Tradução: Gercione Lima
São Paulo nos encoraja a combater contra as "forças das trevas" que habitam nos ares e que detém poder sobre os homens. Esses obedecem ao príncipe deste mundo, que causa o obscurecimento da Verdade e a difusão do erro, e que somente uma fé incondicional no Senhor, Deus dos Exércitos, é capaz de anular.
Giancarlo Infante
Quando São Paulo chegou a Pozzuoli de Malta, exausto por uma nova viagem cheia de aventuras, ele foi convidado a parar por uma semana naquele que antes de Ostia foi o porto de Roma. A poucos passos do mar, encontrou-se na frente de um templo dedicado a Serapide, divindade solar de matriz grega, mas de origem egípcia. Como em Atenas, ele sentiu um "estremecimento em seu espírito", também ao ver esta cidade entregue aos ídolos (cfr At. 17: 16). No entanto, apesar de debilitado pela extenuante atividade apostólica descrita no último capítulo de Atos, Paulo não perdeu o ânimo e logo retomou a sua marcha para Roma, para continuar a pregar contra a falsa religião dos pagãos, especialmente aquela que era dirigida ao ídolo solar, que ele conhecia muito bem, já que tinha vindo da Cilícia, a terra de Mitra.
Entretanto havia aprendido a conhecer bem as perseguições que sofrem aqueles que se levantavam contra as superstições pagãs arraigadas. Em Éfeso eles haviam se levantado contra os ourives construtores das estátuas de Artemis-Diana, padroeira das prostitutas, e assim provocavam uma baixa nos negócios porque seus deuses sucumbiam inexoravelmente diante da pregação e consequente disseminação da doutrina cristã, a qual não deixava espaço para alternativas ou estranhos meio termos, e que quase sempre exigia a escolha fatídica: ou com Cristo ou contra Cristo. Na verdade, muitos Efésios confessavam publicamente o seu recurso a práticas mágicas e espontaneamente ateavam fogo a todos os livros de magia negra em sua posse, cujo valor total chegava a cinquenta mil moedas de prata (cfr. At 19). Uma soma substancial. Em Attica, uma drama de prata correspondia ao salário diário de um trabalhador em geral. Assim, cinquenta dias de trabalho. Mais do que uma década de um trabalhador.
"O Anjo de Luz"
Paulo como todos os demais apóstolos, sustentava com clareza e sem muita distinção, a oposição irreconciliável entre o culto dirigido a Cristo e aquele dedicado aos demônios. Quem não adora a Cristo, adora ídolos: "As coisas que os pagãos sacrificam, sacrificam-nas a demônios e não a Deus. E eu não quero que tenhais comunhão com os demônios.Não podeis beber ao mesmo tempo o cálice do Senhor e o cálice dos demônios. Não podeis participar ao mesmo tempo da mesa do Senhor e da mesa dos demônios."(1 Cor 10, 19 -22). Em outra parte, ele acrescenta: "Que união pode haver entre a justiça e a iniqüidade? Ou que comunidade entre a luz e as trevas? Que compatibilidade pode haver entre Cristo e Belial? Ou que acordo entre o fiel e o infiel? Como conciliar o templo de Deus e os ídolos? Porque somos o templo de Deus vivo, como o próprio Deus disse: Eu habitarei e andarei entre eles, e serei o seu Deus e eles serão o meu povo"(2 Cor 6: 13-16).
A propósito da sua vontade de viajar para Tessalonica, onde o aguardava novas comunidades cristãs, Paulo experimentou de modo evidente a ação contrária do Maligno, que fez de tudo para impedir aquela viagem apostólica: "Pelo que fizemos o possível por ir visitar-vos, ao menos eu, Paulo, em diversas ocasiões. Mas Satanás nos impediu. "(1 Tessalonicenses 2, 18). Também sobre este tema, São Paulo evita qualquer digressão. Não é um doutor, mas um apóstolo. Se fala é para alertar seus discípulos sobre o verdadeiro poder de sedução do Maligno, que ele conhece bem. Mas que da outra parte também conhece muito bem o Apóstolo: "Alguns judeus exorcistas que percorriam vários lugares inventaram invocar o nome do Senhor Jesus sobre os que se achavam possessos dos espíritos malignos, com as palavras: Esconjuro-vos por Jesus, a quem Paulo prega. Assim procediam os sete filhos de um judeu chamado Cevas, sumo sacerdote. Mas o espírito maligno replicou-lhes: Conheço Jesus e sei quem é Paulo. Mas vós, quem sois? Nisto o homem possuído do espírito maligno, saltando sobre eles, apoderou-se de dois deles e subjugou-os de tal maneira, que tiveram que fugir daquela casa feridos e com as roupas estraçalhadas. (Atos 19, 13).
O Maligno, porque é fortemente enganador, é tão ardiloso a ponto de dissimular sua própria natureza, assumindo a aparência da divindade que ele busca ofuscar. Para enganar os homens e levá-los ao erro e ao pecado "Não quero que sejamos vencidos por Satanás, pois não ignoramos as suas maquinações. ... o que não é de espantar. Pois, se o próprio Satanás se transfigura em anjo de luz," (2 Cor 2, 11 e 11, 14).
Os dominadores do mundo
Paulo indica com extrema eficácia o perigo derivado das falsas doutrinas, ainda que o faça de modo formalmente diferente do seu Divino Mestre, que era capaz de fascinar multidões apenas com o uso de parábolas eficazes, evocativas e sintéticas. Em suas cartas, o Apóstolo geralmente não utiliza uma linguagem atraente, poética, alusiva como a dos Evangelhos. Ele nem sequer evoca imagens proféticas, tremendos "segredos" a serem revelados, com significados fechados à interpretação, como foi capaz de fazer o Apóstolo João, no livro misterioso do Apocalipse.
