segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Explicação da Salve-Rainha


Esta bela e graciosa oração da Salve, Rainha, por alguns atribuídas ao Bispo Ademar de Puy (falecido em 1098), tem por autor a Hermano Contracto (falecido em 1054), monge  beneditino do convento de Reichenau, no lago de Constança. Dele temos também certamente a admirável melodia. Já os primeiros Cruzados cantaram-na em 1099, o que mostra que o povo também a conhecia. Durante os séculos XII e XIII, mais e mais se espalhou o costume de cantá-lo logo após as Completas. Assim faziam os Cistercienses desde 1218 e os Dominicanos desde 1226. Em 1239 O Papa Gregório IX introduziu este cântico nas Igrejas de Roma. Encaminhavam-se os monges, de velas acesas, para um altar lateral e aí o entoavam. No começo, o hino dizia: Salve, Rainha de Misericórdia. No século XVI, introduziu-se-lhe a palavra mãe. Desde então se lê no Breviário romano: Salve, Rainha, mãe de misericórdia.

 Salve, Rainha, Mãe de misericórdia, vida, doçura e esperança nossa, salve!  Vós bradamos, os degredados filhos de Eva; a vós suspiramos, gemendo e chorando neste vale de lágrimas. Eia, pois, advogada nossa, esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei; e depois deste desterro mostrai-nos Jesus, bendito fruto do vosso ventre, ó clemente, ó piedosa, ó doce sempre Virgem Maria.

Rogai a nós, santa Mãe de Deus.

Para que sejamos dignos da promessa de Cristo.




SALVE, RAINHA, MÃE DE MISERICÓRDIA

 1. Maria é Rainha

Tendo sido a Santíssima Virgem elevada à dignidade de Mãe de Deus, com justa razão a Santa Igreja honra, e quer que de todos seja honrada com o título glorioso de Rainha. Se o filho é Rei, diz Pseudo Atanásio, justamente a Mãe deve considerar-se e chamar Rainha. Se a carne de Maria, conclui Aroldo, abade, não foi diversa da de Jesus, como pois, a monarquia do Filho pode ser separada a Mãe? Por isso deve julgar-se que a glória do Reino não só é comum entre a Mãe e o Filho mas também que é a mesma para ambos.

Se Jesus é Rei do universo, também é Maria Rainha. Por conseguinte, estão sujeitos ao domínio de Maria os anjos, os homens e todas as coisas do céu e da terra, porque tudo está também sujeito ao império de Deus.


2. Maria é Rainha de Misericórdia

Maria é, pois, Rainha. Mas saibamos todos, para consolação nossa, que é uma Rainha cheia de doçura e de clemência, sempre inclinada a favorecer e fazer bem a nós, pobres pecadores. O próprio nome de Rainha considera S. Alberto Magno, denota piedade e providência para com os pobres, enquanto o de imperatriz dar ares de severidade e rigor. A magnificência dos reis e das rainhas consiste em aliviar os desgraçados, diz Sêneca. Enquanto que os tiranos governam tendo em vista seu interesse pessoal, devem os reis procurar o bem de seus vassalos. Por isso na sagração dos reis lhes unge a testa com óleo. É o símbolo da misericórdia e benignidade de que devem estar animados para com seus súditos.

Eu ouvi – diz o salmista – estas duas coisas: que o poder é de Deus e que é vossa misericórdia (Sl 61, 12-13). Consistindo o reino de Deus na justiça e misericórdia, o Senhor dividiu: o reinado da justiça reservou-o para si, e o reinado da misericórdia o cedeu a Maria. Quando a Santíssima Virgem concebeu o Divino Verbo e deu à luz, obteve metade do reino de Deus; tornou-se Rainha de Misericórdia e Jesus ficou sendo Rei da Justiça.

A exclamação do Salmista: Dai, ó Deus, ao rei a vossa equidade, e ao filho do rei a vossa justiça (Sl 71,2). São Boaventura tece belo comentário à citada passagem, dizendo: Dai, ó Deus, vosso juízo ao Rei e vossa misericórdia à sua mãe.

Muito se aplica Santo Alberto Magno a este propósito a história da rainha Ester, que foi figura de Maria, nossa Rainha. No cap 4 do livro de Ester, se lê que, reinando Assuero, saiu um decreto condenando à morte todos os judeus. Então Mardoqueu, que era um dos condenados à morte, recomendou sua salvação a Ester. Pediu-lhe que interpusesse o seu valimento junto ao rei, a fim de que revogasse sua sentença. Ao princípio Ester recusou fazer este favor, temendo irritar ainda mais Assuero. Repreendeu-a Mardoqueu, mandando-lhe dizer que não pensasse só em salvar a si, pois o Senhor a tinha posto sobre o trono para obter a salvação de todos os judeus (Est 4,13). Essas palavras de Mardoqueu a Ester, nós pobres pecadores, podemos repeti-la a Maria, nossa Rainha, se ela em algum tempo se recusar alcançarmos de Deus  o perdão do castigo, de nós merecido.

Assuero, quando viu Ester, na sua presença, lhe perguntou com agrado o que lhe vinha pedir: Qual é o teu pedido? Respondeu-lhe a Rainha: Meu rei, se em algum tempo achei graça a teus olhos, dá-me o meu povo, pelo qual te rogo (7,3). E Assuero ouviu e atendeu, ordenando logo que se revogasse a sentença. Ora, se por amor a Ester, Assuero, lhe concedeu a salvação dos judeus, como poderá Deus, cujo amor por Maria é sem medida, deixar de ouvi-la quando pede pelos pobres pecadores, que a ela se recomendam?

Falando do nascimento do Salvador, diz São Lucas que Maria deu à luz o seu Filho primogênito (Lc 2,7). Logo, observa certo autor, se o evangelista afirma que então a Virgem deu à luz o primogênito, deve-se supor que depois teve outros filhos? Mas é de fé, continua o mesmo autor, que Maria não teve outros filhos carnais além de Jesus. Deve, por conseguinte, ser Mãe de filhos espirituais esses somos todos nós. Isto mesmo revelou a Santa Gertrudes.

Maria, para salvar as nossas almas, sacrificou com amor a vida de seu Filho. Ou, como diz Guilherme, abade: Imolou sua alma para a salvação de muitas almas. Por isso lhe anunciou Simeão que sua alma bendita havia de ser ultrapassada com a espada (Lc 2:36). Falou da lança que transpassou o lado de Jesus, que era a alma de Maria.


