Juan Manuel Prada -
Animalismo
“Para os que consideramos que o respeito aos animais é uma obrigação humana irrenunciável, as reivindicações dos chamados ‘animalistas’ ou defensores dos direitos dos animais constituem uma constante interpelação. Segundo o movimento animalista, os animais não só merecem um trato ético e uma proteção legal, mas devem ser sujeitos de direitos. Talvez o primeiro animalista tenha sido o filósofo Jeremy Bentham, que escreveu em sua ‘Introdução aos princípios da moral e da legislação’ (1789): “Um cavalo ou um cachorro adulto é, para além de toda comparação, um animal mais racional e mais comunicativo que uma criança de um dia, ou de uma semana, ou até de um mês. Mas ainda que se supusesse que fosse de outra forma, que importaria? A questão não é se os animais podem raciocinar nem tampouco se podem falar, mas se podem sofrer”. E, em época muito mais recente, o australiano Peter Singer, em sua obra ‘Libertação animal’ (1975), postulou que a resistência a reconhecer direitos aos animais é comparável a fenômenos históricos tão reprováveis como a escravidão racial ou a discriminação sexual. Singer se opõe ao que denomina ‘especismo’; isto é, a que um ser vivo seja titular de direitos pelo mero fato de pertencer à espécie humana. Para Singer, deve-se tratar com igual consideração todos os seres capazes de sofrer; daí que, a seu juízo, a vida de um feto ou a de uma criança com problemas cerebrais não seja mais valiosa que a vida de um chimpanzé. Esta é a razão pela qual quase todos os animalistas são defensores mais ou menos entusiastas do aborto.
O animalismo se assentaria, pois, em uma ética radicalmente empirista, que transforma em sujeito de direitos qualquer ser com capacidade para sofrer, independentemente de que seja ou não racional. Não entraremos aqui a discutir se o sofrimento tal como humanamente o entendemos pode ser experimentado no mesmo grau sem consciência racional; pois a ninguém escapa que uma reação instintiva à dor (que é a que pode experimentar um animal) em nada se parece com o sofrimento do homem, que faz da dor uma experiência moral. A falha filosófica do animalismo é muito mais evidente: só pode ser titular de direitos quem possua uma correlativa capacidade para obrigar-se. Quando proclamamos que ao homem assiste um inalienável direito à vida, estamos proclamando também que o obriga o dever de respeitar a vida dos demais homens; quando defendemos o direito à propriedade, estamos condenando o furto, e assim sucessivamente. Todo direito exige uma obrigação correlativa; e os animais, como seres carentes de razão e de liberdade, não podem ser sujeitos de direitos e obrigações. Isto não significa, por suposto, que os animais devam ficar fora da esfera de proteção jurídica. O homem tem direito a ‘domínio justo’ sobre a natureza, posto ser o único ser que pode aproveitar racionalmente seus recursos; e, ao mesmo tempo, tem o dever de proteger essa natureza e os seres vivos que a povoam.
Aqui se pode opor que tampouco as crianças no ventre, ou as pessoas com deficiências psíquicas, podem assumir obrigações. Mas os reconhecemos como membros de nossa espécie, a quem cobrimos com o mesmo manto da proteção que outorgamos aos humanos plenamente conscientes. Para Singer isto é ‘especismo’; e, desde uma lógica puramente materialista, seu raciocínio é congruente. Pois o que o animalismo pretende, em última instância (utilizando mui astutamente álibis compassivos diante do sofrimento dos animais) é negar a unicidade do ser humano, que é considerado o resultado aleatório de uma evolução natural, e apagar os traços distintivos que o tornam uma criatura única, misteriosamente singular, entre todas as criaturas que povoam a Terra. Essa singularidade é a que permite ao homem justo olhar para os animais que povoam a terra e descobrir que são ‘bons’, esforçando-se em consequência por protegê-los; essa singularidade se denomina alma.
Quando essa singularidade que existe entre o homem e o restante das criaturas se elude ou se escamoteia (quase sempre por complexos e respeitos humanos) é impossível defender cabalmente certas causas; pois a lógica materialista acaba se impondo, implacável. Por medo de defender a existência da alma se perdeu a batalha contra o aborto, por exemplo; e pela mesma razão se imporão, inevitavelmente, as teses animalistas.”
Fonte: Spem in Alium -
Animalismo
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