O sangue do Cordeiro pascal tingindo em forma de cruz as
portas dos Hebreus, seus membros dispostos em cruz diante os convidados da
Páscoa. A serpente que foi erguida em forma de cruz no deserto aos olhos dos
Israelitas como uma garantia de salvação.
Nos sacrifícios, o sacerdote judeu oferecia a vítima sob
os auspícios da cruz. Primeiro ele elevava a hóstia e a carregava do oriente
para o ocidente. Era ainda pelo sinal da cruz que o povo recebia as bênçãos
sacerdotais após os sacrifícios.
Dos filhos de Judá, o conhecimento do sinal redentor era
passado para outros povos. Os pagãos, testemunha Apulée, adoravam suas
divindades, colocando transversalmente o polegar direito sob o índex que eles
carregavam na boca. Em Roma havia uma deusa encarregada de interceder sem
cessar pela República. Ela era representada com os braços estendidos em cruz, e, em
suas costas, havia um altar onde queimava incenso, símbolo da oração.
Os egípcios fizeram desse sinal o símbolo da vida. As descobertas
da ciência nos mostram a cruz entre as mãos das divindades que eles observavam
como benfeitoras e propícias ao homem. Em Atenas, como em Roma, quando um juiz
declarava a inocência de um acusado, ele o marcava com esse sinal de vida. A
história da China mostra que um de seus imperadores, para honrar o Altíssimo,
uniu dois pedaços de madeira, um reto e outro em transversal.
O simples bom senso admitirá que um uso assim tão
universalmente difundido não deve sua origem ao acaso. .Tocamos aqui, diz
Monsenhor Gaume58, em um interessante trabalho sobre
essa matéria; em um dos mais profundos mistérios da ordem moral. Para que Deus
ouça o homem, é preciso que o homem seja agradável a Deus. Somente seu Filho é
agradável, e aqueles que lhe assemelham. Ora, o Filho de Deus, este único
mediador entre Deus e os homens, é um sinal vivo da cruz, símbolo da cruz desde
a origem do mundo.
É o grande Crucificado, e esse grande Crucificado é o
novo Adão, é o modelo do gênero humano. Para ser agradável a Deus, é preciso,
então, que o homem se pareça com seu divino modelo, e seja um crucificado, um
sinal da cruz vivo. Tal é, como o do próprio Verbo, seu destino sobre a
terra... Daí a existência e a pratica, sob uma forma ou outra, do sinal da cruz
entre todos os povos desde a origem dos séculos até nossos dias.
Formas
e palavras do sinal da cruz
O sinal da cruz, garantia de esperança para as gerações
além do Calvário, se tornou para os filhos da nova Lei uma nova lembrança.
Primeiro, seu nome e sua forma o dizem suficientemente: o
sinal da cruz recorda o mistério da Redenção. Os Apóstolos traçavam sobre eles
esse sinal sagrado, e quem não imaginaria que seus olhos, a cada vez, se
enchiam de lágrimas? Ele era para seus corações uma lembrança de sua covarde
apostasia no momento da crucificação, e de amor infinito do Salvador que, logo
que eles o abandonaram como um desconhecido, derramou, por eles, até a última
gota de seu sangue. Como nossos sentimentos estão longe de serem semelhantes
aos dos apóstolos!
E, além do mais, o sinal da cruz não nos diz que
estávamos condenados ao inferno, que Deus sabia de nossa ingratidão, e que
Deus, apesar disso, morreu por todos nós? Quando um homem se dedica por
qualquer um de nós, nosso coração conversa eternamente essa memória. E quanto a
um Deus que se empurra devotamento até a morte por nós? Por que é um Deus, nós não
pensaríamos Nele? Esquecê-lo seria talvez desculpável se nada recordasse essa
bênção, mas, a cada momento, o sinal colocado sobre nossos olhos recorda esse
devotamento de uma infinita caridade. Notemos bem, seus mínimos detalhes são
indicados. Não colocamos a mão na fronte para recordar o chefe augusto, Jesus
Cristo, coroado de espinhos? Não colocamos a mão no peito como lembrança de seu
lado transpassado pela lança? Não colocamos a mão do lado esquerdo, depois do
lado direito, para não esquecer o ombro machucado pela cruz e as mãos rasgadas
pelos cravos?
