Toda criança
exige cuidados análogos; igual vigilância, e podem empregar-se para com
ambos idênticos meios de repressão ou
estímulos.
Porém na
idade da razão a que chegamos é muito diverso; nela se opera naturalmente a
separação nos gostos como nos defeitos, tanto nas ocupações como nos
brinquedos.
E, com
efeito, atentemos no menino que anda brincando: quer uma espada, uma
espingarda, e soldados para formar uma batalha; e não sendo isso suficiente aos
seus gostos destruidores e à necessidade que sente de ação, não há em torno
dele parede que não escale ou arruíne, nem árvore cujo ramo mais alto não
busque ir quebrar, nem ninho que possa livrar de suas mãos a preciosa ninhada.
Olha agora
para a menina: esta pelo contrário, trata de um passarinho, prepara uma comida,
faz honra d’uma sala, adorna uma capelinha, veste-lhe uma boneca e repete-lhe
as lições que lhe ensinaram.
Estas
oposições de gestos é tão notável, que cada sexo parece fazer consistir a sua
glória em não tomar nada do outro. Assim é que se humilha em extremo o menino
se se lhe diz que se diverte como uma menina, e se faz corar uma menina se se
lhe adverte que escolhe os brinquedos dos meninos. Se passarmos dos
divertimentos às dores, descobriremos nas causas destas as mesmas diferenças que nas alegrias
ocasionadas por aqueles. Encontraremos em tudo e, quanto mais estudarmos, tanto
mais nos convenceremos de que é necessária uma linha de proceder diferente,
completamente adaptada à natureza , às paixões, às aptidões e à vocação
especial de cada sexo.
Ei-nos
chegado a esse momento chamado idade da razão, em que a criança distingue o
bem, e muitíssimas vezes o mal; ao momento que sabe o que é um dever, o que é
uma falta, e o que é uma expiação: idade em que tudo é novo e, por uma
consequência ordinária, em que tudo é belo; idade dos prazeres ruidosos e, sem
embargos, verdadeiros; idade em que são breves as emoções, porém, as
impressões, duradouras. A mãe que não cria nela, não deve admirar-se de que
fique improdutivo o grão que lhe confia: são muito raras as plantas capazes de
suportar a luz do sol sem se queimar, quando não foram refrescadas em tempo
oportuno com o orvalho do céu.
Vós,
cultivadora desta propriedade divina, vós, únicas encarregadas por Deus do
cuidado destas almas, e a quem talvez aterre esta imensa responsabilidade,
empregue bem esses instantes tão preciosos; não
sejais preguiçosas nem covardes, como diz São Paulo, falando em nome de
Deus. Servas fiéis fazei produzir o talento que se vos confiou. Se o não acrescentardes,
nem ainda tereis o recurso de o enterrar e conservar intacto; porque vos
decrescerá nas mãos, visto que perde sempre aquilo que não ganha.
A criança
cresceu, crescei vós também em todas as vossas relações com ela; e como pede o seu corpo, espírito e
coração alimentos mais abundantes e sólidos à proporção que se desenvolve, não
vos cansei nunca de lhes apresentar. Continue a acostumá-la na obediência, à
franqueza e à mansidão, trindade fecunda, virtudes da infância assim como de
todas as idades, raízes cheia de seiva que, crescendo com a criança, se
convertem em grandes árvores e se cobrem de frutos de vida. Não vades credes
que, a tal dia, a tal hora, ao completar vosso filho sete anos, seja necessário
de súbito mudar de proceder para com ele; procedei gradualmente às modificações necessárias, caminhai com esse passo prudente
e pausado com cujo auxílio se pode
resistir tanto às tentações de desalento e de fuga, como aos ímpetos
precipitados do zelo; passo que se chega ao fim sem queda, e do qual nos dão
constantemente exemplo Jesus Cristo, Sua providência e a Sua Igreja.
Sem conceder
uma liberdade cada vez mais perigosa talvez, exercitai essa juvenil
inteligência, prescreva-lhe cada dia uma
tarefa metódica e obrigatória, e ocupai-vos da memória, cujo exercício, nesta
idade, auxiliam tão poderosamente aos seus desenvolvimentos.
Imponha
igualmente um trabalho manual, e nunca relaxeis a regra que uma vez tenha
estabelecido, por causa do desgosto que se vos possa manifestar.
Mas
lembrai-vos que usar não é abusar. Uma cabeça de sete anos necessita de certas
considerações para suportar se dano
todos os objetos novos que se atropelam e se acumulam nela a cada instante. É
preciso dar-lhe como contrapeso muitos recreios e brinquedos e até admitir
exercícios ginásticos, destinando-se larga parte no emprego do tempo.
