Tradução
de Airton Vieira – Semblante grave e enxuto, sobrancelhas
prateadas, cachimbo em riste, cachecol emaranhado ao pescoço, vestido de batina negra e boina basca, lendo com olhar perscrutador que
penetra as entranhas de cada livro. Mente lucidíssima e preclara, fiel filho de
Santo Inácio de Loyola. Santo sacerdote amante da Tradição e a sana doutrina,
excelente pregador, jornalista incisivo, literato brilhante e gênio criativo, personagem
polêmico por sua valentia em denunciar o farisaísmo, profeta do caos atual…É
sem dúvida uma figura riquíssima, poliédrica e transcultural.
Daniel Francisco Giaquinta, jornalista e professor de Oratória, teve a dita
de ser seu discípulo e estudar com paixão sua riquíssima obra. Nesta singela
entrevista nos presenteia uns traços muito elementares de quem foi Castellani,
a modo de canapé, para abrir-nos o apetite e degustar sua riquíssima produção literária.
Poderia nos esboçar uma brevíssima biografia
de Castellani?
Foi um bom Filho de seu pai Santo Inácio de Loyola defendendo
a Tradição e a Cristandade. Cheio de façanhas como o basco, ainda que com a
tinta do crioulo argentino. Foi muito homem e muito limpo, por isso ofendia os
afeminados e sujos. Foi um grande leitor que analisava com poderosa inteligência
todo o recebido. Prendia os saberes de sua causa primeira e a aplicava com doçura
aos homens de boa vontade. Mas aos de má vontade, aos fariseus, os latigava duramente
até lançá-los do templo. Por isso a hierarquia eclesiástica o odiava tanto que havia
caído no mal de Anás e Caifás. Foi um grande pregador tanto na cátedra universitária
como no Templo. Tanto assim é que o propuseram como deputado pelo movimento
nacionalista tradicional, mas não chegou a exercer. Foi um grandíssimo
escritor, de difusão jornalística e de investigação. Abarcou todos os gêneros da
literatura com mais de cinquenta livros, sendo requintado em cada um deles. O farisaísmo
não o perdoaria nem a Fé cheia de obras nem a estética em publicitá-las.
Que aportou ao pensamento católico?
Castellani foi o homem mandado pela Divina Providência
a minha Pátria e a todo o que possa aceder a seu legado para iluminar a
finalidade da vida cristã, a Parusia. Deixou claro que Jesus avisou que voltaria
logo e que não pode mentir nem mentir-nos. Disse Castellani aos nacionalistas
argentinos que toda atividade política se supeditava a esta realidade divina, e
por isso não deixa de aconselhar a resistência em lugar do ataque. Castellani aclara
aos Tradicionalistas que a grande heresia do Fim dos tempos na negação do único
dogma do Credo ainda não cumprido, o Venturus est, o regresso de
Cristo a pôr a paz e a ordem, os novos céus e a nova terra, a justiça e o bem. A
heresia final é bipolar e cicloide por ser tão imanentista e antropocêntrica. Fala
de destruição total se está angustiada ou de paraíso terrenal mediante a
democracia e o consumo.
O primeiro na intenção é o último na consecução. Posta
a Parusia e a evidência de seus sinais profetizados por Nosso Senhor para os cristãos
do Fim dos tempos, então tudo muda, a Esperança se torna feliz. Castellani irradia
alegria em toda parte.
Castellani ensinou que o marxismo cairia fusionando-se
com o grande dinheiro da doutrina liberal, grande pecado e heresia moderna, que
dominaria tudo rumo ao governo único da besta do mar. Isto foi dito em pleno êxito
marxista dos anos 50.
Falemos da retidão e solidez de seu pensamento…
Segue a Santo Tomás de Aquino, o traduz e o
comenta, aplica à Sagrada Escritura, o aplica à Política, o lê e o relê. Torce
o nariz quando aparecem os vocabulários novos em Teologia. Como ferramenta para
penetrar no Angélico, tem uma formação filosófica aristotélica requintada e conhece
os clássicos latinos e gregos como perito.
E por seu talento para os idiomas, dos que domina nove
línguas, lê a Patrística em seus originais, lê os doutores da Igreja, lê os
poetas fortes de todas as épocas transpassando-nos o gosto por Dante, por
Manzoni, por Claudel, por Chesterton, por Cícero, por Martín Fierro ao que
repara contando sua própria autobiografia na Muerte del Martín Fierro,
por Cervantes, por Shakespeare, por Menéndez e Pelayo, Pemán, Pereda…
E lê também a heterodoxia para combatê-la avisando-nos
dos perigos em Theilard de Chardin e nos contemporâneos que ninguém podia nem cheirar
naqueles tempos. Viu cair no liberalismo a seu querido amigo Maritain e nos disse
que o antropocentrismo era o grito da Besta da terra e o coaxar das Três Rãs
apocalípticas.
