Meditações para Semana Santa
Duas coisas fazem conhecer um amigo,
escreve Cícero: fazer-lhe bem e padecer por ele, e esta é a maior prova de um
verdadeiro amor. Deus já tinha demonstrado seu amor ao homem, dispensando-lhe inúmeros
benefícios, mas, segundo S. Pedro Crisólogo, beneficiar unicamente ao homem
parecer-lhe-ia muito pouco a seu amor, se não tivesse encontrado o modo de
demonstrar-lhe quanto o amava, padecendo e morrendo por ele, como o fez de
fato, tomando a natureza humana (Serm. 69). E que maneira mais apta poderia
Deus encontrar para manifestar-nos o amor imenso que nos consagra, do que
fazer-se homem e padecer por nós? Não poderia se manifestar de outra maneira o amor de Deus para
conosco, escreve a esse respeito S. Gregório Nazianzeno. Meu amado
Jesus, muito vos tendes esforçado por demonstrar-me vosso afeto e patentear-me
vossa bondade. Grande, pois, seria a ofensa a vós feita, se vos amasse pouco ou
amasse outra coisa além de vós.
Cornélio a Lápide diz que Deus nos deu
o maior sinal de amor, deixando-se ver coberto de chagas, pregado à cruz e
morto por nós. E antes dele, disse S. Bernardo que Jesus em sua Paixão nos fez conhecer
que seu amor para conosco não podia ser maior do que foi (De pass. c. 14).
Escreve o Apóstolo que, quando Jesus Cristo quis morrer por nossa salvação, demonstrou
até onde chegava o amor de um Deus para conosco, miseráveis pecadores (Tito
3,4). Ah! Meu amante Salvador, compreendo: todas as vossas chagas me falam do amor
que me tendes. E quem poderá deixar de vos amar, depois de tantos sinais de
vossa caridade? S. Teresa tinha razão de dizer, ó amabilíssimo
Jesus, que quem não vos ama demonstra que vos desconhece.
Jesus Cristo, mesmo sem padecer e
levando na terra uma vida agradável e deliciosa, poderia nos obter a salvação.
Mas, como diz S. Paulo, havendo-lhe sido proposto o gozo, sofreu na cruz (Hb
12,2). Ele recusou as riquezas, as delícias, as honras terrestres, e escolheu uma
vida pobre e uma morte cheia de dores e de opróbrios. E por quê? Não seria
suficiente se ele tivesse suplicado ao Padre Eterno, com uma petição simples,
que perdoasse ao homem a qual, sendo de valor infinito, bastaria para salvar o
mundo e infinitos mundos? Por que foi que ele quis suportar tantos tormentos e
uma morte tão cruel, havendo se separado a alma de Jesus de seu corpo exclusivamente
por pura dor, como nota um autor? (Contens. 1. 10, d. 4 c. 1). Por que tanto esforço para remir o homem? “Se
uma prece de Jesus bastava para remir-nos, responde S. João Crisóstomo (Serm.
128), contudo não bastou para nos demonstrar o amor que este Deus nos tinha. O que
bastava à redenção não bastava ao amor”. E S. Tomás confirmam, dizendo: “Cristo,
sofrendo por amor, pagou a Deus mais do que exigia a reparação da ofensa do gênero
humano” (III q. 48, a. 2). Porque Jesus muito nos amava, desejava também ser
muito amado por nós e por essa razão fez o quanto pôde, mesmo a preço de
sofrimentos, para conquistar o nosso amor e nos fazer compreender que nada mais
lhe restava fazer para ser amado por nós. Ele quis padecer muito, para
obrigar-nos a amá-lo muito, diz S. Bernardo.
