Esta bela e
graciosa oração da Salve, Rainha, por alguns atribuídas ao Bispo Ademar de Puy
(falecido em 1098), tem por autor a Hermano Contracto (falecido em 1054),
monge beneditino do convento de
Reichenau, no lago de Constança. Dele temos também certamente a admirável
melodia. Já os primeiros Cruzados cantaram-na em 1099, o que mostra que o povo
também a conhecia. Durante os séculos XII e XIII, mais e mais se espalhou o
costume de cantá-lo logo após as Completas. Assim faziam os Cistercienses desde
1218 e os Dominicanos desde 1226. Em 1239 O Papa Gregório IX introduziu este
cântico nas Igrejas de Roma. Encaminhavam-se os monges, de velas acesas, para
um altar lateral e aí o entoavam. No começo, o hino dizia: Salve, Rainha de
Misericórdia. No século XVI, introduziu-se-lhe a palavra mãe. Desde então se lê no Breviário romano: Salve, Rainha, mãe de
misericórdia.
Salve,
Rainha, Mãe de misericórdia, vida, doçura e esperança nossa, salve! Vós bradamos, os degredados filhos de Eva; a
vós suspiramos, gemendo e chorando neste vale de lágrimas. Eia, pois, advogada
nossa, esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei; e depois deste desterro
mostrai-nos Jesus, bendito fruto do vosso ventre, ó clemente, ó piedosa, ó doce
sempre Virgem Maria.
Rogai a nós, santa Mãe de Deus.
Para que sejamos dignos da promessa de
Cristo.
SALVE,
RAINHA, MÃE DE MISERICÓRDIA
1. Maria é
Rainha
Tendo sido a
Santíssima Virgem elevada à dignidade de Mãe de Deus, com justa razão a Santa
Igreja honra, e quer que de todos seja honrada com o título glorioso de Rainha.
Se o filho é Rei, diz Pseudo Atanásio, justamente a Mãe deve considerar-se e
chamar Rainha. Se a carne de Maria, conclui Aroldo, abade, não foi diversa da
de Jesus, como pois, a monarquia do Filho pode ser separada a Mãe? Por isso
deve julgar-se que a glória do Reino não só é comum entre a Mãe e o Filho mas
também que é a mesma para ambos.
Se Jesus é
Rei do universo, também é Maria Rainha. Por conseguinte, estão sujeitos ao
domínio de Maria os anjos, os homens e todas as coisas do céu e da terra,
porque tudo está também sujeito ao império de Deus.
2. Maria é Rainha de Misericórdia
Maria é,
pois, Rainha. Mas saibamos todos, para consolação nossa, que é uma Rainha cheia
de doçura e de clemência, sempre inclinada a favorecer e fazer bem a nós,
pobres pecadores. O próprio nome de Rainha considera S. Alberto Magno, denota
piedade e providência para com os pobres, enquanto o de imperatriz dar ares de
severidade e rigor. A magnificência dos reis e das rainhas consiste em aliviar
os desgraçados, diz Sêneca. Enquanto que os tiranos governam tendo em vista seu
interesse pessoal, devem os reis procurar o bem de seus vassalos. Por isso na
sagração dos reis lhes unge a testa com óleo. É o símbolo da misericórdia e
benignidade de que devem estar animados para com seus súditos.
Eu ouvi – diz
o salmista – estas duas coisas: que o poder é de Deus e que é vossa
misericórdia (Sl 61, 12-13). Consistindo o reino de Deus na justiça e
misericórdia, o Senhor dividiu: o reinado da justiça reservou-o para si, e o
reinado da misericórdia o cedeu a Maria. Quando a Santíssima Virgem concebeu o
Divino Verbo e deu à luz, obteve metade do reino de Deus; tornou-se Rainha de
Misericórdia e Jesus ficou sendo Rei da Justiça.
A exclamação
do Salmista: Dai, ó Deus, ao rei a vossa equidade, e ao filho do rei a vossa
justiça (Sl 71,2). São Boaventura tece belo comentário à citada passagem,
dizendo: Dai, ó Deus, vosso juízo ao Rei e vossa misericórdia à sua mãe.
Muito se
aplica Santo Alberto Magno a este propósito a história da rainha Ester, que foi
figura de Maria, nossa Rainha. No cap 4 do livro de Ester, se lê que, reinando
Assuero, saiu um decreto condenando à morte todos os judeus. Então Mardoqueu,
que era um dos condenados à morte, recomendou sua salvação a Ester. Pediu-lhe
que interpusesse o seu valimento junto ao rei, a fim de que revogasse sua
sentença. Ao princípio Ester recusou fazer este favor, temendo irritar ainda
mais Assuero. Repreendeu-a Mardoqueu, mandando-lhe dizer que não pensasse só em
salvar a si, pois o Senhor a tinha posto sobre o trono para obter a salvação de
todos os judeus (Est 4,13). Essas palavras de Mardoqueu a Ester, nós pobres
pecadores, podemos repeti-la a Maria, nossa Rainha, se ela em algum tempo se
recusar alcançarmos de Deus o perdão do
castigo, de nós merecido.
Assuero,
quando viu Ester, na sua presença, lhe perguntou com agrado o que lhe vinha
pedir: Qual é o teu pedido? Respondeu-lhe a Rainha: Meu rei, se em algum tempo
achei graça a teus olhos, dá-me o meu povo, pelo qual te rogo (7,3). E Assuero
ouviu e atendeu, ordenando logo que se revogasse a sentença. Ora, se por amor a
Ester, Assuero, lhe concedeu a salvação dos judeus, como poderá Deus, cujo amor
por Maria é sem medida, deixar de ouvi-la quando pede pelos pobres pecadores,
que a ela se recomendam?
Falando do
nascimento do Salvador, diz São Lucas que Maria deu à luz o seu Filho
primogênito (Lc 2,7). Logo, observa certo autor, se o evangelista afirma que
então a Virgem deu à luz o primogênito, deve-se supor que depois teve outros
filhos? Mas é de fé, continua o mesmo autor, que
Maria não teve outros filhos carnais além de Jesus. Deve, por conseguinte, ser
Mãe de filhos espirituais esses somos todos nós. Isto mesmo revelou a Santa
Gertrudes.
Maria, para
salvar as nossas almas, sacrificou com amor a vida de seu Filho. Ou, como diz
Guilherme, abade: Imolou sua alma para a salvação de muitas almas. Por isso lhe
anunciou Simeão que sua alma bendita havia de ser ultrapassada com a espada (Lc
2:36). Falou da lança que transpassou o lado de Jesus, que era a alma de Maria.