Como foi sua devoção, sua santidade de
vida?
Foi suspendido a divinis pelos jesuítas e o Papa
ratificou a condenação enquanto que a Theilard de Chardin o absolviam, sendo Castellani
ortodoxo e Chardin heterodoxo. Nesse momento não deixou de escutar Missa como
um fiel a mais, ajoelhar-se para receber a Comunhão, viver de esmolas, viajar
precariamente, mendigar habitação, e produzir, produzir, produzir…
Atesourava uma devoção a Maria Santíssima que
emociona em seus sonetos e pregações. Rezava o Santo Rosário completo, os três mistérios,
cada dia caminhando e muito concentrado.
Ele mesmo definiu um santo como “aquele que em
todo momento e em qualquer circunstância segue a voz do Espírito Santo”. Castellani
isto o fez vida.
É suficientemente valorizado hoje em
dia?
Terei de
distinguir. Se a pergunta se dirige ao povo fiel,
que conserva a Fé ou deseja fomentá-la, a resposta é sim, Castellani ali é
valorizado, buscado, reeditado, difundido em páginas web, consultado, presenteado
aos amigos…
Mas se a pergunta se refere a se há tido alguma espécie
de louvor de sua pessoa e de sua obra por parte da Hierarquia, a resposta é
muito negativa. Desde aquela reportagem em uma revista portenha de grande difusão
pelos anos 70 onde assinala Monsenhor Lefevbre como o guia da Igreja rumo a
correta direção, a generalidade do episcopado argentino terminou de defenestrar
Castellani ou de meter sua obra no buraco negro da conspiração do silêncio.
Até algum hierarca bem formado escapa a Castellani
ou o rotula como gênio algo perigoso e o evita, o mata com a
indiferença, desaconselha seus livros. O diria, que assim deve ser, que “está no
contrato evangélico”, como descrevia o Pe. Ezcurra às cruzes onde os falsos homens
de igreja crucificam os santos.
Além de sua profunda obra religiosa, poderia
falar de seus escritos culturais e profanos?
Os livros de Castellani têm bom humor e isto os faz
muito humanos sem teologúmenos etéreos. Sabe rir-se do ridículo sem
ofender as pessoas. Apoda o pai do evolucionismo filosófico como Telar
del Cardón, ou é a demo-caca-racia o mal liberal, e os conserva-duros são a melhor expressão do
puritanismo autóctone, e o marxismo é esse bichinho colorado que pica tão forte e nasceu do liberalismo.
Ao humor se soma essa penetração da Arte, tanto da
imagem estética e da cinética como da música, deixando opúsculos luminosos de
Crítica Literária. A incapacidade do homem massa de desfrutar do belo o fará
escrever sobre o semianalfabetismo, o mal gosto, a decadência atual do homem
ético para o estético, sem deter-se até o homem que consume o angu
mirandolesco da diletância jornalística. Define o fanatismo como
essa incapacidade de ver a virtude ou a veracidade na postura contrária. Então Castellani
olha a vida real e nos lega descrições de policiais heroicos, de mestras rurais
abnegadas, de curas sábios do povo, de santas como Thais de Alexandria
sumamente anti-marketing…
Que livros de Castellani recomendaria àqueles
que querem começar a conhecer sua obra?
Castellani não tem escalonamento em sua obra, pode se
entrar por qualquer lado, como al assado pampeiro. É um publicista por
natureza: toma um tema com motivo social, o vê desde a teologia, baixa pela
política, o conota em sua razão moral e o potencializa para a utilidade mística
do leitor. Ponho por exemplo o farisaísmo na Igreja –Cristo e os Fariseus–
como câncer e causa fundamental do esfriamento da Caridade. Isto é, sabe tornar
simples o intrincado em qualquer gênero literário que encare. Sim tem uma saga
temática, a meu parecer, sobre o Fim dos tempos que valeria a pena seguir com certa
ordem, ainda que não seja necessário. Me refiro aos quatro ou cinco livros
sobre os temas apocalípticos que teriam de começar por Cristo ¿vuelve o
no vuelve?, seguir com os Papeles de don Benjamín Benavides, em
seguida o Apocalipse de San Juan para terminar esta saga com su
Majestad Dulcinea.
Em Psicologia, capta a profundidade inaciana na Catarsis
Católica en los Ejercicios Espirituales de San Ignacio, sua tese doutoral,
que calaria muito detrator. Outros livros recomendáveis são Psicología
Humana e também Freud en cifras nos mostram um perito
muito elegante em trabalho de campo.
Adelante la fé - Leonardo Castellani, defensor de la Tradición
Javier Navascués
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