Antigamente a Anunciação era considerada festa do Senhor,
tendo o nome de Anunciação de Jesus Cristo. Começo da Redenção. Prevaleceu,
entretanto, o uso de consagrar a festa à Santíssima Virgem. A prova mais antiga
sobre o fato, temo-la no Sermão de São Proclo, Arcebispo de Constantinopla
(morto em 446). A festa era muito estimada em Ravena, como se deduz as
pregações de São Pedro Crisólogo (morto em 450). Encontramo-la na Espanha, pelo
ano de 650, celebrada aos 18 de dezembro, porque não se celebravam festa na
Quaresma. A partir do século VI fixou-se a sua data para 25 de março, como
ainda é de uso em nossos dias festejá-la.
Maria, na Encarnação do Verbo, não podia humilhar-se mais
do que se humilhou; Deus, pelo contrário, não podia exaltá-la mais do que
exaltiu
“Quem se exalta será humilhado, e quem se humilha será
exaltado” (Mt 23,12). Esta é a palavra do Senhor; não pode falhar. Havia Deus
determinado fazer-se homem para remir o homem decaído, e assim manifestar ao
mundo sua bondade infinita. Entre todas observou uma, e foi a virgenzinha
Maria, que muito mais era perfeita nas virtudes, tanto mais simples e humilde
era no seu conceito: “Há um sem-número de virgens (a meu serviço) diz o Senhor
- mas uma só é minha pomba, a minha
eleita” (Ct 6, 7-8). Por isso disse Deus, seja esta escolhida para minha Mãe.
A
humildade de Maria na Anunciação do anjo
1. Ao ser saudada
pelo anjo
Falando o Senhor, no Cântico dos Cânticos, precisamente
da humildade desta humilíssima Virgem, disse: Enquanto o rei está no seu repouso,
exalou o meu nardo a sua fragrância (1,11). Comenta Santo Antonino as citadas
palavras deste modo: O nardo, planta pequena e baixa, é a figura da humildade de Maria, cujo odor subiu ao céu
e atraiu o Verbo do seio do Eterno Pai ao seu seio virginal. Para maior glória
e merecimento desta Mãe, não se quis fazer seu Filho, sem que primeiro ela
prestasse seu consentimento, diz Guilherme, abade. Eis por que, quando a Virgem
suspirava pela vinda do Redentor – conforme uma revelação a Santa Isabel de Turíngia
– vem o arcanjo Gabriel com a grande embaixada. Entra e a saúda dizendo: Ave,
Maria, cheia de graça: o Senhor é convosco e bendita sois entre as mulheres (Lc
1,28). Deus vos saúda, ó Virgem cheia de graça, pois fostes sempre rica da
graça, acima de todos os santos. O Senhor é convosco, porque sois tão humilde. Bendita sois entre as mulheres, porquanto
as outras incorrem na maldição da culpa; mas vós, porque havíeis de ser Mãe do
Bendito, sois e sereis sempre bendita e isenta de toda a mácula.
Entretanto a humilde Maria, a esta saudação toda cheia de
louvores, que reponde? Nada; não respondeu, mas pensando na saudação
perturbou-se. “Quando ela o ouviu, turbou-se com o seu dizer, e cogitava que
saudação fosse esta” (Lc 1,29). E por que se assustou? Acaso por temor de
ilusão ou por modéstia, vendo um homem, como quer alguém, pensando que o anjo
lhe apareceu em forma humana? Não: o texto é claro: turbou-se com o seu dizer.
Mas não com sua aparição, observa São Bruno de Segni. Essa perturbação foi causada
pela sua humildade, que não podia compreender semelhantes louvores. Por isso
quanto mais belo anjo ouve exaltar-se, mais se humilha e considera o seu nada.
Reflete São Bernardino: Houvesse o anjo lhe declarado que era a maior pecadora
do mundo, e não teria a Virgem se admirado tanto; mas ouvindo aqueles louvores
tão sublimes, se perturbou.