3.Maria mãe solícita e desvelada
“ Eu sou a
Mãe do belo amor” – diz Maria (Eclo 24:24). O amor de Maria, observa certo
autor, embeleza nossas almas aos olhos de Deus e leva essa amorosa Mãe a nos
ter por filhos.
Já antes do
nascimento de Maria, procurava o profeta Daniel obter de Deus a salvação,
confessando-se filho de Maria com as palavras: Salva o filho de tua serva! (Sl
85:16). Mas que serva? Daquela que disse: Eis
aqui a serva do Senhor (Luc 1:38).
4. Maria é Mãe dos pecadores arrependidos
Maria
garantiu a Santa Brígida que é Mãe não só dos justos e inocentes, mas também
dos pecadores arrependidos que se querem emendar.
Lemos nos
livros Sagrados: Levantaram-se seus filhos e aclamaram-na ditosa (Pr 31:28).
Refletindo Ricardo sobre estas palavras, nota que nelas primeiro se diz levantaram-se, e depois filhos . E isso porque, diz ele, não se
pode ser filho de Maria quem não procura primeiro levantar-se da culpa em que
está caído. Os filhos de Maria, escreve Ricardo, imitam-lhe a pureza, a
humildade, a mansidão, a misericórdia. Mas como ousará chamar-lhe filho de
Maria que tanto a desgosta com sua má vida?
É amaldiçoado
de Deus o que aflige sua mãe, diz o Espírito Santo (Eclo 3,18). Sua mãe, isto
é, Maria, comenta Ricardo. Deus amaldiçoa quem com sua má vida e ainda mais com
sua obstinação aflige essa boa Mãe.
VIDA E DOÇURA
NOSSA
1. A oração de Maria obtêm-nos a graça da
justificação
Para exata
compreensão da razão da razão por que a Santa Igreja nos ordena que chamemos a
Maria nossa vida, é necessário saber que, assim como a alma dá vida ao corpo,
assim também a graça divina dá vida à alma. Uma alma sem graça divina só tem
nome de viva, mas na realidade está morta, como foi dito àquele bispo no
Apocalipse: Tens reputação de que vives, mas está morto (Ap 3,1). Obtendo Maria
por meio de sua intercessão a graça aos pecadores, deste modo lhes dá a vida.
Ouçamos as palavras que a Igreja lhe põe na boca, aplicando-lhe a passagem dos
Provérbios: Os que vigiam desde manhã por que me buscam, achar-me-ão (8:17). Os
que recorrem a mim dede manhã, isto é, sem demora, certamente me acharão. Ou,
segundo a tradução grega: acharão a graça. De modo que recorrer a Maria é
recorrer a graça de Deus. Lemos por isso pouco depois: Quem me encontra,
encontra a vida e receberá do Senhor a salvação (Pr 8:35). Ouvi-lo, vós que
procurais o reino de Deus, exclamou São Boaventura, honrai a Santíssima Virgem
Maria e achareis a vida juntamente com a eterna salvação.
Exorta-nos
São Bernardo: Procuremos a graça, mas procuremos por meio de Maria. Para nossa
consolação declarou-o São Gabriel Arcanjo, quando disse à Virgem: Não temas,
Maria, pois achastes graça diante de Deus (Lc 1:30).
Mas, se Maria
nunca se vira privada de graça, como podia dizer o anjo que a tinha achado? Só
se pode achar uma coisa que se perdeu. A Virgem, entretanto, sempre esteve com
Deus e não só em graça, mais cheia de graça, como o mesmo arcanjo manifestou,
quando, ao saudá-la lhe disse: Ave, Maria, cheia de graça; o Senhor é
contigo...
2. Devem os
pecadores procurar com Maria a graça de Deus
Logo, se
Maria não achou a graça para si, porque sempre dela esteve cheia, para quem
achou? Responde o Cardeal Hugo: Achou-a para os pecadores que a tinham perdido.
Corram, pois, a Maria os pecadores que perderam a graça, porque em seu poder
acharão certamente, continua esse escritor: Senhora, a coisa achada deve-se
restituir a quem perdeu; aquela graça que vós achastes, não é vossa, porque
nunca a perdeste; é nossa, porque a perdemos, por isso no-la devemos restituir.
Cantou Maria
no Magnificat: Eis que já desde agora me chamarão bem-aventurada todas as
gerações (Lc 1:48). “Sim Senhora minha – acode São Bernardo – todos os vossos
servos alcançam por vossa intercessão a vida graça e a glória eterna.
3. Sem Maria
não alcançamos a graça da perseverança
A
perseverança final é um dom divino tão grande, que, como disse o Concílio de
Trento, é um dom de todo gratuito que por nada podemos merecer. Contudo santo
Agostinho diz que alcançam de Deus a perseverança todos aqueles que lha pedem. Esta
mesma graça promete a todos aqueles que fielmente a servem nesta vida. “Os que
agem por mim não pecarão; aqueles que me esclarecem, terão a vida eterna” (Eclo
24:30).
Por nossa
conservação na vida da divina graça, é-nos necessária a fortaleza espiritual
que nos leva a resistir a todos os inimigos da salvação. Ora, esta fortaleza só
por meio de Maria se alcança.
“Minha é a
fortaleza; por mim reinam os reis” (Pr 8:14). Minha é esta fortaleza, diz
Maria; Deus depositou em minhas mãos este dom, para que eu o conceda aos meus
devotos servos. “Por mim reinam os reis”, por meu intermédio reinam os meus
servos, e dominam sobre todos os meus sentidos e paixões, e assim dignos se
tornam um reino eterno no céu.
A Santíssima
Virgem é por isso chamada plátano. “Eu me elevei como o plátano à borda d’água,
nos caminhos”. (Eclo 24:19). Diz o Cardeal Hugo que as folhas do plátano são
semelhantes a um escudo. Assim explica a proteção de Maria para com aqueles que
a ela se acolhem.
4. Por
intermédio de Maria obtemos a graça da perseverança
Aplicam os
Santos Doutores a Maria as palavras do Eclesiástico: Suas cadeias são ataduras
de salvação (6,31). Mas cadeias por quê?, pergunta Ricardo de São Lourenço.
Porque Maria prende os seus servos, para que não se desviem pela estrada dos
vícios.
Oh! Se todos
os homens amassem essa tão benigna e amorosa Senhora, e se nas tentações sempre
e sem demora recorressem ao seu patrocínio quem cairia jamais? Cai e perece só
quem não recorre a Maria.