E que maior prova de amor, diz o próprio
Salvador, poderá dar um amigo a seu amigo, do que dar a vida por seu amor? (Jo
15,13). Mas vós, ó amantíssimo Jesus, diz S. Bernardo, fizestes mais do que isso,
já que quisestes dar a vida por nós, não vossos amigos, mas inimigos e
rebeldes. É o que faz notar o Apóstolo, quando escreve: “Deus faz brilhar a sua
caridade em nós, porque, quando ainda éramos pecadores, em seu tempo Cristo morreu
por nós” (Rm 5,8). Vós, pois, ó meu Jesus, quisestes morrer por mim, vosso
inimigo, e eu poderei resistir a tão grande amor? Eia, pois, já que com tanto
ardor desejais que vos ame sobre todas as coisas, repelirei todo outro amor e
quero amar-vos a vós somente.
São João Crisóstomo diz que o fim
principal que teve Jesus em sua paixão foi o de manifestar o seu amor e assim
atrair os nossos corações com a recordação dos sofrimentos por nós suportados
(De Pass. s. 6). E S. Tomás ajunta que, por meio da Paixão de Jesus, chegamos
ao conhecimento da grandeza do amor que Deus dedica ao homem. E já antes dele disse S. João:
Nisto conhecemos a caridade de Deus, que ele entregou sua alma por nós (1Jo
3,16). Ó meu Jesus, ó cordeiro imaculado, por mim sacrificado na cruz, que não seja
baldado o que padecestes por mim, antes fazei que me aproveite de tantos
sofrimentos vossos. Prendei-me inteiramente com os doces laços de vosso amor, para
que não vos abandone nem me separe mais de vós.
Refere S. Lucas que, conversando Moisés e
Elias no monte Tabor sobre a Paixão de Jesus Cristo, denominaram-se um excesso:
“E falaram de seu excesso, que realizaria em Jerusalém” (Lc 9,31). Com razão,
diz S. Boaventura, a Paixão de Jesus foi chamada em excesso, visto ter sido um
excesso de dor e um excesso de amor. Um autor piedoso acrescenta: Que mais podia
padecer que não sofresse? O sumo excesso de amor atingiu seu zênite (Constens.
1. 10, d. 4). E não é verdade? A lei divina não impõe outra obrigação aos
homens a não ser amar a seu próximo como a si mesmo. Jesus, porém, amou os
homens mais do que a si mesmo, é expressão de S. Cirilo. Por isso, vos direi
com S. Agostinho: Vós, meu amado Redentor, chegastes a amar-me mais do que a
vós mesmo, já que para me salvar quisestes sacrificar vossa vida divina, vida
infinitamente mais preciosa que as vidas de todos os homens e de todos os anjos
juntos.
É coisa agradável ver-se alguém estimado
por uma alta personagem, tanto mais se esta estiver disposta a felicitá-lo com
uma grande fortuna. Oh! quanto mais agradável e estimável nos deverá ser o ver-nos
amados por Deus, que nos pode transmitir uma fortuna eterna? Na antiga lei o
homem podia duvidar se Deus o amava com ternura. Depois, porém, de vê-lo sobre um
patíbulo derramar seu sangue e morrer, como poderíamos ainda duvidar que ele
nos ama com toda a ternura possível? Minha alma, contempla o teu Jesus, como ele
está pendente na cruz, todo chagado: eis como ele te demonstra bem claramente
por suas chagas o amor de que está repleto seu coração. “O segredo do coração
se revela pelas chagas do corpo”, diz S. Bernardo. Meu caro Jesus, aflige-me
ver-vos morrer sob a pressão de tantas
dores nesse madeiro de opróbrio, mas tudo me consola e me inflama em amor por
vós, conhecendo por meio dessas chagas o amor que me tendes. Serafins do céu,
que pensais da caridade de meu Deus, que me amou e se entregou a si mesmo por
mim?