O sinal da cruz também lembra ao cristão os dois outros
mistérios da fé, a Santíssima Trindade e a Encarnação.
Pronunciando o nome do Pai, se coloca a mão na fronte: a
fronte, sede da inteligência, princípio e fonte da vida, que simboliza Deus, o
Pai, princípio eterno de toda vida divina e humana, o qual, pela via da
inteligência, engendra o Verbo divino.
O Verbo de Deus se fez carne, desceu e se aniquilou. Ele
desceu do céu, no seio de Maria, do seio de Maria, na humilhação do presépio;
das humilhações do presépio, no trabalho da oficina; do trabalho da oficina,
nas ignomínias da paixão; das ignomínias da paixão, no silêncio da tumba; do
silêncio da tumba, na solidão do tabernáculo. Ele desceu para reparar o ultraje
feito a seu Pai pela revolta do primeiro homem que quis se levantar até o trono
de Deus. É a injuria que lhe faz nosso tolo orgulho, que deseja sempre subir, e
por isso, a mão que desce da fronte ao peito, enquanto a boca pronuncia o nome
do Filho, ilustra essa profunda frustração.
O Espírito Santo procede do Pai e do Filho. Ele é o
vínculo e a caridade dessas duas Pessoas divinas. Ele é o espírito de força que
o cristão recebe no dia em que ele se torna soldado do exército de Cristo.
Esses diversos atributos são indicados pela linha transversal que formamos
entre a fronte e o peito, tocando os ombros, sededa força, e passando pelo coração, trono do amor.
Além desses mistérios que o sinal da cruz nos rende em
ensinamentos sublimes, e em uma linguagem acessível a todos, há ainda outros.
Estamos aqui na terra condenados ao sofrimento, como filhos de uma mãe
culpável, e como discípulos de um Deus crucificado: Nos tornamos, diz o
Rei-Profeta, como ovelhas destinadas ao sacrifício (Sl 43,22) A cruz que
formamos sobre nós é o signo de nossa imolação. Mas fazer esse sinal sagrado
sobre um corpo entregue a todas as moléstias do sensualismo, sobre uma fronte
que se dobra sob o pensamento de vingança, orgulho, impureza, e nos lábios
sujos pela maledicência e obscenidade, sobre um coração repleto de afeições
criminais, não é mais do que uma mentira, é um sacrilégio. Professamos que a
faca da imolação foi colocada sobre nosso corpo pela castidade; sobre nossos
pensamentos, pela fé; sobre nossas palavras, pela reserva; sobre nosso coração,
pela caridade.
No início de nossas principais ações repetimos: Em nome
do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Isso quer dizer que eu rezo, eu
trabalho, ajo em nome do Pai, ou seja, em seu poder que fortifica minha
fraqueza; no nome do Filho, ou seja, em sua sabedoria que ilumina minha
ignorância; em nome do Espírito Santo, ou seja,em seu amor que reanima minha languidez.
Eficácia do sinal da
Cruz
O sinal da cruz, diz Sto. Agostinho, é para nós um penhor
de triunfo, ele reduz à impotência todas as armadilhas do inferno. O
que Nosso Senhor fazia sobre a terra por sua presença corporal, Ele opera pela
invocação confiante de seu nome.
Sto. Éfrem o chama de escudo e arsenal dos cristãos
contra os assaltos do inimigo.
E S. Cirilo: .Façamos ardentemente o sinal da cruz, pois até os demônios fogem
dele, eles recordam-se do Crucificado, fogem, se escondem e nos deixam.
De onde vem que o sinal da cruz é como uma virtude? Sto.