3.Maria mãe solícita e desvelada

“ Eu sou a Mãe do belo amor” – diz Maria (Eclo 24:24). O amor de Maria, observa certo autor, embeleza nossas almas aos olhos de Deus e leva essa amorosa Mãe a nos ter por filhos.

Já antes do nascimento de Maria, procurava o profeta Daniel obter de Deus a salvação, confessando-se filho de Maria com as palavras: Salva o filho de tua serva! (Sl 85:16). Mas que serva? Daquela que disse: Eis aqui a serva do Senhor (Luc 1:38).


 4. Maria é Mãe dos pecadores arrependidos

Maria garantiu a Santa Brígida que é Mãe não só dos justos e inocentes, mas também dos pecadores arrependidos que se querem emendar.

Lemos nos livros Sagrados: Levantaram-se seus filhos e aclamaram-na ditosa (Pr 31:28). Refletindo Ricardo sobre estas palavras, nota que nelas primeiro se diz levantaram-se, e depois filhos . E isso porque, diz ele, não se pode ser filho de Maria quem não procura primeiro levantar-se da culpa em que está caído. Os filhos de Maria, escreve Ricardo, imitam-lhe a pureza, a humildade, a mansidão, a misericórdia. Mas como ousará chamar-lhe filho de Maria que tanto a desgosta com sua má vida?

É amaldiçoado de Deus o que aflige sua mãe, diz o Espírito Santo (Eclo 3,18). Sua mãe, isto é, Maria, comenta Ricardo. Deus amaldiçoa quem com sua má vida e ainda mais com sua obstinação aflige essa boa Mãe.


VIDA E DOÇURA NOSSA


1.  A oração de Maria obtêm-nos a graça da justificação

Para exata compreensão da razão da razão por que a Santa Igreja nos ordena que chamemos a Maria nossa vida, é necessário saber que, assim como a alma dá vida ao corpo, assim também a graça divina dá vida à alma. Uma alma sem graça divina só tem nome de viva, mas na realidade está morta, como foi dito àquele bispo no Apocalipse: Tens reputação de que vives, mas está morto (Ap 3,1). Obtendo Maria por meio de sua intercessão a graça aos pecadores, deste modo lhes dá a vida. Ouçamos as palavras que a Igreja lhe põe na boca, aplicando-lhe a passagem dos Provérbios: Os que vigiam desde manhã por que me buscam, achar-me-ão (8:17). Os que recorrem a mim dede manhã, isto é, sem demora, certamente me acharão. Ou, segundo a tradução grega: acharão a graça. De modo que recorrer a Maria é recorrer a graça de Deus. Lemos por isso pouco depois: Quem me encontra, encontra a vida e receberá do Senhor a salvação (Pr 8:35). Ouvi-lo, vós que procurais o reino de Deus, exclamou São Boaventura, honrai a Santíssima Virgem Maria e achareis a vida juntamente com a eterna salvação.

Exorta-nos São Bernardo: Procuremos a graça, mas procuremos por meio de Maria. Para nossa consolação declarou-o São Gabriel Arcanjo, quando disse à Virgem: Não temas, Maria, pois achastes graça diante de Deus (Lc 1:30).

Mas, se Maria nunca se vira privada de graça, como podia dizer o anjo que a tinha achado? Só se pode achar uma coisa que se perdeu. A Virgem, entretanto, sempre esteve com Deus e não só em graça, mais cheia de graça, como o mesmo arcanjo manifestou, quando, ao saudá-la lhe disse: Ave, Maria, cheia de graça; o Senhor é contigo...


2. Devem os pecadores procurar com Maria a graça de Deus

Logo, se Maria não achou a graça para si, porque sempre dela esteve cheia, para quem achou? Responde o Cardeal Hugo: Achou-a para os pecadores que a tinham perdido. Corram, pois, a Maria os pecadores que perderam a graça, porque em seu poder acharão certamente, continua esse escritor: Senhora, a coisa achada deve-se restituir a quem perdeu; aquela graça que vós achastes, não é vossa, porque nunca a perdeste; é nossa, porque a perdemos, por isso no-la devemos restituir.

Cantou Maria no Magnificat: Eis que já desde agora me chamarão bem-aventurada todas as gerações (Lc 1:48). “Sim Senhora minha – acode São Bernardo – todos os vossos servos alcançam por vossa intercessão a vida graça e a glória eterna.


3. Sem Maria não alcançamos a graça da perseverança

A perseverança final é um dom divino tão grande, que, como disse o Concílio de Trento, é um dom de todo gratuito que por nada podemos merecer. Contudo santo Agostinho diz que alcançam de Deus a perseverança todos aqueles que lha pedem. Esta mesma graça promete a todos aqueles que fielmente a servem nesta vida. “Os que agem por mim não pecarão; aqueles que me esclarecem, terão a vida eterna” (Eclo 24:30).

Por nossa conservação na vida da divina graça, é-nos necessária a fortaleza espiritual que nos leva a resistir a todos os inimigos da salvação. Ora, esta fortaleza só por meio de Maria se alcança.

“Minha é a fortaleza; por mim reinam os reis” (Pr 8:14). Minha é esta fortaleza, diz Maria; Deus depositou em minhas mãos este dom, para que eu o conceda aos meus devotos servos. “Por mim reinam os reis”, por meu intermédio reinam os meus servos, e dominam sobre todos os meus sentidos e paixões, e assim dignos se tornam um reino eterno no céu.

A Santíssima Virgem é por isso chamada plátano. “Eu me elevei como o plátano à borda d’água, nos caminhos”. (Eclo 24:19). Diz o Cardeal Hugo que as folhas do plátano são semelhantes a um escudo. Assim explica a proteção de Maria para com aqueles que a ela se acolhem.


4. Por intermédio de Maria obtemos a graça da perseverança

Aplicam os Santos Doutores a Maria as palavras do Eclesiástico: Suas cadeias são ataduras de salvação (6,31). Mas cadeias por quê?, pergunta Ricardo de São Lourenço. Porque Maria prende os seus servos, para que não se desviem pela estrada dos vícios.

Oh! Se todos os homens amassem essa tão benigna e amorosa Senhora, e se nas tentações sempre e sem demora recorressem ao seu patrocínio quem cairia jamais? Cai e perece só quem não recorre a Maria.



