terça-feira, 25 de dezembro de 2018

Meditação de Natal





Tradução de Airton Vieira – 1. A segunda das Antífonas Maiores do Advento (das sete que se antepõem ao cântico do Magníficat na recitação de Vésperas entre os dias 17 a 23 de dezembro da Liturgia das Horas) nos conduz a uma de tantas prefigurações do Messias das que está repleto o Antigo Testamento. Ali Cristo é invocado com o nome de Adonai:

Oh Adonai, Pastor da Casa de Israel, que aparecestes a Moisés na chama da sarça ardente e no Sinai lhe deste a lei, vem redimir-nos com o poder de teu braço.

O primeiro que se apresenta a nossa meditação é o insondável e misterioso contraste entre o significado do nome veterotestamentário e a singular teofania que esplende na humildade do Berço de Belém. Adonai, em efeito, era o Nome com que os judeus nomeavam a Deus cada vez que na Sagrada Escritura aparecia o Nome de Yahweh, o mesmo com o que Deus se tinha dado a conhecer a Moisés na sarça ardente do Horeb: Eu sou o que sou. É que a eles estava vedado pronunciar o nome sagrado de Deus, o que chegou há nós na forma do Tetragramaton YHVE; por isso o substituíam por Adonai.

Adonai significa o Senhor, o Kyrios grego, o Dominus das versões latinas. O Senhor, Meu Senhor, o Senhor Majestoso na plenitude de seu Poder e de sua Glória. Mais de trezentas vezes o Velho Testamento traz este nome inefável que a voz humana se atreve a pronunciar apenas. Tão sublime é este Nome que o mesmo Deus não o deu a conhecer aos primeiros Pais. Lemos, assim, no Êxodo, capítulo 6, versículos 2 e 3: E falou Deus a Moisés e lhe disse: Eu sou o Senhor. Apareci a Abraão, Isaac e Jacó como Deus Todo-poderoso; mas não lhes dei a conhecer meu nome de Adonai.


Santo Tomás de Aquino, com sua habitual claridade, explica qual é o sentido deste ocultamento do Nome de Deus aos primeiros Pais. Se trata, em primeiro lugar, da explicitação da Fé que se dá de maneira gradual no curso dos tempos. Assim, os últimos Pais conheceram de maneira explícita coisas desconhecidas para os primeiros; e por isso o Senhor diz a Moisés que a estes não se deu a conhecer com seu Nome de Adonai (Êxodo 6,2-3) e Davi, por sua parte, afirma possuir mais cordura que os velhos (Salmo118,100). De igual modo o Apóstolo Paulo escreve (Efésios 3, 5) que em gerações passadas não foi dado a conhecer aos homens, como foi revelado a seus santos apóstolos e profetas, o mistério de Cristo (Summa Theologiae II-IIae, q 1, a 7, corpus). O mesmo ocorre com as profecias que no curso do tempo foram crescendo conforme a admirável pedagogia de Deus. Em efeito, assim que se ordena a fé na divindade, a profecia cresce segundo três distintas etapas temporais: antes da lei, sob a lei e sob a graça. Antes da lei, Abraão e os outros pais foram instruídos só no tocante à fé na divindade, daqui o sentido da citada passagem de Êxodo 6, 2-3. Moisés, em câmbio, foi instruído sobre a simplicidade da essência divina quando lhe foi dito, conforme Êxodo 3,14: Eu sou o que sou, que é o que expressam os judeus com o nome de Adonai, por causa da veneração em que tinham àquele nome inefável (Summa Theologiae II-IIae, q 174, a 6, corpus).

