Há algo de desconcertante no debate que
se tem travado nos últimos dias sobre a ideologia do gênero que os
esquerdistas, aliados aos liberais, tentam impingir por todos os meios
às nossas crianças da rede pública de ensino, após o Congresso Nacional
ter recusado incluir no plano nacional de educação o vocabulário próprio
desse discurso insano sobre o homem.
Com efeito, alguns articulistas parecem
mais preocupados em denunciar a artimanha de que se valem os degenerados
em sua empreitada de promover a revolução dos costumes e valores como
uma violação das regras do jogo democrático do que em argumentar contra a
tal ideologia do gênero como uma ameaça à sobrevivência da humanidade e
uma gravíssima ofensa à ordem moral estabelecida pelo Criador. A
impressão que se tem é que o valor supremo, que querem defender de
qualquer ataque, de qualquer afronta é a democracia que se viu violada
pela estratégia empregada pelo governo federal, ficando relegados a
segundo plano a crítica e o combate à ideologia do gênero.
A esta lamentável insuficiência
discursiva acresce outro problema: a patente incapacidade de alguns
articulistas católicos de ver que há uma relação de causa e efeito entre
o democratismo moderno e a rápida e crescente degenerescência da
humanidade nos últimos anos desde quando a subcultura do democratismo,
do “inclusivismo” e do discurso antidiscriminação passou a predominar em
todos os âmbitos da sociedade.
Ora, é incontestável que a ideologia do
gênero é apenas um fruto sazonado desse jardim do democratismo, no qual
qualquer canalha atrevido, gozando da liberdade e da igualdade
asseguradas pela constituição “cidadã”, sem sentir-se vinculado a nada e
a ninguém a não ser à vontade própria, se julga soberano e a própria
lei, acima de todo o resto da sociedade, que deve “respeitar” seu
comportamento, porque cada um pode viver como quiser, com tal que não
perturbe a “ordem democrática” ou o “Estado democrático de direito”.
É evidente que a democracia laica,
fundada no dogma da soberania popular e inspirada pela nova religião
cientificista, tem de aprovar a ideologia do gênero. Está na lógica dos
seus princípios. A ideologia do gênero está em perfeita harmonia com a
ideologia democratista moderna na medida em que ambas advogam em favor
da soberania do indivíduo. É um grande equívoco pensar que a democracia é
o regime da lei que organiza a sociedade em vista do bem comum,
estabelecendo direitos e deveres dos homens segundo suas condições. A
verdade é que não temos nenhuma garantia jurídica; basta ver que o
Supremo Federal legisla, o Executivo atropela o Legislativo, e este
último só negocia seus próprios interesses. O resultado é que não há
autoridade política séria que governe a nação com prudência e conforme a
lei.
Dentro dessa triste realidade é uma
remata tolice querer, na luta contra a implantação da ideologia do
gênero, argumentar em defesa da legalidade democrática, não ousar
afrontar os sentimentos democráticos do homem moderno e deixar de
denunciar que a liberdade de “opção sexual”, o transexualismo, enfim a
ideologia do gênero, é um dos sintomas de uma patologia moderna ainda
maior chamada democratismo que fez do homem o Ser Supremo no lugar de
Deus Nosso Senhor Rei das Nações.
Se Deus não existe, ou se cada um
inventa o seu deus, se a sociedade não reconhece uma ordem moral
objetiva, porque o poder emana do povo, se a liberdade individual não
tem outro limite senão a própria conciliação dos arbítrios, é claro que
tem de haver não só eutanásia, aborto, “casamento” homossexual,
necrofilia, zoofilia, mas também mudança de “sexo”. Quem pode o mais
pode o menos. Quem pode a eutanásia, por que não pode também a mudança
de sexo? Se nas escolas se deve ensinar que a eutanásia é uma coisa
normal diante do sofrimento físico, por que não se poderá ensinar a
licença absoluta dos costumes?
Diante desse niilismo ético da
democracia moderna, que deriva do dogma da soberania popular e da
transmutação do dogma fora da Igreja não há salvação para o dogma fora
da democracia não há salvação, só há um remédio: os católicos declararem
um combate intrépido não só à ideologia do gênero, mas a sua causa
natural, o democratismo. Um combate doutrinário que esclareça o
verdadeiro sentido da política, como organização da cidade formada por
um conjunto de famílias e não simples soma de indivíduos soltos, como a
arte de promover o bem comum, a vida virtuosa em ordem ao fim último. É
preciso também deslindar o erro que se formou em torno da noção de
cultura e de sua relação com a natureza. Infelizmente, também neste
ponto há vários jornalistas católicos que não têm sabido explicar essa
questão ao tratar do erro da ideologia de gênero.
O fundamental, porém, é que se
desmascare o erro da religião moderna: a tentativa que se verifica,
desde o Vaticano II, de conciliar o inconciliável: a visão teocêntrica
e a visão antropocêntrica do mundo, a concepção do mundo fundada na lei
de Deus, na vontade de Deus, e a concepção do mundo em que o homem é
soberano, “cidadão”, uma concepção de mundo em que só o homem é rei e
Cristo, no máximo, será presidente por um mandato, sem direito à
reeleição, de uma república universal, eclética, em que todas as
religiões e indivíduos, sem nenhuma distinção, viverão como quiserem na
nova Babilônia. Não haverá mais homens e mulheres procedentes de
famílias e linhagens, mas só indivíduos. Só assim, não havendo mais
homens nem mulheres, mas só indivíduos, em pé de igualdade, haverá
liberdade absoluta. Sob a batuta do Anticristo, é claro.
Santa Maria das Vitórias
Santa Maria das Vitórias
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