DOÇURA NOSSA,
SALVE
1. Maria é
nosso conforto na morte
“Aquele que é
amigo o é em todo o tempo; e nos transes apertados conhece-se o irmão”(Pr
17:17). Os amigos verdadeiros e os verdadeiros parentes não se conhecem no
tempo de prosperidades, mas sim nos das angústias e das desventuras. Os amigos
do mundo não deixam o amigo, enquanto está em prosperidade. Mas o abandonam
imediatamente, se lhe acontece uma desgraça ou dele se avizinha a morte. Tal não é o procedimento de Maria com seus
devotos. Nas suas angústias e especialmente na hora da morte, que de todas são
as piores, essa boa Senhora e Mãe não abandonou seus fiéis servos. Por isso a
Santa Igreja manda rogar à bem-aventurada Virgem: Rogai por nós, pecadores,
agora e na hora de nossa morte.
Muito grandes
são as angústias dos pobres moribundos, já pelo remorso dos pecados cometidos,
já pelo horror do juízo próximo, já pela incerteza da salvação eterna. “O
demônio desceu a vós cheio de uma grande ira, sabendo que pouco tempo lhe
resta”. Costumado a tentar durante a vida, não se contenta de ser ele só que
tenta na morte, mas chama companheiros para o ajudarem. Encher-se-ão as suas
casas (de Babilônia) com dragões” (Is 14:21).
Ah! Como
fogem os demônios à presença de Nossa Senhora! Se na hora da morte tivermos
Maria a nosso favor, que podemos recear do inferno? Reanimava-se Davi para as
terríveis angústias de sua morte, pondo sua confiança na morte do futuro
Redentor e na intercessão da Virgem Mãe. “Pois ainda quando andar no meio da
sombra da morte, não temerei males; porquanto tu estás comigo. A tua vara e o
teu báculo, eles me consolam.” (Sl 22: 4-5). Pelo báculo, explica Cardeal Hugo,
o lenho da cruz e pela vara a intercessão de Maria, que foi a vara profetizada
por Isaías (11:1).
2. Maria é
nosso auxílio no tribunal divino
Quando uma
alma está para sair dessa vida, diz Isaías, se conturba o inferno todo e manda
os demônios mais terríveis tentá-la antes de sair do corpo e depois acusá-la,
quando se apresentar ao tribunal de Jesus Cristo. “O inferno via-se lá embaixo
à tua chegada todo turbado, e diante de ti levanta gigantes” (Is 14:9). Mas
Ricardo diz que demônios, em se tratando de uma alma patrocinada por Maria, não
terão atrevimento para acusá-la. Pois sabem muito bem que o Juiz nunca
condenou, nem condenará jamais, uma alma patrocinada por sua Grande Mãe. E isto
se conforma com que a mesma Santíssima Virgem disse a Santa Brígida,
referindo-se a seus devotos moribundos: Na hora da morte dos meus servos eu
venho, como Senhora e Mãe amantíssimas deles, e lhes trago consolo e alívio.
Seus vínculos
são uma atadura de salvação – e nela acharás tu no fim o teu descanso (Eclo 6:
29-31). Feliz de ti, meu irmão, se na hora da morte te achares preso pelas
doces cadeias do amor à mãe de Deus.
ESPERANÇA
NOSSA , SALVE
1. Maria é a
esperança de todos os homens
Não suporta
os hereges modernos que nós saudemos e
chamemos a Maria nossa esperança. Dizem que só Deus é nossa esperança, e
que ele amaldiçoa quem põe sua confiança na criatura. “Maldito o homem que
confia no homem” (Jr 17,5). Maria é criatura objetam eles; como, pois, uma
criatura há de ser a nossa esperança? Isto dizem os hereges.
De dois
modos, diz o Angélico São Tomás, podemos pôr nossa esperança numa pessoa, como
causa principal ou como causa mediante. Quem deseja obter do rei uma graça,
espera alcança-la do rei como soberano senhor, e espera obtê-la do seu ministro,
como intercessor. No último caso a graça concedida veio do rei, mas por
intermédio do seu ministro. Portanto, quem pretende a graça com razão chama
aquele seu intercessor a sua esperança. Por
ser de infinita bondade, sumamente deseja o Rei do céu enriquecer-nos
com suas graças. Mas porque para tanto é necessária da nossa parte a confiança,
deu-nos o Senhor, para aumentá-la, sua própria Mãe por advogada e intercessora,
e concedeu-lhe plenos poderes a fim de nos valer. Sem dúvida são amaldiçoados
pelo Senhor, como diz Jeremias, aqueles que põem sua confiança na criatura unicamente. Tal é os pecadores que, em
troca da amizade e dos préstimos de um homem, não se incomodam de ofender a
Deus.
Motivo tem,
pois, a Igreja em aplicar a Maria as palavras do Eclesiástico (24,24), com as
quais vos chama a Mãe da santa esperança, Mãe que faz nascer em nós, não a
esperança vã dos bens transitórios desta vida, mas a santa esperança dos bens
imensos e eternos da vida bem-aventurada.
Ordenou o
Senhor a Moisés que fizesse de ouro puríssimo o propiciatório, dizendo que daí
lhe queria falar: Farás, outrossim, um propiciatório de finíssimo ouro... daí é
que eu te darei minha ordens e te falarei (Ex 25, 17 e 22). Para Pacciucchelli,
Maria é este propiciatório de onde o Senhor fala aos homens e concede-nos o
perdão, a graça e todos os seus demais dons. Por isso foi que o Verbo Divino,
antes de encarnar-se no seio de Maria, mandou o arcanjo pedir-lhe o consentimento;
pois Deus queria que a ela ficasse o
mundo devendo o mistério da Encarnação.
2. Maria é
esperança de todos
Santo
Antonino aplica a Maria estas palavras da Sabedoria (7, 11): Juntamente com ela
me vieram todos os bens. Já que Maria é a Mãe e a dispensadora de todos os
bens, diz ele, bem se pode afirmar que todos os homens, especialmente os que
vivem no mundo como devotos desta Soberana, juntamente com a devoção de Maria
adquiriram todos os bens. Ela própria nos faz cientes de ter consigo todas as opulências de Deus, isto é,
as divinas misericórdias, para dispensá-las aos que a amam. “Comigo estão
riquezas... a magnífica opulência... para enriquecer os que me amam” (Pr 8:
18-21).
Oh! Quantos
soberbos, com devoção a Maria, acharam humildade; quantos coléricos, a
mansidão; quantos cegos, a luz; quantos desviados, a salvação! E isto mesmo o
profetizou ela, quando proferiu na casa de Isabel aquele seu sublime cântico:
Eis que já desde agora todas as gerações
me chamarão de bem-aventurada (Lc 1:48).
