Os escritores profanos empregavam o termo “sacramento”
noutro sentido que os escritores eclesiásticos. Aqueles o tomavam para designar
a obrigação de quem jura prestar algum serviço. Por isso, chamava-se
“compromisso militar” o juramento, pelo qual os soldados se comprometiam a
servir fielmente ao Estado. Esta parece ter sido, entre os profanos, a
significação mais comum da palavra.
Mas os Padres Latinos usavam em seus escritos a noção
“sacramento”, para designar coisa sagrada, que se oculta ao olhar. Julgamos,
pois, que, no mesmo sentido, se deve entender a expressão “sacramento” na
epístola aos Efésios: “A fim de nos revelar o mistério de Sua vontade”(Ef 1,9);
na Epístola a Timóteo: “Sublime é o mistério da piedade” (1Tm 3,16); no livro
da Sabedoria: “Eles ignoram os secretos desígnios de Deus” (Sb 2,22).
Por esse motivo, os Doutores Latinos assentaram que havia
propriedade em chamar-se “Sacramentos” certos sinais sensíveis, que produzem a
graça, ao mesmo tempo que a designam exteriormente, e a tornam quase visível
aos olhos. Podem também chamar-se “Sacramentos”, na opinião de São Gregório,
porque a Onipotência divina neles opera ocultamente a salvação, sob o véu de
coisas corpóreas.
Embora haja várias explicações boas e admissíveis, nenhuma
igual à justa e luminosa definição de Santo Agostinho, perfilhada mais tarde
por todos os teólogos escolásticos. “Sacramento, diz ele, é o sinal de uma
coisa sagrada”. Noutros termos, que exprimem a mesma ideia: “Sacramentos é
sinal visível de uma graça invisível, instituído para nossa justificação”.
No sentir de Santo Agostinho, sinal é tudo aquilo que, além
de atuar por si em nossos sentidos, nos leva também ao conhecimento de outra
coisa concomitante. Assim, pelos vestígios impressos na terra, facilmente
conhecemos que ali passou alguém, cujas pegadas aparecem.
Isto posto, é muito claro que os Sacramentos pertencem à
categoria dos sinais, porquanto nos mostram exteriormente, por certa imagem e
semelhança, o que Deus opera interiormente, em nossa alma, pelo Seu poder invisível.
Através das Escrituras, facilmente se deduz também que os
Sacramentos entram na classe dos sinais. Falando da circuncisão, Sacramento da
Antiga Aliança, que foi dado a Abraão, pai de todos os crentes, São Paulo assim
se exprime na epístola aos romanos: “E ele recebeu o sinal da circuncisão, como
distintivo da justificação em virtude da fé” (Rm 4,11). Noutro lugar, quando
diz: “nós que fomos batizados em Sua morte” (Rm 6,3) – dá a entender que
considera o Batismo como sinal de algum Mistério, porquanto, no dizer do mesmo
Apóstolo, “pelo Batismo fomos com Ele sepultados na Sua morte” (Rm 6,4).
Sinal instituído por
Deus. Os sinais naturais, além de
darem impressões de si mesmo, dão-nos a idéia de outra coisa a mais. Assim,
onde há fumaça, conclui-se que ali há também fogo. Fumaça é um sinal natural,
porque a fumaça faz lembrar fogo, não por uma convenção arbitrária, mas pela
experiência natural.
Outros sinais há, que não o são por natureza, mas por
invensão e intuição humana, para que os homens possam transmitir a outrem suas
próprias idéias, e conhecer idéias e intenções alheias.
Além destes sinais já considerados, que se baseiam em
convenção humana, existe ainda uma terceira categoria de sinais, diretamente
instituídos por Deus.