Inácio, mártir, nos responde: Ele é como um troféu que o cristão carrega sobre
a fronte, troféu que lembra ao demônio sua derrota vergonhosa no Calvário, e é
por isso, que à sua vista, ele treme e foge.
Todos os Padres são unânimes em ensinar que o sinal da
cruz é uma arma poderosa nas mãos do cristão contra o inferno, e a eloquente
autoridade desses fatos está ai para apoiar seus testemunhos.
Esses fatos abundam na vida dos santos, citaremos apenas
um exemplo. O grande fundador da vida monástica no oriente, Sto. Antônio, foi
exposto pelo demônio em lutas que somente uma leitura faria desvanecer a mais
orgulhosa coragem. Ocorre que ele saia delas sempre vitorioso. .De qual arma o
senhor se serve, lhe perguntam um dia, para resistir ao inimigo da salvação? .
O sinal da cruz, respondia ele, e uma fé viva em Jesus Cristo, são armas invencíveis para os
servos de Deus, e um muro de bronze contra todos os esforços do inferno.
Sente-vos um mau pensamento nascer em vosso coração, faça tão logo o sinal da
cruz e esteja certo que ele desaparecerá.
Armemo-nos do sinal da cruz antes de nossas refeições,
contra o demônio da sensualidade; antes de nosso trabalho, contra o demônio da
preguiça; antes de nossa oração, contra o demônio da tibieza; antes de dormir,
contra o espírito de trevas; nos sofrimentos, contra o demônio do desânimo. Que
ele seja sempre nossa arma, e bem mais do que a Constantino, a vitória nos está
assegurada. “ In hoc signo vinces”.
O sinal da cruz não é somente uma arma, ele é, sobretudo,
uma excelente oração. Quando nos marcamos do signo redentor, Deus não nos vê
mais como pecadores, mas como irmãos de Jesus Cristo. Não são mais nossos
crimes que cobrem seu olhar, mas as chagas de seu Filho na cruz. Ele esquece
nossas iniquidades para considerar somente os méritos da paixão de Jesus
Cristo.
A cruz, então, ora por nós, e sua oração é ouvida. É o
que dizem os teólogos ao afirmarem que o sinal da cruz .é uma oração curta, mas
muito eficaz., que dirigimos a Deus pelos méritos da paixão de Jesus Cristo.
Sublime oração antes de receber a Eucaristia. Ali, diante
de nós, o Deus do Céu que em instantes nosso coração possuirá. A alma mais pura,
neste momento solene, é tomada de um piedoso temor, pois, para o Santo dos
santos, é preciso um trono de santidade. O sinal da cruz tranquiliza-a, atira
sobre ela as bênçãos que nos mereceu a morte do Senhor.
Incensação
Um dia Nosso Senhor se queixou a Simão, o fariseu, de que
ele não tinha derramado perfumes sobre seus pés e sua cabeça, uma honra
reservada, segundo os costumes do oriente, às pessoas de classe. A Igreja ouviu
esta crítica do divino Mestre e, e, por isso mesmo, espalhou nuvens de incenso
em torno Dele.
O amor, sem dúvida, inspirou esta piedosa cerimônia, mas
devemos ver nela algo mais. Ela é, sobretudo, um ato de fé onde a Igreja saúda
Jesus Cristo como o Deus imortal dos séculos. Entre os presentes dados pelos magos,
não temos o incenso que proclamava a divindade do Filho de Belém?
Sim, este Jesus escondido, este Cristo humilde, silencioso,
ultrajado na Eucaristia, é este Deus irredutível que nos céus faz clarear
visivelmente sua glória, que em uma palavra ordena o universo. Este Deus que os
anjos e os santos adoram nos transportes de uma emoção indescritível. Eis o que
a Igreja quer dizer cada vez que ela balança o turíbulo diante o Deus da
Eucaristia.
Não é somente Nosso Senhor que a Igreja incensa. Ela
rende esta homenagem ao altar, ao Evangelho, ao padre e aos fiéis.