Louvada seja,
pois, a bendita a imensa bondade de nosso Deus, que nos concedeu esta excelsa
Mãe e advogada tão terna e amorosa!
3. Maria é a
esperança dos pecadores
Depois que
Deus criou a terra, criou também dois luzeiros. Um maior, isto é, o sol, para
que iluminasse o dia. Outro menor, isto é, a lua, para que brilhasse à noite
(Gn 1:16). O sol, diz o Cardeal Hugo, é a figura de Jesus Cristo, de cuja luz
gozam os justos que vivem no dia da divina graça. A lua é a figura de Maria,
por meio da qual são iluminados os pecadores que vivem nas trevas do pecado. Já
que Maria é esta lua propícia aos miseráveis pecadores, se algum miserável, diz
Inocêncio III, se acha imerso nesta noite de culpa, que há de fazer? Aquele que
perdeu a luz do sol, perdendo a divina graça, volte-se para a lua, faça oração
a Maria; dela receberá luz para conhecer a miséria do seu estado e força para
deixá-lo imediatamente.
Um dos
títulos com que a Santa Igreja saúda Maria, e que muito anima os pobres
pecadores, é aquele da ladainha: Refúgio dos pecadores.
Havia na
Judeia, outrora, cidades de refúgio, nas quais os culpados podiam abrigar-se e
ficavam a salvo das penas merecidas. Agora já não há cidades de refúgio como
antigamente. Só há uma que é Maria Santíssima, da qual foi dito: Coisas gloriosas
se têm dito de ti, ó cidade de Deus (Sl 86:3). Só existe uma diferença. Nas
cidades antigas de refúgio não havia asilo para todos os culpados, nem para
toda sorte de delitos, enquanto que sob o manto de Maria acham refúgio para
todos os pecadores de todo tipo de delito. Só se exige que a ela se recorra.
“Ajuntai-vos e entremos na cidade fortificada e guardemos aí silêncio” (Jr
8:14). Esta cidade fortificada, explica Santo Alberto Magno, é a Santíssima
Virgem fortificada em graça e glória. E isto precisamente Davi queria dizer com
as palavras: Ele me põe a coberto no escondido do seu tabernáculo (Sl 26:5). E
quem é este tabernáculo de Deus, senão Maria, como chama André de Creta?
“Tabernáculo feito por Deus, em que só Deus entrou para cumprir os grandes
mistérios da Redenção”.
É Maria
comparada ao plátano: Eu cresci como plátano (Eclo 24:14). A isso bem atendem
os pecadores. O plátano oferece agasalho ao viandante que em sua sombra pode
repousar, livres dos raios do sol. Também Maria, quando vê acesa contra eles a
ira da divina justiça, os convida a refugiarem-se à sombra da sua proteção.
Lamentava-se o profeta Isaías em seu tempo, dizendo: “Eis aí está que tu te
iraste, Senhor, porque nós pecamos...; não há quem se levante e te detenha”
(64: 5-7). Assim gemia o profeta, diz Conrado da Saxônia, porque então Maria
ainda não era nascida. Mas agora, se deus está irado contra qualquer pecador e
Maria toma à sua conta protegê-lo, ela detém o Filho, para que não o castigue e
salva-o. Ninguém há, continua Conrado, mais apto do que ela para suspender a
espada da divina justiça, para que não descarregue o golpe sobre os pecadores.
Sobre esse mesmo pensamento, diz Ricardo de São Lourenço que Deus, antes de no
mundo existir Maria, se queixava de não haver quem o impedisse de punir os
pecadores; mas agora é Maria quem o aplaca.
4. Maria é,
as vezes, a última esperança dos pecadores
Lê-se no
livro de Rute (2:3) que Booz permitiu a uma mulher por nome Rute respigar, indo
atrás dos segadores. Aqui sugere Conrado da saxônia: Como Rute achou graça aos
olhos de Booz, assim Maria achou graça diante de Deus, para recolher as espigas
abandonadas pelos segadores.
Esses últimos
são os operários evangélicos, os missionários, os pregadores, os confessores,
que coma as suas fadigas continuamente colhem e amealham almas para Deus. Almas
há, porém, rebeldes e obstinadas que são abandonadas por eles. Só a Maria é
dado salvar, por sua poderosa intercessão, essas espigas largadas ao campo.
É, pois, com
razão, que São João Damasceno vos saúda como esperança dos desamparados. Co
razão vos chama São Lourenço Justiniano esperança dos delinquentes; e
Pseudo-Agostinho, único refúgio dos pecadores. Em vós, pois, espere quem se
desespera.
A VÓZ
BRADAMOS, OS DEGREDADOS FILHOS DE EVA
1. Da prontidão
de Maria em socorrer os que a invocam
Como pobres
filhos da infortunada Eva, somos réus da mesma culpa e condenados à mesma pena.
Andamos errando por este vale de lágrimas, exilados de nossa pátria, chorando
por tantas dores que afligem no corpo e no espírito. Feliz, porém, aquele que
por entre tais misérias se dirige muitas vezes à consoladora do mundo, ao
refúgio dos pecadores, à grande Mãe de Deus. Bem-aventurado o homem que me ouve
e que vela todos os dias à entrada da minha casa (Pr 8,34). Bem-aventurado, diz
Maria, quem ouve meus conselhos e permanece constantemente à porta de minha
misericórdia, invocando minha intercessão e meu auxílio.
Por isso, em
todas as calamidades públicas, a Santa Igreja sempre quer que se recorra a
divina Mãe com novenas, com orações, com procissões e visitas às suas igrejas e
imagens. Procura, na frase de São Boaventura, os que dela se aproximam devota e
reverentemente; ama-os, nutre-os, aceita-os por filhos.
2. Maria
ajuda pronta e alegremente
Para o mesmo
Santo, Rute foi figura de Maria. Pois, seu nome significa “aquela que vê e se
apressa”. Vendo Maria nossas misérias, se apressa a fim de nos socorrer com a
sua misericórdia.
Oh! Como é
pronta esta boa Mãe para valer a quem a invoca! Explicando a passagem dos Cânticos
(4:5), diz Ricardo de São Lourenço que Maria é tão veloz em exercer
misericórdia para com quem lha pede. O mesmo autor assevera-nos que a compaixão
de Maria se derrama sobre quem a pede, ainda que não mendeiem outras orações
mais que a de uma breve Ave-Maria.