Mas tanto
nisso como no demais e sempre procedei
com ordem, por ser assim mais conveniente à saúde, aos estudos e à
reforma do coração. “ A ordem é a lei
inviolável, ou antes essencial, das inteligências”, dizia Malabranche; e,
com efeito, fora desta lei, frequentissimamente violada pela irrequieta
atividade da natureza decaída, nunca chegamos senão a resultados incompletos ou
maus. Inculca-lhe insensivelmente o conhecimento e o amor de uma lei superior,
e até o conduz por meio deste amor ao respeito d’Aquele que é o único que está
acima de toda lei.
E, além
disso, com o dia bem ocupado evita-se um dos inconvenientes que chega a medida
em que se desenvolve a razão. Este inconveniente resulta da das amizades
íntimas e das relações frequentes com crianças de educação má ou descuidada, ou
ainda com crianças que não são virtuosas e sabemos quais serão as
consequências.
E em verdade,
Deus meu, a melhor companhia para uma criança é a que Deus mesmo tem cuidado de
lhe formar. O mundo, tal que é hoje, com seus cálculos frios e egoístas, inveja
a posição do filho único para deixar para ele toda a fortuna dos pais, quando
se tivesse irmãos deveria reparti-la com eles, ou não ter mais filhos para não
“atrapalhar” o desfrutar dos bens.
Pois bem: É
lamentável essa posição tão elogiada, esta criança tão feliz por ser só. Lamentável não só porque irá ignorar toda a
vida as doçuras da amizade fraternal; mas é lamentável sobre tudo porque
destinada, qualquer que seja sua posição futura, a viver com outros entes que
não sejam um pai e uma mãe que chegaram a ser para ele quase idólatras, o seu
caráter terá carecido do atrito necessário para se polir, desse atrito por meio
do qual teria aprendido a criança ao mesmo tempo a suportar os outros e a
conhecer a si própria.
Quando uma
mãe tem vários filhos cujas idades se tocam, com tanto que se aplique a ser
justa com todos, a manter a harmonia entre eles, evitando o pretexto da inveja,
aprendem-se por si sós as considerações e condescendências mútuas, suportam-se
os defeitos alheios, e desaparece o egoísmo. Quão feliz é essa mãe.
A tarefa da
mãe que tem um filho único é muito mais difícil. Como proceder para que este
filho, único objeto das atenções da
família e dos mimos de todos; esta crianças que nunca vê conceder a outros os
mesmos cuidados, não crerá ser um ser bastante superior para receber estes obséquios de todos e não
os fazer a ninguém? Por mais que se lhe diga que deve esquecer-se por amor aos outros,
dar muito e pedir pouco, etc., os fatos gravam-se e compreende-se melhor que as
palavras e não se contrai hábitos escutando discursos.
Quando ouvir
pregar sobre a caridade e a abnegação cristã, tirará esta conclusão prática: “O que não se sacrifica por mim, não possui
nenhuma destas virtudes”.
Mas em fim,
acham-se predestinados e condenados previamente ao egoísmo? Oh! Felizmente não,
existem crianças privadas dessas doces relações, nas quais conseguiu uma
vontade animosa, alimentada por uma educação bem dirigida e cheia de dedicação
cristã, expulsar o personalismo, e torná-las, apesar da sua situação,
caritativas, amantes e desinteressadas.
Ensinará por,
exemplo, a mãe de um filho único a aproveitar-se destas frequentes ocasiões de
se esquecer pelos outros. Que nascem por si mesma e se apresentam todos os dias
aos membros de uma família numerosa. Para proporcionar-lhe entretenimentos e
satisfações legítimas, saberá esta mãe não ser escrava dos gostos e dos recreios
do seu filho, e até os recusará de vez em quando, para fazer-lhe compreender que os seus desejos devem ceder com
frequência o passo dos alheios. Finalmente, sempre que esta criança se achar em
contato com outras, obrigá-la-á a ceder-lhe quase em todas as coisas e não só a
adotar os seus divertimentos, mas a ocupar os seus divertimentos, mas a ocupar
tão somente um ligar secundário na organização destes divertimentos.
Guiada sempre
por um pensamento de fé, empregará esta mãe, para inculcar a caridade, um meio
mais eloquente e seguro que as frases e os discursos, habituando a criança a
praticá-la por si mesma, e fazendo dela um canal ordinário para as boas
obras. Além de que com esse sistema só
colherá benefícios; pois apresentadas as suas esmolas por mãos tão puras,
parece-me que adquirirão maior merecimento; posto seu filho em relação desde a
tenra idade com a miséria e o sofrimento, saberá compreendê-los melhor; e
acostumados a aliviá-los quase desde o berço, será para ele a caridade uma
espécie de hábito, e sabido é que o hábito é uma segunda natureza. Ditosas as
mães que sabem substituir por esta a primeira natureza egoísta que nos deu o
pecado! Ditosos seu filhos! Ditosa a sociedade em que abundem tais mães.