DOÇURA NOSSA, SALVE


1. Maria é nosso conforto na morte

“Aquele que é amigo o é em todo o tempo; e nos transes apertados conhece-se o irmão”(Pr 17:17). Os amigos verdadeiros e os verdadeiros parentes não se conhecem no tempo de prosperidades, mas sim nos das angústias e das desventuras. Os amigos do mundo não deixam o amigo, enquanto está em prosperidade. Mas o abandonam imediatamente, se lhe acontece uma desgraça ou dele se avizinha a morte.  Tal não é o procedimento de Maria com seus devotos. Nas suas angústias e especialmente na hora da morte, que de todas são as piores, essa boa Senhora e Mãe não abandonou seus fiéis servos. Por isso a Santa Igreja manda rogar à bem-aventurada Virgem: Rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte.

Muito grandes são as angústias dos pobres moribundos, já pelo remorso dos pecados cometidos, já pelo horror do juízo próximo, já pela incerteza da salvação eterna. “O demônio desceu a vós cheio de uma grande ira, sabendo que pouco tempo lhe resta”. Costumado a tentar durante a vida, não se contenta de ser ele só que tenta na morte, mas chama companheiros para o ajudarem. Encher-se-ão as suas casas (de Babilônia) com dragões” (Is 14:21).

Ah! Como fogem os demônios à presença de Nossa Senhora! Se na hora da morte tivermos Maria a nosso favor, que podemos recear do inferno? Reanimava-se Davi para as terríveis angústias de sua morte, pondo sua confiança na morte do futuro Redentor e na intercessão da Virgem Mãe. “Pois ainda quando andar no meio da sombra da morte, não temerei males; porquanto tu estás comigo. A tua vara e o teu báculo, eles me consolam.” (Sl 22: 4-5). Pelo báculo, explica Cardeal Hugo, o lenho da cruz e pela vara a intercessão de Maria, que foi a vara profetizada por Isaías (11:1).


2. Maria é nosso auxílio no tribunal divino

Quando uma alma está para sair dessa vida, diz Isaías, se conturba o inferno todo e manda os demônios mais terríveis tentá-la antes de sair do corpo e depois acusá-la, quando se apresentar ao tribunal de Jesus Cristo. “O inferno via-se lá embaixo à tua chegada todo turbado, e diante de ti levanta gigantes” (Is 14:9). Mas Ricardo diz que demônios, em se tratando de uma alma patrocinada por Maria, não terão atrevimento para acusá-la. Pois sabem muito bem que o Juiz nunca condenou, nem condenará jamais, uma alma patrocinada por sua Grande Mãe. E isto se conforma com que a mesma Santíssima Virgem disse a Santa Brígida, referindo-se a seus devotos moribundos: Na hora da morte dos meus servos eu venho, como Senhora e Mãe amantíssimas deles, e lhes trago consolo e alívio.

Seus vínculos são uma atadura de salvação – e nela acharás tu no fim o teu descanso (Eclo 6: 29-31). Feliz de ti, meu irmão, se na hora da morte te achares preso pelas doces cadeias do amor à mãe de Deus.


ESPERANÇA NOSSA , SALVE


1. Maria é a esperança de todos os homens

Não suporta os hereges modernos que nós saudemos e  chamemos a Maria nossa esperança. Dizem que só Deus é nossa esperança, e que ele amaldiçoa quem põe sua confiança na criatura. “Maldito o homem que confia no homem” (Jr 17,5). Maria é criatura objetam eles; como, pois, uma criatura há de ser a nossa esperança? Isto dizem os hereges.

De dois modos, diz o Angélico São Tomás, podemos pôr nossa esperança numa pessoa, como causa principal ou como causa mediante. Quem deseja obter do rei uma graça, espera alcança-la do rei como soberano senhor, e espera obtê-la do seu ministro, como intercessor. No último caso a graça concedida veio do rei, mas por intermédio do seu ministro. Portanto, quem pretende a graça com razão chama aquele seu intercessor a sua esperança. Por  ser de infinita bondade, sumamente deseja o Rei do céu enriquecer-nos com suas graças. Mas porque para tanto é necessária da nossa parte a confiança, deu-nos o Senhor, para aumentá-la, sua própria Mãe por advogada e intercessora, e concedeu-lhe plenos poderes a fim de nos valer. Sem dúvida são amaldiçoados pelo Senhor, como diz Jeremias, aqueles que põem sua confiança na criatura unicamente. Tal é os pecadores que, em troca da amizade e dos préstimos de um homem, não se incomodam de ofender a Deus.

Motivo tem, pois, a Igreja em aplicar a Maria as palavras do Eclesiástico (24,24), com as quais vos chama a Mãe da santa esperança, Mãe que faz nascer em nós, não a esperança vã dos bens transitórios desta vida, mas a santa esperança dos bens imensos e eternos da vida bem-aventurada.

Ordenou o Senhor a Moisés que fizesse de ouro puríssimo o propiciatório, dizendo que daí lhe queria falar: Farás, outrossim, um propiciatório de finíssimo ouro... daí é que eu te darei minha ordens e te falarei (Ex 25, 17 e 22). Para Pacciucchelli, Maria é este propiciatório de onde o Senhor fala aos homens e concede-nos o perdão, a graça e todos os seus demais dons. Por isso foi que o Verbo Divino, antes de encarnar-se no seio de Maria, mandou o arcanjo pedir-lhe o consentimento; pois Deus queria que a ela ficasse o mundo devendo o mistério da Encarnação.


2. Maria é esperança de todos

Santo Antonino aplica a Maria estas palavras da Sabedoria (7, 11): Juntamente com ela me vieram todos os bens. Já que Maria é a Mãe e a dispensadora de todos os bens, diz ele, bem se pode afirmar que todos os homens, especialmente os que vivem no mundo como devotos desta Soberana, juntamente com a devoção de Maria adquiriram todos os bens. Ela própria nos faz cientes de ter  consigo todas as opulências de Deus, isto é, as divinas misericórdias, para dispensá-las aos que a amam. “Comigo estão riquezas... a magnífica opulência... para enriquecer os que me amam” (Pr 8: 18-21).

Oh! Quantos soberbos, com devoção a Maria, acharam humildade; quantos coléricos, a mansidão; quantos cegos, a luz; quantos desviados, a salvação! E isto mesmo o profetizou ela, quando proferiu na casa de Isabel aquele seu sublime cântico: Eis que já desde agora todas as gerações me chamarão de bem-aventurada (Lc 1:48).