Mas, digo eu, era a Santíssima Virgem bem instruída nas
Sagradas Escrituras e assim conhecia ser já chegado o tempo, predito pelos
profetas, da vinda do Messias. Já eram completas as semanas de Daniel (9,24),
já tinha passado o cetro de Judá às mãos de Herodes, rei estrangeiro, segundo a
profecia de Jacó. Bem sabia a Senhora que uma virgem devia ser a Mãe do
Messias. Ouve o anjo dar-lhe aqueles louvores, que parecia servirem unicamente
a uma Mãe de Deus. À semelhança do Salvador, que foi confortado por um anjo, se
tornou preciso que São Gabriel, vendo Maria tão assustada com aquela saudação,
a animasse, dizendo: não temais, ó Maria, porque
achaste graça diante de Deus! Aos vossos olhos, é verdade, sois tão pequena
e insignificante; mas Deus, que exalta
os humildes, vos fez digna de achar a graça perdida pelos homens. Por isso
vos preservou da mácula, comum a todos os filhos de Adão; por isso, desde a
vossa Conceição nos ornou de uma graça maior que a de todos os santos. Por
isso, finalmente, agora vos exalta a ser sua Mãe: Eis, que concebereis em vosso
seio e darei à luz um filho, e pôr-lhe-eis o nome Jesus” (Lc 1,31).
2. O humilde consentimento de Maria
Ora, pois, que se espera? Senhora, espera o anjo a vossa
resposta, mais a esperamos nós já condenados à morte, diz São Bernardo. Eia, ó
querida Mãe, já se vos oferece o preço da nossa salvação, que será o Verbo
Divino em vós feito homem. Se o aceitais por Filho, seremos imediatamente
livres da morte. O mesmo Senhor nosso, pelo muito que está enamorado de vossa
beleza, muito deseja o vosso consentimento, por cujo intermédio determinou
salvar o mundo.
Mas eis que Maria já responde ao anjo, dizendo-lhe: Eis
aqui a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra. Eia a resposta
mais bela, mais humilde e mais prudente, que nem toda sabedoria dos homens e
dos anjos juntamente poderia ter podido inventar, se nela pensassem por um
milhão de anos! Ó resposta poderosa que alegraste o céu e trouxeste à terra um
mar imenso de graças e bens! “Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim
segundo a sua palavra”, e já o Filho de Deus passou a ser também Filho de
Maria.. “Ó poderosa, ó eficaz, ó augustíssima palavra! – exclama São Tomás de
Vila Nova. – Com um fiat criou Deus a
luz, o céu, a terra, mas com este fiat
de Maria um Deus se tornou como um de nós.
Ó grande humildade de Maria, que a faz pequena a seus
olhos, mas grande diante de Deus! exclama Guerrico, abade; indigna no seu
conceito, e tão digna aos olhos daquele Senhor imenso, que não cabe no mundo!Mais
beleza ainda há nas palavras de São Bernardo, na quarta alocução sobre a
Assunção de Maria. E como, ó Virgem Santa, se pode arraigar em vós essa
humildade, e tanta humildade, quando tão extraordinariamente honrada e exaltada
vos víeis Deus? Lúcifer, vendo-se dotado de grande beleza, aspirou a elevar o
seu trono sobre as estrelas e fazer-se igual a Deus. Ora, que diria e que
pretenderia o soberbo, se se visse ornados dos dotes de Maria? A humilde não
fez assim. Quanto mais se viu exaltada, tanto mais se humilhou. Por isso, dis
Bernardino de Busti que mais mereceu Maria com aquela resposta, do que não
poderiam merecer todas as criaturas com todas as suas obras.
3. Recompensa de sua
humildade
De fato, assevera São Bernardo, essa inocente Virgem
tornou-se cara para Deus por sua pureza, mas por sua humildade fez-se digna,
tanto quando possível a uma criatura, de ser Mãe do seu Criador, quando afirma
que Deus a tomou por Mãe, mais por sua humildade, que por todas as outras
excelsas virtudes. E primeiro o declarou no seu humílimo canto, quando disse: Porque o Senhor pôs os olhos na baixeza de
sua serva... Maravilhas me fez aquele que é poderoso (Lc 1,48). Onde nota
São Lourenço Justiniano: Maria acentua que o Senhor olhou não para suas
virgindade e inocência, senão para sua baixeza. E não se refere à sua
humildade, escreve São Francisco de Sales, para louvá-la, mas antes para dizer
que Deus havia olhado para o seu nada, e por mera bondade a quisera exaltar
tanto. É também o que santo Antonino acentuou com as palavras: A humildade da
Virgem foi a sua disposição mais perfeita e mais próxima para ser Mãe de Deus.
E com isto se estende o que predisse Isaías: E sairá uma vara do trono de Jessé,
e uma flor brotará da sua raiz (11,1). Reflete Santo Alberto Magno que a flor
divina, isto é, o Unigênito de Deus, devia nascer, não da sumidade ou do tronco
da palma de José, mas da raiz, precisamente para denotar a humildade de Maria.