Afirma S. Paulo que os pagãos, ouvindo pregar
que Jesus foi crucificado por amor dos homens, tinham isso em conta de uma
loucura inacreditável: Nós, porém, pregamos a Cristo crucificado, que é para os
judeus um escândalo e para os pagãos uma loucura (1Cor 1,23). Como é possível,
diziam, crer que um Deus onipotente, que não precisa de ninguém para ser
sumamente feliz, tenha querido fazer- se homem para salvar os homens e morrer
numa cruz? Seria o mesmo que crer que um Deus se tornou louco de amor pelos
homens. E, assim pensando, recusavam aceitar a fé! Esta grande obra da
redenção, que os pagãos julgavam e chamavam uma loucura, sabemos nós que Jesus
a empreendeu e realizou. Vimos a sabedoria eterna, diz S. Lourenço Justiniano,
o Unigênito de Deus tornado como louco, por assim dizer, pelo amor excessivo
que tinha aos homens. Sim, porque não deixa de ser uma loucura de amor, ajunta
o cardeal Hugo, querer um Deus morrer pelo homem (In 1Cor 1).
O beato Jacopone, que no século fora
um literato, feito franciscano, parecia haver-se tornado louco de amor por
Jesus Cristo. Apareceu-lhe uma vez Jesus e disse-lhe: “Jacopone, por que fazes essas
loucuras?” “Por que as faço? Porque vós mas haveis ensinado. Se eu sou louco,
vós ainda sois mais, havendo querido morrer por mim”. Também S. Maria Madalena
de Pazzi, arrebatada em êxtases, exclamava: “Ó Deus de amor! Ó Deus de amor! É
demais o amor que tendes às criaturas, ó meu Jesus” (Vita c. 11). Uma vez, toda
fora de si, em êxtases, tomou um crucifixo e se pôs a correr pelo convento, gritando:
“ó amor, ó amor; não cessarei jamais de chamar-vos amor, ó meu Deus”. E,
voltando-se para as Religiosas, disse: “Não sabeis, caras Irmãs, que o meu
Jesus é só amor e até ouso dizer e sempre o direito, louco de amor?” Dizia que,
quando chamava Jesus amor, desejaria ser ouvida do mundo inteiro, a fim de que
fosse conhecido e amado por todos o amor de Jesus. De quanto em vez se punha a tocar o sino para que todos os povos
da terra, como desejava, se possível fosse, viessem amar a seu Jesus.
Permiti-me dizê-lo, ó meu doce
Redentor, muita razão não tinha em vossa esposa de chamar-vos louco de amor. E
não parece uma loucura o terdes querido morrer por mim, um verme ingrato, como sou,
de quem já prevíeis as ofensas e as traições que vos deveria fazer? Mas se vós,
ó meu Deus, quase enlouquecestes por amor de mim, como é que eu não chego a
enlouquecer por amor de um Deus? Depois de vos haver visto morto por mim, como
poderei pensar em outro, além de vós? como poderei amar outra coisa além de
vós? Oh! sim, meu Senhor, meu sumo bem, mais amável que todos os outros bens,
eu vos amo mais do que a mim mesmo. Prometo-vos não amar de hoje em diante outro bem fora de
vós e pensar sempre no amor que me haveis demonstrado, morrendo nomeio de
tantos tormentos por mim.
Ó flagelos, ó espinhos, ó cravos, ó cruz, ó
chagas, ó tormentos, ó morte de meu Jesus, vós muito me forçais e obrigais a
amar a quem tanto me amou. Ó Verbo encarnado, ó Deus amoroso, minha alma se
abrasa em amor por vós. Desejaria amar-vos tanto que não tivesse outro prazer
que dar-vos prazer, ó dulcíssimo Senhor meu, e visto que tanto desejais o meu amor,
eu protesto que não quero mais viver senão para vós, e fazer tudo o que quereis
de mim. Ó meu Jesus, ajudai-me, fazei que eu vos agrade inteiramente e sempre,
no tempo e na eternidade. Maria, minha Mãe, rogai a Jesus por mim, para que me
conceda o seu amor, já que outra coisa não desejo nesta e
na outra vida que amar a Jesus. Amém.
A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo
- Piedosas e edificantes meditações
sobre os sofrimentos de Jesus. Santo Afonso Maria
de Ligório.
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