Louvada seja, pois, a bendita a imensa bondade de nosso Deus, que nos concedeu esta excelsa Mãe e advogada tão terna e amorosa!


3. Maria é a esperança dos pecadores

Depois que Deus criou a terra, criou também dois luzeiros. Um maior, isto é, o sol, para que iluminasse o dia. Outro menor, isto é, a lua, para que brilhasse à noite (Gn 1:16). O sol, diz o Cardeal Hugo, é a figura de Jesus Cristo, de cuja luz gozam os justos que vivem no dia da divina graça. A lua é a figura de Maria, por meio da qual são iluminados os pecadores que vivem nas trevas do pecado. Já que Maria é esta lua propícia aos miseráveis pecadores, se algum miserável, diz Inocêncio III, se acha imerso nesta noite de culpa, que há de fazer? Aquele que perdeu a luz do sol, perdendo a divina graça, volte-se para a lua, faça oração a Maria; dela receberá luz para conhecer a miséria do seu estado e força para deixá-lo imediatamente.

Um dos títulos com que a Santa Igreja saúda Maria, e que muito anima os pobres pecadores, é aquele da ladainha: Refúgio dos pecadores.

Havia na Judeia, outrora, cidades de refúgio, nas quais os culpados podiam abrigar-se e ficavam a salvo das penas merecidas. Agora já não há cidades de refúgio como antigamente. Só há uma que é Maria Santíssima, da qual foi dito: Coisas gloriosas se têm dito de ti, ó cidade de Deus (Sl 86:3). Só existe uma diferença. Nas cidades antigas de refúgio não havia asilo para todos os culpados, nem para toda sorte de delitos, enquanto que sob o manto de Maria acham refúgio para todos os pecadores de todo tipo de delito. Só se exige que a ela se recorra. “Ajuntai-vos e entremos na cidade fortificada e guardemos aí silêncio” (Jr 8:14). Esta cidade fortificada, explica Santo Alberto Magno, é a Santíssima Virgem fortificada em graça e glória. E isto precisamente Davi queria dizer com as palavras: Ele me põe a coberto no escondido do seu tabernáculo (Sl 26:5). E quem é este tabernáculo de Deus, senão Maria, como chama André de Creta? “Tabernáculo feito por Deus, em que só Deus entrou para cumprir os grandes mistérios da Redenção”.

É Maria comparada ao plátano: Eu cresci como plátano (Eclo 24:14). A isso bem atendem os pecadores. O plátano oferece agasalho ao viandante que em sua sombra pode repousar, livres dos raios do sol. Também Maria, quando vê acesa contra eles a ira da divina justiça, os convida a refugiarem-se à sombra da sua proteção. Lamentava-se o profeta Isaías em seu tempo, dizendo: “Eis aí está que tu te iraste, Senhor, porque nós pecamos...; não há quem se levante e te detenha” (64: 5-7). Assim gemia o profeta, diz Conrado da Saxônia, porque então Maria ainda não era nascida. Mas agora, se deus está irado contra qualquer pecador e Maria toma à sua conta protegê-lo, ela detém o Filho, para que não o castigue e salva-o. Ninguém há, continua Conrado, mais apto do que ela para suspender a espada da divina justiça, para que não descarregue o golpe sobre os pecadores. Sobre esse mesmo pensamento, diz Ricardo de São Lourenço que Deus, antes de no mundo existir Maria, se queixava de não haver quem o impedisse de punir os pecadores; mas agora é Maria quem o aplaca.


4. Maria é, as vezes, a última esperança dos pecadores

Lê-se no livro de Rute (2:3) que Booz permitiu a uma mulher por nome Rute respigar, indo atrás dos segadores. Aqui sugere Conrado da saxônia: Como Rute achou graça aos olhos de Booz, assim Maria achou graça diante de Deus, para recolher as espigas abandonadas pelos segadores.

Esses últimos são os operários evangélicos, os missionários, os pregadores, os confessores, que coma as suas fadigas continuamente colhem e amealham almas para Deus. Almas há, porém, rebeldes e obstinadas que são abandonadas por eles. Só a Maria é dado salvar, por sua poderosa intercessão, essas espigas largadas ao campo.

É, pois, com razão, que São João Damasceno vos saúda como esperança dos desamparados. Co razão vos chama São Lourenço Justiniano esperança dos delinquentes; e Pseudo-Agostinho, único refúgio dos pecadores. Em vós, pois, espere quem se desespera.


A VÓZ BRADAMOS, OS DEGREDADOS FILHOS DE EVA


1. Da prontidão de Maria em socorrer os que a invocam

Como pobres filhos da infortunada Eva, somos réus da mesma culpa e condenados à mesma pena. Andamos errando por este vale de lágrimas, exilados de nossa pátria, chorando por tantas dores que afligem no corpo e no espírito. Feliz, porém, aquele que por entre tais misérias se dirige muitas vezes à consoladora do mundo, ao refúgio dos pecadores, à grande Mãe de Deus. Bem-aventurado o homem que me ouve e que vela todos os dias à entrada da minha casa (Pr 8,34). Bem-aventurado, diz Maria, quem ouve meus conselhos e permanece constantemente à porta de minha misericórdia, invocando minha intercessão e meu auxílio.

Por isso, em todas as calamidades públicas, a Santa Igreja sempre quer que se recorra a divina Mãe com novenas, com orações, com procissões e visitas às suas igrejas e imagens. Procura, na frase de São Boaventura, os que dela se aproximam devota e reverentemente; ama-os, nutre-os, aceita-os por filhos.


2. Maria ajuda pronta e alegremente

Para o mesmo Santo, Rute foi figura de Maria. Pois, seu nome significa “aquela que vê e se apressa”. Vendo Maria nossas misérias, se apressa a fim de nos socorrer com a sua misericórdia.

Oh! Como é pronta esta boa Mãe para valer a quem a invoca! Explicando a passagem dos Cânticos (4:5), diz Ricardo de São Lourenço que Maria é tão veloz em exercer misericórdia para com quem lha pede. O mesmo autor assevera-nos que a compaixão de Maria se derrama sobre quem a pede, ainda que não mendeiem outras orações mais que a de uma breve Ave-Maria.