Breve e claramente o explica também Jordão, Abade de Celes: Nota-te que a flor
surgirá não da fronte, mas da raiz da planta.
A
exaltação de Maria por Deus
1. Como Mãe de
Deus, é Maria a criatura mais chegada ao Senhor
Necessário seria compreender quão sublime é a grandeza de
Deus, para também se compreender a altura a que foi Maria elevada. Bastará,
pois, somente dizer que Deus fez desta Virgem sua Mãe, para entender com isso
que não lhe era possível exaltá-la mais do que a exaltou. Apropriadamente
afirma Arnoldo de Chartres que, em se fazendo Filho da Virgem, Deus a colocou
numa altura superior a todos os santos e anjos. Exceto Deus, ela é sem
comparação mais elevada do que todos os espíritos celestes, como dizem Santo Efrém
e Santo André de Creta.
É evidente a razão do exposto. Pois São Tomás ensina o
seguinte: Quanto mais uma coisa se avizinha ao seu princípio, tanto mais recebe
de sua perfeição. Ora, sendo Maria a criatura mais vizinha a Deus, do mesmo
Deus ela participou mais graça, perfeição e grandeza, que todas as outras
criaturas. Daqui deduz o Padre Suaréz a razão por que a dignidade de Mãe de
Deus é de ordem superior toda outra
dignidade criada. Santo Alberto Magno afirma que ser Mãe de Deus é a dignidade
imediata depois da dignidade de ser Deus.
2. Como Mãe de
Deus, é Maria portadora de uma dignidade quase infinita
Segundo São Tomás, tendo Maria sido feita Mãe de Deus, em
razão dessa união tão estreita com o Bem Infinito, recebeu certa dignidade
infinita, a qual Suaréz chama de infinita no seu gênero. Pois a dignidade de Mãe de Deus é a máxima que
pode conferir-se a uma pura criatura. Ouçamos a explicação do Doutor
Angélico: “A humanidade de Jesus Cristo podia receber de Deus maior graça
habitual. Mas como assim? Porque a natureza limitada da graça, como coisa
criada, é sempre capaz de aumento. Entretanto não pôde a humanidade de Cristo
receber maior realce que o da união com uma Pessoa Divina. Assim a
Bem-aventurada Virgem não pôde também ser constituída em maior dignidade, que
ser Mãe do Infinito”. E o confirma Santo Alberto Magno: Deus conferiu à
Santíssima Virgem o que há de mais alto possível para uma criatura: a
maternidade divina.
3. Inefável
riquezas de graças conferidas a Maria
Mas todo esse tesouro foi dado em consequência da
dignidade que lhe fora concedida de Mãe de Deus. De modo que Maria foi menina,
mas desse estado teve, unicamente a inocência, não o defeito de incapacidade.
Pois desde o primeiro instante de sua vida teve o uso perfeito da razão. Foi
Virgem, mas sem a ignomínia de estéril. Foi Mãe, mas conservando sempre a
glória da virgindade. Foi bela, mas belíssima até, como diz Ricardo de S.
Lourenço, com Jorge de Nicodemia e o Pseudo-Dionísio Aeropagita. Foi belíssima,
mas sem perigo para os que a contemplavam, porque a sua beleza afugentava os
movimentos impuros e inspirava pensamentos de pureza, como atestam santo
Ambrósio e são Tomás. Por isso ela se chamou mirra, que impede a corrupção.
“Espalhei como mirra escolhida suavidade de perfume”(Eclo 20,40).
Concluamos, pois. Esta Divina Mãe é infinitamente
inferior a Deus, mas é imensamente superior a todas as criaturas. Sirva tudo
isto aos devotos de Maria, não só para se regozijarem das suas grandezas, como
também para aumentar-lhes a confiança no seu poderosíssimo patrocínio. Pois não
diz o Padre Suaréz que Maria, sendo Mãe de Deus, tem certo direito sobre os
seus dons, em benefício dos que a servem?
Desejamos por ventura dar um agrado à divina Mãe?
Saudemu-la então muitas vezes com a Ave
Maria. Apareceu um dia a Virgem à santa Matilde e disse-lhe que ninguém a
podia obsequiar melhor do que com esta saudação. Se assim o praticarmos,
receberemos graças singulares desta Mãe de Misericórdia.
Glórias
de Maria – Santo Afonso de Ligório.
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