Tradução: Airton Vieira
Às vezes lembro
de meus anos na universidade, de quatro décadas atrás. Entre a universidade e a
pós-graduação colaborei como assistente do escritor e filósofo conservador,
Russell Kirk, em Mecosta, Michigan. Sendo um jovem do sul, o único
significativo que faz lembrar o clima lá de cima era que tínhamos neve no solo—e
muita—desde o dia de Ação de Graças até abril. Por isso, além de minhas tarefas
de assistência ao Dr. Kirk, tinha muito tempo para ler (os Kirk não tinham televisão). E a biblioteca de Russell tinha
mais de 30.000 livros. Tinha a abundância de um bibliófilo ao alcance da mão. Não
só isso, ele era um dos “mestres” mais lidos que um estudante podia ter.
Então, mais
além de sua vasta coleção de histórias e biografias, pude ler literatura
excelente, incluindo alguns clássicos da espiritualidade católica. Além de
Jonathan Swift, Sir Walter Scott, e Robert Lewis Stevenson, estavam as obras de
G. K. Chesterton, Hilaire Belloc, e os antigos, Vidas de
Plutarco, Metamorfose de Ovid, Dante, e
os escritos mais influentes do místico espanhol, São João da Cruz, esses que mudam
a vida de alguém. Não os menciono para alardear, mas para dizer que meu ano com
o Dr. Kirk foi mui frutífero de distintas maneiras, que só agora logro apreciar
em sua totalidade.
Hoje em dia,
quando reflito e escrevo ensaios, recordo cenas e citações de muitos desses
clássicos que muitas vezes parecem encaixar e apoiar minha narrativa. Ao
preparar este ensaio, recordei uma citação. É de Benjamin Disraeli, o grande
primeiro ministro conservador britânico do século XIX, destacado de maneira
proeminente na obra de Kirk, The Conservative Mind (A
Mente Conservadora,1953). Surge de uma das novelas de Disraeli, Coningsby. Aqui está: “Já vê o senhor, meu estimado
Coningsby, que o mundo está governado por personagens mui distintos de como os
imaginam quem não estão detrás dos bastidores.”
Disraeli escreveu
estas palavras há mais de 170 anos. Mas hoje, ao observar os restos decadentes
de uma cultura que alguma vez se orgulhou de ser o “Ocidente cristão”, isto é,
a civilização europeia que herdamos e nos modelou e temperou durante quase dos
mil anos—enquanto contemplamos o ataque sem limites a este legado, parece que a
decadência e decrepitude não chegou por acidente, nem por um ataque frontal. O
grande triunfo da revolução Marxista tem sido, em troca, o subverter e
influenciar para transformar a cultura do Ocidente desde dentro, quase clandestinamente.
Em tempos
da Primeira Guerra Mundial, o filósofo comunista, Antônio Gramsci, formulou uma
teoria que incluía uma discussão do que ele denominou “hegemonia cultural”. O
brilhante Gramsci, vendo o fracasso do “comunismo de guerra” em querer derrotar
a ordem tradicional da Europa por meio da força militar, compreendeu que a revolução
marxista jamais seria exitosa em sua campanha contra o histórico ocidente cristão
por meio do conflito armado. Apesar dos estragos e efeitos devastadores do
liberalismo do século XIX, um padrão dominante, tradicionalista, cultural e
religioso—uma “hegemonia cultural”—ainda guiava grande parte do pensamento ocidental,
estabelecia normas, e governava condutas. Gramsci postulou que essa hegemonia
cultural devia ser derrocada e substituída. O Ocidente só seria conquistado se
suas bases culturais tradicionais e religiosas, estabelecidas em uma fé cristã
ortodoxa, fossem transformadas.
E eram a Igreja
Católica e seus postulados sociais e políticos os principais obstáculos e inimigos
do marxismo. Gramsci destacou então, que a infiltração e subversão da Igreja
eram os meios primordiais para efetuar a revolução. A cultura ocidental—a civilização
ocidental—se baseava fundamentalmente na fé, no precioso legado e herança de
Jerusalém, Atenas, e Roma. Causar dano a essa conexão, contaminá-la, e
subverter o fundamento, dispararia inevitavelmente uma transformação política e
cultural.
Até fins
do século XIX, o grande escritor católico tradicionalista, Marcelino Menéndez y
Pelayo, em sua História dos Heterodoxos, advertiu
a Espanha católica: “Espanha, evangelizadora da metade do orbe; Espanha martelo
de hereges, luz de Trento, espada de Roma, berço de Santo Inácio…; essa é nossa
grandeza e nossa unidade; não temos outra.”