E com isso ficamos entendendo quem seja aquela mulher do Apocalipse (12:14), a quem se deram duas grandes asas de águia para voar ao deserto. Nelas vê Ribeira o amor que Maria se eleva sempre a Deus. Mas o beato Amadeu diz que estas asas de águia significa a presteza com que Maria, vencendo a velocidade dos serafins, socorre os seus filhos.

A isso corresponde também ao que lemos no Evangelho de São Lucas. Quando Maria foi visitar Santa Isabel e cumular de graças aquela família inteira, não fez a viagem com vagar, mas si com presteza: E naqueles dias, levantando-se, Maria foi com presteza às montanhas (Lc 1:39).

É tal a compaixão desta boa Mãe, e tanto o amor que nos consagra, que nem espera por nossas orações. “Ela se antecipa aos que a desejam” (Sb 6:14).

Esta grande compaixão de Maria para com nossas misérias a leva a nos socorrer e consolar, mesmo quando, mesmo quando não a invocamos. É o que nos mostrou durante sua vida, nas bodas de Caná (Jo 2:3). A seus compassivos olhos não escapou  o embaraço dos esposos que, aflitos e vexados, perceberam a falta do vinho à mesa dos convidados. Sem ser rogada, movida somente por seu piedoso coração incapaz de  assistir indiferente à aflição de outros, pediu Maria a seu Filho que consolasse a família. Fê-lo, expondo-lhe com singeleza a necessidade em que estava, dizendo: Eles não têm vinho. Então o Senhor, para valer àquela família e mais ainda para contentar o compassivo coração de sua Mãe que o desejava, operou o milagre de mudar em vinho a água das talhas.


3. O demônio tem medo da Mãe de Deus

Já desde o princípio do mundo tinha Deus predito à serpente infernal a vitória e o império que sobre ela obteria nossa Rainha. “Eu porei amizade entre ti e a mulher; ela te esmagará a cabeça” (Gn 3:16). Mas que foi esta mulher, sua inimiga senão Maria, que com sua humildade e santa virtude sempre venceu e abateu as forças de Satanás, como atesta São Cipriano? È para se notar que Deus falou “eu porei” e não “eu ponho” inimizade entre ti e a mulher. Isto faz para mostrar que a sua vencedora não era Eva, que já então vivia, mas uma sua descendente. Duvidam alguns se estas palavras se referem a Maria ou a Jesus Cristo, por que os Setenta (nome dado aos 70 Judeus que traduziram a Sagrada Escritura, do hebraico para o grego) traduzem autós,isto é, ele esmagará tua cabeça. Mas em nossa Vulgata (única versão da sagrada escritura aprovada pelo Concílio de Trento) lê-se ipsa, ela, e não ipse, ele. Mas como quiserem, é certo que, ou o Filho por meio da Mãe ou a Mãe por virtude do Filho, venceu a Lúcifer. Diz São Bruno de Segni que Eva, vencida pela serpente, nos trouxe a morte e as trevas. Maria, porém, vencendo o demônio, nos trouxe a vida e a luz. Daí vem Maria chamada “terrível como um exército em campo de batalha” (Ct 6:3). Pois sabe ordenar bem o seu poder, a sua misericórdia e os seus rogos para a confusão dos inimigos e benefícios dos seus servos, que nas tentações invocam o seu poderosíssimo nome.

Por meio da arca os israelitas obtinham suas vitórias nos combates. Graças a ela triunfaram de seus inimigos! (Nm 10,35). Assim foi tomada Jericó, assim foram desbaratados os filisteus, porque a arca de Deus estava naquele dia com os filhos de Israel (1RS 14:18). Como se sabe, era a arca prefiguração de Maria. Assim como na arca estava o maná, observa Cornélio Lápide, no seio de Maria estava Jesus, de quem o maná foi prefiguração. Isto motiva as palavras de São Bernardino de Sena: Quando Maria, arca do Novo Testamento, foi exultada nos céus como Rainha, ficou abatido o poder do demônio sobre o homem.

Para confirmar o que dizemos, sirva uma revelação feita a Santa Brígida. Deus concedeu a Maria um poder muito grande sobre todos os demônios. Sempre que eles atacam algum devoto da Virgem, e este a invoca em seu auxílio, basta um aceno de Maria para que fujam aterrorizados. Preferem até ver redobrados os seus suplícios a sentirem-se dominados pelo poder de Maria.


4. O demônio tem medo até do nome da Mãe de Deus

Oh! Como tremem os demônios, afirma São Bernardo, só com ouvir pronunciar o nome de Maria! Os homens são atirados ao chão, se ao lado lhes cai um raio. Assim também, diz Tomás de Kempis, são abatidos os demônios logo que ouvem o nome de Maria.

Se os cristãos nas tentações tivessem cuidado de proferir com devoção e confiança o no me de Maria, é certo que não cairiam nelas. A mesma senhora revelou a Santa Brígida que até dos pecadores mais perdidos, mais afastados de Deus, e mais possuídos do demônio, se aparta este inimigo, logo quando sente que eles, com verdadeira vontade de emenda, invocam o seu poderosíssimo nome. Mas, acrescentou a santíssima Virgem, se a alma não se emenda e não apaga seus pecados nas lágrimas do arrependimento, os demônios sem demora voltam e dela tomam conta.


A VÓS SUSPIRAMOS GEMENDO E CHORANDO NESTE VALE DE LÁGRIMAS


1. Necessidade de intercessão de Maria e dos Santos

É a invocação e veneração dos santos, particularmente a de Maria, Rainha dos santos, uma prática não só lícita senão útil e santa. Pois procuramos por meio dela obter a graça divina. Esta verdade é de fé, estabelecida pelos Concílios contra os hereges que a condenam como injúria feita a Jesus Cristo, nosso único medianeiro. Mas se depois da Morte, um Jeremias reza por Jerusalém; se os anciãos do Apocalipse apresentam a Deus as orações dos santos; se são Paulo promete a seus discípulos lembrar-se deles depois da morte; em suma, podem os santos rogar por nós, por que não poderíamos nós, por nossa vez, rogar-lhes para que intercedam por nós?

Que seja Jesus Cristo único Mediador de justiça a reconciliar-nos com Deus, pelos seus merecimentos, quem o nega? Não obstante isso, compraz-se Deus em conceder-nos suas graças pela intercessão dos santos e especialmente de Maria, sua Mãe, a quem tanto deseja Jesus ver amada e honrada.