Como os sinais são múltiplos, pelo que acabamos de ver,
assim também a “coisa sagrada” pode ter vários sentidos. Na definição de
“Sacramento”, por “coisa sagrada” entendem os teólogos a graça de Deus, que
santifica e nos reveste com o hábito de todas as virtudes sobrenaturais. Com
razão concordam em darem, a esta graça, o nome de “coisa sagrada”, visto que
por sua mediação nossa alma se consagra e se une a Deus.
Outro caráter importante destes sinais místicos, obra de
Deus, é que foram instituídos para significar não só uma coisa, mas também
várias outras ao mesmo tempo.
É de notar que cada um dos Sacramentos exprime não só a
nossa santificação e justificação, mas também a Paixão de nosso Redentor, que é
causa de toda santidade, bem como a vida eterna e a bem-aventurança do céu, que
são de uma finalidade de nossa santificação.
Motivos para se
instituir os Sacramentos:
1. fraqueza do espírito humano. O espírito humano, por experiência,
é tão limitado, que o homem não pode chegar ao conhecimento de coisas puramente
intelectuais, senão por intermédio de percepções sensíveis. O Criador de todas
as coisas quis, em Sua Infinita sabedoria, manifestar essa oculta virtude dos
Sacramentos por meios de sinais sensíveis, que fossem também uma prova de Seu
amor para conosco.
2. maior confiança nas promessas divinas. Nosso espírito
dificilmente põe fé nas promessas que nos são feitas. Por isso é que, desde o
início do mundo (Gn 3,15;9,11;13,4), Deus sempre tornava a anunciar Seus
desígnios por meio da palavra. Mas, às vezes, quando decretava alguma obra,
cuja grandeza podia abalar a confiança em Sua promessa, acrescentava às
palavras ainda outros sinais, que não raro tinha o caráter de milagres.
Deus enviou, por exemplo, Moisés
que libertasse o povo de Israel (Ex 3,10).Moisés, porém, sem confiar sequer no
auxílio de Deus, receou que a empresa superasse suas forças, ou que o povo não
o desse crédito. Então Deus confirmou Suas promessas com uma série de vários
milagres (Ex 4,2).
3. Medicação para alma pela Paixão de Cristo. A virtude que dimana
da Paixão de Cristo, isto é, a graça que nos mereceu no altar da Cruz, deve
chegar-nos dos Sacramentos, como que que por uns canais de comunicação. Sem
estes meios, não restaria nehuma esperança de nos salvar-nos eternamente.
4. Distinguir os fiéis. Os Sacramentos serve de senha e divisa para
os fiéis se reconhecerem entre si. Conforme disse Santo Agostinho, nenhum grupo pode constituir corpo
jurídico, a título de verdadeira ou falsa religião, se os membros componentes
não se ligarem entre si, pela convenção de alguns sinais distintivos da
sociedade. Ora, os Sacramentos da Nova Lei satisfazem essa dupla exigência,
porquanto distinguem dos infiéis os seguidores da fé cristã, e unem os fiéis
entre si, mediante um vínculo sagrado.
5. Profissão pública de fé. Pelos Sacramentos fazemos pública
profissão de nossa fé, e damo-la a conhecer pela face dos homens. Quando, por
exemplo, comparecemos para o Batismo, damos público testemunho de acreditar-mos
que, pela virtude da água, em que somos purificados pelo Sacramento, se opera
também a ablução espiritual de nossa alma.
6. aumento do amor fraterno.
Os Sacramentos servem para inflamar aquela caridade, pela qual devemos amar
uns aos outros; porquanto nos recordam que, pela participação dos mesmos
Mistérios, nos unimos uns aos outros pelos laços mais estreitos, e nos tornamos
membros de um só corpo.
7. repressão ao orgulho.
Os sacramentos são para nós uma escola de humildade, pois que nos obrigam a
submeter-nos a elementos sensíveis, em obediência a Deus, de quem nos havíamos
impiamente separado, para nos fazermos escravos para as coisas deste mundo.
As cerimônias sacramenteais. Temos ainda de tratar das
cerimônias. Não podem omitir-se sem pecado, a não ser que haja necessidade.