Como
Menéndez y Pelayo, Gramsci compreendeu esta máxima, esta verdade sobre a Europa
e o Ocidente: se se infecta a base da cultura, se perverte, e logo se alteram
suas crenças fundamentais, sua moral, sua concepção de bem e de mal, suas ideias
sobre a lei, seus próprios significados linguísticos—se se logram estas coisas,
se alteram de igual maneira sua política e cultura. Sem a fé como “armadura e escudo,”
a Europa fica indefensa contra os ataques do marxismo e a criação de uma Nova Ordem
Mundial essencialmente sem Deus, paganizada, e uma antítese autoritária da ordem
cristã estabelecido com o sangue e devoção dos mártires, santos e reis cristãos.
Neste
último século, temos sido testemunhas da implementação desta estratégia por
parte dos marxistas “culturais” e revolucionários em nosso meio. A
oposição ao ocidente cristão tradicional por parte dos comunistas soviéticos mais
conservadores, quem desafiaram frontalmente nossas instituições e cultura,
resultou inútil. Mas a subversão interna e a infiltração têm resultado
particularmente exitosas.
A Igreja sob
São Pio X, e posteriormente sob Pio XI e Pio XII, identificou a ameaça premente
do comunismo e o socialismo. Sem embargo, a estratégia de Gramsci se adentrou em
suas fileiras, ainda que a princípio o tenha feito secretamente, até 1950 e 1960
o fez abertamente, com o êxito do Personalismo, Teilhard de Chardin, e a aceitação
de teorias sobre a Igreja na sociedade propagadas por escritores como o Pe.
John Courtney Murray e o crescente “neo-liberalismo” na Alemanha e os Países
Baixos—“O Reno Desemboca no Tibre” de Ralph Wiltgen. E com a “abertura a sinistra”
do Concílio Vaticano II—essa infame “abertura à esquerda”— se abriram largamente
as portas para a revolução eclesiástica, política, e culturalmente.
Nos
Estados Unidos, a longa marcha “cultural” marxista através de nossas instituições
começou em verdade entre os acadêmicos, nos colégios e universidades. Vários
observadores assinalam o êxito tremendamente generalizado dos intelectuais
marxistas da “Escola de Frankfurt”, quem, sendo
judeus, foram expulsos da Alemanha Nacional Socialista na década de 1930, e
se assentaram imediatamente nos Estados Unidos na Universidade de Columbia.
Desde aquela posição segura exerceram uma incrível influência em quase todos os
aspectos da vida intelectual americana (e europeia).
Certamente,
como estudante de pós-graduação, lembro que várias obras de Herbert Marcuse (em
filosofia), Theodor Adorno (em sociologia e teoria musical), Max Horkheimer (em
psicologia social), Erich Fromm (em psicanálise), e Jurgen Habermas (em história)
eram furor—vários de meus professores de pós-graduação impuseram
entusiasticamente a mim e a meus companheiros. O que descobri naquele momento foi
que, em seu conjunto e com ajuda ideológica adicional de escritores influentes
como Frantz Fanon (sobre o colonialismo, o imperialismo e a “opressão branca”)
e Michel Foucault (sobre a transformação das estruturas sociais e políticas, e teoria
crítica), estava se desenvolvendo um enorme e universal esforço para alterar não
somente os padrões de pensamento e objetivos sociais e políticos, como o idioma
mesmo.[1]
E havia pouquíssima
oposição efetiva: a força intelectual dominante no ocidente no século XIX e
grande parte do XX foi a de um liberalismo flexível e intelectualmente
arruinado que não podia resistir às críticas avassaladoras lançadas contra si desde
o marxismo cultural. Poderíamos discutir, sem dúvida, que o liberalismo preparou
o terreno para o êxito marxista.
Aqueles
escritores e professores “liberais” mais velhos, haviam feito todo o possível
por criticar e derrocar uma ordem ainda mais antiga e tradicional, politicamente,
socialmente e religiosamente, mas não tinham nada melhor ou mais permanente com
que substituí-lo. Suas teorias acerca da “democracia liberal”, a “igualdade”,
os “direitos civis”, e a “liberalização” propunham e implementavam a conquista
da posição de fidelidade à tradição herdada, a crença na ortodoxia religiosa, a
existência de ordens sociais, e o reconhecimento inerente de que a desigualdade
é uma condição natural da vida—essas panaceias liberais, tendo debilitado tanto
a estrutura política como a social da sociedade histórica ocidental, deixaram a
Europa e América abertas às atrações sedutoras de um Marxismo que não era como
o da marca soviética, pesado e cleptocrático.
O futuro
do mundo não jazia com os comissários septuagenários e fossilizados que
anualmente, no Dia da Vitória, estavam de pé e imóveis na Praça Vermelha, para passar
em revista o poderio soviético; jazia com os marxistas culturais que ao longo das
décadas haviam revolucionado o pensamento, os objetivos, e a mesma linguagem do
Ocidente—e cuja mentalidade, cujo padrão, não só revigorou o Marxismo que uma vez
se creu morto, como que estabeleceu sua preeminência e sua “hegemonia cultural”
ao longo do amplo espectro do pensamento e a cultura ocidental.