Seria impiedade negar semelhante verdade. Quem ignora a honra prestada às mães redunda em glória para os filhos? Os pais são as glórias dos filhos, lemos nos Provérbios (17:6).


2. Em que sentido nos é necessária a intercessão de Maria

Que o recorrer, pois, à intercessão de Maria Santíssima seja coisa utilíssima e santa, só podem duvidar os que são faltos de fé. A origem desta necessidade está na própria vontade de Deus, o qual pelas mãos de Maria quer que passem todas as graças que nos dispensa.

Da mesma opinião é também Contenson, como se vê do seu comentário às palavras de Jesus, dirigidas a São João, do alto da cruz: Ninguém terá parte do meu sangue, senão pela intercessão de Maria. Minhas chagas são fontes de graças, mas só por meio de Maria correrão até aos homens. Tanto por mim serás amado, João, meu discípulo, quanto amares minha Mãe (João 19:26).

Confessamos também que Maria não é mais que pura criatura e que, quando obtém, tudo recebe de Deus gratuitamente. Mais que todas as outras, esta sublime criatura na terra também o honrou e amou, sendo por ele escolhida para Mãe de seu filho, o Salvador do mundo. Querendo exaltá-la de um modo extraordinário, determinou por isso o Senhor que por suas mãos hajam de passar e sejam concedidas todas as mercês dispensadas às almas remidas. Não há dúvida que, confessamos que Jesus Cristo é o único medianeiro de justiça, porque por seus méritos nos obtém a graça e a salvação. Mas ajuntemos que Maria é medianeira de graças, e como tal pede por nós em nome de Cristo e tudo nos alcança por méritos dele. Nas festas da Santíssima Virgem aplica-lhe  no ofício palavras dos Livros da Sabedoria e assim nos dá a entender que nela acharemos toda esperança. “Em mim há toda a esperança da vida e da virtude” (Eclo 24:25). “Quem me acha, achará a vida e haurirá do Senhor a salvação” (Pr 8:35).

São Bernardo faz uma profunda reflexão, acrescentando: Antes do nascimento da santíssima Virgem, não existia para todos essa torrente de graças, porque não havia ainda esse desejo aqueduto: Maria foi dada ao mundo – continua ele – a fim de que por seu intermédio, como por um canal, até nós corresse sem cessar a torrentes das graças divinas.

Que lhe arrebentassem os aquedutos, foi ordem dada por Holofernes para tomar a cidade de Betúlia (Jt 7:6). Assim o demônio envida todos os esforços para acabar com a devoção à Mãe de Deus nas almas. Pois, cortado esse canal de graças, mui fácil se lhe torna a conquista.

Pelo mesmo motivo chama-lhe a Igreja “porta do céu”. Como todo indulto do rei passa pela porta de seu palácio, observa São Bernardo, assim também graça nenhuma desce do céu á terra sem passar pelas mãos de Maria. Ajunta São Boaventura que Maria é chamada porta do céu porque ninguém pode entrar no céu senão pela porta, que é Maria.

À encarnação do Verbo e sua Mãe santíssima refere-se a passagem de Jeremias (31:22): “Uma mulher circuncidará a um homem”. Certo autor explica exatamente no mesmo sentido estas palavras: Nenhuma linha pode sair do centro de um círculo sem passar primeiro pela circunferência. Assim de Jesus, que é o centro, graça alguma chega até nós sem passar por Maria, que o encerra, desde que o recebeu em seu puríssimo seio.

Lê-se no profeta Isaías (11:1) que da raiz de Jessé sairia uma haste, isto é Maria, e dela, uma flor, isto é, o Verbo Encarnado. Sobre essa passagem tece Conrado da Saxônia este belo comentário: “Todo aquele que desejar obter a graça do Espírito Santo, busque em sua haste, isto é, Jesus em Maria.


3. A necessidade da intercessão de Maria provém da sua cooperação na Redenção

Santo Alberto chamou a Maria cooperadora da redenção. Maria é chamada cooperadora de nossa justificação, diz Bernardino de Busti, porque Deus lhe entregou as graças todas que nos quer dispensar.

Garante-nos  Jesus Cristo que ninguém pode vir a ele, a não ser que o Pai o traga. “Ninguém pode vir a mim, se o Pai o não atrair” (Jo 6:44). O mesmo também, no sentir de Ricardo de São Lourenço, diz Jesus de sua Mãe. Jesus foi o fruto de Maria, como disse Santa Isabel (Lc 1:42). Quem quer o fruto deve também querer a árvore. Vendo Santa Isabel a Santíssima Virgem que a fora visitar em sua casa, e não sabendo como agradecer, exclamou cheia de humildade: E donde a mim está dita, que venha visitar-me a Mãe a Mãe de meu Senhor? (Lc 1:43). Por que pois, se declara indigna de receber a Mãe, em vez de confessar-se indigna de ver o Filho vir ao seu encontro? Ah! é porque bem entendia a Santa que Maria vem sempre com Jesus e que, portanto, lhe bastava agradecer à Mãe sem nomear o Filho.

Como só por meio de Jesus Cristo temos acesso junto ao Pai Eterno, igualmente, observa São Bernardo, só por meio de Maria temos acesso junto a Jesus Cristo. E tal resolução de Deus, isto é, que sejamos salvos por intermédio de Maria, dá o Santo este belo motivo: por meio de Maria receba-nos aquele Salvador, que por meio dela nos foi dado! Dá-lhe, por isso, o nome de Mãe da graça e da nossa salvação.


EIA, POIS, ADVOGADA NOSSA


1.  Maria é todo-poderosa junto de Deus

Tão grande é uma mãe, que nunca pode tornar-se súdita de seu filho, ainda que ele seja monarca e tenha domínio sobre todas as pessoas do seu reino. É verdade, sentado agora à direita de Deus Pai, no céu, reina Jesus e tem supremo domínio sobre todas as criaturas e também sobre Maria. Todavia, é também certo que Nosso Redentor, quando vivia na terra, quis humilhar-se a ponto de ser submisso a Maria. “E lhes estava sujeito” (Lc 2:51). Sim, desde que Jesus Cristo se dignou escolher Maria por Mãe, estava como Filho realmente obrigado a obedecer-lhe, diz Santo Ambrósio.