E com isso
ficamos entendendo quem seja aquela mulher do Apocalipse (12:14), a quem se
deram duas grandes asas de águia para voar ao deserto. Nelas vê Ribeira o amor
que Maria se eleva sempre a Deus. Mas o beato Amadeu diz que estas asas de
águia significa a presteza com que Maria, vencendo a velocidade dos serafins,
socorre os seus filhos.
A isso
corresponde também ao que lemos no Evangelho de São Lucas. Quando Maria foi
visitar Santa Isabel e cumular de graças aquela família inteira, não fez a viagem
com vagar, mas si com presteza: E naqueles dias, levantando-se, Maria foi com
presteza às montanhas (Lc 1:39).
É tal a
compaixão desta boa Mãe, e tanto o amor que nos consagra, que nem espera por
nossas orações. “Ela se antecipa aos que a desejam” (Sb 6:14).
Esta grande
compaixão de Maria para com nossas misérias a leva a nos socorrer e consolar,
mesmo quando, mesmo quando não a invocamos. É o que nos mostrou durante sua
vida, nas bodas de Caná (Jo 2:3). A seus compassivos olhos não escapou o embaraço dos esposos que, aflitos e
vexados, perceberam a falta do vinho à mesa dos convidados. Sem ser rogada,
movida somente por seu piedoso coração incapaz de assistir indiferente à aflição de outros,
pediu Maria a seu Filho que consolasse a família. Fê-lo, expondo-lhe com
singeleza a necessidade em que estava, dizendo: Eles não têm vinho. Então o
Senhor, para valer àquela família e mais ainda para contentar o compassivo
coração de sua Mãe que o desejava, operou o milagre de mudar em vinho a água
das talhas.
3. O demônio
tem medo da Mãe de Deus
Já desde o
princípio do mundo tinha Deus predito à serpente infernal a vitória e o império
que sobre ela obteria nossa Rainha. “Eu porei amizade entre ti e a mulher; ela
te esmagará a cabeça” (Gn 3:16). Mas que foi esta mulher, sua inimiga senão
Maria, que com sua humildade e santa virtude sempre venceu e abateu as forças
de Satanás, como atesta São Cipriano? È para se notar que Deus falou “eu porei”
e não “eu ponho” inimizade entre ti e a mulher. Isto faz para mostrar que a sua
vencedora não era Eva, que já então vivia, mas uma sua descendente. Duvidam
alguns se estas palavras se referem a Maria ou a Jesus Cristo, por que os
Setenta (nome dado aos 70 Judeus que traduziram a Sagrada Escritura, do
hebraico para o grego) traduzem autós,isto
é, ele esmagará tua cabeça. Mas em
nossa Vulgata (única versão da sagrada escritura aprovada pelo Concílio de
Trento) lê-se ipsa, ela, e não ipse, ele. Mas como quiserem, é certo
que, ou o Filho por meio da Mãe ou a Mãe por virtude do Filho, venceu a
Lúcifer. Diz São Bruno de Segni que Eva, vencida pela serpente, nos trouxe a
morte e as trevas. Maria, porém, vencendo o demônio, nos trouxe a vida e a luz.
Daí vem Maria chamada “terrível como um exército em campo de batalha” (Ct 6:3).
Pois sabe ordenar bem o seu poder, a sua misericórdia e os seus rogos para a
confusão dos inimigos e benefícios dos seus servos, que nas tentações invocam o
seu poderosíssimo nome.
Por meio da
arca os israelitas obtinham suas vitórias nos combates. Graças a ela triunfaram
de seus inimigos! (Nm 10,35). Assim foi tomada Jericó, assim foram desbaratados
os filisteus, porque a arca de Deus estava naquele dia com os filhos de Israel
(1RS 14:18). Como se sabe, era a arca prefiguração de Maria. Assim como na arca
estava o maná, observa Cornélio Lápide, no seio de Maria estava Jesus, de quem
o maná foi prefiguração. Isto motiva as palavras de São Bernardino de Sena:
Quando Maria, arca do Novo Testamento, foi exultada nos céus como Rainha, ficou
abatido o poder do demônio sobre o homem.
Para
confirmar o que dizemos, sirva uma revelação feita a Santa Brígida. Deus
concedeu a Maria um poder muito grande sobre todos os demônios. Sempre que eles
atacam algum devoto da Virgem, e este a invoca em seu auxílio, basta um aceno
de Maria para que fujam aterrorizados. Preferem até ver redobrados os seus
suplícios a sentirem-se dominados pelo poder de Maria.
4. O demônio
tem medo até do nome da Mãe de Deus
Oh! Como
tremem os demônios, afirma São Bernardo, só com ouvir pronunciar o nome de
Maria! Os homens são atirados ao chão, se ao lado lhes cai um raio. Assim
também, diz Tomás de Kempis, são abatidos os demônios logo que ouvem o nome de
Maria.
Se os
cristãos nas tentações tivessem cuidado de proferir com devoção e confiança o
no me de Maria, é certo que não cairiam nelas. A mesma senhora revelou a Santa
Brígida que até dos pecadores mais perdidos, mais afastados de Deus, e mais
possuídos do demônio, se aparta este inimigo, logo quando sente que eles, com
verdadeira vontade de emenda, invocam o seu poderosíssimo nome. Mas,
acrescentou a santíssima Virgem, se a alma não se emenda e não apaga seus
pecados nas lágrimas do arrependimento, os demônios sem demora voltam e dela
tomam conta.
A VÓS
SUSPIRAMOS GEMENDO E CHORANDO NESTE VALE DE LÁGRIMAS
1.
Necessidade de intercessão de Maria e dos Santos
É a invocação
e veneração dos santos, particularmente a de Maria, Rainha dos santos, uma
prática não só lícita senão útil e santa. Pois procuramos por meio dela obter a
graça divina. Esta verdade é de fé, estabelecida pelos Concílios contra os
hereges que a condenam como injúria feita a Jesus Cristo, nosso único
medianeiro. Mas se depois da Morte, um Jeremias reza por Jerusalém; se os
anciãos do Apocalipse apresentam a Deus as orações dos santos; se são Paulo
promete a seus discípulos lembrar-se deles depois da morte; em suma, podem os
santos rogar por nós, por que não poderíamos nós, por nossa vez, rogar-lhes
para que intercedam por nós?
Que seja
Jesus Cristo único Mediador de justiça a reconciliar-nos com Deus, pelos seus
merecimentos, quem o nega? Não obstante isso, compraz-se Deus em conceder-nos
suas graças pela intercessão dos santos e especialmente de Maria, sua Mãe, a
quem tanto deseja Jesus ver amada e honrada.
