é o fato de nascer Ele de Sua Mãe, sem que daí
resultasse a menor lesão da virgindade materna.
Assim como mais tarde saiu do sepulcro fechado e selado;
assim como “ entrou para junto de Seus Discípulos, apesar das portas fechadas”
( Jo 20,19); assim como, na observação diária da natureza, vemos os raios
solares atravessarem um vidro compacto, sem o quebrar, e sem lhe fazer o menor estrago;
- assim também, e de maneira mais sublime, nasceu Jesus cristo do seio de Sua
Mãe, sem nenhum dano para a integridade materna.
Segunda Eva. De
vez em quando, costuma o Apóstolo designar a Cristo como o “segundo Adão” (1Cor
15, 21-32), e confrontá-l’O com o primeiro Adão. Realmente, assim como pelo
primeiro Adão todos os homens sofrem a morte, assim pelo segundo são todos
novamente chamados à vida. Assim foi o pai do gênero humano segundo as leis da
natureza, assim também Cristo é para todos o autor da graça e bem-aventurança.
Por analogia, podemos igualmente comparar com Eva a Virgem
Mãe de Deus. À primeira Eva corresponde a segunda, que é Maria; assim como
acabamos de mostrar que o segundo Adão – Cristo – correponde ao primeiro Adão.
Por ter dado crédito à serpente (Gn 3,6), Eva acarretou
maldição e morte ao gênero humano. Maria acreditou na palavra do Anjo (Lc
1,38), e obteve que aos homens viesse bênção e vida (Ef 1,3). Por culpa de Eva,
nascemos filhos da ira (Ef 2,3); por Maria recebemos Jesus Cristo, que nos fez
renascer como filhos da graça (Gl 4, 4-7). A Eva foi dito: Em dores darás a luz
(Gn 3,16). Maria ficou isenta desta lei. Conservando a integridade de sua
virginal pureza, como dizíamos a pouco, Maria deu à luz a Jesus, Filho de Deus,
sem sofrer dor de espécie alguma.
Esta é a razão por que os Santos Doutores aplicam a este
mistério muitos trechos, que lemos em vários lugares na Sagrada Escritura.
Entre os quais se fala principalmente daquela porta do Santuário, que Ezequiel
viu fechada (Ez 44,2); daquela pedra que se despendeu do monte, “ sem a
intervenção de mãos humanas”, como diz Daniel, “ a qual se avolumou em grande
montanha, e encheu toda a superfície da terra” (Dn 2 ,34-35); da “vara de
Aarão, a única que deitou rebentos, entre as varas dos príncipes de Israel” (Nm
17,8); da “sarça, que Moisés viu arder sem se consumir” (Ex 3,2).
Catecismo Romano.