Daí concluímos que são as súplicas de Maria eficacíssimas para obterem tudo quanto ela pede, ainda que não possa dar ordens a seu Filho no céu. Pois seus rogos sempre são rogos de Mãe. Assim quer Jesus honrar sua Mãe, que tanto honrou em vida, prontamente concedendo-lhe tudo que ela deseja. Belamente São Germano nas suas palavras dirigidas à Virgem: Sois onipotente, ó Mãe de Deus, para salvar os pecadores; não precisais de recomendação alguma junto de Deus, pois que sois a Mãe da verdadeira vida.

Não receia São Bernardino de Sena concordar com a sentença de que “ao império de Maria todos estão sujeitos, até o próprio Deus”. Isto é, Deus lhe atende os rogos como se fossem ordens.

Contudo, sempre será verdade que o Filho é onipotente por sua natureza e a Mãe o é por graça.


2. Maria é toda bondade para com os homens

Enquanto Maria Viveu na terra, seu constante pensamento, depois da glória de Deus, era ajudar os necessitados. Sabemos que desde então já gozava o privilégio de ser ouvida em tudo o que pedia. Haja vista o que se passou em Caná na Galileia. Veio a faltar o vinho, com vexame e contratempo então para os esposos. Cheia de compaixão, a Santíssima Virgem pediu ao Filho que o consolasse com um milagre: Eles não têm vinho (Jo 2:3). Respondeu-lhe Jesus: “Que há entre mim e ti, mulher? A minha hora não chegou”. Note-se que aparentemente o Senhor sonegou a graça desejada por sua Mãe, com as palavras acima citadas: Que importa a mim e a ti essa falta de vinho? Por enquanto não convém fazer um milagre, cuja hora ainda não soou. Contudo, Maria, como se o Filho tivesse a atendido, disse aos criados: “Fazei tudo o que ela vos disser!” E com efeito, Jesus Cristo, para dar gosto a Maria mudou a água em ótimo vinho. Mas como assim? Se o tempo prefixado para os milagres era o da pregação, como é que, mudando a água em vinho, antecipou Jesus os decretos divinos? A isso respondemos que nada houve de encontro aos decretos divinos. Já desde a eternidade havia Deus estabelecido que jamais rejeitaria um pedido de sua Mãe.


3. O grande poder de Maria funda-se na dignidade de Mãe de Deus

Somos todos devedores a Deus de quanto possuímos, pois que tudo são dons de sua bondade. Só de vós quis o próprio Deus tornar-se devedor, encarnando-se e em vosso seio fazendo-se homem. Maria mereceu dar um corpo humano ao Divino Verbo, desse modo apresentando o preço da redenção para nossas almas. Por isso mais que todas as criaturas é ela poderosa para nos ajudar e obter a salvação eterna.

A consideração do grande e divino benefício, pelo qual temos Maria por advogada, leva São Boaventura a exclamar, e com ele terminamos: Ó bondade certamente imensa e admirável de nosso Deus! A vós, Senhora, quis ele nos dar por advogada para que, a vosso arbítrio, tudo nos obtivesse vossa poderosa intercessão.


A NÓS VOLVEI ESSES VOSSOS OLHOS MISERICORDIOSOS


Santo Epifânio chama a divina Mãe de onividente, pois, como Mãe desvelada, é toda olhos para atender às nossas misérias na terra e aliviá-las. Justamente, por melhor ajudar os miseráveis é que se rejubila com sua grandeza. Em vista disso, aplica-lhe Conrado da Saxônia as palavras de Booz a Rute: Filha, bendita sejas do Senhor, que excedeste a tua primeira bondade com esta de agora (Rt 3:10).

Quando se dizem devotamente à Santíssima Virgem estas palavras: “Eia, pois, advogada nossa, a nós volvei esses vossos olhos misericordiosos”, não pode Maria deixar de volver os olhos para quem a invoca.


1. Para todos é Maria um trono de misericórdia

Predissera o profeta Isaías que pela grande obra da redenção nos devia ser preparado um sólio de misericórdia. “E será estabelecido um sólio em misericórdia” (16:5). Mas qual é esse sólio? É Maria, na qual acham confortos de misericórdia, não só os justos, mas também os pecadores, responde Conrado de Saxônia.

Se por causa de nossos pecados, nos invadir a desconfiança, digamos com Guilherme de Paris: Ó Senhora minha, não me lanceis em rosto meus pecados, porque lhes oporei vossa grande misericórdia. Jamais se diga que minhas culpas puderam contrabalançar no juízo a vossa misericórdia. Pois esta é muito mais eficaz para obter-me o perdão, que todos os meus pecados para valerem-me a condenação.


E DEPOIS DESTE DESTERRO, MOSTRAI-NOS JESUS, BENDITO FRUTO DO VOSSO VENTRE


1. Maria livra do inferno os seus devotos

É impossível que se perca um devoto de Maria, que fielmente a serve e a ela se encomenda. Á primeira vista talvez pareça um tanto ousada esta proposição. Não me refiro àqueles que buscam dessa  para pecarem com menos temor . Falo tão somente daqueles que, ao desejo de emenda, unem a perseverança de agradá-la. Quanto a estes, repito, é moralmente impossível que se percam.


2. A devoção a Maria é penhor de eterna bem-aventurança

É impossível salvar-se quem  não é devoto de Maria e não vive sob a sua proteção, diz Santo Anselmo, e também é impossível que se condene quem se encomenda a Virgem, e por ela é olhado com amor. A mesma coisa asseveram outros como Santo Alberto Magno: Todos que não são vossos servos hão de perder-se, ó Maria. E são Boaventura: Aquele que se descuida de servir à Santíssima Virgem morrerá em pecado. E disse Pseudo-Inácio, mártir, afirmando que não pode salvar-se um pecador por meio da Santa Virgem, cuja misericordiosa intercessão salva muitíssimos que deveriam ser condenados pela justiça. É nesse sentido que a Igreja aplica esta passagem  dos Provérbios (8:36): Todos os que me odeiam amam a morte eterna.

Foi revelado a Santa Catarina de Sena, como atesta Luís Blósio, que Deus concedera a Maria, em consideração a seu unigênito, graça de não cair presa do inferno pecador algum que a ela se recomendar devotamente. O próprio profeta Davi pedia ao Senhor que o livrasse pelo amor que tinha à honra de Maria: Senhor, eu amei o decoro da vossa casa...; não percais com os ímpios a minha alma (Sl 25:8).