Contudo, em caso de omissão, devemos cre que se não reduz, de modo algum, a
validade do Sacramento, porque as cerimônias não entram como partes essenciais,
mas, por ser conveniente usar certos
ritos solenes na administração dos Sacramentos, para que assim déssemos prova
de tratarmos santamente as coisas santas.
O primeiro Sacramento é o
Batismo, a bem dizer, a porta dos outros Sacramentos, e pelo qual renascemos
para Cristo (Jo 3,5).
Depois vem a Confirmação, por
cuja virtude crescemos e nos fortalecemos na graça divina., como Nosso senhor
disse aos Apóstolos: “Deixar-vos ficar na cidade, até serdes revestidos da
força que vem do alto” (Lc 24,49).
Em seguida temos a Eucaristia,
alimento verdadeiro celestial, que nutre e conserva nossa alma, conforme disse
Nosso Senhor: “ Minha carne é verdadeiramente uma comida, e Meu Sangue é
verdadeiramente bebida”(Jo 6,56).
O quarto lugar ocupa a
penitência, cuja virtude recobramos a saúde, se a tivermos perdido com as
lesões do pecado (Jo 20,22-23).
Depois, a Extrema-Unção nos tira
os remanescentes do pecado, e restaura a força da alma. Com relação a este
Sacramento, declarou-se São Tiago: “E se tiver em pecados, ser-lhe-ão remidos”
(Tg 5,15).
A seguir vem o da Ordem que
confere o poder de perpetuar a administração pública dos Sacramentos e o
exercício de todas as funções sagradas da Igreja.
Como derradeiro, existe o
Matrimônio, instituído a fim de que da legítima união do homem com uma mulher
procedem os filhos, e sejam piamente educados para o serviço de Deus, e para a
conservação do gênero humano.
Se Deus é quem justifica os
homens, e os Sacramentos são os maravilhosos instrumentos para se adquirir essa
justificação, força é reconhecer que o único e o mesmo Deus opera, por Cristo,
a justificação e produz os Sacramentos.
Deus é, pois, o autor e o
ministro propriamente dito dos Sacramentos. Quis, porém, que na Igreja fossem
dispensados, não pelos Anjos, mas pelos homens.
No ato sacramental, os ministros
não representam a sua própria pessoa, mas a Pessoa de Cristo. Desta forma,
sejam eles bons ou sejam maus, produzem e administram validamente os
Sacramentos, se aplicarem a forma e matéria que a Igreja sempre observou por
instituição de Cristo, e se tiverem a intenção de fazer o que faz a Igreja na
administração dos Sacramentos.
Mas, devem os sacerdotes sempre
lembrar que os Sacramentos nunca perderem a virtude divina que lhes é inerente;
mas que acarretam a ruína e a morte eterna de quem os ministrar com a
consciência pevertida. Força é inculcar e repetir sempre de novo: Coisa santa
só devem ser tratadas com santo respeito.
Por conseguinte, é mister que os
ministros dos Sacramentos se consagrem, antes de tudo, à prática da santidade. Preparem-se
para administar os Sacramentos na pureza de consciência.
Os sacramentos da Antiga Lei. Evidentemente, os Sacramentos da Nova
Lei possuem maior virtude e sublimidade do que os Sacramentos da Lei Antiga. Estes
eram “elementos fracos e pobres” (Gl 4,9), que santificavam os contaminados
mediante a purificação do corpo (Hb 9,13), e não da alma. Foram, portanto,
instituídos apenas como figuras dos efeitos, que deviam produzir os nossos Sacramentos.
Porém os Sacramentos da Nova
Aliança manaram do lado de Cristo, que pelo Espírito Santo Se ofereceu a Si
mesmo sem mácula a Deus, e purificou nossa consciência das obras mortas, para
servirmos ao Deus vivo (Hb 9,14).
Catecismo Romano II Parte; I 1-25.
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