A História da Salvação nos aparece deste modo como uma progressiva manifestação de Deus não quanto a sua substância mas quanto a sua explicitação conforme iam madurando os tempos, sempre segundo o plano providente de Deus que tudo o move com suavidade e segundo o modo de cada coisa. Tal a magnificência do nome Adonai com o que a liturgia de Advento chama a Cristo que vem.
Em que consiste, então, esse inefável e misterioso contraste do que falamos a princípio? É que o Adonai, o Todo-poderoso, Aquele cujo nome não ousam nomear os lábios humanos, é agora um menino anunciado pelo Anjo a uns pobres pastores: Hoje vos nasceu na Cidade de Davi um Salvador que é Cristo o Senhor. E isto os servirá de sinal: achareis um menino, envolto em panos e deitado em uma manjedoura (Lucas 2, 11-12). Oh, inefável e misterioso Poder de Deus que se manifesta na extrema debilidade de um menino recostado em uma manjedoura! Oh, Tu, Adonai, que sendo a Grandeza mesma te abaixas à extrema pequenez de um menino! Oh, Deus Onipotente que escolhestes brilhar na máxima impotência da natureza humana!

2. Segue a Antífona invocando Adonai como Pastor da Casa de Israel e o Legislador do Sinai. Temos aqui o segundo ponto de reflexão que nos oferece o texto. A Casa de Israel é figura da herança que merecemos pelo sangue do Messias. Agora, o Deus que conduziu os israelitas pelo deserto à terra prometida, é o Cristo, o Redentor que nos conduz como Pastor Supremo à definitiva terra da graça. E aquela Antiga Lei dada a Moisés na sarça ardente não foi senão a prefiguração da Nova Lei, a Lei da Graça, a da Nova Aliança selada com sangue no Calvário. O Cristo que nasce é o Divino Legislador que vem a nós e porta em suas manos as novas tábuas de uma lei que sobrepuja e leva a sua plenitude aquela que conheceram nossos primeiros pais. É Cristo mesmo que o disse: Não vim abolir a Lei nem os Profetas… vim dar-lhe cumprimento (Mateus 5, 17).

Mas como se levou a cabo esse cumprimento senão pela dupla kenosis de Cristo, esta da Manjedoura e aquela outra da Cruz? A Manjedoura e a Cruz são, agora, o braço poderoso de Adonai. Cristo, é braço de Deus. Frei Luís de Granada ao evocar este nome do Senhor nos remete a Isaías: A quem foi revelado o braço de Yahvé? (Isaías 53, 1). Também ao Magníficat: Derrubou o poder de seu braço e dispersou os poderosos (Lucas, 1, 51). Mas se invocamos “o poder de teu braço que vem salvar-nos”, que outra coisa estamos invocando senão a poderosa impotência da Manjedoura que vem reinar no trono da Cruz?

3. Cedamos, a modo de recapitulação desta Antífona, a palavra a Dom Próspero Guéranger:
Oh, soberano Senhor, Adonai! Vem resgatar-nos, não com teu poder, mas com tua humildade. Antigamente apareceste a teu servo Moisés em meio a uma santa chama; deste a lei a teu povo entre raios e trovões: agora não se trata de amedrontar mas de salvar. Por isso, conhecedores tal puríssima Mãe Maria e seu esposo José do edito do Imperador que lhes obriga a empreender o caminho de Belém, ocupam-se dos preparativos de teu próximo Nascimento. Dispõe ela, oh Sol divino, os humildes panos que hão de cobrir tua nudez, e que neste mundo criado por ti te protegerão contra o frio, quando apareças no meio da noite e do silêncio. Assim é como nos livras da servidão do orgulho, assim como se deixará sentir teu braço poderoso mesmo que pareça débil e inútil aos olhos dos homens. Tudo está disposto, oh Jesus, teus panos te esperam: sai pois quanto antes e vem a Belém, para resgatar-nos do poder de nossos inimigos (O Ano Litúrgico. Advento e Natal, Primeira Edição Espanhola, Burgos, 1954).

Eis aqui, em todo seu esplendor o admirável paradoxo de Deus que assim nos instrui e nos guia na contemplação do grande mistério do Natal.
Dobremos o joelho ante esse Menino que geme de frio e chora. É o Adonai, o Senhor, o Onipotente. O que nos dá a Nova Lei da Graça. O que assume a impotência e a fragilidade de nossa carne para redimir-nos com a onipotência de seu Amor.
Feliz Natal!
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Fonte: https://adelantelafe.com/meditacion-de-navidad-2/
 

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