O estilo de Paulo, à parte os saltos extraordinários Cristológicos, não é imediato. Mas demissivo, discursivo, não sugestivo. Às vezes, aparentemente contorcido, senão "monótono". No entanto, nenhum entre os apóstolos é mais próximo de Cristo do que Paulo. Nenhum se identifica de tal maneira com Cristo, a ponto de dizer: "Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim." Ninguém identificou tanto suas ações com a paixão e a cruz do Senhor: "Estou crucificado com Cristo, e já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. Esta vida na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim "(Gl 2, 20). E mais tarde antes de concluir abruptamente a carta aos Gálatas, "! Ó insensatos gálatas quem vos fascinou a vós" (3,1), ele disse: "Eu levo as marcas de Jesus no meu corpo" (6, 17).
No entanto, São Paulo, assim partícipe da cruz e da glória de Cristo, apontou quais são os verdadeiros inimigos contra os quais devemos combater, "Porque a nossa luta não é contra o sangue e a carne, e sim contra os principados, contra as potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra os espíritos do mal, nas regiões celestes "(Ef 6: 12). Esta declaração demonstra a incomparável compreensão espiritual daquele a quem "foi dada a graça de anunciar aos gentios as insondáveis riquezas de Cristo" (Ef 3,8). Inteligência que transcende decisivamente os limites dos efeitos contingentes, para atingir a causa metafísica dos eventos.
Deuses, homens e demônios
São Paulo, na verdade, em virtude da experiência particular de Cristo, culminando com o arrebatamento ao terceiro céu, no paraíso, onde "ouviu palavras inefáveis, que não é lícito ao homem falar delas" (2 Cor 12, 4), não faz outra coisa senão amplificar o âmbito temporal do "iniquitatis mysterium" já em ação (2 Ts 2: 7), não atribuindo-a aos homens em particular, mas reconduzindo-o à sua verdadeira e única essência: "o príncipe do poder do ar, do espírito que agora opera nos filhos da desobediência "(Ef 2,2).
O apóstolo dá a entender que os poderosos deste mundo estão, por sua vez submissos a um poder superior, metafísico, constituídos por aqueles espíritos dos ares aos quais são dirigidos os cultos e sacrifícios celebrados nas falsas doutrinas. A tal poder estão sujeitos não apenas aqueles que participam, mas também aqueles que permitem que tais cultos ilícitos sejam celebrados.
Na antiguidade, era muito comum a crença generalizada de que "uma criança ou grupo de crianças pré-púberes pudessem constituir os melhores guardiões de revelações, sonhos e adivinhação". Crença apoiada no fato de que na Roma antiga haviam os "pueri mágicos", que os sacerdotes induziam ao transe ou sono mágico: "Quando um espírito é invocado ninguém tem o poder de vê-lo senão os meninos de onze e doze anos de idade ou aqueles que são verdadeiramente virgens »[1].
Santo Agostino examina essas crenças e práticas invocatórias dirigidas aos deuses e demônios, em Roma, Cidade de Deus., Ele relata a opinião comum, afirmada especialmente por Apuleo, sobre a realidade animada, ordenada em três classes:. "deuses, homens e demônios . Os deuses ocupam a posição mais proeminente, os homens uma posição ínfima, os demônios no meio, nos ares. De fato, a sede dos deuses é o céu, a dos homens a terra, e os demônios no ar "(Livro 8, 14). Os demônios estão entre homens e os deuses e atuam como intermediários. E, enquanto tal, são propiciados através de cerimônias mágicas e mediante o oferecimento de sacrifícios apropriados. No entanto, acrescenta o santo de Hipona: "Esses são espíritos cheios de desejo de fazer o mal, totalmente alheios à justiça, inchados de orgulho, lívidos de inveja, astutos no engano; habitam no ar, porque foram abatidos da sublimidade do alto dos céus como punição por uma transgressão irremediável e condenados a esta espécie de cárcere que pra eles é conveniente "(L. 8, 22).
Oportunas e inoportunas
Estes mesmos demônios são apontados por unanimidade pelos especialistas em exoterismo como os verdadeiros governantes das seitas secretas. Pierre Mariel, por exemplo, concluiu que essas fraternidades ocultas "obedecem todos (e os superiores o sabem bem) a uma única direção. Existe (para além das diferenças aparentes) Superiores Desconhecidos, reagrupados em um centro do mundo, que são os condutores deste cartel, onde cada sociedade é um instrumento dócil e bem afinado "[2].
Estes "superiores desconhecidos", "daemon" por assim dizer, ainda presentes e mais do que nunca ativos em nosso meio, são esses espíritos malignos espalhados no ar, contra os quais São Paulo guerreou sem reservas. E contra os quais temos que lutar, no sentido paulino, "para que possais resistir nos dias maus e manter-vos inabaláveis no cumprimento do vosso dever." (Ef 6: 13). De resto, "as guerras são vencidas apenas por aqueles que forem capazes de atrair dos céus as forças misteriosas do mundo invisível e que sabem assegurar-se de seu patrocínio" [3]. E somente os cristãos têm do seu lado o favor incondicional das potências angelicas, que de nós não esperam outra coisa senão serem invocadas em todas as oportunidades, "oportunas, inoportunas" (2 Tm 4: 2), para intervir em nosso favor.
Fonte: Papale Papale - I demoni di Paolo
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