É isto, então,
com o que nos enfrentamos, os que somos fiéis à tradição mais antiga, a essa herança
cristã ortodoxa e ocidental. No panorama político e cultural, incluso aqueles
supostos opositores ao Progressismo que avança—com seu ataque final ao que resta
de nosso legado herdado e severamente ameaçado—esses supostos opositores
utilizam sua linguagem e aceitam tacitamente seus objetivos finais. Portanto,
os chamados neoconservadores e seus muitos seguidores republicanos, servem de maneira
enviesada, tanto para permitir como para santificar as conquistas dos progressistas
e os últimos avanços marxistas.
De igual maneira,
entre os supostos “opositores religiosos” à revolução, os que denominamos
neocatólicos, ratificam e santificam os câmbios radicais emanados do Vaticano
II, e tentam defendê-los como conservadores.
Não
obstante, o conflito universal que aparentemente parecia perdido para nós, não
terminou. Isto se demostrou politicamente—e culturalmente— em novembro passado.
O despertar intermitente aqui nos Estado Unidos, e o crescimento de uma reação
nacionalista, conservadora, populista, e tradicionalista na Europa, o refletem.
E graças à última estupidez da “invadida Roma”, continua rapidamente o crescimento
de organizações e associações dedicadas à ortodoxia católica e a defesa da fé
tradicional.
É
precisamente por isso que vemos mais reações desenfreadas, febris e histéricas,
por parte das forças multifacetárias do “Estado Profundo” progressista e as forças
internacionais da Nova Ordem Mundial. Essa reação toma formas diversas,
particularmente nos Estados Unidos, com a batalha direta contra o presidente
Trump (e ainda mais contra seus planos) por parte dos meios de comunicação massiva
e seus seguidores em ambos partidos políticos, entre os acadêmicos, e a cultura
popular. E religiosamente, pelos intentos de silenciar e pôr à margem o clero
ortodoxo que se opõe à autodestruição da Igreja.
Entre as
influentes “eminências pardas” mundiais—“padrinhos” políticos e espirituais—da
ofensiva progressista global, está o bilionário internacional George Soros, cujos
tentáculos chegam a quase todos os rincões do mundo e cujas Organizações Não Governamentais
(ONGs) trabalham sobre a terra para influenciar e subverter a toda nação que
resista a ser incorporada à Nova Ordem Mundial, o objetivo atual e último do
Estado Profundo, e portanto a etapa final do triunfo da “hegemonia cultural”
vislumbrada por Antônio Gramsci.
A visão
sangrenta de Soros coincide convenientemente com os objetivos gerais do Estado
Profundo: a classe dirigente globalista. Com sua pirâmide de fundações que se
financiam entre si, suas ONGs, e seu vínculo próximo e contato com líderes da
União Europeia e Washington, Wall Street, e o Vaticano, ele impõe seus
objetivos. Mas não escutaram nem uma palavra acerca de seus perversos
tentáculos de influência nos meios de comunicação massiva. A quem o mencione a ele,
ou a sua influência internacional detrás dos bastidores, se o apoda em seguida
de “demente conspiranoico” ou algo pior.
E no
entanto, Soros encaixa com a descrição de Disraeli de 170 anos atrás; de haver
uma confirmação, ele a exemplificaria. Ele personifica a cara oculta da “onda
sangrenta” da revolução contra Deus e o homem da que o poeta William Butler
Yeats advertiu em 1919—mesmo momento em que Antônio Gramsci escrevia teorias
que resultariam fatais para o Ocidente—e na mesma época em que São Pio X advertia
ao mundo cristão do mortalmente infeccioso bacilo do modernismo.
O que saiba
a verdade, deverá atuar em consequência. O verdadeiro personagem, a verdadeira
cara da revolução, talvez tenha sido revelada como nunca antes no último ano.
Se bem que se careça de muitos dos recursos e armas de nossos inimigos, aqueles
de nós decididos a não só defender o que resta de nosso patrimônio cultural e civilização
ocidental, mas, sendo possível, restaurá-la, devemos ser valentes e astutos; sábios
e prudentes como Robert E. Lee, e pacientes e calculadores como nossos inimigos,
que compreendem que conquistar o aparentemente inconquistável leva tempo e, sobretudo,
persistência, inteligência e constância. E para nós, na base de tudo se encontra
nossa fé.
Dr.
Boyd D. Cathey
[1]
Aqui pode-se aludir claramente à estratégia da “novilíngua”, de que fala George
Orwell em 1984. (NdT)
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