Havia um rei, senhor de muitos reinos, que tinha um único filho, tão belo, tão santo, tão amável, que, sendo o encanto do seu pai, este o amava como a si mesmo.
Ora, este príncipe se afeiçoou grandemente a um escravo e
tendo este cometido um delito, pelo qual fora condenado à morte, o príncipe se
ofereceu a morrer por ele. O pai, amante apaixonado da justiça, resolveu
condenar seu amado filho à morte, para livrar o escravo do castigo merecido. E
assim aconteceu: o filho morreu justiçado e o
escravo ficou livre.
Este caso, que uma só vez se deu e nunca mais se repetirá
no mundo, está consignado nos santos evangelhos, onde se lê que o Filho de
Deus, o Senhor do universo, vendo o homem condenado à morte eterna por causa do
pecado, quis tomar a natureza humana e pagar com sua morte a pena devida pelo
homem. “Foi oferecido porque ele mesmo o quis” (Is 53,7). E o Eterno Pai o fez
morrer na cruz para nos salvar a nós, míseros pecadores. “Não poupou a seu
próprio Filho, mas o entregou por nós todos” (Rm 8,32). Que vos parece, alma
cristã, este amor do Filho e do Pai?
Por isso, S. Agostinho, ao contemplar Jesus todo chagado
na cruz, orava afetuosamente: “Escrevei, Senhor, vossas chagas em meu coração,
para que nelas eu leia a dor e o amor: a dor, para suportar por vós todas as
dores; o amor, para desprezar por vós todos os amores”. Porque, tendo diante
dos meus olhos a grande dor que vós, meu Deus, sofrestes por mim, sofrerei
pacientemente todas as penas que tiver de suportar, e à vista do vosso amor, de que me
destes prova na cruz, eu não amarei nem poderei amar senão a vós.
Por isso dizia o Padre Baltasar Álvarez que o
desconhecimento dos tesouros que possuímos em Jesus é a ruína dos cristãos,
sendo por essa razão a Paixão de Jesus Cristo sua meditação preferida e mais
usada, considerando em Jesus especialmente três de seus tormentos: a pobreza, o
desprezo e as dores, e exortava os seus penitentes a meditar frequentemente na
Paixão do Redentor, afirmando que não julgassem ter feito progresso algum se
não chegassem a ter sempre impresso no coração a Jesus crucificado.
Essa é a razão por que dizia o Apóstolo que não queria
saber outra coisa senão Jesus e Jesus Crucificado, isto é, o amor que ele nos
testemunhou na cruz. “Não julgueis que eu sabia alguma coisa entre vós senão a Jesus Cristo e este crucificado (1Cor
2,2).
Amado Redentor meu, quisestes então com vossa morte
sacrificar- vos para obter-me o perdão. E que vos darei em reconhecimento? Muito
me obrigastes a amar-vos, muito ingrato serei se não vos amar com todo o meu
coração. Vós me destes vossa vida divina; eu, mísero pecador, vos consagro a
minha vida. Ao menos a vida que me resta quero empregá-la exclusivamente em
amar-vos, obedecer-vos e dar-vos gosto.
Ó homens, ó homens, amemos a este Redentor que, sendo Deus,
não se dedignou sobrecarregar-se com os nossos pecados para satisfazer com seus
sofrimentos pelos castigos que tínhamos merecido. “Em verdade tomou sobre si as
nossas fraquezas e carregou com as nossas dores” (Is 53,4).
Mas como explicar isto, continua a dizer S. Agostinho,
que vosso amor tenha chegado a tal ponto, ó Salvador do mundo, que, tendo eu
cometido o delito, tenhais vós de pagar a pena? (Medit. c. 7). E que vos
importava, pergunta S. Bernardo, que nos perdêssemos e fôssemos castigados como
havíamos merecido? Por que quisestes satisfazer por nossos pecados, castigando vossa carne
inocente? Ó misericórdia que não teve e nem terá jamais semelhante! Ó graça que
nunca poderíamos merecer! Ó amor que nunca se poderá compreender!
Já Isaías predissera que nosso Redentor deveria ser
condenado à morte e levado ao sacrifício como um inocente cordeiro (Is 53,7).
Que admiração para os Anjos, ó Deus ver seu inocente
senhor ser conduzido como vítima para ser sacrificado sobre o altar por amor do
homem! E que espanto para o céu e o inferno ver um Deus condenado à morte como
um malfeitor, num patíbulo ignominioso, pelos pecados de suas criaturas!
Cristo remiu-nos da maldição da lei, feito por nós
maldição, porque está escrito: “Maldito todo aquele que é pendurado no lenho, para
que a bênção dada a Abraão fosse comunicada aos gentios por Jesus Cristo” (Gl
3,13). Pelo que se diz S. Ambrósio: “Ele se fez na cruz maldito para que tu
fosses bem-aventurado no reino de Deus”, (Ep. 47). Portanto, meu caro Salvador,
vós, para que obterdes a bênção divina, vos sujeitastes a abraçar a vergonha de aparecer
na cruz como maldito aos olhos do mundo e abandonado até de vosso eterno Pai,
tormento que vos obrigou a exclamar em alta voz: “Meu Deus, meu Deus, por que
me abandonastes?” Sim, foi por este motivo que Jesus foi abandonado na sua
Paixão, comenta Simão de Cássia, para que nós não ficássemos abandonados nos pecados por nós
cometidos. Ó prodígio de misericórdia! Ó excesso de amor de um Deus para com os
homens!
Quem poderá explicar o amor que o Verbo divino consagra a
cada um de nós, pergunta S. Lourenço Justiniano, se ele supera o amor de todos
os filhos para com suas mães e de todas as mães para com seus filhos? Como
revelou o Senhor a S. Gertrudes, ele estaria pronto a morrer tantas vezes
quantas são as almas condenadas se fossem ainda capazes de redenção. Ó Jesus, ó
bem mais amável que todos os outros bens, por que vos amam os homens tão pouco?
Ah! meu caríssimo Salvador, a que vos reduziu a compaixão
e o amor que me consagrastes: peca o escravo e vós, Senhor, pagais a pena. Se
penso nos pecados devo, pois, tremer por causa do castigo que mereço; mas,
pensando na vossa morte, tenho mais razão de esperar que de temer. Ó sangue de
Jesus, tu és toda a minha esperança!
Mas este sangue, à medida que desperta confiança, obriga-nos
a ser totalmente de nosso Redentor. O Apóstolo exclama: “Não sabeis que não
sois vossos? Fostes comprados por um grande preço” (1Cor 6,19). Reconheço, ó meu
Jesus, que eu não posso sem injustiça dispor de mim e de minhas coisas, já que
sou propriedade vossa, visto me haverdes comprado com vossa morte. O meu corpo,
a minha alma, a minha vida não é mais minha, é vossa e inteiramente vossa.
A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo:
Piedosas e edificantes meditações
sobre os sofrimentos de
Jesus - Por Sto. Afonso Maria de Ligório.
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