Isso não seria tratado como idolatria, se é verdade, como
o atesta a prática religiosa de todos os povos, de que o incenso só deve ser
queimado diante o Senhor?
Quebremos a casca e provaremos tudo o que há de
instrutivo e piedoso nesta cerimônia. Incensa-se o altar porque ele figura
Jesus Cristo, e, se o incensamos por inteiro, é porque toda a pessoa de Jesus
Cristo é adorável; Incensa-se o Evangelho que encerra sua palavra, e sua palavra
merece tanta honra quanto seu próprio corpo; Incensa-se o padre, chamado a ser,
por seu poder e santidade, outro Cristo; Incensam-se os fiéis, pois, pelo
batismo e pela santa Eucaristia, eles foram incorporados a Jesus Cristo.
Nesta incensação se renovam frequentemente, diante de
nós, grandes lições. Lição de respeito pelo altar, figura de Jesus Cristo, do
qual fazemos um glorioso dever em embelezá-lo por nossa generosidade. Lição de respeito
pelo Evangelho, palavra de Cristo, que não nos deixa cair na dúvida e na culpa
por causa de seus divinos ensinamentos. Lição de respeito pelo padre, outro
Cristo, do qual devemos cercar de veneração e amor. Lição de respeito por nós
mesmos, templos de Jesus Cristo, no qual qualquer mácula grave se torna uma
profanação e um sacrilégio.
Já tivemos a ocasião de dizer que para se ter o
verdadeiro sentido de todas as coisas no culto, é necessário descobrir Jesus
Cristo escondido sob os véus do simbolismo. Ora, falando do turíbulo, os Padres
nos ensinam que ele representa a humanidade de Jesus Cristo dilacerada pelas
chagas do Pretório e do Calvário. O fogo ilustra sua divindade, e o vapor do
perfume, sua oração. O padre, elevando o turíbulo para o céu, oferece, assim,
para Deus, os méritos das orações de Nosso Senhor. E quando o incenso se elevar
em ligeira coluna, sigamos este vapor odorífico, pois ele é, para nós, o penhor
da esperança e da salvação.
A salvação, por que ela vem para terra, se não por causa
de uma seca devorante, marcada pela esterilidade?
No final do horizonte, em um sulco solitário, uma leve
nuvem de luz aparece subindo rumo ao céu, ali, sob a ação do poder Deus, ela se
expande, se condensa e se dissolve em chuva fecunda.
O mundo está marcado pela desolação. Um vento quente, o
vento do sensualismo, secou os corações. Grande é o mal, maior ainda deve ser
nossa confiança. Do tabernáculo se eleva a oração de Jesus Cristo, como essa nuvem
de incenso do qual temos a imagem. Ela sobe até o coração de Deus, e nesse
coração, pelo efeito de uma infinita misericórdia, ela se transforma em chuva de
graças e de bênçãos que vem dar a vida às almas feridas pela dúvida e o
sensualismo.
O incenso é também o símbolo da oração cristã, segundo
esta palavra do profeta Davi: Faça que minha oração se eleve até vós, ó meu
Deus, como o incenso queimado em vosso santuário. Que nossa oração tenha por
lar um coração repleto do fogo divino, da caridade.
Que ela suba como uma
coluna de fumaça, sem que assopre as distrações culpáveis, e que as preocupações
mundanas não venham turvá-la. Ela se elevará, então, até Deus, e sua
misericórdia descerá sobre nós.
S. Cirilo atribui ao incenso outro significado, que lhe
dão, com efeito, em diversas cerimônias nos quais ele é empregado. O incenso
que perfuma foi tomado naturalmente pelo símbolo da boa reputação, da vida que edifica
por suas obras.
As diversas cerimônias nas quais se faz a incensação
mostram ao leitor a aplicação desses princípios gerais, várias vezes, durante a
obra, iremos retornar a eles.
O Culto Católico Em suas cerimônias e em seus símbolos- Abbé A. Durand. tradução: Robson Carvalho.
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