Diz “vossa casa”, porque Maria foi certamente aquela casa que o próprio Deus se preparou na terra para sua habitação, e onde ao fazer-se homem achou seu repouso. Assim está escrito nos Provérbios (9:1): A sabedoria edificou para si uma casa.

Isto não deve servir para autorizar a temeridade doas que vivem em pecado, confiados de que Maria os haja de livrar do inferno, ainda que morram impenitentes. Loucura seria arriscar-se alguém a morrer no pecado, presumindo que a Santíssima Virgem o preservará do inferno.


3. Maria livra as almas do purgatório

Mas a Santíssima Virgem não só favorece e consola os seus devotos, como também os tira e livra do purgatório com a sua intercessão.

Conhecidíssima é a promessa que Maria fez ao Papa João XXII. Apareceu-lhe um dia e lhe ordenou fizesse saber a todos aqueles que trouxesse um escapulário do Carmo que seriam livres do purgatório no primeiro sábado depois da morte. Fê-lo o Papa por uma Bula que publicou, e que depois foi confirmada Por Alexandre VII, Pio V, Gregório XIII e Paulo V. Este, no ano de 1613, na Bula então publicada assim disse: Pode o povo cristão piamente crer que a bem-aventurada Virgem ajudará com especial proteção, mesmo depois da morte, e principalmente no dia de sábado, consagrado pela Igreja à mesma Virgem, as almas dos irmãos da Confraria de Nossa Senhora do Carmo que morreram na graça de Deus. Como condição requer-se que tenham usado sempre o escapulário, recitando o Ofício da Virgem, ou, não podendo recitá-lo, tenham observado os jejuns da Igreja, abstendo-se de carne às quartas-feiras e aos sábados.


4. Pela devoção a Maria salvaram-se os bem-aventurados

Os servos de Maria tem um belíssimo sinal de predestinação. Para confortá-los, a Santa Igreja aplica à Mãe de Deus o texto do Eclesiástico: em todos estes busquei o descanso e assentarei a minha morada na herança do Senhor (24:14). O Cardeal Hugo comenta: Feliz daquele em cuja morada a Santíssima Virgem encontra o lugar de seu repouso.

Pseudo-Fulgêncio chama-a de escada do céu. Isso porque por meio dela desceu o Senhor do céu à terra, para que por ela os homens o merecessem subir da terra ao céu. E a este propósito lhe diz Santo Atanásio Sinaíta: Senhora, sois cheia de graça para serdes o caminho de nossa salvação e subida e a subida para a pátria celeste.


Ó CLEMENTE, Ó PIEDOSA


1. Maria é toda clemência e bondade

O autor dos Discursos sobre a Salve Rainha diz que Maria é a terra prometida pelo Senhor, na qual manava leite e mel. Em suma, tanta lhe é a piedade que, como diz o Abade Guerrico, seu amoroso não pode cessar um momento de ser misericordioso conosco.

E que outra coisa pode jorrar de uma fonte de piedade senão piedade? Pergunta São Bernardo. Por isso, Maria foi chamada “uma bela oliveira do campo” (Eclo 24:19). Como da oliveira só sai óleo, símbolo da misericórdia, também só graças e misericórdia, também só destilam as mãos de Maria.

Pobres de nós, sem essa Mãe de Misericórdia, tão atenta e tão prestadia em socorrer nossas misérias! Onde não há mulher – diz o Espírito Santo – geme e padece o enfermo (Eclo 36:27). A mulher é justamente Maria, conforme atesta São João Damasceno.


2. Particular clemência de Maria para com os pecadores

Ora sendo o espírito de Maria completamente semelhante a de seu Filho, não podemos pôr em dúvida seu natural compassivo. Por isso São João representa-a revestida de sol: Apareceu um grande sinal no céu; uma mulher revestida do sol (Ap 12:11). Comentando o trecho, diz São Bernardo à Virgem: Senhora, revestistes o Sol (Verbo Divino) da carne humana, mas ele vos revestiu também de seu poder e de sua misericórdia. Enérgicas e belas são as palavras de São Pedro Crisólogo: A excelsa Virgem hospedou Deus em seu ventre; em paga de tal hospitalidade dele exige a paz para o mundo, a salvação para os perdidos, a vida para os mortos.


Ó DOCE VIRGEM MARIA


Honório, santo anacoreta, dizia que o nome de Maria é cheio de divina doçura, e o glorioso Santo Antônio de Pádua nele achava tanta doçura quanto São Bernardino no de Jesus. O nome da Virgem Mãe, repetia ele, é a alegria para o coração, mel para a boca, melodia para o ouvido de seus devotos. No momento da Assunção da Senhora três vezes perguntaram-lhe os anjos pelo nome: Quem é esta que sobe pelo deserto, como uma varinha de fumo composta de aromas de mirra e de incenso? (Ct 3:6). Quem é essa que vai caminhando como aurora quando se levanta? (6:9)Quem é esta que sobe do deserto inundando delícias? (8:5). E para que lhe indagam com tanta insistência o nome? Pergunta Ricardo de São Lourenço. É para tê-lo o prazer de ouvi-lo mais vezes, tão suavemente lhes soavam os ouvidos.

Mas eu não falo aqui dessa doçura sensível, porque esta não se concede comumente a todos. Falo dessa salutar doçura de conforto, de amor, de alegria, de confiança, de fortaleza, que este nome de Maria ordinariamente dá àqueles que o pronuncia com devoção. Depois do nome de Jesus nenhum outro há no qual resida socorro e salvação para os homens, como no excelso nome de Maria. Especialíssima, como todos os sabem, é a sua força para vencer as tentações contra a castidade. Isso experimentam os devotos da Virgem, todos os dias. Semelhante pensamento deduz Ricardo das palavras de São Lucas: E o nome da Virgem era Maria (Lc 1:27). Fá-lo para nos dar a entender que o nome da puríssima Virgem é inseparável da castidade.

Desejais, por conseguinte, ser consolados em todos os trabalhos? Conclui Tomás de Kempis. Recorrei a Maria; invocai a Maria, a ela servi e recomendai-vos. Alegrai-vos com Maria, caminhai com Maria; com ela procurai a Jesus, e finalmente com Jesus e Maria aspirai a viver e morrer. Pois Maria se comprazerá em rogar por vós, e o Filho com certeza atenderá à sua Mãe.


Glórias de MariaSanto Afonso de Ligório

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