Para
conseguirmos esse resultado não se deve contentar em dar moedas de vez em
quando ao medingo que estende o chapéu, cujo efeito raríssimas vezes é remediar as verdadeiras misérias.
No campo deve
entrar na cabana do faminto e na cidade na casa dos pobres abandonados.
Precisa-se de lições de cristianismo e não de filantropia.
A mãe deveria levá-las ao leito dos enfermos
para levar-lhes socorros, prestar-lhes serviços às vezes penosos, e dizer-lhes
palavras de consolação.
Uma menina,
sobretudo, - não esqueçamos que a elas são consagradas essa obra – uma menina
cujo coração é tão inclinado à piedade , cujos lábios sentem falar tão
naturalmente de Deus, de esperança e de confiança, cujo destino é tão
geralmente aliviar as misérias de outrem, devem habituar-se a essa prática. A
mãe que deixasse secar esse coração profanar-se este destino assumiria uma
tremenda responsabilidade.
Sem embargo,
não podendo extinguir-se súbita e inteiramente o calor nativo do coração, se
desviará do seu curso natural: em vez de amar a menina com santa paixão os pobres do bom Deus e o bom Deus nos
seus pobres, abrirá a alma a outros sentimentos e talvez paixões.
Uma vez
travado o movimento de dilatação, a alma, adotando um andamento retrógrado, se
comprimirá cada vez mais, e, ficar-lhe-á quando muito o espaço necessário para
ser egoísta.
E vós, mães,
não esqueças estas palavras: “Aqui dentro há alguma coisa”, porque este alguma coisa é um gérmen de caridade, e
Deus, a família e a sociedade vos pedirão contas dele um dia.
Um perigo
porém fácil de prever e cujas consequências são funestíssimas, é o que provém
de se acharem em visível contradição os princípios e o proceder da mãe. Não
conseguirá insuflar a caridade no coração de sua filha uma mãe egoísta;nunca
será ouvida uma mãe que possa dizer-lhe: “Faça o que eu digo mas não faça o que
eu faço”: pois a menina dirá no seu
interior: “ Se fosse bom os conselhos da mamãe, seria ela a primeira a pô-los
em prática”. Talvez, não obstante, se preste a tudo para evitar as lições e as
morais maternas. Essa menina terá aprendido a simular até os sentimentos mais
sagrados, e a sua mãe terá ensinado mais um vício: a hipocrisia!
A hipocrisia
é um vassalo rebelde que presta juramento de fidelidade ao soberano, com um
punhal debaixo da capa; é um traidor que parece submeter-se para conspirar com
mais segurança. Em todas as idades é o exemplo um poderoso atrativo; quando
porém emana este exemplo duma mãe, e quando é dado a uma menina a quem esta é
ídolo e modelo, a uma menina cuja maior ambição se traduz em frases como: Quando for como a mamãe! Se eu fosse como a
mamãe!
Nunca
expressaremos suficientemente quão nobre e santa, e até muitas vezes doce, é a
missão da mãe; porém para se cumprir devidamente é necessário valor. Não esse
valor impetuoso que assim faz perder como ganhar batalhas; não esse valor
irrefletido cuja fogosa precipitação corre ao encontro do perigo antes de lhe
haver calculado a extensão; mas esse valor paciente dos santos, cuja luta
ignorada se sustenta sem ostentação; esse valor ao qual nada desalenta, nem a
obstinação do inimigo, nem a prolongação do combate; esse valor desconhecido a
si próprio, mas com o qual se alcança o triunfo, porque é seu apoio Deus, seu
guia a consciência, e seu modelo Jesus Cristo.
Ensina-se à
criança que chegou à idade da razão, que está obrigada a ouvir a missa ao
domingo, a praticar a abstinência que ordena a Igreja, a respeitar a religião e
não falar dela levianamente. Assim como qualquer coisa para se sustentar no
espaço é necessário o auxilio alheio, assim também, para que uma criança se
eduque cristãmente, principalmente se o pai for irreligioso, é necessário
primeiro a mão de Deus, e depois a da mãe: a primeira sabemos que nunca
faltará; ocupemo-nos da segunda.
A Mulher Cristã, desde o nascimento
até a morte – M.me M. de Marcey
Nenhum comentário:
Postar um comentário