Seria
impiedade negar semelhante verdade. Quem ignora a honra prestada às mães
redunda em glória para os filhos? Os pais são as glórias dos filhos, lemos nos
Provérbios (17:6).
2. Em que
sentido nos é necessária a intercessão de Maria
Que o
recorrer, pois, à intercessão de Maria Santíssima seja coisa utilíssima e
santa, só podem duvidar os que são faltos de fé. A origem desta necessidade
está na própria vontade de Deus, o qual pelas mãos de Maria quer que passem
todas as graças que nos dispensa.
Da mesma
opinião é também Contenson, como se vê do seu comentário às palavras de Jesus,
dirigidas a São João, do alto da cruz: Ninguém terá parte do meu sangue, senão
pela intercessão de Maria. Minhas chagas são fontes de graças, mas só por meio
de Maria correrão até aos homens. Tanto por mim serás amado, João, meu
discípulo, quanto amares minha Mãe (João 19:26).
Confessamos
também que Maria não é mais que pura criatura e que, quando obtém, tudo recebe
de Deus gratuitamente. Mais que todas as outras, esta sublime criatura na terra
também o honrou e amou, sendo por ele escolhida para Mãe de seu filho, o
Salvador do mundo. Querendo exaltá-la de um modo extraordinário, determinou por
isso o Senhor que por suas mãos hajam de passar e sejam concedidas todas as
mercês dispensadas às almas remidas. Não há dúvida que, confessamos que Jesus
Cristo é o único medianeiro de justiça, porque por seus méritos nos obtém a
graça e a salvação. Mas ajuntemos que Maria é medianeira de graças, e como tal
pede por nós em nome de Cristo e tudo nos alcança por méritos dele. Nas festas
da Santíssima Virgem aplica-lhe no ofício palavras dos Livros da Sabedoria e assim nos dá
a entender que nela acharemos toda esperança. “Em mim há toda a esperança da
vida e da virtude” (Eclo 24:25). “Quem me acha, achará a vida e haurirá do
Senhor a salvação” (Pr 8:35).
São Bernardo
faz uma profunda reflexão, acrescentando: Antes do nascimento da santíssima
Virgem, não existia para todos essa torrente de graças, porque não havia ainda
esse desejo aqueduto: Maria foi dada ao mundo – continua ele – a fim de que por
seu intermédio, como por um canal, até nós corresse sem cessar a torrentes das
graças divinas.
Que lhe
arrebentassem os aquedutos, foi ordem dada por Holofernes para tomar a cidade
de Betúlia (Jt 7:6). Assim o demônio envida todos os esforços para acabar com a
devoção à Mãe de Deus nas almas. Pois, cortado esse canal de graças, mui fácil
se lhe torna a conquista.
Pelo mesmo
motivo chama-lhe a Igreja “porta do céu”. Como todo indulto do rei passa pela
porta de seu palácio, observa São Bernardo, assim também graça nenhuma desce do
céu á terra sem passar pelas mãos de Maria. Ajunta São Boaventura que Maria é
chamada porta do céu porque ninguém pode entrar no céu senão pela porta, que é
Maria.
À encarnação
do Verbo e sua Mãe santíssima refere-se a passagem de Jeremias (31:22): “Uma
mulher circuncidará a um homem”. Certo autor explica exatamente no mesmo
sentido estas palavras: Nenhuma linha pode sair do centro de um círculo sem
passar primeiro pela circunferência. Assim de Jesus, que é o centro, graça
alguma chega até nós sem passar por Maria, que o encerra, desde que o recebeu
em seu puríssimo seio.
Lê-se no
profeta Isaías (11:1) que da raiz de Jessé sairia uma haste, isto é Maria, e
dela, uma flor, isto é, o Verbo Encarnado. Sobre essa passagem tece Conrado da
Saxônia este belo comentário: “Todo aquele que desejar obter a graça do
Espírito Santo, busque em sua haste, isto é, Jesus em Maria.
3. A
necessidade da intercessão de Maria provém da sua cooperação na Redenção
Santo Alberto
chamou a Maria cooperadora da redenção. Maria é chamada cooperadora de nossa
justificação, diz Bernardino de Busti, porque Deus lhe entregou as graças todas
que nos quer dispensar.
Garante-nos Jesus Cristo que ninguém pode vir a ele, a
não ser que o Pai o traga. “Ninguém pode vir a mim, se o Pai o não atrair” (Jo
6:44). O mesmo também, no sentir de Ricardo de São Lourenço, diz Jesus de sua
Mãe. Jesus foi o fruto de Maria, como disse Santa Isabel (Lc 1:42). Quem quer o
fruto deve também querer a árvore. Vendo Santa Isabel a Santíssima Virgem que a
fora visitar em sua casa, e não sabendo como agradecer, exclamou cheia de
humildade: E donde a mim está dita, que venha visitar-me a Mãe a Mãe de meu
Senhor? (Lc 1:43). Por que pois, se declara indigna de receber a Mãe, em vez de
confessar-se indigna de ver o Filho vir ao seu encontro? Ah! é porque bem
entendia a Santa que Maria vem sempre com Jesus e que, portanto, lhe bastava
agradecer à Mãe sem nomear o Filho.
Como só por
meio de Jesus Cristo temos acesso junto ao Pai Eterno, igualmente, observa São
Bernardo, só por meio de Maria temos acesso junto a Jesus Cristo. E tal
resolução de Deus, isto é, que sejamos salvos por intermédio de Maria, dá o
Santo este belo motivo: por meio de Maria receba-nos aquele Salvador, que por
meio dela nos foi dado! Dá-lhe, por isso, o nome de Mãe da graça e da nossa
salvação.
EIA, POIS,
ADVOGADA NOSSA
1. Maria é todo-poderosa junto de Deus
Tão grande é
uma mãe, que nunca pode tornar-se súdita de seu filho, ainda que ele seja monarca
e tenha domínio sobre todas as pessoas do seu reino. É verdade, sentado agora à
direita de Deus Pai, no céu, reina Jesus e tem supremo domínio sobre todas as
criaturas e também sobre Maria. Todavia, é também certo que Nosso Redentor,
quando vivia na terra, quis humilhar-se a ponto de ser submisso a Maria. “E lhes estava sujeito” (Lc 2:51). Sim,
desde que Jesus Cristo se dignou escolher Maria por Mãe, estava como Filho
realmente obrigado a obedecer-lhe, diz Santo Ambrósio.
Daí
concluímos que são as súplicas de Maria eficacíssimas para obterem tudo quanto
ela pede, ainda que não possa dar ordens a seu Filho no céu. Pois seus rogos
sempre são rogos de Mãe. Assim quer Jesus honrar sua Mãe, que tanto honrou em
vida, prontamente concedendo-lhe tudo que ela deseja. Belamente São Germano nas
suas palavras dirigidas à Virgem: Sois onipotente, ó Mãe de Deus, para salvar
os pecadores; não precisais de recomendação alguma junto de Deus, pois que sois
a Mãe da verdadeira vida.
Não receia
São Bernardino de Sena concordar com a sentença de que “ao império de Maria
todos estão sujeitos, até o próprio Deus”. Isto é, Deus lhe atende os rogos
como se fossem ordens.
Contudo,
sempre será verdade que o Filho é onipotente por sua natureza e a Mãe o é por
graça.
2. Maria é
toda bondade para com os homens
Enquanto
Maria Viveu na terra, seu constante pensamento, depois da glória de Deus, era
ajudar os necessitados. Sabemos que desde então já gozava o privilégio de ser
ouvida em tudo o que pedia. Haja vista o que se passou em Caná na Galileia.
Veio a faltar o vinho, com vexame e contratempo então para os esposos. Cheia de
compaixão, a Santíssima Virgem pediu ao Filho que o consolasse com um milagre:
Eles não têm vinho (Jo 2:3). Respondeu-lhe Jesus: “Que há entre mim e ti,
mulher? A minha hora não chegou”.
Note-se que aparentemente o Senhor sonegou a graça desejada por sua Mãe, com as
palavras acima citadas: Que importa a mim e a ti essa falta de vinho? Por
enquanto não convém fazer um milagre, cuja hora ainda não soou. Contudo, Maria,
como se o Filho tivesse a atendido, disse aos criados: “Fazei tudo o que ela
vos disser!” E com efeito, Jesus Cristo, para dar gosto a Maria mudou a água em
ótimo vinho. Mas como assim? Se o tempo prefixado para os milagres era o da
pregação, como é que, mudando a água em vinho, antecipou Jesus os decretos
divinos? A isso respondemos que nada houve de encontro aos decretos divinos. Já
desde a eternidade havia Deus estabelecido que jamais rejeitaria um pedido de sua Mãe.
3. O grande
poder de Maria funda-se na dignidade de Mãe de Deus
Somos todos
devedores a Deus de quanto possuímos, pois que tudo são dons de sua bondade. Só
de vós quis o próprio Deus tornar-se devedor, encarnando-se e em vosso seio
fazendo-se homem. Maria mereceu dar um corpo humano ao Divino Verbo, desse modo
apresentando o preço da redenção para nossas almas. Por isso mais que todas as
criaturas é ela poderosa para nos ajudar e obter a salvação eterna.
A
consideração do grande e divino benefício, pelo qual temos Maria por advogada,
leva São Boaventura a exclamar, e com ele terminamos: Ó bondade certamente
imensa e admirável de nosso Deus! A vós, Senhora, quis ele nos dar por advogada
para que, a vosso arbítrio, tudo nos obtivesse vossa poderosa intercessão.
A NÓS VOLVEI
ESSES VOSSOS OLHOS MISERICORDIOSOS
Santo
Epifânio chama a divina Mãe de onividente, pois, como Mãe desvelada, é toda
olhos para atender às nossas misérias na terra e aliviá-las. Justamente, por
melhor ajudar os miseráveis é que se rejubila com sua grandeza. Em vista disso,
aplica-lhe Conrado da Saxônia as palavras de Booz a Rute: Filha, bendita sejas
do Senhor, que excedeste a tua primeira bondade com esta de agora (Rt 3:10).
Quando se
dizem devotamente à Santíssima Virgem estas palavras: “Eia, pois, advogada
nossa, a nós volvei esses vossos olhos misericordiosos”, não pode Maria deixar
de volver os olhos para quem a invoca.
1. Para todos
é Maria um trono de misericórdia
Predissera o
profeta Isaías que pela grande obra da redenção nos devia ser preparado um
sólio de misericórdia. “E será estabelecido um sólio em misericórdia” (16:5).
Mas qual é esse sólio? É Maria, na qual acham confortos de misericórdia, não só
os justos, mas também os pecadores, responde Conrado de Saxônia.
Se por causa
de nossos pecados, nos invadir a desconfiança, digamos com Guilherme de Paris:
Ó Senhora minha, não me lanceis em rosto meus pecados, porque lhes oporei vossa
grande misericórdia. Jamais se diga que minhas culpas puderam contrabalançar no
juízo a vossa misericórdia. Pois esta é muito mais eficaz para obter-me o
perdão, que todos os meus pecados para valerem-me a condenação.
E DEPOIS
DESTE DESTERRO, MOSTRAI-NOS JESUS, BENDITO FRUTO DO VOSSO VENTRE
1. Maria
livra do inferno os seus devotos
É impossível
que se perca um devoto de Maria, que fielmente a serve e a ela se encomenda. Á
primeira vista talvez pareça um tanto ousada esta proposição. Não me refiro
àqueles que buscam dessa para pecarem
com menos temor . Falo tão somente daqueles que, ao desejo de emenda, unem a
perseverança de agradá-la. Quanto a estes, repito, é moralmente impossível que
se percam.
2. A devoção
a Maria é penhor de eterna bem-aventurança
É impossível
salvar-se quem não é devoto de Maria e
não vive sob a sua proteção, diz Santo Anselmo, e também é impossível que se
condene quem se encomenda a Virgem, e por ela é olhado com amor. A mesma coisa
asseveram outros como Santo Alberto Magno: Todos que não são vossos servos hão
de perder-se, ó Maria. E são Boaventura: Aquele que se descuida de servir à
Santíssima Virgem morrerá em pecado. E disse Pseudo-Inácio, mártir, afirmando
que não pode salvar-se um pecador por meio da Santa Virgem, cuja misericordiosa
intercessão salva muitíssimos que deveriam ser condenados pela justiça. É nesse
sentido que a Igreja aplica esta passagem
dos Provérbios (8:36): Todos os que me odeiam amam a morte eterna.
Foi revelado
a Santa Catarina de Sena, como atesta Luís Blósio, que Deus concedera a Maria,
em consideração a seu unigênito, graça de não cair presa do inferno pecador
algum que a ela se recomendar devotamente. O próprio profeta Davi pedia ao
Senhor que o livrasse pelo amor que tinha à honra de Maria: Senhor, eu amei o
decoro da vossa casa...; não percais com os ímpios a minha alma (Sl 25:8).
Diz “vossa
casa”, porque Maria foi certamente aquela casa que o próprio Deus se preparou
na terra para sua habitação, e onde ao fazer-se homem achou seu repouso. Assim
está escrito nos Provérbios (9:1): A sabedoria edificou para si uma casa.
Isto não deve
servir para autorizar a temeridade doas que vivem em pecado, confiados de que
Maria os haja de livrar do inferno, ainda que morram impenitentes. Loucura
seria arriscar-se alguém a morrer no pecado, presumindo que a Santíssima Virgem
o preservará do inferno.
3. Maria
livra as almas do purgatório
Mas a Santíssima
Virgem não só favorece e consola os seus devotos, como também os tira e livra
do purgatório com a sua intercessão.
Conhecidíssima
é a promessa que Maria fez ao Papa João XXII. Apareceu-lhe um dia e lhe ordenou
fizesse saber a todos aqueles que trouxesse um escapulário do Carmo que seriam
livres do purgatório no primeiro sábado depois da morte. Fê-lo o Papa por uma
Bula que publicou, e que depois foi confirmada Por Alexandre VII, Pio V,
Gregório XIII e Paulo V. Este, no ano de 1613, na Bula então publicada assim
disse: Pode o povo cristão piamente crer que a bem-aventurada Virgem ajudará
com especial proteção, mesmo depois da morte, e principalmente no dia de
sábado, consagrado pela Igreja à mesma Virgem, as almas dos irmãos da Confraria
de Nossa Senhora do Carmo que morreram na graça de Deus. Como condição
requer-se que tenham usado sempre o escapulário, recitando o Ofício da Virgem,
ou, não podendo recitá-lo, tenham observado os jejuns da Igreja, abstendo-se de
carne às quartas-feiras e aos sábados.
4. Pela
devoção a Maria salvaram-se os bem-aventurados
Os servos de
Maria tem um belíssimo sinal de predestinação. Para confortá-los, a Santa
Igreja aplica à Mãe de Deus o texto do Eclesiástico: em todos estes busquei o
descanso e assentarei a minha morada na herança do Senhor (24:14). O Cardeal
Hugo comenta: Feliz daquele em cuja morada a Santíssima Virgem encontra o lugar
de seu repouso.
Pseudo-Fulgêncio
chama-a de escada do céu. Isso porque por meio dela desceu o Senhor do céu à
terra, para que por ela os homens o merecessem subir da terra ao céu. E a este
propósito lhe diz Santo Atanásio Sinaíta: Senhora, sois cheia de graça para
serdes o caminho de nossa salvação e subida e a subida para a pátria celeste.
Ó CLEMENTE, Ó
PIEDOSA
1. Maria é
toda clemência e bondade
O autor dos Discursos
sobre a Salve Rainha diz que Maria é a terra prometida pelo Senhor, na qual
manava leite e mel. Em suma, tanta lhe é a piedade que, como diz o Abade
Guerrico, seu amoroso não pode cessar um momento de ser misericordioso conosco.
E que outra
coisa pode jorrar de uma fonte de piedade senão piedade? Pergunta São Bernardo.
Por isso, Maria foi chamada “uma bela oliveira do campo” (Eclo 24:19). Como da
oliveira só sai óleo, símbolo da misericórdia, também só graças e misericórdia,
também só destilam as mãos de Maria.
Pobres de
nós, sem essa Mãe de Misericórdia, tão atenta e tão prestadia em socorrer
nossas misérias! Onde não há mulher – diz o Espírito Santo – geme e padece o
enfermo (Eclo 36:27). A mulher é justamente Maria, conforme atesta São João
Damasceno.
2. Particular
clemência de Maria para com os pecadores
Ora sendo o
espírito de Maria completamente semelhante a de seu Filho, não podemos pôr em
dúvida seu natural compassivo. Por isso São João representa-a revestida de sol:
Apareceu um grande sinal no céu; uma mulher revestida do sol (Ap 12:11). Comentando
o trecho, diz São Bernardo à Virgem: Senhora, revestistes o Sol (Verbo Divino)
da carne humana, mas ele vos revestiu também de seu poder e de sua
misericórdia. Enérgicas e belas são as palavras de São Pedro Crisólogo: A
excelsa Virgem hospedou Deus em seu ventre; em paga de tal hospitalidade dele
exige a paz para o mundo, a salvação para os perdidos, a vida para os mortos.
Ó DOCE VIRGEM
MARIA
Honório,
santo anacoreta, dizia que o nome de Maria é cheio de divina doçura, e o
glorioso Santo Antônio de Pádua nele achava tanta doçura quanto São Bernardino
no de Jesus. O nome da Virgem Mãe, repetia ele, é a alegria para o coração, mel
para a boca, melodia para o ouvido de seus devotos. No momento da Assunção da
Senhora três vezes perguntaram-lhe os anjos pelo nome: Quem é esta que sobe
pelo deserto, como uma varinha de fumo composta de aromas de mirra e de
incenso? (Ct 3:6). Quem é essa que vai caminhando como aurora quando se
levanta? (6:9)Quem é esta que sobe do deserto inundando delícias? (8:5). E para
que lhe indagam com tanta insistência o nome? Pergunta Ricardo de São Lourenço.
É para tê-lo o prazer de ouvi-lo mais vezes, tão suavemente lhes soavam os
ouvidos.
Mas eu não
falo aqui dessa doçura sensível, porque esta não se concede comumente a todos.
Falo dessa salutar doçura de conforto, de amor, de alegria, de confiança, de
fortaleza, que este nome de Maria ordinariamente dá àqueles que o pronuncia com
devoção. Depois do nome de Jesus nenhum outro há no qual resida socorro e
salvação para os homens, como no excelso nome de Maria. Especialíssima, como
todos os sabem, é a sua força para vencer as tentações contra a castidade. Isso
experimentam os devotos da Virgem, todos os dias. Semelhante pensamento deduz
Ricardo das palavras de São Lucas: E o nome da Virgem era Maria (Lc 1:27).
Fá-lo para nos dar a entender que o nome da puríssima Virgem é inseparável da
castidade.
Desejais, por
conseguinte, ser consolados em todos os trabalhos? Conclui Tomás de Kempis.
Recorrei a Maria; invocai a Maria, a ela servi e recomendai-vos. Alegrai-vos
com Maria, caminhai com Maria; com ela procurai a Jesus, e finalmente com Jesus
e Maria aspirai a viver e morrer. Pois Maria se comprazerá em rogar por vós, e
o Filho com certeza atenderá à sua Mãe.
Glórias
de Maria – Santo Afonso de Ligório
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